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Da (im)possibilidade de denúncia por lavagem de dinheiro decorrente da prática de crimes contra a ordem tributária

24/05/2007 às 00:00
Leia nesta página:

            Os crimes contra a ordem tributária estão disciplinados nos artigos 1º a 3º da lei 8.137/90, podendo ser sujeitos ativos o contribuinte, o substituto e o responsável tributário, o terceiro responsável e o terceiro estranho à relação tributária (vide arts.: 121, 128 e 134 do CTN). Logo, é admitida a co-delinqüência.

            É importante salientar que tais crimes jamais podem ser cometidos por pessoas jurídicas, mas, sim, pelos seus diretores, administradores, gerentes ou funcionários responsáveis, desde que tenham participado do ato de sonegação. Quanto aos sujeitos passivos são eles a sociedade e o Estado (Administração Pública da União, dos Estados, Distrito Federal e Municípios).

            Vale destacar que o tributo não deve ser compreendido apenas como mero interesse fazendário, posto que o verdadeiro prejudicado é a população brasileira, tendo em vista que, com a falta de arrecadação, por conta da sonegação, deixa o Estado de desenvolver políticas públicas e de atender o interesse público primário, prejudicando a execução de serviços públicos essenciais e inviabilizando a fruição dos direitos individuais e fundamentais dos cidadãos.

            Já os Crimes de "lavagem" ou ocultação de bens, direitos e valores estão dispostos na lei 9.613/98, e podem ser conceituados como operações comerciais ou financeiras realizadas pelos criminosos para fazer aparentar ser lícito o produto (bens/ rendas) de seus atos delituosos.

            Este crime se divide em três fases. A primeira é conhecida como Colocação, na qual o dinheiro proveniente dos crimes é utilizado para a compra de instrumentos negociáveis, bens ou são simplesmente depositados em bancos estrangeiros de países que possuem um sistema financeiro liberal. O dinheiro nacional é transformado em moeda estrangeira com a ajuda dos doleiros e são levados para o exterior por "mulas".

            A segunda fase é conhecida como Ocultação, em que os lucros ilícitos circulam através de forma eletrônica em contas anônimas ou de "laranjas" na tentativa de dificultar o rastreamento da origem ilícita desses valores (são utilizadas sociedades em centros off shore e compra de ativos financeiros de rápida rotatividade).

            A última fase desse processo é chamada de Integração, quando o dinheiro proveniente de condutas ilícitas volta ao sistema econômico através de empreendimentos legais (a exemplo de supermercados, transportadoras, hotéis etc).

            Apesar de ser óbvio que o dinheiro oriundo da sonegação fiscal é "lavado" pelos sonegadores, a questão a saber é se podem os sonegadores ser responsabilizados pelo crime tributário em concurso com o crime de "lavagem" de ativos.

            A lei 9.613/98 não traz no rol taxativo dos crimes antecedentes à lavagem de dinheiro o crime tributário, apesar de o mesmo ter sido incluído no projeto de lei pela Comissão de Assuntos Econômicos. Contudo, o relator do projeto (Senador Romeu Tuma) não aceitou a sua inclusão no rol dos crimes antecedentes.

            Segundo José Laurindo de Souza Netto:

            A matéria foi objeto de um dos itens da exposição de motivos, na qual o Ministro Nelson Jobim teve o ensejo de salientar que:

            Observe-se que a "lavagem" de dinheiro tem como característica a introdução, na economia, de bens, direitos ou valores oriundos de atividade ilícita e que representaram, no momento de seu resultado, um aumento do patrimônio do agente. Por isso, o projeto não inclui, nos crimes antecedentes, aqueles delitos que não representam agregação, ao patrimônio do agente, de novos bens, direitos ou valores, como é o caso da sonegação fiscal. Nesta, o núcleo do tipo constitui-se na conduta de deixar de satisfazer obrigação fiscal. Não há, em decorrência de sua prática, aumento de patrimônio com a agregação de valores novos. Há, isto sim, manutenção de patrimônio existente em decorrência do não pagamento da obrigação fiscal. Seria desarrazoado se o projeto viesse a incluir no novo tipo penal – "lavagem" de dinheiro – a compra, por quem não cumpriu obrigação fiscal, de títulos no mercado financeiro. É evidente que essa transação se constitui na utilização de recursos próprios que não têm origem em um ilícito. (SOUZA NETTO, 2002, p. 72)

            Data máxima vênia, não concordamos com o entendimento do insigne ex-Ministro da Justiça e do STF, haja vista que o empresário, quando sonega, pratica, sim, um crime. Logo, aquela exação tributária que foi suprimida ou reduzida não lhe pertencia, mas, sim, à coletividade. Sendo assim, houve um acréscimo decorrente de uma atividade ilícita no patrimônio do mesmo.

            Entretanto, a lei mencionou no inciso VII do artigo 1º a possibilidade de responsabilização pela "lavagem" quando o crime antecedente for "praticado por organização criminosa".

            O conceito de Grupo Criminoso Organizado está disposto no decreto 5.015/2004, que promulgou a Convenção das Nações Unidas contra o Crime Organizado Transnacional, e significa:

            Grupo estruturado de três ou mais pessoas, existente há algum tempo e atuando concertadamente com o propósito de cometer uma ou mais infrações graves ou enunciadas na presente Convenção, com a intenção de obter, direta ou indiretamente, um benefício econômico ou outro benefício material.

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            Como o crime contra a ordem tributária não é um dos enunciados pela presente convenção, o mesmo pode ser enquadrado no rol das infrações graves já que, "Infração grave" - ato que constitua infração punível com uma pena de privação de liberdade, cujo máximo não seja inferior a quatro anos ou com pena superior, que é o caso das condutas tipificadas nos artigos 1º e 3º da lei 8.137/90.

            Infelizmente, não existe no ordenamento jurídico pátrio o tipo penal Grupo Criminoso Organizado, ou seja, o decreto trouxe o conceito, mas o legislador ainda não tipificou esta conduta, não impôs uma sanção para tal prática. Logo, não pode o sonegador ser denunciado pela prática do crime de "lavagem" de dinheiro apesar de saber que o dinheiro sonegado é "lavado" para que possa aparentar licitude. Sendo assim, o que nos resta é esperar o legislador pátrio acrescentar ao rol dos crimes antecedentes ao de "lavagem" os crimes contra a ordem tributária ou então tipificar a conduta dos Grupos Criminosos Organizados.


REFERÊNCIAS:

            MACHADO, Ivan Carlos Novaes e MEIRA, Matheus Brito. Manual Prático de Combate aos Crimes Contra a Ordem Tributária. 1ªed., Salvador: Ministério Público do Estado da Bahia, 2007.

            FERREIRA, Roberto dos Santos. Crimes Contra a Ordem Tributária, 2ª ed., São Paulo: Malheiros, 2002.

            SOUZA NETTO, José Laurindo de. Lavagem de Dinheiro: Comentários à Lei 9.613/98. 1ª ed., Curitiba: Juruá, 2002.

            BRASIL. Presidência da República. Decreto nº. 5.015, de 14 de junho de 2004. Promulga a Convenção das Nações Unidas contra o Crime Organizado Transnacional, de 14 de junho de 2004. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_Ato2004-2006/2004/Decreto/D5105.htm> Acesso em 25 abr. 2007.

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Sobre o autor
Matheus Brito Meira

advogado em Salvador (BA), analista técnico do Ministério Público do Estado da Bahia

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

MEIRA, Matheus Brito. Da (im)possibilidade de denúncia por lavagem de dinheiro decorrente da prática de crimes contra a ordem tributária. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 12, n. 1422, 24 mai. 2007. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/9917. Acesso em: 22 nov. 2024.

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