A CIDE - Tecnologia ou CIDE - Remessas para o Exterior, tributo criado pela Lei nº. 10.168/2000, teve por escopo estimular o desenvolvimento tecnológico do País, mediante programas de pesquisa científica e tecnológica cooperativa entre universidades, centros de pesquisa e o setor produtivo (art. 1° da Lei nº. 10.168/2000), ou, melhor dizendo, financiar o Programa de Estímulo à Interação Universidade-Empresa para apoio à Inovação.
A CIDE, Contribuição de Intervenção no Domínio Econômico, é espécie de tributo afetado finalisticamente, haja estar vinculada ao cumprimento de uma finalidade específica, no caso sob comento a acima mencionada. A receita obtida com a CIDE, por sua vez, tem uma destinação específica associada à intervenção pretendida. Como afirma Leandro PAULSEN, "a contribuição é estabelecida para custear ações da União no sentido de intervenção no domínio econômico, como programas de defesa do consumidor e proteção ao meio ambiente". [01]
No caso particular da CIDE – Tecnologia, a receita deve ser aplicada no desenvolvimento tecnológico do País, o que justifica dizer, a propósito, que o escopo da CIDE – Tecnologia e das CIDES em geral deve ser muito mais extrafiscal do que fiscal (meramente arrecadatório).
Nos termos da referida Lei, são sujeitos passivos da CIDE em questão pessoas jurídicas detentoras de licença de uso, adquirentes de conhecimentos tecnológicos, signatárias de contratos que impliquem transferência de tecnologia firmados com residentes ou domiciliados no exterior, prestação de serviços técnicos e de assistência administrativa por residentes ou domiciliados no exterior ou ainda o pagamento, crédito, entrega, emprego, remissão de royalties, a qualquer título a beneficiários por residentes ou domiciliados no exterior.
A alíquota é de 10% (dez por cento), calculada sobre o valor da remessa para o exterior, ou, melhor dizendo, sobre os valores pagos, creditados, entregues, empregados ou remetidos, a cada mês a título de remuneração das obrigações acima.
Ocorre, todavia, que a incidência desta CIDE tem por efeito uma tributação deveras superior, em decorrência do modo como se opera a sua incidência, em conjunto com a do Imposto de Renda (IR).
A propósito, a opinião externada pela Resolução ABPI (Associação Brasileira de Propriedade Intelectual) nº. 40:
As remessas para o exterior a título de pagamentos para obtenção e manutenção de direitos de propriedade industrial gozavam de isenção do imposto de renda de fonte (IRF) até 31.12.1999, e passaram a ser gravadas com a alíquota de IRF de 15% a partir de 01.01.2000, em decorrência da Lei 9.959/00 (art. 1º). Essa alíquota nominal de 15% gera um desembolso efetivo de 17,65%, porque para remeter $ 100.00 deve-se desembolsar $ 177.65 (pois $17.65 é 15% de $117.65). Essa incidência é despropositada e contraditória com o lema governamental "exportar ou Morrer". [02]
A alíquota da CIDE é de 10%, o que significa que para cada $ 100.00 remetidos, o IRF é de $ 17.65 e a CIDE é de $ 11.76 (pois há uma ficção legal de que o IRF é deduzido do valor pago ao residente no exterior, o que o faz integrar o valor da remessa), perfazendo para a empresa brasileira que está efetuando o pagamento um desembolso total de $ 129.41.
Percebe-se, portanto, uma situação de bitributação ou incidência de tributo sobre tributo. Conforme opinião da ABPI - Associação Brasileira de Propriedade Intelectual – constata-se uma tributação efetiva de 29,41%: "... percebe-se, assim, que para registrar uma marca no exterior a partir de 2002 as empresas brasileiras têm uma despesa 29,41% mais elevada do que tinham até o final de 1999. Para efetivamente baratear o registro de marcas no exterior, deve-se retornar à situação existente até fim de 1999, em que não havia nenhuma incidência tributária sobre os pagamentos feitos a este título". [03]
A classe jurídica aguarda com apreensão o julgamento, pelo Supremo Tribunal Federal, da questão sobre a exclusão, ou não, do Imposto sobre Circulação de Mercadorias e Serviços (ICMS) da base de cálculo da Contribuição para o Financiamento da Seguridade Social (Cofins). Referido julgamento encontra-se suspenso desde agosto de 2006, quando o ministro Gilmar Mendes pediu vista do processo. Naquele momento, 6 dos 11 ministros do STF já haviam votado pela exclusão e apenas 1 a favor do Fisco.
Como informado pelo Jornal "O Estado de São Paulo", em 07 de maio último, tem-se:
O resultado, aparentemente, garante a vitória da tese da exclusão, cujo impacto sobre o sistema tributário e para as finanças públicas seria imenso. A exclusão imporia ao governo pesadas perdas de receita e abriria caminho para novas demandas judiciais, envolvendo outros casos de incidência de tributos sobre tributos. Um sistema tributário ruim, oneroso e de grande complexidade para o contribuinte ficaria ainda mais complicado, se isso vier a ocorrer. O governo tem esperança de que, com o voto de Mendes, um ou mais ministros que votaram pela exclusão revejam a decisão, invertendo o placar. Daí a grande expectativa com relação à manifestação de Mendes. [04]
Frente a isto, inconteste que declarando o Supremo Tribunal Federal que tributo não pode incidir sobre tributo o sistema tributário seria amplamente afetado. Como diz o jornal "O Estado de São Paulo": "Teria um grande efeito multiplicador, pois estimularia uma onda de ações contra a forma de cobrança de outros tributos". [05]
Efetivamente, ocorrerá uma explosão de teses jurídicas voltadas à discussão de outras situações em que há incidência de tributo sobre tributo.
A situação da incidência da CIDE sobre o Imposto de Renda seria uma dessas situações que congrega possibilidades de ser discutida judicialmente, para que se ponha fim à incidência de tributo sobre tributo e para que realmente a CIDE – Tecnologia reúna condições para realmente satisfazer a finalidade extrafiscal para a qual foi criada, qual seja, promover o desenvolvimento científico e tecnológico brasileiro.
Notas
01 PAULSEN, Leandro. Direito Tributário. Constituição e Código Tributário à Luz da Doutrina e da Jurisprudência. 9. ed. rev. e atual. Porto Alegre: Livraria do Advogado: ESMAFE, 2007, p. 136.
02 CORREA, José Antonio B.L. Faria; SCHMIDT, Lélio D.; AMARAL, Luiz Henrique do; VIEGAS, Juliana L.B. Resolução da ABPI nº. 40 – CIDE – Contribuição de Intervenção no Domínio Econômico. Acolhendo a recomendação formulada por sua comissão de Transferência de Tecnologia, em 2 de setembro o Conselho Diretor da ABPI aprovou a presente Resolução. Disponível [online] no endereço: < http://www.abpi.org.br/bibliotecas.asp?idiomas=Português&secao=Resoluções%20da%20ABPI&codigo=3&resolucao=29>. Acesso em 10/05/2007.
03 CORREA, José Antonio B.L. Faria; SCHMIDT, Lélio D.; AMARAL, Luiz Henrique do; VIEGAS, Juliana L.B. Resolução da ABPI nº. 40 – CIDE – Contribuição de Intervenção no Domínio Econômico. Acolhendo a recomendação formulada por sua comissão de Transferência de Tecnologia, em 2 de setembro o Conselho Diretor da ABPI aprovou a presente Resolução. Disponível [online] no endereço: < http://www.abpi.org.br/bibliotecas.asp?idiomas=Português&secao=Resoluções%20da%20ABPI&codigo=3&resolucao=29>. Acesso em 10/05/2007.
04 Imposto sobre Imposto. Estado de São Paulo, São Paulo, 07 de maio de 2007, Caderno A1, p. 3.
05 Imposto sobre Imposto. Estado de São Paulo, São Paulo, 07 de maio de 2007, Caderno A1, p. 3.