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Mulher da lei com dom de fada
Juíza titular da 1ª Vara Criminal da Taquara, Thelma Fraga cria projeto, batizado de Grão, no qual dá condições para que ex-detentos recomecem a vida. Dois condenados por ela foram ajudados pela magistrada e deram a volta por cima
POR MARIA MAZZEI
Rio - Fábio Leão, 35 anos, especialista em clonar carros, quatro condenações e sete anos preso. Leonardo Batista, 33, ex-traficante de armas, condenado a dez anos de prisão. O que os dois ex-detentos têm em comum? Deram a volta por cima com a ajuda da mesma mulher, a juíza Thelma Fraga, que um dia os condenou. Há 15 anos sentenciando bandidos perigosos, a titular da 1ª Vara Criminal da Taquara, enfrenta agora mais um desafio: ressocializar ex-detentos.
“Todos merecem uma segunda chance. Eles já cumpriram suas penas, mas quando são soltos não conseguem emprego. Costumo dizer que aqui (Tribunal de Justiça) é onde chega tudo que não deu certo. Então, comecei a verificar as causas que promoviam o desequilíbrio da sociedade. Fiz uma pesquisa com todos os casos da minha vara e concluímos, eu e minha equipe, que a maioria que sai e encontra condições para uma nova vida, dificilmente volta para o crime”, explicou.
O projeto Grão, como ela o batizou, busca criar condições para que o detento recomece a vida. A corajosa ideia da magistrada, que só agora ganha apoio de empresas privadas e de órgão públicos, procura desenvolver algum talento do ex-preso. Leão e Leonardo são os primeiros “soldados do bem”. Foi durante uma visita ao Presídio Muniz Sodré, em Bangu, que Thelma reencontrou os dois. Leão, faixa preta em Boxe Tailandês, estava socando e chutando um saco com terra e pedras. Com autorização do diretor Gilson Nogueira, ele dava aulas aos presos. Thelma conseguiu o material para os treinos. Em outubro de 2009, Leão foi solto e, através do projeto, obteve uma bolsa na academia Delfim, na Tijuca. Dois meses depois, foi contratado como professor.
“Estou fazendo o que sempre sonhei. Ela (juíza) foi um anjo na minha vida. Não tenho dinheiro como antes. Como arroz e feijão, mas tenho dignidade. Não tem preço que pague nossa liberdade. Hoje sento de costas para a rua e vou a qualquer lugar com minha família”, emociona-se o lutador.
HOMEM DE BEM
Aos poucos, Leonardo também refaz sua vida. Na prisão, montou uma coleta seletiva de lixo e, ao sair, em fevereiro de 2009, criou a CopCidade de Deus, com 20 cooperados. Situada sob o viaduto da Linha Amarela, arrecada, por mês, três toneladas de lixo do Canal Arroio Fundo, Jacarepaguá.
“Muitas vezes, a falta de oportunidade empurra o sujeito para o crime”, disse Leonardo, que voltou, semana passada, à sala de audiência, onde fora condenado. “Sentei aqui algemado. Hoje sou um homem de bem”, falou, orgulhoso.
Adesão de universitários e empresas
Outros seis detentos, prestes a ganhar a liberdade, estão sendo acompanhados pela magistrada. Thelma já conseguiu incorporar 50 parceiros ao Projeto Grão: universitários de várias áreas, que recebem em troca horas de estágio, empresários e órgãos públicos. O projeto não tem fins lucrativos e os recursos obtidos chegam através de cursos, materiais ou serviços.
“Como juíza, eu apenas abro caminho, dando credibilidade ao trabalho. Não quero dinheiro, não sou polícia e nem empresária. Quando chego para algum empresário, por exemplo, ele percebe que é sério”, explica.
VIVA VOZ: "Fui uma ameaça para a sociedade durante 20 anos, mas mudei”
“Se o crime fosse bom, eu ainda estaria nele e não trabalhando.Parte dos meus amigos morreu ou está presa. Comecei assaltando aos 13 anos. Depois me especializei em clonagem de carros. Fiquei rico, mas não tinha paz. Se estava na rua e ouvia uma sirene, já ficava apavorado. Só que nunca larguei o esporte completamente. Quando estava competindo, ficava bem. Por isso quero ajuda para colocar escolinhas nas comunidades. O esporte salva. Fui uma ameaça para a sociedade durante 20 anos, mas dá para mudar. Eu mudei”, afirmou Leão, que, aos 24 anos, foi campeão Carioca e Brasileiro de Boxe Tailandês.
FÁBIO LEÃO, professor de boxe, 35 anos
Se este anjo não me encontrasse, teria voltado ao crime”
“Vivi quase 20 anos no crime e digo com toda a certeza que essa vida não compensa. Tive fortuna, imóveis, carros importado e perdi tudo pagando advogados. Hoje, quero trabalhar e ganhar meu dinheiro com dignidade. Se tivesse saído da cadeia e esse anjo não me encontrasse, teria, provavelmente, voltado para o crime. Mas quantas pessoas não têm a mesma sorte que eu? Quando era criança, quem me dava dinheiro para comprar balas ou um gás para a minha casa era o traficante. Achava que ele era o Robin Hood. Por isso, muitas crianças crescem venerando os bandidos no lugar do governo. Faltam oportunidades”.
LEONARDO BATISTA, empresário, 33 anos