Direito ao nome do natimorto como expressão ao dever de proteção aos direitos do nascituro

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2. CONCEITOS DE NASCITURO E NATIMORTO

Define-se nascituro, como sendo "aquele que há de nascer" (NASCITURO, 2021). Refere-se àquele que ainda não veio ao mundo e ainda está no ventre de sua genitora. A terminologia está correta, pois este feto possui apenas a expectativa de vida, visto que, caso porventura, no momento do parto ou no ventre materno venha a óbito, será denominado como natimorto.

Sendo assim, o natimorto é aquele que nasce sem vida ou conforme a definição do dicionário aquele que nasce morto (NATIMORTO, 2021). Todo feto já foi um nascituro um dia, a diferença é que caso haja alguma complicação no parto ou na gravidez e este ser venha a óbito, será designado como natimorto e a partir deste momento não será mais possuidor dos mesmos direitos e dos registros que o nascituro possui, por esta razão, previamente foi abordado acerca das expectativas ou teorias que este produto da concepção era possuidor.

2.1. A Declaração de Óbito e a definição do natimorto sob enfoques médicos

A Declaração de Óbito surgiu no Brasil no ano de 1976, a qual é utilizada em todo o âmbito nacional com parâmetros idênticos. Os seus principais objetivos são melhor definidos pelo ex-ministro da Saúde, José Gomes Temporão (2005, p. 7):

[...] A DO tem dois objetivos principais: o primeiro é o de ser o documento padrão para a coleta das informações sobre mortalidade, que servem de base para o cálculo das estatísticas vitais e epidemiológicas do Brasil; o segundo, de caráter jurídico, é o de ser o documento hábil, conforme preceitua a Lei dos Registros Públicos Lei 6.015/73, para lavratura, pelos Cartórios de Registro Civil, da Certidão de Óbito, indispensável para as formalidades legais do sepultamento.

Em conformidade com conceitos e parâmetros médicos para ser considerado natimorto e receber a respectiva Declaração de Óbito, o feto deverá se enquadrar nos critérios previstos expressamente no Conselho Federal de Medicina (Resolução n.º 1.779/2005):

Art 2º Os médicos, quando do preenchimento da Declaração de Óbito, obedecerão as seguintes normas: [...] 2) Morte fetal: Em caso de morte fetal, os médicos que prestaram assistência à mãe ficam obrigados a fornecer a Declaração de Óbito quando a gestação tiver duração igual ou superior a 20 semanas ou o feto tiver peso corporal igual ou superior a 500 (quinhentos) gramas e/ou estatura igual ou superior a 25 cm. (BRASIL, 2005.)

As características acerca dos óbitos estão empregadas em consonância com a Assembleia Mundial da Saúde (Resoluções WHA 20.19 e WHA 43.24), segundo o artigo 23 da Constituição da Organização Mundial de Saúde e consta na CID-10.

Portanto, esta delimitação possibilita que seja discriminado quem é o natimorto e quando ele será considerado um aborto. Quando o feto cumpre os parâmetros estabelecidos anteriormente, o médico terá a obrigação de fornecer a D.O. Contudo, caso o feto não se enquadre nestes preceitos é viabilizada ao médico a possibilidade de emissão da Declaração de Óbito, caso haja a solicitação da família.


3. A LEI DE REGISTROS PÚBLICOS NO QUE SE REFERE AOS REGISTROS DAS PESSOAS NATURAIS

Os Registros Públicos são estabelecidos pela Lei n. 6.015 de 1973 (LRP) e têm a função de dar autenticidade, segurança e eficácia aos atos registrados, conforme menciona a referida legislação. Visa atingir o âmbito social por completo, em decorrência disso, há efeitos jurídicos que são desenvolvidos e são divididos em três espécies, conforme deliberação de Walter Ceneviva (2010, p. 35/36):

[...] Os efeitos jurídicos produzidos são de três espécies básicas, não estanques:

a) constitutivos - sem o registro o direito não nasce;

b) comprobatórios - o registro prova a existência e a veracidade do ato ou fato ao qual se reporta;

c) publicitários - o ato ou fato registrado, com raras exceções, é acessível ao conhecimento de todos, interessados e não interessados.

Da primeira espécie são exemplos: no registro civil de pessoas naturais, o casamento e a emancipação; no registro civil de pessoas jurídicas, o dos atos constitutivos da pessoa jurídica; no registro de imóveis, a aquisição de propriedade imóvel por ato entre vivos.

Da segunda espécie são exemplos: no registro civil de pessoas naturais, o assento de óbito da pessoa presumidamente morta; no de pessoas jurídicas, a matrícula de jornal ou outra publicação periódica para comprovar a não clandestinidade; no de títulos e documentos, a transcrição de instrumentos particulares para a prova das obrigações convencionais de qualquer valor.

Da terceira espécie são exemplos: no registro civil de pessoas naturais, a interdição e a declaração de ausência; no de pessoas jurídicas, as averbações por alteração na matrícula de jornais, revistas e emissoras de radiodifusão; no de títulos e documentos, os contratos de locações de serviços não atribuídos a outros registradores.

Nesta lógica, trazendo para o enfoque deste artigo, pode-se afirmar que essa Lei é fundamental e que sem ela não seria possível prestar a fé pública dos atos e dos procedimentos praticados, como por exemplo, registrar e inscrever em seus livros os atos ocorridos na existência dos indivíduos. No que se refere ao Cartório de Registro Civil, por exemplo, que conta e exterioriza a vida civil do sujeito perante à sociedade por meio das certidões de casamento, nascimento e óbito.

Ainda se tratando sobre registros, os livros destinados aos assentamentos civis, conforme a LRP são reservados respectivamente:

Art. 33 Haverá, em cada cartório, os seguintes livros, todos com 300 (trezentas) folhas cada um: (Redação dada pela Lei nº 6.216, de 1975)

I - "A" - de registro de nascimento; (Redação dada pela Lei nº 6.216, de 1975)

II - "B" - de registro de casamento; (Redação dada pela Lei nº 6.216, de 1975)

III - "B Auxiliar" - de registro de casamento Religioso para Efeitos Civis; (Redação dada pela Lei nº 6.216, de 1975)

IV - "C" - de registro de óbitos; (Redação dada pela Lei nº 6.216, de 1975)

V - "C Auxiliar" - de registro de natimortos; (Incluído pela Lei nº 6.216, de 1975)

VI - "D" - de registro de proclama. (Incluído pela Lei nº 6.216, de 1975)

No que diz respeito ao natimorto, o registro a ele reservado deixa a desejar com relação aos elementos que deverão o compor, descrevendo o texto normativo que o presente assento deverá conter os elementos que couberem. Indica o art. 53, § 1º da Lei nº 6.015/73 que:

Art. 53. No caso de ter a criança nascido morta ou no de ter morrido na ocasião do parto, será, não obstante, feito o assento com os elementos que couberem e com remissão ao do óbito. (Renumerado do art. 54, com nova redação, pela Lei nº 6.216, de 1975).

§ 1º No caso de ter a criança nascido morta, será o registro feito no livro "C Auxiliar", com os elementos que couberem. (Incluído pela Lei nº 6.216, de 1975).

§ 2º No caso de a criança morrer na ocasião do parto, tendo, entretanto, respirado, serão feitos os dois assentos, o de nascimento e o de óbito, com os elementos cabíveis e com remissões recíprocas. (Incluído pela Lei nº 6.216, de 1975).

O mencionado dispositivo é visivelmente impreciso, principalmente se for comparado com as regulamentações dos registros de nascimento e óbito, que contém de forma explícita quais informações deverão obrigatoriamente constar em suas respectivas certidões, conforme se verifica nas disposições relativas ao nascimento previstas no art. 54, 1º ao 11º, da Lei nº 6.015/1973 e do óbito art. 80, 1º ao 12º da mesma legislação, a saber:

Art. 54. O assento do nascimento deverá conter: (Renumerado do art. 55, pela Lei nº 6.216, de 1975).

1°) o dia, mês, ano e lugar do nascimento e a hora certa, sendo possível determiná-la, ou aproximada;

2º) o sexo do registrando; (Redação dada pela Lei nº 6.216, de 1975).

3º) o fato de ser gêmeo, quando assim tiver acontecido;

4º) o nome e o prenome, que forem postos à criança;

5º) a declaração de que nasceu morta, ou morreu no ato ou logo depois do parto;

6º) a ordem de filiação de outros irmãos do mesmo prenome que existirem ou tiverem existido;

7º) Os nomes e prenomes, a naturalidade, a profissão dos pais, o lugar e cartório onde se casaram, a idade da genitora, do registrando em anos completos, na ocasião do parto, e o domicílio ou a residência do casal.

8º) os nomes e prenomes dos avós paternos e maternos;

9º) os nomes e prenomes, a profissão e a residência das duas testemunhas do assento, quando se tratar de parto ocorrido sem assistência médica em residência ou fora de unidade hospitalar ou casa de saúde. (Redação dada pela Lei nº 13.484, de 2017).

10º) número de identificação da Declaração de Nascido Vivo, com controle do dígito verificador, exceto na hipótese de registro tardio previsto no art. 46 desta Lei. e; (Redação dada pela Lei nº 13.484, de 2017)

11º) a naturalidade do registrando. (Incluído pela Lei nº 13.484, de 2017).

Art. 80. O assento de óbito deverá conter: (Renumerado do art. 81 pela, Lei nº 6.216, de 1975).

1º) a hora, se possível, dia, mês e ano do falecimento;

2º) o lugar do falecimento, com indicação precisa;

3º) o prenome, nome, sexo, idade, cor, estado, profissão, naturalidade, domicílio e residência do morto;

4º) se era casado, o nome do cônjuge sobrevivente, mesmo quando desquitado; se viúvo, o do cônjuge pré-defunto; e o cartório de casamento em ambos os casos;

5º) os nomes, prenomes, profissão, naturalidade e residência dos pais;

6º) se faleceu com testamento conhecido;

7º) se deixou filhos, nome e idade de cada um;

8°) se a morte foi natural ou violenta e a causa conhecida, com o nome dos atestantes;

9°) lugar do sepultamento;

10º) se deixou bens e herdeiros menores ou interditos;

11°) se era eleitor.

12º) pelo menos uma das informações a seguir arroladas: número de inscrição do PIS/PASEP; número de inscrição no Instituto Nacional do Seguro Social - INSS, se contribuinte individual; número de benefício previdenciário - NB, se a pessoa falecida for titular de qualquer benefício pago pelo INSS; número do CPF; número de registro da Carteira de Identidade e respectivo órgão emissor; número do título de eleitor; número do registro de nascimento, com informação do livro, da folha e do termo; número e série da Carteira de Trabalho. (Vide Medida Provisória nº 2.060-3, de 2000) (Incluído pela Medida Provisória nº 2.187-13, de 2001).

Parágrafo único. O oficial de registro civil comunicará o óbito à Receita Federal e à Secretaria de Segurança Pública da unidade da Federação que tenha emitido a cédula de identidade, exceto se, em razão da idade do falecido, essa informação for manifestamente desnecessária. (Incluído pela Lei nº 13.114, de 2015).

Sintetizando a legislação, Marçal (2018, p. 17) enuncia que:

Em se tratando de nascer com vida, realizar-se-á o registro de nascimento, atribuindo nome, filiação e todos os demais elementos que compõem o registro civil de nascimento. Em caso de morte suceder o nascimento, o registrador das pessoas naturais deve realizar dois registros, sendo o primeiro de nascimento e o segundo de óbito, efetivados de forma sucessiva e com remissões recíprocas. Além deles, a Lei de Registros Públicos (Lei nº 6.015/73, art. 3 e seu parágrafo único) impõe a necessidade de um registro que se interpõe numa zona cinzenta e de difícil manuseio jurídico por estar situado entre o nascimento e o óbito, trata-se do registro do natimorto, a ser realizado no livro C-auxiliar, com os elementos que couberem. O registro de natimorto ocupa-se daquele que nasceu sem vida a partir da vigésima semana de gestação e/ou com 500 gramas e/ou com tamanho igual ou superior a 25 centímetros.

Para interpretar corretamente essa norma, sua análise deve ter como pressuposto a Hermenêutica Jurídica, que consiste na busca do significado, e dá a prerrogativa ao leitor de encontrar a solução para a problemática, aplicando o Direito de modo que favoreça a compreensão da norma.

Existem numerosas formas de interpretação inseridas na Hermenêutica, a ideal para aplicação ao tema aqui tratado seria a interpretação extensiva, que amplia o sentido do conteúdo transcrito e o torna mais amplo. Conforme premissa de que a interpretação extensiva, por sua vez, também leva em consideração a mens legis, ampliando o sentido da norma para além do contido em sua letra, demonstrando que a extensão do sentido está contida no espírito da lei, considerando que a norma diz menos do que queria dizer (FERRAZ JR., 2001, p. 290-292).

Desse modo, em decorrência da ausência de indicação no texto legislativo dos elementos que devem constar no registro de natimorto, a interpretação é feita pelas normas editadas pelas Corregedorias Gerais de Justiça de cada Estado. O que acarreta a ausência de uniformidade destas. Por essa razão, em alguns locais inexiste a possibilidade de conter alguns componentes na certidão do natimorto, especialmente aqueles ligados ao nome, filiação (reconhecimento de paternidade) e à forma de organização do livro C-auxiliar, em especial por refletirem aspectos inerentes aos direitos da personalidade, seja do natimorto ou dos seus genitores, e em outros não (MARÇAL, 2018, p. 18).


4. AS NORMAS DAS CORREGEDORIAS GERAIS DE JUSTIÇA EM RELAÇÃO AO REGISTRO DE ÓBITO DO NATIMORTO

É crucial, antes de tudo, compreender a função notável e fundamental da Corregedoria Geral de Justiça, para que assim consigamos assimilar a relevância desse órgão em relação aos seus Provimentos e o que eles demandam. Uma boa definição é dada por CABRAL e MELO (2018, p. 81):

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Os Tabelionatos de Notas e Ofícios de Registro se encontram vinculados aos Tribunais de Justiça, os quais, por meio de suas Corregedorias Gerais, expedem normas para o funcionamento dos serviços dessas instituições. As serventias, tanto de registro quanto as de notas, são agrupadas conforme ditames do Tribunal de Justiça, sendo estadual o controle de suas finalidades e a distribuição dos ofícios e cartórios. Cabe a essas normativas e às expedidas pelo Conselho Nacional de Justiça o aprofundamento das regras que versam sobre Registros Públicos, completando o sentido do estabelecido no art. 236 da Constituição Federal, bem como das leis federais de nº 6.015/73 e 8.935/94, que tratam da atividade registral e tabelioa, respectivamente.

Portanto, levando em consideração que dentre as atribuições do Oficial de Registro Civil não está estabelecido que o mesmo legisle ou suscite possíveis dúvidas, pois não cabe a ele o encargo de alterar ou reformular as garantias fundamentais ou o entendimento da norma. Logo, a autoridade competente do Cartório de Registro Civil das Pessoas Naturais é um operador do direito diante daquilo que consta na legislação ou no provimento vigente acerca do tema. Não é conferido à ele a possibilidade de conceder direitos que não estão explícitos no ordenamento jurídico.

Por essa razão, a atuação da Corregedoria Geral de Justiça vem para disciplinar os assuntos que geram incertezas e por meio das suas resoluções, trazem uma nova perspectiva do texto em questão.

A pauta a ser tratada neste momento então, é em relação a polêmica da não padronização dos Provimentos, o que faz com que cada Estado discipline ou tenha algum entendimento sobre certo assunto. Ocorre até, de algumas diretrizes se colidirem quando são comparadas, principalmente pelo fato de que sobre um único assunto, cada região e Estado legisle de uma forma diferente, sendo a favor, contra ou que até mesmo se exima e se isente de tratar da temática.

Pode-se contrastar a título de exemplo que, enquanto nos Estados de Goiás, Minas Gerais e São Paulo é facultado aos pais atribuir o nome ao feto, em contrapartida, Estados como Tocantins, Espírito Santo e Sergipe não determinam o que deve constar ou se isentam e não mencionam nada no que diz respeito a esta questão.

Esta ausência de Provimentos que não solidificam e não discorrem sobre o tema vêm descartando as esperanças dos pais de registrarem suas crianças com o nome que fora desejado, gerando uma angústia sem fim e a busca incessante para que os seus direitos e os direitos de seus filhos, que apesar de terem nascido sem vida, já preexistiam no ventre, não cessem.

Os genitores não estão em busca de direitos patrimoniais e sucessórios, mas ao invés disso, visam garantir a dignidade da família e aos direitos fundamentais que a Constituição Federal os outorga. Para que assim, haja no conceito de que o "reconhecimento de seu luto e da morte enquanto um processo natural da vida humana, assim considerada em sua mais ampla acepção." CABRAL e MELO (2018, p. 90).

E como assegurar tal direito? A resposta passa por cumprir o princípio constitucional da dignidade da pessoa humana.

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Sobre a autora
Lara Victória de Assis Sales Carvalho

Bacharel em Direito pelo Centro Universitário do Desenvolvimento do Centro Oeste - UNIDESC. Oficiala e Tabeliã Substituta do Cartório de Registro Civil e Tabelionato de Notas de Luziânia - GO. Serventuária da Justiça. Escrevente gestora em formação.

Informações sobre o texto

Este texto foi publicado diretamente pelos autores. Sua divulgação não depende de prévia aprovação pelo conselho editorial do site. Quando selecionados, os textos são divulgados na Revista Jus Navigandi

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