Todo e qualquer empregado encontra-se induvidosamente submetido ao poder de direção do empregador, a quem compete determinar como serão desenvolvidas as atividades que lhe compete executar e que decorre do contrato de trabalho firmado oportunamente. Tal prerrogativa, conferida ao empregador, resulta diretamente do que se acha estatuído no art. 2º da CLT, de onde se extrai que "Considera-se empregador a empresa, individual ou coletiva, que, assumindo os riscos da atividade econômica, admite, assalaria e dirige a prestação pessoal de serviço".
O poder de direção que é ao empregador legalmente deferido por norma expressa, como visto, enfeixa outros poderes igualmente relevantes ao alcance de seus objetivos institucionais, dentre os quais se inserem aqueles alusivos à organização, por meio do qual organiza o seu empreendimento; controle, que lhe permite fiscalizar e controlar as atividades de seus empregados; disciplinar, que lhe permite apurar e punir as irregularidades cometidas, mantendo a ordem e a disciplina no âmbito da empresa.
O poder disciplinar, como é identificado pela doutrina especializada, é "... um complemento do poder de direção, do poder de o empregador determinar ordens na empresa, que, se não cumpridas, podem gerar penalidades ao empregado, que deve ater-se à disciplina e respeito a seu patrão, por estar sujeito a ordens de serviço, que devem ser cumpridas, salvo de ilegais ou imorais"1.
Rememora-se, todavia, que o poder de punição do empregador dever ser exercido com boa fé e de modo a alcançar os fins pedagógicos a que deve estar voltado. O uso de tal poder em desacordo com as suas finalidades caracteriza excesso ou abuso de poder, admitindo o controle e a cassação pela via judicial competente.
Condições essenciais ao regular exercício do poder disciplinar
Mas não se pode ignorar, todavia, que a garantia de um poder potestativo2 ao empregador acarreta a necessidade de que venha este a ser exercido de forma moderada e respeitando limites que afastem excessos ou abusos lesivos ao empregado, acarretando-lhe um dano injusto e indevido. O exercício equilibrado do poder de punição pelo empregador, além de se prestar à sua própria proteção, minimiza os riscos de uma sanção exagerada ao empregado, resguardando a ambos.
O uso válido e regular dessa faculdade punitiva deve atentar, portanto, para alguns aspectos essenciais, especialmente quando o empregador houver editado regulamento com esse escopo, vinculando-se expressamente ao encargo de apurar o fato mediante procedimento formal.
Em tal contexto regulamentar, quando se submete o empregador ao dever de apurar formalmente a irregularidade antes de punir – o que não é uma exigência da CLT – impõe-se não só a prévia explicitação da irregularidade bem como a cientificação prévia do empregado para acompanhar a apuração e o levantamento de dados de modo a permitir-lhe, adiante, a formulação de defesa.
Fundamental, no entanto, para que se possa exercitar legitimamente imputar ao empregado a sanção cabível que se empreenda à apuração atentando para o critério da imediatidade3, o que implica em, tão logo seja conhecido o fato, determinar a adoção das providências tendentes à apuração respectiva.
Não se torna aceitável a postura do empregador que, após conhecido o fato, protela a aplicação de qualquer medida, ou não dá início à apuração respectiva de modo a que possa, em tempo breve, ultimar a apuração, quando esta é uma condição assumida no âmbito interno, e aplicar a pena cabível na situação enfocada.
A demora na aplicação da pena, ou a eternização da apuração disciplinar evidenciam na conduta do empregador excessos ou abusos lesivos ao empregado e, por decorrência disso, prestam-se a desautorizar a punição tardiamente aplicada. Em recentes decisões, o Colendo TRIBUNAL SUPERIOR DO TRABALHO – TST vem reiteradamente proclamando a esse respeito que:
"... O elemento fundamental é a imediação na aplicação da sanção ao empregado, ou seja, a pena deve ser aplicada o mais rápido possível ou após o empregador ter conhecimento da falta, o que não ocorreu no caso presente, entendendo desta forma como perdão tácito.. .."
(TST - AIRR - 711/2005-312-06-40 - PUBLICAÇÃO: DJ - 01/11/2006)
Forçoso reconhecer, assim, que dará ensejo o empregador à perda do poder de punir quando, verificando a ocorrência de uma falta disciplinar, não vier a atuar de forma imediata, deixando transcorrer tempo razoável entre o fato punível e o momento da aplicação da sanção que lhe é conseqüente.
Na esfera das relações de trabalho privadas, regidas pelo Estatuto Obreiro, a imediatidade da punição é exigência que se tem estabelecido como obrigatória na doutrina especializada, reiterando-se na jurisprudência ao longo do tempo decisões que informam, a exemplo do aresto anteriormente referido, que:
"A imediatidade, para proporcionar a rescisão do pacto laboral pela parte faltosa, haverá de ser obedecida, pena de advir o clássico perdão tácito pelo lesado."
Ac. TRT 3ª Reg. 4ª T (RO 07030/93), Rel. Juiz G. Andrade, DJ/MG 23/10/93, Jornal Trabalhista, Ano XI, nº 488, p. 55).
"Justa causa – Imediatidade. Para a configuração da justa causa do despedimento, não basta a prova da falta grave do empregado. Necessário demonstrar-se, igualmente, a atualidade da falta em relação à rescisão punitiva, de modo a estabelecer a relação de causalidade entre ambas. A possibilidade de motivar o despedimento com base em fatos antigos, acaso consentida pelo Poder Judiciário, faria do empregado eterno refém do empregador, sujeitando o obreiro à demissão sumária a qualquer tempo. A inércia do empregador diante de conhecida falta do empregado, por tempo superior ao razoavelmente necessário à apuração das responsabilidades, há de ser interpretada como perdão tácito." (Destaques nossos).
(TRT 10ª R – 1ª T – RO nº 1182/2003.008.10.00-3 – Rel. Fernando G. Bernardes – DJDF 08.10.04 – p. 15) (RDT nº 11 Novembro de 2004)".
"Justa causa – Imediatidade – Observância. O ato determinante da dispensa por justa causa, com repercussão na empresa, deve ser grave de tal modo que impeça a continuidade da relação de emprego, após valoração objetiva e subjetiva do caso e, não havendo perdão tácito ou expresso, a reação do empregador deve ser imediata. Caracteriza reação imediata a dispensa do autor em decorrência de ato que, por si só, é capaz de ensejar a dispensa por justa causa (CLT, art. 482, a), mesmo quando a conduta é reiterada. Recurso conhecido e não provido." (Destaques nossos).
(TRT 10ª R – 2ª T – RO nº 1173/2005.020.10.00-8 – Rel. Mário Macedo F. Caron – DJ 12.05.06 – p. 35) (RDT nº 6 - junho de 2006)
"É requisito indispensável ao reconhecimento da dispensa do empregado por justa causa, a imediatidade entre a falta praticada e a punição imposta. A falta de comprovação de imediatidade entre o conhecimento do fato e a punição gera o perdão tácito." (destaques nossos).
(TRT 1ª R 8ª T RO nº 29616/94 Rel. Juiz João Mário de Medeiros DJRJ 17.07.97 pág. 105)
"A configuração da justa causa exige a imediatidade da pena, prevalência do princípio da atualidade entre falta e punição. Diante da inexistência da imediatidade, restou descaracterizada a justa causa, pois o transcurso de prazo razoável, dois meses, entre a falta praticada e a pena de demissão leva à nulidade desta, eis que restou configurado o perdão tácito." (Destaques nossos).
(TRT - 6ª R - 2ª T - RO nº 3853/96 - Relª. Juíza Josélia M. da Costa - DJPE 24.09.96 - pág. 49)
Retardar o empregador a aplicação da penalidade ao trabalhador faltoso implica, portanto, em ofensa ao princípio da imediatidade, acarretando, assim, o reconhecimento do perdão tácito. Se, verbi gratia, a conduta for punível com a aplicação de eventual justa causa, estará esta, em conseqüência, descaracterizada pela demora da empresa em punir o ato verificado. É certo, todavia, que tais orientações são aplicáveis a quaisquer sanções e não apenas às hipóteses de justa causa, referidas de forma mais corrente pela doutrina e jurisprudência em razão de serem estas de modo mais freqüentes levadas ao exame judicial.
O perdão tácito decorrente da prática de outros atos incompatíveis com intenção de punir
Mas não só a demora na apuração e na aplicação da sanção respectiva enseja a ocorrência de perdão tácito. A prática de atos incompatíveis com a intenção de punir o empregado pode levar à mesma conclusão lógica, pois não se pode conceber que ao constatar a prática de ato supostamente irregular determine a sua apuração e, no curso desta ou após o seu encerramento, defira ao empregado uma promoção reconhecendo-lhe o mérito.
Essa forma de atuar, deferindo uma graça ao empregado, desautoriza a sua posterior punição pelo empregador, como se reconhece em decisão a seguir transcrita:
"Justa causa. Perdão tácito. A promoção do empregado faltoso, após o empregador ter tomado conhecimento da falta, configura o chamado perdão tácito, ante a incompatibilidade da conduta adotada pela empresa com relação à atitude que deveria ter tomado, fosse a hipótese de justa causa." (Destaques nossos).
(TRT 23ª R TP Ac. nº 331/97 Rel. Juíza Maria Berenice DJMT 19.03.97 pág. 12)
Em se tratando, assim, de situação submetida ao disciplinamento contido na CLT, exercitar o empregador o seu poder disciplinar a destempo significa perder o direito de aplicar ao empregado a sanção merecida em razão de um determinado ato irregular. Igualmente decai de seu direito se vem a praticar ato incompatível com a intenção de punir.
É bem verdade que quando no âmbito da empresa se adota procedimento apuratório, sem qualquer dúvida benéfico ao próprio empregado já que lhe assegura o direito de defesa antes da implementação do ato punitivo, a eventual demora na apuração e no levantamento de dados não enseja, decorrido tempo razoável para isso, compatível com a investigação, a afronta ao princípio da imediatidade e o reconhecimento de perdão tácito. Orientação jurisprudencial que a esse respeito se colhe, informa que:
"Justa causa – Perdão tácito – Descaracterização – Empresa de grande porte. Não fica caracterizado o perdão tácito quando a relativa demora (45 dias) na punição da falta grave atribuída ao empregado (portador de maconha) decorrer de sindicância instaurada no âmbito da empresa de grande porte, uma vez que a dispensa por justa causa é modalidade extrema de punição, que recomenda cautela na apuração dos fatos, sendo maior o tempo despendido na sua investigação quando se trata de grandes empresas, em face da descentralização de sua administração. Recurso de revista conhecido e provido." (Destaques nossos).
(TST – 4ª T – RR nº 645617/2000-9 – Rel. Min. Ives Gandra Martins Filho – DJ 06.10.2000 – pág. 720) (RDT 11/2000)
"Justa causa – Imediatidade. Em se tratando de empresa de grande porte, é natural que o procedimento investigatório seja um pouco mais demorado que o usual, a fim de que os fatos sejam apurados com maior certeza, máxime quando a falta grave ensejadora da dispensa com justa causa não ocorreu em suas dependências. Assim, não há que se falar em inexistência de imediatidade na aplicação da punição se o período entre o conhecimento da falta e a rescisão contratual foi preenchido com os trâmites para apuração da improbidade imputada ao empregado." (Destaques nossos).
(TRT 10ª R – 1ª T – RO nº 371/2002.010.10.00-4 – Rel. Pedro Luís V. Foltran – DJDF 20.2.04 – p. 13) (RDT nº 3 - março de 2004)
Necessário ter em vista, todavia, que a tolerância outorgada em tais situações não admite que se prolongue o procedimento apuratório por um longo e interminável período de tempo. O maior tempo a que alude a jurisprudência coincide com o período necessário à apuração, não se admitindo, todavia, a eternização da apuração, menos ainda com a instauração de procedimentos em seqüência sem conclusão razoável de qualquer deles.
Postas tais considerações a respeito da imediatidade e da ocorrência de perdão tácito, oportuno asseverar que a orientação esposada de forma reiterada pela doutrina e pela jurisprudência não acarreta questionamento ou mesmo a cassação do poder disciplinar de que se acha investido o empregador. É certo, porém, que esse poder disciplinar deve ser exercido de modo imediato e não, como se pode querer acreditar, a qualquer instante, ainda que um grande período de tempo haja transcorrido entre o fato e a punição, submetendo o empregado à constante possibilidade de se ver apenado por fato passado quando bem o entender cabível o seu empregador. Também não se admite a prática de atos incompatíveis com a intenção de punir e que, ao contrário do que se indica, evidenciam ação contrária àquela ao final adotada pelo empregador em desfavor de seu empregado, configurando, igualmente, o perdão tácito.
Notas
1 MARTINS, Sérgio Pinto – Direito do Trabalho – 22ª ed. São Paulo: Atlas, 2006 – p. 194.
2 "Do latim potestativas (revestido de poder), exprimindo a faculdade ou o poder de que a pessoa está investida, é propriamente empregado na terminologia jurídica para designar o ato ou qualquer outra coisa, cuja prática ou execução depende, simplesmente, da vontade da pessoa, podendo, assim, ser praticado ou feito, independentemente da intervenção ou da vontade de outrem." (SILVA, De Plácido e. Vocabulário Jurídico – 27ª ed. – Rio de Janeiro: Forense, 2006 – p. 1067).
3 "Opondo-se ao mediato, assim se diz de tudo o que se segue, sem solução de continuidade. É o que vem logo, sem intermeio de qualquer pessoa. Imediato dá, pois, idéia de instantâneo ou que se pega a outra coisa, para vir em seguida dela. (...) o advérbio imediatamente exprime bem a significação do que vem em seguimento, com a necessária presteza e brevidade, tão logo se tenha feito o que lhe antecede.. .." (SILVA, de Plácido e. op cit. P. 700).