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A cessão de direitos hereditários e o inventário administrativo (extrajudicial)

A cessão de direitos hereditários e o inventário administrativo (extrajudicial)

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Sumário:I – Introdução. II – A lei 11.441/07. III – A cessão de direitos hereditários no inventário administrativo. IV - Conclusões. Referências.

Palavras-chave: cessão de direitos hereditários; lei 11.441/07.


I - INTRODUÇÃO

No artigo A cessão de direitos hereditários no Código Civil brasileiro – análise dos arts. 1.793 e seguintes (1), discorremos brevemente sobre a cessão de direitos hereditários prevista nos arts. 1.793 e seguintes do Código Civil.

Com o advento da Lei 11.441, de 4 de janeiro de 2007, a qual modificou alguns dispositivos do Código de Processo Civil, abriu-se a possibilidade de se fazer inventários (2) nos cartórios de notas, desde que inexistentes testamento e interessados incapazes, com a obrigatória assistência de um advogado.

No artigo mencionado, dissemos que essa lei trouxe reflexos para a disciplina dos arts. 1.793 e seguintes do Código Civil e que trataríamos disso oportunamente. É isto o que faremos.

Antes de tudo, a fim de que o leitor concatene as suas idéias, devemos sugerir a leitura do primeiro artigo.


II – A LEI 11.441/07

A discussão iniciou-se com o Projeto de Lei n. 6.416/2005, da Câmara dos Deputados, vindo a ser aprovado o substitutivo apresentado pelo Relator, Deputado Maurício Rands.

O objetivo da lei é dar celeridade ao inventário e desafogar o Poder Judiciário, outrossim minimizando custos. Conseguiu.

O número de inventários, divórcios e separações lavrados em cartório de notas tem aumentado diuturnamente. A cada dia, novos atos são lavrados, com economia de tempo e dinheiro para os usuários.

Entendemos que o legislador deveria ter estabelecido um prazo de vacatio legis (3), tendo em vista a dificuldade que a população teve para absorver a novidade, assim como os próprios notários (4). Mas o fato é que a norma entrou em vigor no dia 5 de janeiro, data da publicação no Diário Oficial da União.

Os tribunais estaduais, por intermédio de suas corregedorias, adiantaram-se na elaboração e edição de provimentos, visando a normalizar administrativamente o assunto com o fim de unificar procedimentos.

Os pioneiros foram Acre, Pará (5), Bahia, Mato Grosso, Minas Gerais, Paraíba, Paraná, Rio Grande do Sul, Santa Catarina e São Paulo.

O Conselho Nacional de Justiça, por meio da Resolução n. 35, de 24 de abril de 2007, disciplinou a aplicação da Lei 11.441/07 em todo país, contrariando algumas disposições normativas estaduais. Assim sendo, havendo antinomia entre as normas estaduais e a norma federal (Resolução 35/2007, CNJ), prevalecerá esta (6).

Veja que prevalecerá a norma federal no caso de antinomia. Já no caso de omissão desta (não previsão da hipótese na norma federal), aplicar-se-á a norma estadual (7).

Os requisitos para a lavratura encontram-se na Resolução 35/2007 do CNJ e nas normas estaduais supletivas. Portanto, o notário, ao lavrar a escritura, deverá observar essas prescrições normativas.

Discussões outras (8) serão tratadas oportunamente, a fim de concentrar-se na cessão de direitos hereditários e no inventário administrativo.


III – A CESSÃO DE DIREITOS HEREDITÁRIOS NO INVENTÁRIO ADMINISTRATIVO

No artigo A cessão de direitos hereditários no Código Civil brasileiro – análise dos arts. 1.793 e seguintes, procuramos enfocar o problema da ineficácia da cessão. Rememoremos as suas conclusões:

1) A cessão de direitos hereditários é aceita, desde que se observe a forma prescrita pela lei (escritura pública);

2) os direitos à sucessão aberta são considerados bem imóvel por dicção legal;

3) a cessão de direitos hereditários é um negócio jurídico que só admite interpretação restritiva. Por essa razão, os direitos conferidos ao herdeiro em conseqüência de substituição ou de direito de acrescer presumem-se não abrangidos pela cessão anterior;

4) individualização de bem componente de acervo hereditário requer autorização judicial, a ser promovida pelo inventariante;

5) O co-herdeiro interessado na cessão de sua quota hereditária a estranho deverá oferecê-la primeiramente aos demais co-herdeiros, a fim de que exerçam a preferência;

6) há direito de preferência entre os co-herdeiros. Dessa forma, aquele possuidor de quinhão maior - e aqui se inclui o meeiro - tem preferência na aquisição da quota sobre os demais;

7) sendo vários os co-herdeiros interessados na aquisição da quota hereditária, entre eles se distribuirá o quinhão cedido;

8) em se tratando de co-herdeiro casado, indispensável se faz a outorga uxória, ou marital, exclusive se casado sob o regime da separação absoluta;

9) co-herdeiro incapaz depende de procedimento próprio para manifestação sobre a preferência na aquisição;

10) a ineficácia que faz menção a lei é aquela que obsta a produção de efeitos jurídicos, ou seja, o cessionário dependerá da aquiescência dos co-herdeiros para que o negócio surta efeitos.

11) a preterição da formalidade do alvará é um risco desnecessário, atentatório aos princípios de publicidade, autenticidade, segurança e eficácia dos negócios jurídicos, insertos no art. 1º da Lei 8.935/94.

Inicialmente, é preciso dizer que nada obsta a feitura de uma cessão de direitos hereditários (e/ou de meação), tanto gratuita, como onerosa, e o inventário e partilha (ou adjudicação) juntos, isto é, em uma mesma escritura pública.

Do mesmo modo, não há nada que proíba a lavratura da cessão em uma escritura, e o inventário e partilha (ou adjudicação) em outra.

Por se tratarem de negócios jurídicos distintos, a cobrança dos emolumentos (devidos ao tabelião) será feita individualmente, ou seja, um emolumento para a cessão, outro para o inventário. Por isso, tanto faz lavrar os dois atos em uma mesma escritura ou lavrá-los isoladamente.

O mesmo raciocínio vale para outros atos, tal como ocorre com a renúncia de herança.

O importante é lavrar a escritura pública de forma concatenada, encadeando as idéias de uma maneira que possibilite o entendimento por qualquer pessoa, tenha ou não conhecimento jurídico, além de observar as determinações legais e normativas.

Desse modo, devem ser qualifiquados os comparecentes, observando a norma exemplificativa do art. 215 do Código Civil, acrescendo-lhe os dados relevantes das partes (pacto antenupcial, data e regime de casamento, o número de inscrição do(a) advogado(a) na OAB etc.).

O reconhecimento da identidade e capacidade das partes vem logo em seguida (9).

Depois, passa-se a descrever o autor da herança, a nomeação de interessado para resolver pendências do espólio (inventariante), a declaração de inexistência de testamento e herdeiros incapazes (10), dos bens que compõem o acervo hereditário e da inexistência de dívidas (ou existência, designando quem fará os pagamentos, sendo preferencialmente o inventariante).

Feito isso, parte-se para a cessão de direitos hereditários ou de meação, com a discriminação dos pagamentos (ou adjudicação) e declarações finais, mencionando-se os documentos que foram apresentados.

A cessão de direitos hereditários (gratuita ou onerosa) é o meio jurídico hábil para a transferência dos direitos corpóreos e incorpóreos (todos imóveis por ficção jurídica, enquanto não individualizados na partilha) arrolados no inventário. É por meio dela que se fazem as partilhas com proporções diversas das originalmente constituídas.

Explicando melhor: se o acervo hereditário vale R$100.000,00 e há um viúvo meeiro e dois filhos, teremos 50% para o viúvo (R$50.000,00) e 25% para cada filho (R$25.000,00). E se um dos filhos quiser ficar com R$30.000,00 (ou R$40.000,00, ou R$50.000,00 etc.), terá que se valer da cessão de direitos para ver o acréscimo na partilha.

Não nos afigura correto fazer partilha com quinhões desiguais sem o negócio jurídico subjacente. Seria o mesmo que pretender chegar ao outro lado de um túnel, por terra, sem percorrer toda a sua extensão.

A partilha serve para individualizar os quinhões, pondo fim ao estado de indivisão advindo da abertura da sucessão. Ou seja, é o momento para se acordar quem fica com o quê. E para que um herdeiro fique com quota desigual à de outro (sendo que os seus direitos são juridicamente iguais), é indispensável a ocorrência de um fato pretérito gerador desse efeito.

Essa atecnia de se partilhar desigualmente bens em inventário, em desrespeito ao direito de cada um dos interessados na sucessão (quando da abertura desta), sem um negócio jurídico subjacente, configura fraude fiscal, pois geralmente não há recolhimento do tributo devido.

Os cartórios de registro imobiliário devem obstar o registro desses títulos, até que haja o recolhimento do tributo devido.

E pergunta-se: qual o tributo devido? Como vai aferir se a vantagem obtida na partilha foi a título oneroso ou gratuito? Por declaração das partes?

Veja que, se o interessado no registro declarar que a vantagem obtida se deu a título gratuito (incidindo o ITCD), quando na verdade foi a título oneroso (incidindo o ITBI), o Município sairá prejudicado.

Se o contrário acontecer, isto é, se ele declarar que foi a título oneroso, pagando-se o ITBI, quando o foi a título gratuito, o Estado é que sairá prejudicado (11).

A partilha desigual precedida de uma cessão de direitos também evita isso.

É preciso que os cartórios de registro, ao receberem esses títulos, sejam eles judiciais (formais de partilha e cartas de adjudicação) ou extrajudiciais (escrituras públicas de inventário), observem isso, pois estão obrigados a fiscalizar rigorosamente o pagamento dos tributos incidentes sobre os atos levados a registro (art. 289 da Lei 6.015/73 – LRP - e art. 30, XI, Lei 8.935/94).

E que os tabeliães de notas, ao lavrar as escrituras de inventário, recomendem às partes a adoção do meio jurídico correto, a cessão de direitos hereditários, quando se depararem com casos similares. Lembrem-se dos deveres de proporcionar ao ato jurídico publicidade (12), autenticidade, segurança e eficácia (13), assim como o de fiscalizar o pagamento dos tributos incidentes sobre os atos que praticam (art. 30, XI, Lei 8.935/94)

Propugnamos essa idéia para evitar dissabores (14).

Quanto à forma escolhida pela lei (escritura pública), e considerando ser o inventário administrativo lavrado pelo mesmo modo, não há nada de novo a ser dito.

O cerne do problema encontra-se na ineficácia de que trata o art. 1.793 do Código Civil.

Em primeiro lugar, atente-se para o disposto no art. 1.787 do Código Civil, in verbis:

Art. 1.787. Regula a sucessão e a legitimação para suceder a lei vigente ao tempo da abertura daquela.

Disposição pleonástica encontra-se no art. 2.041 do Código Civil, in verbis:

Art. 2.041. As disposições deste Código relativas à ordem da vocação hereditária (arts. 1.829 a 1.844) não se aplicam à sucessão aberta antes de sua vigência, prevalecendo o disposto na lei anterior (Lei 3.071, de 1º de janeiro de 1916).

A primeira questão que nos atrai refere-se à hipótese de cessão de direitos hereditários lavrada sob a égide do Código Civil de 1916 e o inventário administrativo. É, por extensão de sentido, a gnoma de Sêneca Fallaces enim sunt rerum species (15).

Por força do art. 1.787 do Código Civil, deve-se lavrar o inventário administrativo atendo-se às disposições da legislação vigente à época da abertura da sucessão. Por isso, tendo sido feita a cessão de direitos hereditários na vigência do Código Civil de 1916, e obviamente pelo fato do falecimento também ser anterior, o inventário seguirá as regras do diploma de 1916.

É relevante essa observação. Veja que as disposições sucessórias do Código Civil atual, principalmente quanto aos herdeiros necessários e à sucessão de cônjuge e companheiro, são opostas às disposições da codificação de 1916. Por isso, chamamos a atenção dos notários: verifiquem a data do óbito para saber qual das legislações terá que ser aplicada.

Em se tratando de cessão de direitos hereditários (ou de meação) (16) onerosa, em que não houve oferecimento da quota ideal aos demais co-herdeiros, o tabelião deve perquirir os interessados sobre o interesse nesse negócio jurídico. Havendo concordância de todos, parte-se para a lavratura da escritura. Se houver discordância, o tabelião recomendará às partes a adoção da via judicial, aplicando-se o disposto no art. 32 da Resolução 35/2007 do CNJ, dando a recusa a elas por escrito.

Se a cessão de direitos hereditários for a título gratuito, seja em adiantamento de legítima, seja de parte disponível do patrimônio do cedente (17), dispensa-se o oferecimento, pois se trata de disposição gratuita e os artigos 1.794 e 1.795, Código Civil, cuidam de disposições onerosas.

A fundamentação encontra-se na parte final do 1.794 do Código Civil, que diz: "[...] se outro co-herdeiro a quiser, tanto por tanto" (grifo nosso). "Tanto por tanto" quer dizer do mesmo meio e modo, isto é, se a cessão é feita mediante o preço de R$100.000,00, cujo pagamento se dará no prazo de trinta dias, o outro co-herdeiro terá a preferência na aquisição se pagar os mesmos R$100.000,00 no mesmo prazo.

Sobre o direito de preferência entre os co-herdeiros, vale o que já foi dito no artigo A cessão de direitos hereditários no Código Civil brasileiro – análise dos arts. 1.793 e seguintes. Sintetizando: o co-herdeiro interessado na cessão deve oferecer a sua cota primeiramente aos demais co-herdeiros, por meio de notificação; nada obsta que o co-herdeiro interessado na aquisição, ciente da intenção do co-herdeiro cedente de alienar a sua quota, notifique-o, esclarecendo-o de que se interessa por ela; entre os co-herdeiros há direito de preferência, aplicando-se o mesmo raciocínio ao meeiro.

Se houver co-herdeiro incapaz, a sua anuência dar-se-á por meio de procedimento judicial, ouvidos o Ministério Público e o curador. Como a existência de herdeiros incapazes (assim como de testamento) obsta a lavratura da escritura pública de inventário, esta hipótese desvia-se dos objetivos deste estudo.

Apresentando as partes uma escritura pública de cessão de direitos hereditários, o tabelião, ad cautelam, deve reunir-se com os demais co-herdeiros a fim de lhes dar conhecimento da cessão que, inexoravelmente, trará para o inventário um co-herdeiro com quinhão maior, ou um estranho na comunhão.

Isso pode ser substituído por documento subscrito pelo advogado (ou advogados) das partes, representando os herdeiros, em que apresenta um plano de partilha.

Outrossim, essa cautela deve existir sempre, obrigando o tabelião a verificar a vontade das partes, precedendo à lavratura da escritura pública uma audiência com os interessados (18).

Observe que o tabelião pode se negar a lavrar qualquer escritura, percebendo que há dissenso ou que a vontade expressada é temerária (princípio de independência – art. 32, Resolução 35/2007 do CNJ), o que poderia trazer danos às partes, ou fomentar a insegurança jurídica (19). Vamos além, afirmando que é dever (e não faculdade) do notário a negativa de lavratura nesses casos.

Retornando ao assunto, apresentada a cessão de direitos hereditários à parte, isto é, que foi lavrada em momento anterior à lavratura do inventário, ouve-se os interessados na sucessão. Havendo concordância, parte-se para a feitura do ato.

O caso que mais nos interessa neste trabalho é o da cessão de direitos hereditários lavrada concomitantemente ao inventário e possível alegação de ineficácia.

Se ela fizer parte da escritura de inventário, deverá haver um campo próprio para a interveniência dos demais co-herdeiros que não se interessam pela aquisição. Isso é indispensável. Para tanto, deve-se observar as regras do condomínio.

Considerando que a cessão de direitos hereditários é feita ao mesmo tempo em que a partilha, visto se tratar de escritura pública que envolve dois atos (a cessão e o inventário propriamente dito), a pretensão de se individualizar os bens, cuja aquisição interessa ao cessionário, mostra-se ainda mais descabida.

O Código de Processo Civil harmoniza-se com o Código Civil. A vedação à individualização dos bens não foi (ou seria) desprezada com o inventário e a cessão sendo feitos em um só ato. Poder-se-ia pensar que uma vez feita a cessão e, em ato seqüente, o inventário, ninguém poderia alegar ineficácia alguma, pois todos assinaram a escritura concordando com todos os seus termos. Pensar assim é un errore grande come una casa (20).

Como já dissemos, não há necessidade de se individualizar bens, nem tampouco de autorização judicial. Basta observar o valor do bem querido e o valor do monte, utilizando-se da simples, mas eficaz, "regra de três". Exemplificando: o monte-mor foi avaliado em R$150.000,00; o bem cedido por R$13.000,00. Veja a fórmula:

R$150.000,00 corresponde a 100

R$13.000,00 corresponde a X.

R$150.000,00X = R$13.000,00 x 100

R$150.000,00X = R$1.300.000,00

X = R$1.300.000,00 : R$150.000,00

X = 8,666666%

Se não erramos os cálculos, os cedentes alienarão ao cessionário parte ideal correspondente a 8,666666% da herança, sem apontar o bem pretendido.

E na partilha, ato seqüente da escritura, o cessionário receberá o bem pretendido, que equivalerá exatamente a 8,666666% do total. Recolhe-se o ITBI devido sobre o valor do bem.

Se houver mais de um bem, menciona-se no documento para apuração do ITBI que se trata de cessão onerosa de parte ideal na herança, correspondente a 8,666666%, discriminando todos os bens inventariados e seus valores. Compete ao Município calcular o valor do imposto devido.

Se a cessão for operada por um só dos co-herdeiros (ou mais de um, desde que não seja a totalidade deles), além do cuidado de se colher a autorização para a cessão (no caso de quinhões desiguais ou entrada de um terceiro), deve-se verificar a parte ideal que ele (ou eles, quando mais de um) tem na herança e o valor do bem a alienar. Exemplo:

Herdeiro 1 tem uma quota ideal de 15%

Herdeiro 2 tem a mesma quota ideal de 15%

Valor da herança R$150.000,00

Soma dos dois quinhões 30%, ou R$45.000,00

Logo, o bem pretendido tem que valer R$45.000,00 ou menos, a fim de que a cessão seja possível.

No caso do exemplo anterior, os dois herdeiros poderiam perfeitamente ceder a parte ideal na herança, visto que o bem pretendido vale R$13.000,00 e eles têm direito a uma parte ideal de R$45.000,00.

Então, o que parecia um antagonismo, ou mesmo uma impossibilidade de se recorrer à via mais célere, em virtude da necessidade de autorização judicial para a cessão, quando se pretender a alienação de um bem destacado, mostrou-se aparente. Basta observar que a cessão é de parte ideal na herança.

Na partilha, onde serão lançados os pagamentos, o valor de cada um corresponderá exatamente à parcela devida no inventário, descontada a cessão.

Adotando esse procedimento haverá observância à lei. O tabelião de notas e o oficial de registro verificará com mais facilidade o recolhimento do tributo e a alegação de ineficácia ficará obstada, dando vigor ao inventário e valorizando o princípio de segurança jurídica.

Com relação aos herdeiros preteridos (ou desconhecidos) (21) o único caminho será socorrer-se da ação própria. Isso vale tanto para o inventário judicial como para o administrativo.

Por enquanto tratemos somente disso.


IV - CONCLUSÕES

1) O inventário administrativo é possível quando inexistirem interessados incapazes e testamento;

2) As disposições do Código Civil que tratam da cessão de direitos hereditários não se chocam, como poderia parecer à primeira vista, com aquelas dos arts. 982 e seguintes do Código de Processo Civil;

3) A cessão de direitos hereditários pode ser feita juntamente com o inventário administrativo, em uma só escritura, ou em escritura pública apartada;

4) A fim de coadunar harmonicamente as disposições do Código Civil e do Código de Processo Civil, deve-se fazer a cessão de direitos hereditários tendo por objeto parte ideal na herança, e não um bem considerado isoladamente;

5) A partilha não é sede para desigualar pagamentos. Para que isso ocorra, é necessário um negócio jurídico subjacente, in casu a cessão de direitos hereditários, atrelada ao inventário. Dizendo de outro modo, a prática atécnica de se fazer partilhas com inobservância dos quinhões originários, sem a existência de uma cessão de direitos hereditários juntada ao inventário, além de contrariar as disposições do Código Civil, gera insegurança jurídica; e

6) Adotado esse procedimento, os órgãos públicos, sobretudo notariais e registrais, cumprem eficazmente as suas funções.


Referências

(1) Publicado originalmente em maio/2005, na Revista Jurídica Unijus, uma parceria da Universidade de Uberaba/MG com o Ministério Público do Estado de Minas Gerais, v. 8, n. 8, p. 185-194, ISSN 1518-8280. Uma versão acrescida e modificada foi publicada no periódico eletrônico "Jus Navigandi", no seguinte endereço: http://jus.com.br/artigos/9464

(2) Assim como separações e divórcios. Os doutos incluíram o restabelecimento da sociedade conjugal, a sobrepartilha, a retificação de partilha e a conversão da separação em divórcio.

(3) Do art. 1º do Decreto-Lei 4.657, de 04/set/1942 (LICC).

(4) Fato lamentável, principalmente quando alguns se negavam a praticar os atos, fundamentando a recusa na novidade legislativa, para a qual não estavam preparados. Isso demonstrou que esses notários não estudam e também não acompanham os progressos legislativos (e seus projetos em andamento) e os anseios da sociedade. Veja que as associações de classe fizeram ampla divulgação desse projeto.

(5) Do nosso querido colega Zeno Veloso, exemplo de dedicação e estímulo aos notários brasileiros, sobretudo pela qualidade de suas publicações (quantas idéias maravilhosas!), que colaboram para a respeitabilidade da atividade notarial no Brasil.

(6) Exemplificando, o art. 4º do Provimento 164/2007, da Egrégia CGJ/MG, prescreve que as partes poderão ser representadas por mandatário em quaisquer atos da Lei 11.441/07, observando que o mandato (por escritura pública) deverá ter sido outorgado há menos de 90 dias. Já a Resolução 35/2007 do CNJ, no seu art. 36, prescreve que nos casos de separação e divórcio o mandato terá validade por 30 dias. Dessa forma, aplica-se o prazo da Resolução 35/2007, CNJ.

(7) Veja o mesmo caso anterior (art. 4º, Provimento 164/2007, da Egrégia CGJ/MG), em que o tribunal mineiro estendeu o prazo de 90 dias a todos os atos, sem distinção (inventário, separação e divórcio). Por sua vez, o art. 36 da Resolução 35/2007, CNJ, trata somente dos casos de separação e divórcio, prescrevendo, como visto, o prazo de validade de 30 dias. Ao tratar da representação no inventário, esta Resolução o fez no art. 12, que afirma a sua possibilidade e não prescreve prazo de validade do mandato. Logo, no silêncio da Resolução a respeito do prazo de validade do mandato para inventário, aplicar-se-á o Provimento 164/2007, CGJ/MG, cujo prazo é de 90 dias.

(8) Umas polêmicas (gratuidade do inventário e forma de compensação desses atos, custo dos serviços etc.) e outras nem tanto.

(9) Outro requisito para a validade da escritura, esquecido pela maioria dos notários, é a menção ao cumprimento das exigências legais e fiscais inerentes à legitimidade do ato, prevista no art. 215, § 1º, V, Código Civil. Esta norma, salvo melhor juízo, é de ordem pública (lei imperativa) e a sua inobservância leva à nulidade do negócio jurídico (art. 166, V e VI, Código Civil). Pela sua redação, recomenda-se colocá-la no final da escritura, antes do seu encerramento.

(10) Os incapazes que a lei menciona são aqueles dos arts. 3º e 4º do Código Civil, admitindo-se a lavratura quando houver herdeiros emancipados, e ainda, no caso de sobrepartilha, mesmo até aqueles que ao tempo do inventário eram incapazes e hoje capazes (v. art. 25 da Resolução 35/2007, CNJ).

(11) Hoje, em Minas Gerais, é mais interessante recolher o ITBI do que o ITCD, pois o Município segue o valor venal lançado em sua pauta, enquanto o Estado utiliza como base de cálculo o valor real do bem. Um fato curioso acontece em alguns Municípios mineiros, em que o valor venal para lançamento e cálculo do ITBI é um, e para lançamento e cálculo do IPTU é outro. Ora, se a base de cálculo é o valor venal (que significa "valor relativo a venda"), e esse valor venal é uno, como podem conceber dois valores venais? A justificativa é a seguinte: para o ITBI ele deve ser maior e para o IPTU deve ser menor. Um absurdo!

(12) Que a escritura de inventário alcançará com o registro. E enquanto não houver pagamento do tributo, não haverá registro.

(13) Que também não serão alcançados.

(14) Por falar nisso, tivemos um desprazer recentemente. Uma advogada, mandatária de uns herdeiros, apresentou-nos uma nota de devolução de um cartório de registro, subscrita por uma escrevente, que escreveu algo próximo disto: fulano cedeu a sicrano X%; beltrano cedeu a sicrano Y%, sicrano ficou com os bens A, B e C, fulano com o bem D e beltrano com o E. "Como?" Essa postura da escrevente (esse "Como?") é lamentável, atentatória à ética profissional (tão esquecida) e demonstra pouco trato com o Direito, o que, de certa forma, fundamenta as críticas dirigidas às atividades notariais e registrais, respeitantes à capacidade técnica desses profissionais.

(15) "Enganadoras são as aparências das coisas". In TOSI, Renzo. Dicionário de sentenças latinas e gregas. Tradução de Ivone Castilho Benedetti. São Paulo: Martins Fontes, 2000. p. 101.

(16) Doravante, onde constar cessão de direitos hereditários entenda-se também a cessão de meação.

(17) À cessão de direitos hereditários gratuita aplica-se in totum a disciplina do contrato de doação e, por conseguinte, do direito sucessório.

(18) É muito comum em comarcas pequenas o serviço ser levado ao tabelião por apenas um dos interessados (acompanhado ou não do seu advogado), que já apresenta toda a documentação necessária e o recolhimento dos tributos incidentes sobre o ato. Embora a documentação torne apta a lavratura da escritura pública, o tabelião deverá ter o cuidado de reunir-se com os outros interessados, isolada ou conjuntamente (esta a preferível), aferindo as suas vontades e marcando dia e hora para, acompanhados do(s) seu(s) advogado(s), assinarem o inventário. Isso encontra fundamentação no princípio de eficiência e de segurança jurídica.

(19) Propositadamente, sobre o tema segurança jurídica, tão comentado e pouco explicado, sobretudo pelos notários e registradores brasileiros, passamos a recomendação do Prof. Manoel Gonçalves Ferreira Filho, que é a leitura de Bertrand Mathieu. Um deles pode ser encontrado neste endereço: http://www.conseil-constitutionnel.fr/cahiers/ccc11/16.htm. Veja também François Luchaire, em http://www.conseil-constitutionnel.fr/dossier/quarante/notes/secjur.htm.

(20) "um erro grande como uma casa". Expressão italiana que significa cometer um grande erro (V. TOSI, Renzo. op. cit. p. 217).

(21) Observe que o inventariante, nomeado pelas partes na escritura, prestará a declaração de que inexistem outros herdeiros, bem como incapazes e disposições de última vontade, sob as penas da lei.


Autor

  • Samuel Luiz Araújo

    Samuel Luiz Araújo

    Doutorando em Direito pela PUC-SP; mestre em Direito das Relações Econômico-Empresariais (Unifran); especialista em Direito Civil e Processual Civil (Unifran); bacharel em Direito (Faculdade de Direito de Franca); membro do GEA-USP; associado do IBRAA, do IRIB e do Colégio Notarial do Brasil; 2º Tabelião de Notas de Sacramento/MG

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Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

ARAÚJO, Samuel Luiz. A cessão de direitos hereditários e o inventário administrativo (extrajudicial). Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 12, n. 1510, 20 ago. 2007. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/10295. Acesso em: 25 abr. 2024.