Efetivamente, amar não é dever ou direito. Amar é sentimento intangível pelo Direito. A falta de amor, como sentimento, portanto, não pode gerar indenização. Mas o cuidar, envolve presença, participação, vigilância, preocupação com o desenvolvimento psicológico, enfim, o que no fim diz respeito ao que postei em posts anteriores: tratar a criança de forma que ela se sinta amada, mesmo que por dentro esse pai esteja contrariado, o que importa é o que a criança sente, vê e recebe... se o pai tiver que fingir, que finja bem... mas faça, sob pena de responder civilmente por negligenciar tais atitudes que são são deveres jurídicos.
Mas o dever do pai e da mãe de ter o filho em sua companhia e educá-lo, é de natureza objetiva, está previsto no art. 1.634, I e II do Código Civil. O Estatuto da Criança e do Adolescente prevê também deveres para os pais, como o dever de assegurar o desenvolvimento físico, mental, moral, espiritual e social do filho menor, em condições de dignidade (ECA, arts. 3º, 4º e 5º). Esses, sim, são deveres de natureza jurídica, cujo descumprimento, ao gerar danos, pode acarretar a condenação do inadimplente em pagamento de indenização.
O dever de ter o filho em sua companhia, que é muito mais do que um direito de visitar o filho por parte daquele que não tem a guarda (Código Civil, art. 1.589), é examinado por Theodureto de Almeida Camargo Neto: “Pressupõe, assim, que haja convivência entre ambos, para que, conforme o caso, o vínculo se estabeleça ou se consolide, gradativamente, e que a criança ou o adolescente possa receber o afeto, a atenção, a vigilância e a influência daquele ou daquela que não detém sua guarda, de modo a alcançar a plena higidez física, mental, emocional e espiritual, que, como se sabe, depende, entre outros fatores, do contato e da comunicação recíproca e permanente com seus dois progenitores” (CAMARGO NETO, Theodureto de Almeida, A Responsabilidade Civil por Dano Afetivo. In TAVARES DA SILVA, Regina Beatriz e CAMARGO NETO, Theodureto de Almeida (coords.), Grandes Temas de Direito de Família e das Sucessões, São Paulo, Saraiva, 2011, p. 23).
Todavia, a relatora do acórdão, Ministra Nancy Andrighi, brilhantemente reconheceu que não há qualquer óbice à aplicação das regras referentes à responsabilidade civil e ao consequente dever de indenizar nas relações de família, por assim entender:
“Aqui não se fala ou se discute o amar e, sim, a imposição biológica e legal de cuidar, que é dever jurídico, corolário da liberdade das pessoas de gerarem ou adotarem filhos.
O amor diz respeito à motivação, questão que refoge os lindes legais, situando-se, pela sua subjetividade e impossibilidade de precisa materialização, no universo meta-jurídico da filosofia, da psicologia ou da religião.
O cuidado, distintamente, é tisnado por elementos objetivos, distinguindo-se do amar pela possibilidade de verificação e comprovação de seu cumprimento, que exsurge da avaliação de ações concretas: presença; contatos, mesmo que não presenciais; ações voluntárias em favor da prole; comparações entre o tratamento dado aos demais filhos – quando existirem –, entre outras fórmulas possíveis que serão trazidas à apreciação do julgador, pelas partes.
Em suma, amar é faculdade, cuidar é dever.
A comprovação que essa imposição legal foi descumprida implica. por certo, a ocorrência de ilicitude civil, sob a forma de omissão, pois na hipótese o ‘non facere’ que atinge um bem juridicamente tutelado, leia-se, o necessário dever de criação, educação e companhia – de cuidado – importa em vulneração da imposição legal.” (grifos constam do original).