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Medida de segurança

caráter residual da internação

Medida de segurança: caráter residual da internação

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Na aplicação da medida de segurança ao inimputável, deve o magistrado aplicar, a depender do caso concreto, a internação ou o tratamento ambulatorial, sem qualquer limitação em relação aos delitos punidos com reclusão.

I - INTRODUÇÃO

Questões atinentes às medidas de segurança fundamentam, seguramente, as mais palpitantes discussões no estudo da teoria da pena: sua constitucionalidade, justificativa, legitimação, adequação da incidência da tutela penal aos inimputáveis, natureza (punitiva ou terapêutica), limitação temporal, possibilidade de cumulação com sanção penal (sistema duplo binário ou vicariante), enfim, uma série de questionamentos é suscitada pela doutrina, e abordada pelas decisões judiciais, com as mais variadas soluções.

São tantas, e tão relevantes, as questões em comento que, no mais das vezes, discussões tópicas de menor densidade doutrinária, porém de conseqüências práticas cruciais, são relegadas e entendimentos consagrados pela jurisprudência perpetuam-se incólumes e impassíveis de controvérsias. Assim ocorre com a possibilidade de aplicação de medida de segurança de tratamento ambulatorial aos inimputáveis que tenham cometido fato típico e antijurídico sancionado, em abstrato, com pena de reclusão.


II – RECLUSÃO E MEDIDA DE INTERNAÇÃO

Perfilhamos o entendimento de que é possível ao magistrado, a depender do caso concreto, cominar ao inimputável o tratamento ambulatorial, e não a medida de internação, a despeito da literalidade do art. 97 do código penal, com a redação dada pela Lei 7.209/84 ["Se o agente for inimputável, o juiz determinará sua internação (art. 26). Se, todavia, o fato previsto como crime for punível com detenção, poderá o juiz submetê-lo a tratamento ambulatorial"].

Uma açodada exegese do dispositivo em apreço poderá conduzir à conclusão de que os fatos previstos como crime em que se comine, em abstrato, a pena de reclusão hão de ser solucionados, necessariamente, pela imposição da medida de internação, quando praticados por inimputáveis. Esta a concepção prevalente dentre os juristas, sobejamente majoritária na jurisprudência e esposada pelo Superior Tribunal de Justiça, in verbis:

"CRIMINAL. ROUBO QUALIFICADO. SEMI-IMPUTÁVEL. SUBSTITUIÇÃO DA PENA PRIVATIVA DE LIBERDADE POR MEDIDA DE SEGURANÇA. INTERNAÇÃO. ALTERAÇÃO PARA TRATAMENTO AMBULATORIAL OPERADA PELO TRIBUNAL A QUO. IMPOSSIBILIDADE. REU CONDENADO A PENA DE RECLUSÃO. RECURSO PROVIDO.

I - Hipótese de réu semi-imputável condenado à pena de reclusão, para o qual o Tribunal de Justiça do Estado do Rio Grande do Sul, dando parcial provimento ao pleito defensivo, substituiu a medida de internação anteriormente imposta pelo tratamento ambulatorial.

II - O art. 98 do Código Penal, aplicando as regras do artigo 97 do mesmo estatuto repressor, prevê, para os casos de semi-imputabilidade, a substituição da pena privativa de liberdade pela medida de segurança de internação (nos casos de réus apenados com reclusão) ou de tratamento ambulatorial (para apenados com detenção).

III - Recurso provido, nos termos do voto do Relator.

(REsp 567.352/RS, Rel. Ministro GILSON DIPP, QUINTA TURMA, julgado em 17.06.2004, DJ 02.08.2004 p. 513)"

Também o Supremo Tribunal Federal já enfrentou a questão, adotando a posição majoritária, in verbis:

"MEDIDA DE SEGURANÇA - INTERNAÇÃO - TRATAMENTO AMBULATORIAL - INIMPUTAVEL - DEFINIÇÃO. TANTO A INTERNAÇÃO EM HOSPITAL DE CUSTODIA E TRATAMENTO PSIQUIATRICO QUANTO O ACOMPANHAMENTO MEDICO-AMBULATORIAL PRESSUPOEM, AO LADO DO FATO TIPICO, A PERICULOSIDADE, OU SEJA, QUE O AGENTE POSSA VIR A PRATICAR OUTRO CRIME. TRATANDO-SE DE INIMPUTAVEL, A DEFINIÇÃO DA MEDIDA CABIVEL OCORRE, EM UM PRIMEIRO PLANO, CONSIDERADO O ASPECTO OBJETIVO - A NATUREZA DA PENA PRIVATIVA DE LIBERDADE PREVISTA PARA O TIPO PENAL. SE O E DE RECLUSÃO, IMPÕE-SE A INTERNAÇÃO. SOMENTE NA HIPÓTESE DE DETENÇÃO E QUE FICA A CRITÉRIO DO JUIZ A ESTIPULAÇÃO, OU NÃO, DA MEDIDA MENOS GRAVOSA - DE TRATAMENTO AMBULATORIAL. A RAZÃO DE SER DA DISTINÇÃO ESTA NA GRAVIDADE DA FIGURA PENAL NA QUAL O INIMPUTAVEL ESTEVE ENVOLVIDO, A NORTEAR O GRAU DE PERICULOSIDADE - ARTIGOS 26, 96 E 97 DO CÓDIGO PENAL." (HC 69375 / RJ - Rel. Min. Marco Aurélio. Julgamento:  25/08/1992. Órgão Julgador:  SEGUNDA TURMA).

Como dito, com a devida vênia, ousamos discordar.

De antemão, é necessário que reste assente que o fundamento adotado para se justificar a imposição da medida de segurança ao inimputável é a sua periculosidade. Não se está a firmar com isto que a periculosidade seja o único requisito idôneo à aplicação da medida de segurança.

Para que se legitime a imposição da medida de segurança, em que pese não esteja presente a culpabilidade, é imperioso que estejam presentes os demais elementos do crime, quais sejam, fato típico e antijurídico (injusto penal). Em resumo, por mais que um inimputável demonstre, por meio de atos exteriores, periculosidade, não se lhe pode aplicar medida de segurança, conquanto não tenha cometido um injusto penal, sob pena de consagrarmos um direito penal do autor, e não do fato, em abrupta agressão aos ditames e valores de proteção à dignidade humana, mormente daqueles que mais necessitam por eles ser albergados.

Demais disso, podem os inimputáveis beneficiar-se não apenas das causas excludentes da tipicidade e da antijuridicidade, mas também da própria culpabilidade, ao menos no que se refere à exigibilidade de conduta diversa. Assim, ainda que haja o inimputável praticado um injusto penal, milita em seu favor a dirimente da inexigibilidade de conduta diversa, não sendo razoável que se lhe aplique uma medida de segurança por haver atuado, por exemplo, sob coação moral irresistível [01]. Não se lhe imporá, por fim, medida de segurança quando presente alguma das causas extintivas da punibilidade, tais como a prescrição, decadência, etc.

Portanto, não é a periculosidade o requisito necessário à imposição da medida de segurança; é ela, todavia, que subjaz e legitima a sua aplicação, sua existência e a sua duração [02], consistindo sua viga de sustentação.

É justamente nesta constatação que reside o equívoco do entendimento sufragado majoritariamente no âmbito da jurisprudência, com fulcro na literal interpretação do art. 26 do código penal. Na medida em que o referido dispositivo legal preconiza previamente e em abstrato que somente nos casos previstos como crime em que se aplique a pena de detenção poderá o magistrado determinar a medida de tratamento ambulatorial, subtrai ao Judiciário a aferição em concreto da efetiva periculosidade do agente naqueles casos em que o inimputável haja cometido um injusto penal em que se aplica, em abstrato, pena de reclusão.

A adoção do entendimento majoritário conduz a injustiças gritantes, senão vejamos: vislumbremos um caso em que um agente comete o delito capitulado no art. 296, inciso I do código penal ("Art. 296 - Falsificar, fabricando-os ou alterando-os: I - selo público destinado a autenticar atos oficiais da União, de Estado ou de Município"); no curso da instrução, conclui-se, por perícia médica, que o agente é inimputável, não tendo qualquer possibilidade de compreender o caráter ilícito de sua conduta. Por seu turno, o inimputável em questão não demonstra qualquer resquício de periculosidade, jamais se comportou de forma violenta, agressiva ou temerária, além de receber todo o auxílio e amparo por parte de sua família. O crime em questão é apenado com reclusão de dois a seis anos e multa. Pergunta-se: qual a razão para se manter sob regime de internação referido inimputável?

Não calha o argumento de que posteriormente o inimputável poderia manifestar comportamento agressivo, denotando periculosidade. Ressalte-se que quando da cominação da sanção penal [03] não se pode incorrer em ilações desta estirpe, sem dados concretos, porquanto, em abstrato, ninguém se exime da possibilidade de cometer delitos. Asseverar-se que o inimputável pode vir a demonstrar periculosidade equivaleria a exasperar a pena de um imputável, sem apontar qualquer dado concreto, sob o subterfúgio de que ele pode voltar a delinqüir.

Vê-se, do exemplo apontado, o quão temerário é retirar do Judiciário a aferição individualizada dos casos em que recomendável a adoção da medida de segurança de tratamento ambulatorial ou da internação. Andou bem o legislador quando conferiu expressamente esta faculdade ao magistrado, no que concerne aos fatos definidos como crime em que se aplique pena de detenção, no que observou, devidamente, o sistema do livre convencimento motivado das decisões judiciais (persuasão racional). Não há razão para não se aplicar o mesmo entendimento no que se refere aos casos em que se aplique a pena de reclusão, em que pese não haver essa referência expressa no texto legal.


III - EVOLUÇÃO HISTÓRICA

Entendimento diverso materializa um inadmissível retrocesso. Sem embargo, já dispunha o código do Império, de 1830, primeiro código penal autônomo da América Latina que, in verbis: "os loucos que tiverem commettido crimes serão recolhidos ás casas para elles destinadas, ou entregues ás suas famílias, como ao juiz parecer mais conveniente [04]".

Naturalmente, o dispositivo legal transcrito consagra um sistema de apreciação de provas que já foi proscrito pelo direito, qual seja, o do convencimento íntimo do magistrado [05], na medida em que aduz expressamente que a decisão será adotada "como ao juiz parecer mais conveniente", sem que lhe seja, como é devido, determinada a necessidade da motivação. Relevante, todavia, é o fato de que a decisão acerca da medida de internação ou tratamento em residência do inimputável fica a cargo do magistrado, e não previamente previsto em lei.

Na mesma linha, o código penal de 1890, conquanto abandone o sistema do convencimento íntimo do magistrado, faculta-lhe a observância da periculosidade do inimputável, para, a partir desta constatação, decidir pela aplicação ou não da internação, in verbis: "Art. 29. Os indivíduos isentos de culpabilidade em resultado de affecção mental serão entregues ás suas famílias, ou recolhidos a hospitaes de alienados, se o seu estado mental assim exigir para segurança do publico [06]".

Não é demasiado destacar que, se é certo que o código do Império adotava o sistema do íntimo convencimento do magistrado, o código penal atual, com a redação conferida pela Lei 7.209/84 também repudia – ao menos para os adeptos da muitas vezes citada teoria maciçamente majoritária na jurisprudência –, o sistema da persuasão racional, porquanto preconiza previamente qual medida de segurança deve ser adotada pelo magistrado, sem que lhe seja conferido o poder-dever de apreciar a existência em concreto da periculosidade do agente, fundamentando sua decisão e impondo a modalidade de medida de segurança mais adequada ao caso.

O certo é que a legislação não apenas pode como deve fixar balizas a serem observadas pelo julgador, mas não fixar de modo rígido e inexpugnável sua conduta, sob pena de consagrarmos a adoção do sistema do íntimo convencimento do legislador, na apreciação das provas, em detrimento, como dito, do sistema da persuasão racional. Isto porque cabe ao legislador fazer valorações em abstrato, mas as valores em concreto são reservadas aos julgadores.

Na medida em que a legislação dispõe previamente qual a modalidade da medida de segurança a ser imposta, sem que se faça uma apreciação casuística da periculosidade do inimputável, obstaculiza o processo de "retorno social" deste. Prescindível incorrer em maiores elucubrações acerca das vicissitudes inerentes aos hospitais de custódia e tratamento (HCT´s). Estes, por vezes, obtêm êxito na hercúlea missão de se tornar pior do que as penitenciárias e, não raro, conduzem ao agravamento da patologia psíquica do inimputável.

Podemos, inclusive, fazer uma analogia com algo que acontecia à época em que vigia a escravidão no Brasil. Já não suportando, há muito, as agruras dos grilhões e a barbárie institucionalizada pelo tratamento conferido pelos senhores escravocratas, alguns escravos passaram a cometer crimes, com o propósito deliberado de se ver recolhido ao cárcere; isto porque a situação e o tratamento existente nas prisões, se, por um lado, estavam longe de obedecer a padrões mínimos de dignidade, por outro, suplantava em muito a insustentável situação vivenciada nas senzalas. Dando-se conta deste quadro, o que fizeram os escravagistas? Melhoraram as senzalas? Não. Pioraram, e muito, as prisões.

Naturalmente, na atualidade, este processo de degradação dos hospitais de custódia e tratamento não foi intencional, como outrora, ocorreu com as prisões. Todavia, algo bastante similar ocorreu. Se é certo que há até pouco tempo as alegações de insanidade mental constituíam uma técnica de defesa sobejamente utilizada, com vistas a elidir a imposição da pena privativa de liberdade, atualmente, a adoção desta técnica pode se mostrar absurda, na medida em que atirar o réu aos HCT´s, por vezes, é muito mais gravoso, haja vista a situação periclitante em que se encontram boa parte destas instituições. Em suma, os hospitais de custódia e tratamento constituem um misto de prisão e hospital, muito mais nocivo do que a pena mesma [07].


IV – REFORMA PSIQUIÁTRICA – NOVOS PARADIGMAS

Cumpre destacar, ainda, que a internação do inimputável sem aferição em concreto de sua periculosidade colide com os preceitos que embasaram a recente reforma psiquiátrica, levada a cabo pela Lei 10.216/2001. Como parâmetros que nortearam a referida reforma psiquiátrica, podemos elencar: "a) abordagem interdisciplinar da saúde mental, sem prevalência de um profissional sobre o outro. B) Negativa do caráter terapêutico do internamento. C) Respeito pleno da especificidade do paciente, e da natureza plenamente humana da sua psicose. D) Discussão do conceito de "cura", não mais como "devolução" ao paciente de uma "sanidade perdida", mas como trabalho permanente de construção de um "sujeito" (eu) ali onde parece existir apenas um "objeto" de intervenção terapêutica (isso). D) A denúncia das estruturas tradicionais como estruturas de repressão e exclusão. E) A não-neutralidade da ciência. F) O reconhecimento da interrelação estreita entre as estruturas psiquiátricas tradicionais e o aparato jurídico-policial [08]".

Relevante salientar que o entendimento aqui esposado fundamenta-se não apenas em questões hermenêuticas ou principiológicas atinentes às medidas de segurança, mas também na própria legislação. Isto porque com o advento da mencionada Lei 10.216/2001 que, como dito, instituiu a reforma psiquiátrica no país, com forte influência do movimento antimanicomial, que se pauta na antipsiquiatria [09], a necessidade de aferição casuística, não apenas da periculosidade do inimputável, mas da viabilidade de sua recuperação mediante a adoção da internação, em qualquer circunstância, restou positivada de forma expressa.

De fato, dispõe a citada Lei em seu art. 4º., caput que, in verbis: "A internação, em qualquer de suas modalidades, só será indicada quando os recursos extra-hospitalares se mostrarem insuficientes". Desta forma, após o advento do diploma legal em comento, a internação passa a ser residual, o último artifício a ser utilizado, razão pela qual, quando não restar demonstrada a sua necessidade, decorrente da periculosidade do inimputável, justifica-se a adoção do tratamento ambulatorial.

Nem se diga que o dispositivo transcrito não se aplicaria às medidas de segurança, porquanto alude expressamente à internação "em qualquer de suas modalidades". Corroborando esta assertiva, assevera a mesma Lei em seu art. 6º., parágrafo único, inciso III, que, in verbis: "A internação psiquiátrica somente será realizada mediante laudo médico circunstanciado que caracterize os seus motivos. Parágrafo único. São considerados os seguintes tipos de internação psiquiátrica: (...)III - internação compulsória: aquela determinada pela Justiça". Portanto, a internação, inclusive a determinada pela Justiça, não apenas é o último instrumento a ser utilizado no trato para com os inimputáveis, como também depende de laudo médico circunstanciado que caracterize seus motivos.

Gize-se que não se está a falar do laudo pericial que atesta a inimputabilidade do agente, nos termos preconizados pelo código penal. Este, obviamente, é imprescindível à determinação da própria inimputabilidade, na medida em que o magistrado não possui conhecimento técnico para tanto. O dispositivo transcrito refere-se a um novo laudo médico, que indique, de forma circunstanciada, as razões pelas quais o inimputável deve ser encaminhado à internação. Por força do ditame plasmado neste dispositivo legal, será inválida a cominação da medida de segurança de internação não apenas quando não se apreciar a periculosidade em concreto do inimputável, mas também quando inexistir este laudo médico indicando a internação como único recurso viável (já que a internação é residual) ao seu tratamento.

Em sentido contrário, pode-se alegar, com uma certa procedência, que condicionar a determinação da medida de segurança a ser imposta ao inimputável ao laudo médico circunstanciado também constituiria afronta ao sistema da persuasão racional, na medida em que delega ao médico esta decisão. Esta a razão pela qual o dispositivo há de ser interpretado conforme a Constituição.

De antemão, é relevante destacar que não se sustentam os argumentos destinados a acoimar de ilegítimo o dispositivo. É natural que sendo a busca da reinserção social um dos fundamentos da existência da medida de segurança, um especialista da área médica tenha maiores condições de indicar o tratamento adequado ao inimputável do que um magistrado sem estes conhecimentos técnicos. Nada obsta, ainda, que o magistrado possa valer-se de mais de um laudo médico, acaso tenha fundadas razões para desconsiderar qualquer deles.

Demais disso, sendo certo que o referido laudo médico circunstanciado nada mais é do que uma nova prova pericial, realizada no curso do processo, e sendo certo que as provas são livremente valoradas, conquanto devidamente fundamentadas as opções, nada obsta a que o julgador se utilize de outros elementos de convicção na adoção da sua decisão.

O fato relevante é que, com a vigência da Lei 10.216/2001, o julgador deve valer-se de conhecimentos técnicos especializados para embasar sua decisão, não mais prevalecendo o dispositivo limitador constante do art. 97 do código penal, que, consoante a interpretação estrita conferida pela doutrina e jurisprudência dominantes, impossibilitava a aplicação da medida de segurança de tratamento ambulatorial aos inimputáveis que houvessem cometido injusto penal abstratamente sancionado com reclusão.


V - CONCLUSÕES

Em resumo, quando da aplicação da medida de segurança ao inimputável que haja cometido fato definido como crime, deve o magistrado aplicar, a depender do caso concreto, a internação ou o tratamento ambulatorial, sem que haja qualquer limitação nessa escolha em relação aos delitos que, em abstrato, são punidos com pena de reclusão. De qualquer sorte, se entender ser o caso a aplicação da medida de internação, deve o julgador fundamentar-se em conhecimentos técnicos especializados, por meio de laudo médico circunstanciado, que indiquem a internação como melhor tratamento, nos termos da Lei 10.216/2001.


REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

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QUEIROZ, Paulo. Direito Penal: Parte Geral. 3ed., São Paulo: Saraiva, 2006

_______. Inconstitucionalidade das medidas de segurança? Artigo publicado no Boletim dos Procuradores da República nº. 70. Disponível em http://www.anpr.org.br/boletim/. Acesso em: 24 de julho de 2007.


NOTAS

01 No sentido do texto, QUEIROZ, Paulo. Direito Penal: Parte Geral. 3ed., São Paulo: Saraiva, 2006, p. 418.

02 Em que pese aderirmos ao entendimento esposado por Gamil Föppel el Hireche ao asseverar que é necessária a adoção de um novo modelo, em que se retire o comportamento dos inimputáveis do âmbito de incidência do direito penal (A Função da Pena na visão de Claus Roxin. Rio de Janeiro: Forense, 2004, p. 143).

03 Muito embora devamos nos eximir de maiores digressões, sob pena de desvirtuar o objeto de estudo, adotamos o entendimento de que as medidas de segurança possuem caráter sancionatório, no que divergimos, também aqui, da doutrina majoritária.

04 MORAES FILHO, Marco Antonio Praxedes de. Evolução histórica da inimputabilidade penal: uma abordagem cronológica da loucura na humanidade e seus reflexos na legislação criminal brasileira até o Código de Piragibe. Jus Navigandi, Teresina, ano 10, n. 1017, 14 abr. 2006. Disponível em: <http://jus.com.br/artigos/8234>. Acesso em: 23 jul. 2007

05 Malgrado haja resquícios de sua utilização nas decisões do Conselho de Sentença do Tribunal do Júri.

06 MORAES FILHO, Marco Antonio Praxedes de. Evolução histórica da inimputabilidade penal, ob. cit.

07 JACOBINA, Paulo apud QUEIROZ. Paulo, Inconstitucionalidade das medidas de segurança? Artigo publicado no Boletim dos Procuradores da República nº. 70. Disponível em http://www.anpr.org.br/boletim/. Acesso em: 24 de julho de 2007.

08 JACOBINA, Paulo. Direito Penal da Loucura: Medida de Segurança e Reforma Psiquiátrica. Artigo publicado no Boletim dos Procuradores da República nº. 70. Disponível em http://www.anpr.org.br/boletim/. Acesso em: 24 de julho de 2007.

09 Na atualidade, a Psiquiatria sustenta predominantemente, o modelo organicista, com emprego de psicofármacos e terapêuticas biológicas, como eletroconvulsoterapia. Convive, no entanto, com correntes que defendem terapias cognitivas e até o fim dos manicômios, como a Antipsiquiatria (CHERUBINI, Karina Gomes. Modelos históricos de compreensão da loucura. Da Antigüidade Clássica a Philippe Pinel. Jus Navigandi, Teresina, ano 10, n. 1135, 10 ago. 2006. Disponível em: <http://jus.com.br/artigos/8777>. Acesso em: 24 jul. 2007).


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ARAÚJO, Fábio Roque da Silva. Medida de segurança: caráter residual da internação. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 12, n. 1494, 4 ago. 2007. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/10216. Acesso em: 24 abr. 2024.