A implementação do crime de "fake news" como ferramenta para o fortalecimento da censura no Brasil

Exibindo página 4 de 6
Leia nesta página:

5. A INCONSTITUCIONALIDADE DO INQUÉRITO DAS FAKE NEWS

De acordo com o texto constitucional, os poderes que formam a União são independentes e devem constituir equilíbrio em território nacional. A Constituição Federal de 1988 é considerada como a mais justa de todas dentre as do mundo, sendo intitulada como “cidadã”.

Em seu artigo 1° institui a República em um Estado democrático de direito expressando seus fundamentos:

“Art. 1º A República Federativa do Brasil, formada pela união indissolúvel dos Estados e Municípios e do Distrito Federal, constitui-se em Estado Democrático de Direito e tem como fundamentos:

I - a soberania;

II - a cidadania;

III - a dignidade da pessoa humana;

IV - os valores sociais do trabalho e da livre iniciativa;

V - o pluralismo político.

Parágrafo único. Todo o poder emana do povo, que o exerce por meio de representantes eleitos ou diretamente, nos termos desta Constituição.”(BRASIL, 2022)

Dessa forma, no inciso V é expressamente autorizado a expressão de pluralismo político, sendo que o mesmo é exercido através da liberdade de expressão.

Ademais, sabe-se que na seara de processos judiciais, que será normatizado e conduzido pelo poder judiciário, é necessário que todo e qualquer processo haja o respeito ao princípio do devido processo legal como se extrai do artigo 5º, inciso LV, do texto constitucional:

“Art. 5º Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade, nos termos seguintes:

LIV - ninguém será privado da liberdade ou de seus bens sem o devido processo legal;” (BRASIL, 2022)

Assim respeitando o princípio da hierarquia, sob determinados assuntos e esferas há os legitimados pelo texto legal para serem autores de ações no poder judiciário, e um exemplo disso é o inquérito das “fake news”. Nota-se que deve haver respeito ao princípio do juiz natural expresso no inciso XXXVII, da Constituição Federal:

“XXXVII - não haverá juízo ou tribunal de exceção;” (BRASIL, 2022)

Esse princípio se pauta na competência para julgar as ações, isto é, cada juiz devidamente empossado, é o responsável para julgar aqueles processos designados a ele, por ser competente na forma da lei. Por isso, o Supremo Tribunal Federal não é competente para iniciar o inquérito, tendo em vista que não foi autorizado por lei para tanto.

Outro ponto a ser analisado em tal inquérito é no tocante a possibilidade deste ser julgado pelos ministros. Iniciando por uma análise complexa, o objetivo dessa investigação iniciada pelo ex-presidente e ministro Dias Toffoli é investigar alguns crimes que segundo ele, os ministros da Suprema Corte foram vítimas, por comentários publicados na internet incitando o ódio e ameaças aos mesmos. Partindo disso, existem dois institutos presentes no direito brasileiro que são o impedimento e a suspeição do juiz.

Basicamente esses institutos servem para garantir a isonomia entre as partes, a impessoalidade no julgamento da lide e ainda a aplicação da justiça social. O impedimento, como o próprio nome diz, impede que o juiz continue julgando neste processo quando está presente um dos casos expressos em lei, nesse caso no artigo 144 do Código de Processo Civil. E um deles, impede o juiz quando o mesmo for parte do processo:

“Art. 144. Há impedimento do juiz, sendo-lhe vedado exercer suas funções no processo:

IV - quando for parte no processo ele próprio, seu cônjuge ou companheiro, ou parente, consanguíneo ou afim, em linha reta ou colateral, até o terceiro grau, inclusive;” (BRASIL, 2022)

Dessa forma, há uma inconstitucionalidade no inquérito, tendo em vista que os ministros da Suprema Corte são partes do processo, pois as ameaças segundo os mesmos foram direcionadas a eles, portanto, não poderia ter sido julgado por estes diante a ilegalidade.

No artigo 102 da Constituição Federal traz as atribuições exercidas pelo Supremo Tribunal Federal, e uma delas é zelar acima de tudo bem como guardar a Carta Magna quando esta estiver em ameaça de seus direitos, porém, não consta neste rol a atribuição de investigar. O que não poderia ter acontecido, já que o papel de investigar deve ser do órgão competente, e não do próprio juiz do processo judicial, o que aconteceu neste caso, havendo mais uma violação grave aos direitos cometida por aquele que tende a guardar o texto constitucional.

Ainda nesse mesmo artigo, em seu inciso I, a lei traz um rol taxativo para determinadas ações que seriam de competência desse órgão julgar e processar, não sendo amplo e expansivo ou com possibilidade de redução, e em nenhum deles consta tal prática realizada no inquérito em apreciação, tese que foi confirmada pelos próprios ministros no inquérito de nº4.506/DF no ano de 2018.

Nesse mesmo diapasão, o artigo 129 expressa quais são as funções do Ministério Público, e uma delas é propor ação penal pública na forma da lei, dessa forma, este seria o responsável para a propositura e de acordo com a competência da ação cabendo ao Procurador Geral da República decidir pelo arquivamento ou não da ação, e não a própria corte como ocorreu.

De igual modo o artigo 43º do Regimento Interno do Supremo Tribunal Federal expressa que quando houver a abertura de um inquérito deve haver o sorteio para designar o relator da referida investigação o que não ocorreu, visto que o Ministro Dias Toffoli enquanto presidente designou sem o devido procedimento correto como relator o Ministro Alexandre de Moraes:

“Art. 43. Ocorrendo infração à lei penal na sede ou dependência do Tribunal, o Presidente instaurará inquérito, se envolver autoridade ou pessoa sujeita à sua jurisdição, ou delegará esta atribuição a outro Ministro.”

Além disso, ao longo do acontecimento das investigações foi decretado o sigilo absoluto determinado ao expediente dessa forma inviabilizando os advogados atuarem neste em nome de seus clientes além de violar o direito à ampla defesa e ao contraditório garantidos pelo texto constitucional e viola o próprio entendimento da Corte, expressada através da Súmula Vinculante nº 14:

“É direito do defensor, no interesse do representado, ter acesso amplo aos elementos de prova que, já documentados em procedimento investigatório realizado por órgão com competência de polícia judiciária, digam respeito ao exercício do direito de defesa.” (STF, 2009)

Ainda por cima, a Resolução nº 564/2015 em seu artigo 2º expressa que:

“Art. 2º. Ocorrendo infração à lei penal na sede ou dependência do Tribunal, o Presidente instaurará inquérito se envolver autoridade ou pessoa sujeita à sua jurisdição, ou delegará esta atribuição a outro ministro.” (STF, 2015

Dessa forma, partindo para a interpretação do disposto no artigo é necessário observar que os crimes que de acordo com o STF foram cometidos, não se efetivaram dentro das dependências do tribunal, não podendo ser instaurado o mesmo por falta de motivação e causa.

Ainda, o Código penal brasileiro em seu artigo 1º expressa o princípio da anterioridade penal, que garante que não há crime sem lei anterior que o defina, dessa forma, deve existir primeiro o devido processo legislativo e após todo o trâmite exigido pelo texto constitucional deve ser sancionado e começar a valer como um típico penal, e somente após isso, as práticas enquadradas como a conduta deverão ser penalizadas. O que não ocorreu no referido inquérito, pois iniciou uma série de mandados de prisão e de busca e apreensão, sem que houvesse uma lei tipificando tal conduta.

Diante disso, é clara a inconstitucionalidade do inquérito das “fake news” desde a sua iniciativa de propositura, bem como os princípios constitucionais que foram violados, por aqueles que deviam guardar e resguardar o texto constitucional. Sendo transparente o uso legítimo da censura, sendo justificado em defesa do direito à liberdade de expressão, ou ao combate a desinformação da sociedade, sendo pautado em atos tiranos e ilegais.

5.1. O controle de informações, o comunismo e a extrema direita

A informação é uma ferramenta mais que imprescindível para a população, e esta se torna mais importante em um ano eleitoral, por exemplo, no qual os cidadãos estão conhecendo seus candidatos, e a partir dessas informações podem prejudicar ou auxiliar na eleição destes.

Com as discussões sobre assuntos políticos cresceram com a internet e teve maior incidência das pessoas na última eleição presidencial, se destacando as divisões entre comunismo e extrema direita. Assim, há um embate que surge nesses dois cenários políticos, mas ambos com o mesmo objetivo: controlar o fluxo de informações que chegam para a população.

Nota-se que, a ferramenta principal dos agentes políticos é o controle de informações, pois é através disto que é possível se perpetuar no poder, sem o uso da força, e usando os aparatos da máquina pública, que ficam inteiramente a sua disposição.

Um dos exemplos mais recentes desse controle de informações realizado pelo comunismo e a extrema direita, é a Comissão Parlamentar de Inquérito das “Fake News” instaurada em 2019 para apurar as práticas de circulação de notícias falsas e o discurso de ódio na internet, exercidos na campanha presidencial de 2018 no Brasil. Porém, ao longo das sessões no Senado, houve a desvirtude do intuito da investigação, isso por que a tribuna do Senado Federal se tornou um palanque político, com parlamentares se atacando entre si que se descambou para xingamentos de mais baixo níveis.30

E nesse embate, há a presença do intuito de desviar o objetivo verdadeiro da instauração da CPMI, pois além de estarem usando o dinheiro público para financiar tais investigações passam dos limites da moral e ética que devem ser respeitados, e a postura que deve ser adotada por um representante parlamentar em uma casa de leis.

Um desgoverno total para a organização dessa comissão parlamentar de inquérito, pois, a prática realizada serve de distração para a população enquanto os lados que defendem o comunismo e a extrema direita se posicionam controlando informações e praticando de forma abusiva a censura.

O intuito da instauração da CPI ora discutida, foi apurar a existência de um “gabinete do ódio” que segundo os senadores foi liderado pelo atual Presidente da República Jair Bolsonaro, que coordenava as ações de um grupo de personalidades influentes e famosas no país para influenciar o estímulo do uso de medicamentos ineficazes contra a covid-19 e também levantando dúvidas sobre a eficácias das vacinas contra o vírus.

Outro ponto relevante a ser analisado é a desinformação dos parlamentares ao estarem discutindo e julgando uma investigação que visa proteger a eles mesmos, tendo em vista que os ataques que estavam ocorrendo eram puramente de cunho político. O que é contraditório afirmar, pois, com o uso de sua liberdade de expressão os senadores proferiram palavras em rede nacional ao usarem seus microfones que são enquadradas como profanas, expressões como “burra, vagabunda, putaria, etc.”.

Fique sempre informado com o Jus! Receba gratuitamente as atualizações jurídicas em sua caixa de entrada. Inscreva-se agora e não perca as novidades diárias essenciais!
Os boletins são gratuitos. Não enviamos spam. Privacidade Publique seus artigos

E o objetivo dos políticos é justamente o que ocorreu neste caso, pois, se utilizaram de uma ferramenta legal, para controlar as informações que deviam vir ou não à público, com a justificativa de estarem exercendo a lei em defesa dos direitos fundamentais.

Assim, nesse mesmo diapasão cita Munif:

“Sabes o que me disseram? Que tenho posições políticas que eles desaprovam. O que é uma ‘posição política’? Não possuo batalhões armados. Tudo que tenho é a palavra. Um artigo, uma palestra, um livro: estas são minhas velhas armas. Três palavras importantes nas quais acredito são: Liberdade, Igualdade, Fraternidade. Como elas podem ser aplicadas? Quando? Por quem? Em que nível? Esta é a questão. Este é o desafio.” (MUNIF, 1984)

Nesse cenário caótico e confuso, onde a extrema direita e o comunismo se atacam entre si, é natural que os direitos fundamentais estejam ameaçados, por não ter de fato um representante parlamentar que os defenda. Por isso, o Estado acredita que a palavra seja uma arma, por que pode desfazer qualquer ideia ou plano que os agentes políticos tenham traçado para se perpetuar no poder de forma tirana, e por isso usam os partidos políticos para controlarem as informações que chegam para a população.

5.2 A penalização dos crimes de opinião e o código penal brasileiro

Com uma Constituição democrática e considerada como uma com a redação de texto das melhores do mundo, preservando os direitos e garantias fundamentais, como se sabe, foi garantido o direito à liberdade de expressão.

Além destes, é garantido pelo artigo 5º da Constituição Federal em seu inciso X, a inviolabilidade do direito à intimidade e honra. Traduzindo ao significado literal da palavra, honra nada mais é que a pessoa que vive com integridade e probidade pautando suas escolhas nos ditames morais e éticos. Além disso, é pautada também na dignidade da pessoa humana, por isso é refletida na honra objetiva que é a consideração alheia, e a honra subjetiva que é o sentimento da própria pessoa.

Partindo disso, Dirley da Cunha Júnior expressa o que seria honra:

“Não só a consideração social, o bom nome e a boa fama, como o sentimento íntimo, a consciência da própria dignidade pessoal. Isso é, honra é a dignidade pessoal refletida na consideração alheia e no sentimento da própria pessoa.” (CUNHA, 2009)

Diante disso, o direito à honra deve ser considerado de forma subjetiva e assim não há uma definição clara e precisa para que haja um julgamento uniforme e coeso para com todos os casos que envolvam tais práticas.

Nesse mesmo diapasão, caso a conduta de algum cidadão não esteja conforme conduta que a sociedade tenha adotado como parâmetro de probidade mesmo que não se comporte como atos dignos, não devem ser desconsiderados, como dita Jose Martinez:

“Baseada a honra na dignidade da pessoa, inerente a sua própria condição, não se pode negar que, de acordo com o texto constitucional, o ataque à honra será aquele que o seja àquela dignidade, independentemente dos méritos ou deméritos ou qualquer outra circunstância: assim, chamar prostituta uma mulher pode ser constitutivo de delito de injúria se esta expressão ataca a sua dignidade pessoal, independentemente de que exerça tal "profissão", já que proferir tal expressão, em determinadas circunstâncias, pode-se considerar lesivo a sua dignidade, porquanto supõe desprezo ou deshonra.”31

Dessa forma, o legislador no texto constitucional não excluiu a liberdade de expressão mesmo quando for tocante ao direito de personalidade disposto no artigo 220, §1º:

“Art. 220. A manifestação do pensamento, a criação, a expressão e a informação, sob qualquer forma, processo ou veículo não sofrerão qualquer restrição, observado o disposto nesta Constituição.

“ § 1º Nenhuma lei conterá dispositivo que possa constituir embaraço à plena liberdade de informação jornalística em qualquer veículo de comunicação social, observado o disposto no art. 5º, IV, V, X, XIII e XIV.” (BRASIL, 2022)

O mais importante é que ao buscar a preservação do direito à honra, o código penal brasileiro tipifica condutas que estariam ameaçando este direito, e um deles é a calúnia elencado no artigo 138, que tem em seu corpo legal a conduta de imputar a alguém falsamente um fato definido como crime, e por isso não há necessidade de uma nova tipificação objetivando o mesmo fim.

Há também o crime de difamação, disposto no artigo 139, que tem em sua conduta difamar alguém imputando fato ofensivo à reputação da pessoa, assim é notório que há também neste dispositivo a defesa do direito à honra, isso por que os fatos alegados pela Suprema Corte como atos difamatórios e gabinete do ódio, já se enquadram como conduta típica, sendo ilegal tal iniciativa.

Por fim, o código ainda traz em seu artigo 140, a definição de injúria que seria injuriar alguém ofendendo-lhe a dignidade, o que também seria punível com tal conduta nas práticas citadas pelos ministros.

Portanto, há claramente um conflito de interesses, dentre esses sobressaindo o pessoal dos ministros da Suprema Corte, isto por que além de violar vários princípios constitucionais além de objetivarem julgar somente seus interesses pessoais no curso do processo. Nota-se que não há hierarquia de poderes fundamentais, tendo em vista que há um conflito entre dois direitos fundamentais e por isso um não pode ser absoluto em face de outro, devendo haver um equilíbrio entre estes a fim de garantir um julgamento probo.

O direito à liberdade de expressão não é absoluto, pois sofre limitações diariamente pelos poderes do Estado, e em contrapartida mesmo sendo um direito fundamental, à honra também não é absoluta isso por que na legislação penal pátria há a limitação deste, pois há a exceção da verdade, no qual o agente deve provar a veracidade de quem imputou.

Diante disso, há a falta de comprometimento com a legislação constitucional por todos os órgãos do Estado, mas principalmente por aqueles que deveriam guardar a “cidadã” para que enfim não fosse perdida em meio a este mar de corrupção que é o Brasil.

Assuntos relacionados
Sobre o autor
Informações sobre o texto

Este texto foi publicado diretamente pelos autores. Sua divulgação não depende de prévia aprovação pelo conselho editorial do site. Quando selecionados, os textos são divulgados na Revista Jus Navigandi

Leia seus artigos favoritos sem distrações, em qualquer lugar e como quiser

Assine o JusPlus e tenha recursos exclusivos

  • Baixe arquivos PDF: imprima ou leia depois
  • Navegue sem anúncios: concentre-se mais
  • Esteja na frente: descubra novas ferramentas
Economize 17%
Logo JusPlus
JusPlus
de R$
29,50
por

R$ 2,95

No primeiro mês

Cobrança mensal, cancele quando quiser
Assinar
Já é assinante? Faça login
Publique seus artigos Compartilhe conhecimento e ganhe reconhecimento. É fácil e rápido!
Colabore
Publique seus artigos
Fique sempre informado! Seja o primeiro a receber nossas novidades exclusivas e recentes diretamente em sua caixa de entrada.
Publique seus artigos