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O caráter relativo da inviolabilidade do sigilo de correspondência

21/05/2007 às 00:00
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A inviolabilidade das correspondências vem sendo assegurada no Brasil desde 1824, com a Constituição Política do Império do Brasil [01], bem como nas seguintes: de 1891, 1934, 1937, 1946, e a de 1967, com a Emenda nº. 1 de 1969. A Carta de 1937 [02] foi a única que previu, expressamente, exceções à inviolabilidade, na forma da lei.

Sem romper com a idéia anterior, o constituinte de 1988 manteve a proteção ao sigilo das correspondências, dentro do título dos direitos e garantias fundamentais, inserindo-o no inciso XII, do artigo 5º, da CF/88, o qual menciona ser "inviolável o sigilo da correspondência e das comunicações telegráficas, de dados e das comunicações telefônicas, salvo no último caso, por ordem judicial, nas hipóteses e na forma que a lei estabelecer para fins de investigação criminal ou instrução processual penal".

Ocorre que este dispositivo tem gerado muita discussão acerca da interpretação a ser dada à expressão "salvo no último caso".

A regra em estudo é classificada como norma de eficácia contida, uma vez que desde a sua edição é proibido qualquer tipo de violação desses sigilos, mas admite que norma infraconstitucional autorize a interceptação telefônica para os casos de investigação criminal ou instrução processual penal.

Para ARAÚJO e NUNES JUNIOR (p. 146), a norma em comento possui caráter bifronte ao estabelecer, de um lado, que as comunicações não podem ter seu sigilo violado e, de outro, prescrever o dever de sigilo profissional àqueles que por mister tenham contato com o conteúdo da comunicação.

A inviolabilidade possui o sentido de proteção contra os abusos indevidos do Estado e não criar um escudo para dignificar o delito e seus praticantes. Daí por que a inviolabilidade de correspondência cederia espaço ao interesse maior, que é a garantia à segurança pública. (NUCCI, 489).

O dispositivo em comento prevê, explicitamente, uma exceção à regra da inviolabilidade de correspondência, uma vez que autoriza a interceptação telefônica, desde que preenchidos certos requisitos, quais sejam: a) tratar-se de comunicação telefônica; b) prévia ordem judicial; c) lei regulamentadora; d) para fins de inquérito policial ou instrução processual penal. Relativamente à regulamentação infraconstitucional, esta foi concretizada com a edição da Lei nº. 9.296/96.

Enquanto a matéria é pacífica no que pertine à constitucionalidade da interceptação telefônica, o mesmo não ocorre em relação à violabilidade do sigilo de correspondência. Nesse passo, defende o ilustre professor Walter Nunes da Silva Júnior a idéia de não haver diferença entre ambas, uma vez que na primeira é utilizada a palavra, enquanto na segunda é usado a escrita, que é mera representação das palavras, in verbis:

A única diferença, que se poderia fazer entre a comunicação por correspondência e aquela por meio de telefone, seria que a primeira se faz por meio da escrita, enquanto a segunda por meio da fala. Porém, a escrita é a mera reprodução, em símbolos, da fala. Representa a fala. Se a fala, que é representada pela escrita, pode ser interceptada, por que não a escrita que é apenas a sua imagem? A escrita, à semelhança da fala, é forma de expressão da língua, não havendo distinção ontológica entre uma e outra, a justificar tratamento diferençado no que respeita à proteção mediante a preservação do sigilo.

Ademais, o telefone, hoje, com o avanço da tecnologia, também possibilita o contato por meio da escrita. É o que ocorre com o fac-símile. Qual a diferença entre a correspondência postal e aquela feita por fac-símile, que justifique a distinção quanto à possibilidade de quebra de apenas uma delas?

Das interpretações doutrinárias quanto ao alcance dado à ressalva constante do inciso XII do art. 5º da CF, extraem-se duas correntes: uma preconizando que o sigilo da correspondência é direito fundamental de caráter absoluto, e outra que lhe confere certa relatividade. Dentre os defensores da primeira corrente encontra-se Celso Ribeiro Bastos (Curso de Direito Constitucional, p. 210/211), que assevera ser a inviolabilidade absoluta, ficando excluídas quaisquer ressalvas em presídios ou mesmo nos hospícios. A segunda corrente, seguida por Alexandre de Moraes (Direito Constitucional, p. 52), defende a possibilidade de violação da correspondência, caso tenha por finalidade evitar ou apurar o cometimento de crimes.

Com efeito, não há que se falar em direito fundamental absoluto, porquanto a própria Constituição Federal prevê, em seu artigo 136, § 1º, que, durante o estado de defesa, o decreto que o instituir deverá determinar o tempo de sua duração, além de especificar as garantias constitucionais restringidas, dentre elas o sigilo da correspondência, havendo semelhante previsão em relação à decretação do estado de sítio (CF, art. 139, III).

Ademais, o legislador federal já demonstra ser favorável à violação da correspondência quando confere, no artigo 6º, VIII, da Lei Complementar nº. 75/1993, atribuição ao Ministério Público da União para representar "ao órgão judicial competente para quebra de sigilo da correspondência e das comunicações telegráficas, de dados e das comunicações telefônicas, para fins de investigação criminal ou instrução processual...".

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Também o Supremo Tribunal Federal já firmou posicionamento no sentido da relatividade do sigilo de correspondência, sempre que as liberdades públicas estiverem sendo utilizadas como instrumento de salvaguarda de práticas ilícitas (STF, HC 70. 814 -5/SP, Carta Rogatória 7323-2).

Observe-se que até mesmo o direito do preso à correspondência pode ser suspenso ou restringido, mediante ato motivado do diretor do estabelecimento penal, conforme previsto no art. 41, parágrafo único, da Lei 7.210/84, dispositivo que já teve sua constitucionalidade confirmada pelo Supremo Tribunal Federal (ARAÚJO e NUNES JUNIOR, p.149).

Assim, com base na relatividade dos direitos fundamentais e utilizando o princípio da proporcionalidade, pode ocorrer a violação do sigilo postal e das demais prerrogativas insertas no inciso XII, art. 5º, da CF/88, quando, no caso concreto, verificar-se que estão sendo empregadas para acobertar práticas ilícitas e contrárias ao interesse público, sempre com prévia ordem da autoridade judiciária.


Referência bibliográfica

ARAÚJO, Luiz Alberto David e NUNES JUNIOR, Vidal Serrano. Curso de Direito Constitucional. 9 ed. rev. e atual. - São Paulo: Saraiva, 2005.

BASTOS, Celso Ribeiro. Curso de Direito Constitucional. 22 ed. - São Paulo: Saraiva, 2001.

BRASIL. Constituição (1824). Constituição Política do Império do Brasil.

LENZA, Pedro. Direito Constitucional Esquematizado. 10 ed. rev. atual. e ampl. – São Paulo: Método, 2006.

MORAES, Alexandre de. Direito Constitucional. 19 ed. – São Paulo: Atlas, 2006.

NUCCI, Guilherme de Souza. Código de Processo Penal Comentado. 4 ed. rev. atual. e ampl.- São Paulo: Revista dos Tribunais, 2005.


Notas

01 Art. 179: Omissis:

XXVII. O Segredo das Cartas é inviolavel [...]. (Redação original).

02 Art. 122: Omissis:

VI: A inviolabilidade do domicílio e da correspondência, salvo as exceções previstas em lei.

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Sobre a autora
Elizangela Mara Caponi

bacharel em Direito pela Universidade Paranaense (Unipar), pós-graduanda pela Unisul/LFG

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

CAPONI, Elizangela Mara. O caráter relativo da inviolabilidade do sigilo de correspondência. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 12, n. 1419, 21 mai. 2007. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/9911. Acesso em: 22 dez. 2024.

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