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A reforma do Código de Processo Penal à luz dos princípios constitucionais

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22/05/2007 às 00:00
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4. Projeto de lei nº 4.206/01 – Recursos e ações de impugnação

            O Projeto de Lei 4.206/01 trata de alterar dispositivos relativos aos recursos e as ações de impugnação.

            A primeira mudança é de que os recursos serão somente voluntários (Art. 574). Na sistemática atual, admite-se o recurso ex officio, nas hipóteses de concessão de habeas corpus, nas decisões proferidas nos termos do art. 411 do CPP, das decisões que concederem reabilitação e nas hipóteses previstas no art. 7 da lei nº 1.521 de 1951 (legislação sobre crimes contra a economia popular).

            No entanto, como há muito tempo vem sendo discutido, esse recurso ex officio não teria natureza recursal, e sim de providência administrativa, medida prevista em lei, como condição de eficácia da decisão (TOURINHO FILHO, 2004, v.4).

            Alguns julgados se firmam na idéia de banimento desta modalidade recursal do nosso ordenamento, ante a nova visão constitucional conferida ao Parquet. No entanto, o Supremo Tribunal Federal já se manifestou sobre o assunto, in verbis:

            1. O impropriamente denominado "recurso ex officio" não foi revogado pelo art.129, I, da Constituição, que atribui ao Ministério Publico a função de promover, privativamente, a ação penal, e, por exclusão, a de recorrer nas mesmas ações. 2. A pesquisa da natureza jurídica do que se contém sob a expressão "recurso ex officio" revela que se trata, na verdade, de decisão que o legislador submete ao duplo grau de jurisdição, e não de recurso em sentido próprio e técnico (HC 74.714-1, DJU 22-8-1997, p.38761).

            Tem legitimidade para recorrer, segundo o art. 577 do projeto, o Ministério Público, o querelante, o ofendido, nas hipóteses previstas em lei (Art. 598 do CPP: nos crimes de competência do Tribunal do Júri, ou do Juiz singular, se da sentença não for interposta apelação pelo Ministério Publico no prazo legal) e o acusado ou defensor.

            Elimina-se o termo de interposição, devendo a apelação estar acompanhada das razões, salvo no caso do apelante ser o acusado, caso em que o defensor será intimado para arrazoar o recurso no respectivo prazo.

            Segundo o art. 580, "no caso de concurso de pessoas, a decisão do recurso interposto por um dos acusados, se fundado em motivos que não sejam de caráter exclusivamente pessoal, aproveitará aos outros".

            Trata-se do chamado efeito extensivo ou subjetivo dos recursos. A reformatio in melius aproveitará a todos os acusados, salvo se a decisão restringir-se a uma circunstância de caráter pessoal de algum dos agentes.

            O projeto transforma o atual recurso em sentido estrito em agravo, atendendo aos reclamos da doutrina em se uniformizar a impetração do agravo para todas as decisões interlocutórias, no âmbito civil ou penal. Inclusive, traz para o Código de Processo o recurso de agravo contra decisão proferida pelo juiz da execução que, atualmente, é regulado pela Lei das Execuções Penais.

            Importante inovação é o cabimento do agravo quando o juiz declarar lícita ou ilícita a prova, o que tem sido objeto de manejo de habeas corpus para obter o desentranhamento das provas ilícitas. É claro que o interessado, em muitos casos, deixará de usar o agravo para substituí-lo pelo habeas corpus sempre que houver restrição da liberdade ou risco de uma condenação injusta, embora futura. Nos casos de negar fiança, indeferir liberdade provisória, manter a prisão em flagrante ou indeferir medidas cautelares, bem como indeferir pedido de extinção da punibilidade, é óbvio que o interessado irá manejar o habeas corpus que é um meio mais expedito de obter a tutela jurisdicional de resguardo da liberdade.

            Outra inovação no capítulo do agravo foi a exclusão do cabimento deste recurso contra sentença que absolve sumariamente o réu nos crimes de competência do Júri. Sabe-se que, no atual CPP, é cabível o recurso em sentido estrito contra aquela decisão que absolve o réu, embora a doutrina admita o equívoco dessa decisão ser atacada pelo recurso em sentido estrito ou pelo futuro agravo, por se tratar de decisão definitiva de mérito, atacável por apelação.

            Adotou-se no projeto o agravo com as mesmas características articuladas ao processo civil, ou seja, de acordo com a novel redação do art.584, "o agravo retido terá efeito apenas devolutivo e o agravo de instrumento terá também efeito suspensivo nos casos em que, a critério do juiz, sendo relevante a fundamentação do pedido, da decisão puder resultar lesão grave ou de difícil reparação".

            Ainda, "o agravo retido será interposto por petição dirigida ao juízo recorrido, acompanhada de razões endereçadas ao tribunal competente para o julgamento da apelação, com requerimento de que o tribunal dele conheça preliminarmente". Poderá, até, ser interposto oralmente, das decisões em audiência, constando do respectivo termo as razões que justifiquem o pedido de nova decisão.

            Já o agravo de instrumento, de acordo com o art.586 e incisos, será interposto perante o juízo recorrido, com razões dirigidas ao tribunal competente, por meio de petição contendo os seguintes requisitos:

            1)a exposição do fato e do direito;

            2)as razões do pedido de reforma da decisão;

            3)a indicação das peças a serem trasladadas ao instrumento;

            4)o nome e o endereço completo dos advogados constantes dos autos.

            O traslado das peças indicadas pelo agravante será realizado sem ônus pelo cartório, assim como as requeridas pelo agravado em sua resposta. No entanto, deve-se observar que se o agravante ou agravado for reconhecidamente pobre na forma da lei, as custas deverão ser pagas pelo Estado.

            Segundo a redação do art.589, "se o juiz reformar a decisão agravada, a parte contrária poderá agravar, quando cabível, por simples petição, da nova decisão, sendo vedado ao juiz modificá-la e, às partes, apresentar novas razões". Trata-se do chamado juízo de retratação ou efeito iterativo do recurso que é a oportunidade dada ao próprio juiz para reformar a sua decisão, invertendo o mérito.

            Há uma certa resistência de se admitir esse juízo de retratação em sentenças definitivas, alegando-se que lançada a sentença o juiz encerra o seu ofício jurisdicional, cabendo unicamente ao tribunal exercer o papel de revisor daquela decisão. Por outro lado, o juízo de retratação favorece a celeridade processual evitando-se que a matéria decidida necessariamente suba à instância revisora mesmo quando flagrante o equívoco do juízo monocrático.

            É claro que, retratando-se na sua decisão, abre-se à parte contrária o direito de recorrer, pois, tornou-se sucumbente com a inversão do mérito. Nesse caso, basta uma simples petição solicitando o encaminhamento dos autos para apreciação da superior instância. Destacando-se que, depois de feita a retratação, o juiz não poderá novamente modificar essa decisão, propiciando unicamente o recurso da parte prejudicada.

            As principais mudanças no tocante ao recurso de apelação são as seguintes:

            1)Aumentou-se o prazo de sua interposição, de 5 para 15 dias;

            2)Manteve-se o caráter subsidiário do agravo quando se recorra de decisão definitiva em que se ataca apenas parte dela. Nesse caso, será sempre cabível a apelação, pois, a rigor, ataca-se a sentença definitiva de mérito (condenatória ou absolutória). Mas poderá o Tribunal receber o recurso de agravo erroneamente interposto como sendo apelação, com base no princípio da fungibilidade recursal;

            3)Esclareceu o projeto que o recurso de apelação contra sentença condenatória terá efeito suspensivo, em face da presunção de inocência. Mas, poderá o juiz, fundamentadamente, determinar o recolhimento cautelar do condenado até o julgamento definitivo da apelação, pois é certo que a prisão cautelar não ofende a garantia constitucional do princípio da presunção de inocência como já decidiu o Superior Tribunal de Justiça na sua Súmula n.º 9 (A exigência de prisão provisória para apelar não ofende a garantia constitucional da presunção de inocência).

            Em relação às decisões do tribunal do júri, mantiveram-se os mesmos casos de cabimento da apelação, apenas aditando-se que no caso de julgamento contrário à lei expressa ou à decisão dos jurados, bem como havendo erro ou injustiça na aplicação da pena, o Tribunal ad quem fará a devida retificação. Implica dizer que não será devolvido o processo para o juiz-presidente proferir nova decisão, cabendo ao próprio tribunal corrigir esses aspectos técnicos da decisão e que não atingem a soberania dos veredictos, pois se trata de matéria unicamente de direito.

            Manteve-se, ainda em relação ao júri, a possibilidade de uma única apelação quando o julgamento for contra a prova dos autos. Nesse caso, o tribunal anulará a decisão dos jurados e mandará o réu a novo julgamento popular, sem que haja ofensa ao princípio da soberania do júri. Nesse novo julgamento poderá ocorrer agravamento da situação do réu, pois se trata de um novo julgamento com outra composição do júri, que exercerá a sua soberania plenamente, o que não ocorreria, se se tratasse de um julgamento feito por um juiz singular, tendo em vista a proibição da reformatio in pejus indireta.

            O projeto, expressamente, adotou a sistemática do processo civil quanto aos efeitos translativos do recurso ordinário, permitindo que o tribunal profira decisão sobre "as questões suscitadas e discutidas no processo, ainda que a sentença não as tenha julgado por inteiro".

            Para que o recurso não seja inepto é necessário que a petição contenha o seguinte:

            1-A designação de recorrente e recorrido;

            2-Os fundamentos de fato e de direito;

            3-O pedido de nova decisão.

            Segundo o parágrafo único do art.605, "havendo apelação contra a decisão de rejeição liminar da denúncia ou queixa, o acusado será citado pessoalmente para responder, valendo a citação para os termos ulteriores do processo". Nesse sentido, atentou-se para a ampla defesa, pois, mesmo que não haja ainda processo, o recorrido tem interesse de ver mantida a decisão e por isso deverá ser intimado para responder ao recurso. Essa disposição vem a corroborar jurisprudência sumulada do Supremo Tribunal Federal, consubstanciada na Súmula 707, que diz: "Constitui nulidade a falta de intimação do denunciado para oferecer contra-razões ao recurso interposto da rejeição da denúncia, não a suprindo a nomeação de defensor dativo".

            O capítulo IV trata do processo e do julgamento dos recursos nos tribunais, in verbis:

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            Art.609. Os recursos serão julgados pelo tribunal competente de acordo com a lei e as normas de organização judiciária.

            Parágrafo único. As câmaras, turmas, grupos ou outros órgãos fracionários terão a competência estabelecida pelas normas de organização judiciária.

            Art.610. Se a decisão desfavorável ao acusado, na apelação, tomada em órgão fracionário do tribunal, não for unânime, o processo será automaticamente colocado em pauta para reexame pelo órgão competente, pelo menos quinze dias após a publicação do resultado do julgamento.

            §1º. O resumo dos votos vencedores e vencido, no julgamento da apelação, com seus fundamentos, constará da intimação do julgamento.

            §2º. Os interessados poderão manifestar-se, por escrito, até a data do novo julgamento e sustentar oralmente na sessão.

            §3º. O órgão competente para o reexame será composto de modo a garantir a possibilidade de reversão do julgamento.

            §4º. A decisão da apelação não terá eficácia enquanto não for cumprido o disposto no caput deste artigo.

            Art.611. Salvo o caso de requerimento expresso e destacado de efeito suspensivo no agravo de instrumento, este, após distribuição ao relator, irá, de imediato, independentemente de despacho, ao Ministério Público, para parecer em dez dias.

            Parágrafo único. O relator, ou órgão instituído por norma de organização judiciária, decidirá sobre a concessão ou não do efeito suspensivo e comunicará ao juízo a sua decisão, remetendo-se após os autos ao Ministério Público para parecer.

            Art.612. Salvo disposição expressa em contrário, conclusos os autos, o relator os examinará em 10 dias, enviando-os, em seguida, quando for o caso, ao revisor por igual prazo.

            Parágrafo único. Os autos serão enviados à mesa de julgamento pelo relator ou revisor, conforme o caso.

            Art.613. Haverá revisor somente em recursos de apelação relativos a processos por crimes punidos com pena máxima superior a quatro anos.

            Art.614. No caso de impossibilidade de observância de qualquer dos prazos pelo julgador, os motivos da demora serão declarados nos autos.

            Art.615. O tribunal decidirá por maioria de votos.

            §1º. Havendo empate de votos no julgamento de recursos, se o presidente do tribunal, câmara ou turma não tiver tomado parte na votação, proferirá o voto de desempate; caso contrário, prevalecerá o mais favorável ao acusado.

            §2º. O resultado do julgamento será proclamado pelo presidente após a tomada de votos, observando-se, sob sua responsabilidade, o seguinte:

            I- prevalecendo o voto do relator e ressalvada a hipótese de retificação da minuta de voto, o acórdão será assinado ao final da sessão de julgamento ou, no máximo, em cinco dias;

            II- no caso de não prevalecer o voto do relator, o acórdão será assinado pelo relator designado, sendo obrigatória a declaração de voto vencido, se favorável ao acusado;

            III- no caso de retificação da minuta de voto, o acórdão será assinado no prazo máximo de dez dias;

            IV- a secretaria do tribunal fará publicar, no dia subseqüente à assinatura do acórdão, a intimação, iniciando-se, a partir desta, o prazo para eventual recurso.

            O capítulo V trata dos embargos de declaração, os quais sofreram alterações decorrentes dos ensinamentos doutrinários e seguindo a sistemática acolhida pelo Código de Processo Civil. Assim, caberão embargos de declaração quando:

            I- houver, na sentença ou no acórdão, obscuridade ou contradição;

            II- for omitido ponto sobre o qual devia pronunciar-se o juiz ou tribunal.

            Segundo o §1º do art.618, "os embargos só terão efeito modificativo na medida do esclarecimento da obscuridade, da eliminação da contradição ou do suprimento da omissão". O prazo será de 5 (cinco) dias, devendo o embargante indicar, em petição dirigida ao juiz ou relator, o ponto obscuro, contraditório ou omisso (§2º, art.618).

            Acrescenta-se que "os embargos de declaração interrompem o prazo para a interposição de outros recursos por qualquer das partes".

            O capítulo VII aduz, no art.620, que "o recurso especial e o recurso extraordinário serão processados e julgados na conformidade da lei específica e na forma estabelecida pelos regimentos internos".

            Com relação às mudanças previstas para a revisão criminal e o habeas corpus, estes são inseridos no título III, denominado "ações de impugnação". Dessa maneira, no habeas corpus, estipula-se prazo para a manifestação do Órgão Ministerial, que será de 5 dias. Prevê-se, ainda, a intimação da designação da sessão de julgamento, a pedido do impetrante.

            E, finalmente, o projeto trata de suprimir o protesto por novo júri e a carta testemunhável, tendo em vista as alterações processadas no âmbito do agravo.

            O recurso de protesto por novo júri é uma excrescência jurídica. Trata-se de um recurso meramente protelatório, para as condenações pelo júri igual ou superior a 20 anos de prisão.

            A carta testemunhável também é um recurso ultrapassado, não conhecido em outras legislações. Pode perfeitamente ser substituído pelo agravo como proposto pela reforma.

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Sobre o autor
Daniel Feitosa de Menezes

Procurador do Estado do Ceará. Especialista em Direito Tributário. Ex-Procurador do Município de Teresina (PI).

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

MENEZES, Daniel Feitosa. A reforma do Código de Processo Penal à luz dos princípios constitucionais. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 12, n. 1420, 22 mai. 2007. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/9907. Acesso em: 26 abr. 2024.

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