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A reforma do Código de Processo Penal à luz dos princípios constitucionais

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22/05/2007 às 00:00
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5. Projeto de lei nº 4.207/01 – suspensão do processo, emendatio libelli, mutatio libelli e procedimentos.

            O Projeto de Lei 4.207/01 altera dispositivos do Código de Processo Penal, relativos à suspensão do processo, emendatio libelli, mutatio libelli e aos procedimentos.

            Segundo os argumentos trazidos pela Comissão para justificar a proposta:

            Este anteprojeto visa a aperfeiçoar a redação dos Arts. 366, 383 e 384 do Código de Processo Penal, bem como a alterar os dispositivos a respeito dos procedimentos adotados por este estatuto legal, tratando, ainda, dos efeitos civis da sentença penal condenatória e da função privativa do Ministério Publico para a promoção da ação penal publica.

            A modificação proposta ao Art.366 do Código de Processo Penal estabelece que "o processo terá completada sua formação quando realizada a citação pessoal, ou com hora certa, do acusado". Percebe-se aqui a inovação trazida pelo projeto, com a inclusão da citação por hora certa no sistema processual penal.

            O atual ordenamento apenas prevê a citação por mandado (quando o acusado se encontrar na circunscrição sujeita à jurisdição do juiz), inclusive por meio de precatória ou rogatória (quando se encontrar ele em outra circunscrição do país, em outro país), por ofício (militar) e por edital (nas hipóteses dos arts. 361, 362 e 363).

            Assim sendo, de acordo com o projeto de lei, se o acusado, de qualquer modo, furtar-se a receber a citação, será certificada a ocorrência pelo oficial de justiça encarregado da diligência, efetuando-se a citação com hora certa, na forma estabelecida nos arts. 227 a 229 do Código de Processo Civil (§2º, do Art.366). Sendo citado por hora certa, caso não compareça, ser-lhe-á nomeado defensor, passando a correr o prazo para o oferecimento da defesa (§3º).

            De acordo com o §4º do Art.366, in verbis:

            §4º. Não comparecendo o acusado citado por edital, nem constituindo defensor:

            a) ficará suspenso o curso do prazo prescricional pelo correspondente ao da prescrição (art. 109 do Código Penal); decorrido esse prazo, recomeçará a fluir o da prescrição;

            b) o juiz determinará a produção antecipada de provas por ele consideradas urgentes e relevantes;

            c) o juiz poderá decretar a prisão preventiva do acusado, nos termos do disposto no art. 312.

            Nesse sentido, resolveu-se uma das várias questões debatidas entre os doutrinadores quando da edição da Lei 9.271/96, ou seja, da duração da suspensão do prazo prescricional. Assim, ao término do prazo de suspensão, o processo continuará suspenso até que o acusado compareça, ou seja extinta a punibilidade do crime pela prescrição.

            O atual artigo 366 do CPP não fixa o prazo de término da suspensão do curso do prazo prescricional e a doutrina já vislumbrava a possível inconstitucionalidade, pois a imprescritibilidade é matéria que deve ser prevista na Constituição. Dessa maneira, a redação proposta está, inclusive, em sintonia com a jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça, como se pode observar nos seguintes acórdãos:

            CRIMINAL. HC. DISPARO DE ARMA DE FOGO EM LOCAL HABITADO. SUSPENSÃO DO PROCESSO NOS TERMOS DO ART. 366 DO CPP. SUSPENSÃO DO PRAZO PRESCRICIONAL. LIMITE. PRESCRIÇÃO CARACTERIZADA. ORDEM CONCEDIDA.

            O art. 366 do CPP não fixa prazo máximo tanto para o período da suspensão do curso processual, quanto para a implementação do lapso prescricional.

            Admitir que a suspensão do prazo prescricional siga indefinidamente significaria tornar imprescritíveis condutas cuja punição abstratamente cominada seja branda.

            O parâmetro para o limite da suspensão do curso do prazo prescricional, em caso de suspensão do processo nos termos do art. 366 do CPP, é aquele determinado pelos incisos do art. 109 do Código Penal, adotando-se o máximo da pena abstratamente cominada ao delito. Precedentes.

            Prescrição que deve ser reconhecida - considerando-se a pena máxima cominada ao delito de disparo de arma de fogo em local habitado e a menoridade do paciente – se, entre o último marco interruptivo da contagem do prazo prescricional e a presente data já transcorreu o período de 02 (dois) anos.

            Ordem concedida, para declarar extinta a punibilidade do paciente, em razão da prescrição.

            (HC 34345/SP, Rel. Ministro GILSON DIPP, QUINTA TURMA, julgado em 07.10.2004, DJ 16.11.2004 p. 305)

            HABEAS CORPUS. CONTRAVENÇÃO PENAL. CITAÇÃO POR EDITAL. ART. 366 DO CÓDIGO DE PROCESSO PENAL. SUSPENSÃO DO PROCESSO E DO CURSO DO PRAZO PRESCRICIONAL. LIMITE. PENA MÁXIMA. PARÂMETROS DO ART. 109 DO CÓDIGO PENAL. PRESCRIÇÃO DA PRETENSÃO PUNITIVA. EXTINÇÃO DA PUNIBILIDADE.

            ORDEM CONCEDIDA.

            1. O entendimento pacificado nesta Corte é no sentido de que, diante do silêncio do art. 366 do Código de Processo Penal e da impossibilidade de tornar imprescritíveis crimes assim não definidos, quando o acusado, citado por edital, não comparece nem constitui advogado, devem ser utilizados os parâmetros do art. 109 do Código Penal para determinar o período de suspensão do prazo prescricional.

            2. Tendo sido recebida a peça acusatória em 4/6/1997, e considerando o tempo em que ficou suspenso o prazo prescricional - de 14/7/1997 a 14/7/1999 -, a prescrição ocorreu, quando muito, em 14 de julho de 2001 - sem que se teça considerações sobre o marco de início dessa contagem -, tendo como certo que desde então não houve a prática de qualquer ato que a interrompesse, na forma do art. 117 do Código Penal.

            3. Ordem concedida.

            (HC 24.986/RJ, Rel. Ministro PAULO GALLOTTI, SEXTA TURMA, julgado em 09.02.2006, DJ 18.12.2006 p. 519)

            Passa-se, agora, ao exame da emendatio libelli:

            Art. 383. O juiz, sem modificar a descrição do fato contida na denúncia ou queixa, poderá atribuir-lhe definição jurídica diversa, ainda que, em conseqüência, tenha de aplicar pena mais grave.

            § 1o As partes, todavia, deverão ser intimadas da nova definição jurídica do fato antes de prolatada a sentença.

            § 2o A providência prevista no caput deste artigo poderá ser adotada pelo juiz no recebimento da denúncia ou queixa.

            § 3o Se, em conseqüência de definição jurídica diversa, houver possibilidade de proposta de suspensão condicional do processo, o juiz procederá de acordo com o disposto na lei.

            § 4o Tratando-se de infração da competência do Juizado Especial Criminal, a este serão encaminhados os autos.

            As alterações de mais relevo dizem respeito, primeiro, à introdução do devido contraditório, intimando-se as partes acerca da nova definição jurídica do fato, apesar do entendimento de que não há nulidade por não se dar vista à defesa quando da ocorrência de emendatio libelli, já que o réu deve defender-se dos fatos imputados; segundo, à antecipação da emendatio libelli para o momento do recebimento da denúncia ou queixa.

            Já no tocante à mutatio libelli:

            Art. 384. Encerrada a instrução probatória, se entender cabível nova definição jurídica do fato, em conseqüência de prova existente nos autos de elemento ou circunstância da infração penal não contida na acusação, o Ministério Público poderá aditar a denúncia ou queixa, se em virtude desta houver sido instaurado o processo em crime de ação pública, reduzindo-se a termo o aditamento, quando feito oralmente.

            § 1o Ouvido o defensor do acusado e admitido o aditamento, o juiz, a requerimento de qualquer das partes, designará dia e hora para continuação da audiência, com inquirição de testemunhas, novo interrogatório do acusado, realização de debates e julgamento.

            § 2o Aplicam-se ao previsto no caput deste artigo as disposições dos §§ 3o e 4o do art. 383.

            § 3o Havendo aditamento, cada parte poderá arrolar até três testemunhas, no prazo de três dias.

            § 4o Não recebido o aditamento, a audiência prosseguirá.

            Na atual sistemática, só haveria possibilidade de aditamento da exordial delatória pelo Órgão Ministerial se a nova definição jurídica dada ao fato importasse aplicação de pena mais grave. Agora, com o projeto, de todas as maneiras o Ministério Público poderá aditar, inclusive verbalmente, a denúncia ou queixa (trata-se, aqui, de queixa subsidiária), atentando-se, assim, para a norma constitucional que confere ao Parquet a exclusividade na promoção da ação penal pública.

            Urge, agora, comentar uma das grandes alterações previstas neste projeto de lei, que é a possibilidade de o juiz, ao proferir sentença condenatória, "fixar valor mínimo para reparação dos danos causados pela infração, considerando os prejuízos sofridos pelo ofendido".

            Sabe-se que, na maioria dos casos, a prática da infração penal tem repercussão em duas ordens distintas de interesses: "o social, sob a égide das leis sociais, e o particular, que as leis civis protegem" (TOURINHO FILHO, 2004, v.2).

            Desse modo, praticado o delito, nascem duas ações: a ação penal, visando a aplicação da pena, e a ação civil, objetivando a reparação dos prejuízos ocasionados pelo crime.

            O sistema adotado pelo nosso ordenamento é o da independência das instâncias. Ou seja, se houver sentença penal condenatória definitiva, será ela exeqüível na jurisdição civil (Art.584, II, do CPC), em que não mais se discutirá o an debeatur (se deve), e sim o quantum debeatur (quanto é devido).

            Com a mudança, será possível ao magistrado fixar um valor mínimo para reparar os danos civis causados pela infração penal. Nesse sentido, observa-se a preocupação em resguardar os interesses da vitima no processo penal que, a bem da verdade, nunca foi muito bem tutelado pelo ordenamento processual.

            Nesse diapasão, foi acrescentado parágrafo único ao Art.63, atinente aos efeitos civis da sentença penal, determinando que, transitada em julgado a referida sentença, a execução pode ser efetuada pelo valor fixado pelo juiz, sem prejuízo da liquidação para apuração do dano efetivamente sofrido.

            Ainda sobre os efeitos da sentença penal condenatória, "o juiz decidirá, fundamentadamente, sobre a manutenção ou, se for o caso, imposição de prisão preventiva ou de outra medida cautelar (art.319), sem prejuízo do conhecimento da apelação que vier a ser interposta".

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            Assim, a antiga prisão decorrente de sentença penal condenatória, contrária à presunção de inocência tutelada pela Constituição de 1988, só pode subsistir desde que reconduzida à prisão cautelar, não sendo mais considerada a falta de comparecimento para o cárcere ou a fuga requisito de admissibilidade da apelação, em consonância, agora, com a Declaração Americana sobre os Direitos do Homem.

            A Constituição da Republica estabelece, no art.129, inciso I, que é função institucional do Ministério Publico "promover, privativamente, a ação penal pública, na forma da lei". Nesse sentido, o Art.257 do Código de Processo Penal passaria a ter a seguinte redação: "Art.257. Ao Ministério Publico cabe: I – promover, privativamente, a ação penal pública, na forma estabelecida neste Código; e II – fiscalizar a execução da lei".

            Finalmente, o projeto trata de alterar a dinâmica do processo, garantindo celeridade, eficácia e ampla defesa.

            Assim, o novo art.394 divide o procedimento em comum e especial. O procedimento comum será ordinário, sumário ou sumaríssimo. Será ordinário, quando tiver por objeto crime cuja pena máxima cominada seja igual ou superior a quatro anos de prisão; sumário, quando tiver por objeto crime cuja pena máxima cominada seja inferior a quatro anos de prisão e sumaríssimo, para infrações penais de menor potencial ofensivo, na forma da lei (Lei 10.259/01).

            Segundo o disposto no §5º do Art.394, "aplicam-se subsidiariamente aos procedimentos especial, sumário e sumaríssimo as disposições do procedimento ordinário".

            O Art.395 dispõe que:

            Nos procedimentos ordinário e sumário, oferecida a denúncia ou queixa, o juiz, se não a rejeitar liminarmente, ordenará a citação do acusado para responder a acusação, por escrito, no prazo de dez dias, contados da data da juntada do mandado aos autos ou, no caso de citação por edital, do comparecimento pessoal do acusado ou do defensor constituído.

            Observa-se que o legislador deu ênfase a garantia da defesa prévia, antes do exame da admissibilidade da denúncia, em consonância com os princípios constitucionais da ampla defesa e do devido processo legal.

            Após o recebimento da defesa, e as providências iniciais que porventura sejam tomadas, o juiz decidirá, fundamentadamente, sobre a admissibilidade da acusação, recebendo ou rejeitando a denúncia ou queixa. Segundo o projeto, a denúncia ou queixa será rejeitada quando:

            I – for manifestamente inepta

            II – faltar pressuposto processual ou condição para o exercício da ação penal

            III – faltar justa causa para o exercício da ação.

            Considerando plenamente comprovada a improcedência da acusação ou a existência manifesta de causa excludente da ilicitude do fato ou da culpabilidade do agente, salvo inimputabilidade, o juiz absolverá sumariamente o acusado, facultada às partes a prévia produção de provas. A nova redação do art.397 traz a possibilidade do julgamento antecipado da lide, instituto inovador na sistemática processual penal, evitando-se, assim, de prolongar um procedimento que não trará utilidade a nenhuma das partes, mas sim prejuízo, ao acusado.

            O §2º do Art.399 estabelece que "o juiz que presidiu a instrução deverá proferir a sentença". Adotou-se, agora, o princípio da identidade física do juiz, segundo o qual, o juiz que colher a prova é que deve julgar a causa.

            O direito processual civil pátrio admite este princípio, no seu Art.132, ao dizer que "o juiz, titular ou substituto, que concluir a audiência, julgará a lide, salvo se estiver convocado, licenciado, afastado por qualquer motivo, promovido ou aposentado; casos em que passará os autos ao seu sucessor".

            Agora, o legislador, mais em sintonia com os reclamos dos tribunais e doutrinadores, resolveu acolher o princípio. Nesse sentido, a jurisprudência há muito se levanta a favor da identidade física do juiz:

            Sempre se decidiu que no crime, lamentavelmente, não vige o critério da identidade física do juiz, embora muito mais exigível nele do que no cível, dado o princípio da individualização da pena, magnificamente imperante no direito criminal moderno (ac.un. da 3ª Cam., de 28-11-1968, no HC 8.533 – São Vicente, rel. Prestes Barra, RT, 398:280-1).

            No capitulo II, regula-se o procedimento ordinário, no Art.400, o qual diz:

            Na audiência de instrução e julgamento, a ser realizada no prazo máximo de trinta dias, proceder-se-á a tomada de declarações do ofendido, se possível, a inquirição das testemunhas arroladas pela acusação e pela defesa, nesta ordem, bem como aos esclarecimentos dos peritos, as acareações e ao reconhecimento de pessoas e coisas, interrogando-se, em seguida, o acusado.

            Vislumbra-se, aqui, a adoção de um prazo para a realização da audiência, e o interrogatório do acusado como último ato processual instrutório. Adotou-se, também, no parágrafo único do mesmo artigo, a audiência una de instrução. Outra mudança foi de que a parte só poderá desistir da inquirição de testemunha arrolada com a anuência da outra parte.

            Ainda na audiência, não havendo requerimento de diligências, ou sendo estas indeferidas, serão oferecidas alegações finais orais, por vinte minutos, respectivamente, pela acusação e pela defesa, prorrogáveis por mais dez, proferindo o juiz, a seguir, a sentença. (Art.403). No entanto, considerando a complexidade do caso ou o número de acusado, o juiz poderá conceder às partes o prazo de cinco dias, sucessivamente, para a apresentação de memoriais. Nesse caso, terá o magistrado o prazo de dez dias para proferir a sentença.

            Por último, o Art.405:

            Art.405. Do ocorrido em audiência será lavrado termo em livro próprio, assinado pelo juiz e pelas partes, contendo breve resumo dos fatos relevantes nela ocorridos.

            Parágrafo único. Sempre que possível, o registro dos depoimentos do investigado, indiciado, ofendido e testemunhas será feito pelos meios ou recursos de gravação magnética, estenotipia ou técnica similar, inclusive audiovisual, destinada a obter maior fidelidade das informações. Na forma por ultimo indicada, será encaminhado ao Ministério Publico o registro original, sem necessidade de transcrição.

            Falaremos agora sobre as novas disposições do Procedimento Sumário. Assim, no art.531, temos que:

            Art.531. Na audiência de instrução e julgamento, a ser realizada no prazo máximo de quinze dias, proceder-se-á a tomada de declarações do ofendido, se possível, a inquirição das testemunhas arroladas pela acusação e pela defesa, nesta ordem, bem como aos esclarecimentos dos peritos, as acareações e ao reconhecimento de pessoas e coisas, interrogando-se, em seguida, o acusado e procedendo-se, finalmente, ao debate.

            Na instrução poderão ser inquiridas até cinco testemunhas arroladas pela acusação e cinco pela defesa. Aplica-se, também, o princípio da concentração dos atos em audiência única. As alegações finais também serão orais. E, segundo o Art.537, "o procedimento sumário será concluído no prazo máximo de noventa dias".

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Sobre o autor
Daniel Feitosa de Menezes

Procurador do Estado do Ceará. Especialista em Direito Tributário. Ex-Procurador do Município de Teresina (PI).

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

MENEZES, Daniel Feitosa. A reforma do Código de Processo Penal à luz dos princípios constitucionais. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 12, n. 1420, 22 mai. 2007. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/9907. Acesso em: 29 mar. 2024.

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