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Sobre os reflexos da Lei Complementar nº 123/2006 no contrato de aprendizagem

Sobre os reflexos da Lei Complementar nº 123/2006 no contrato de aprendizagem

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A Lei Complementar nº 123/06 pode levar à errônea conclusão de que os microempresários e os empresários de pequeno porte podem contratar aprendizes como se fossem empregados.

SUMÁRIO – I - Introdução – II – Generalidades sobre as inovações na área trabalhista trazidas pela Lei Complementar 123/06 e o escopo de desburocratizarIII – Principais objetivos do contrato de aprendizagem – IV – O contrato de aprendizagem na Lei Complementar 123/06 e sua interpretação – V – Combate às práticas abusivas na contratação do menor nas microempresas e empresas de pequeno porte VI – Conclusão.


RESUMO

É preciso reconhecer que uma norma não tem o condão de retirar a criança e o adolescente de situações de risco. Talvez nem mesmo todo um ordenamento jurídico. Mas, ao revés, a interpretação equivocada de um simples inciso de artigo pode permitir a piora na sua condição. Por isso é preciso conscientizar e engajar toda a sociedade na luta pelo reconhecimento de que medidas concretas a favor do desenvolvimento físico e psíquico do menor deve ser prioridade absoluta, por refletir valores que a própria sociedade elegeu como fundamentais.

Sugerimos que a tendência ao mundo globalizado não pode desprezar a questão do menor no trabalho, servindo aos interesses dos grupos econômicos, em detrimento de seu futuro, situação que precisa ser combatida.

Procuramos trazer à consciência efeitos negativos para o aprendiz da interpretação gramatical do inciso III do artigo 51 da Lei Complementar 123/06, que desobriga o microempresário e o empresário de pequeno porte de contratar e matricular seus aprendizes nos cursos dos Serviços Nacionais de Aprendizagem.

Ao perquirirmos qual a solução para viabilizar o impasse entre a necessidade de desburocratizar e reduzir os custos das microempresas e empresas de pequeno porte, com a abertura do "mercado de trabalho" para os jovens, concluímos que, em razão da prioridade absoluta da dignidade do ser em desenvolvimento, há que se estabelecer critérios que afastem tal incompatibilidade, como a adoção de percentuais de exigência de contratação progressivos conforme a renda ou capital social.

No tocante ao fato de que a Lei Complementar 123/06 desobrigou o micro e pequeno empresariado da exigência da CLT de que o aprendizado seja acompanhado por parte metódico-teórica, vislumbramos que tal imposição legal de ligação do aprendiz com a entidade que proporciona conteúdo técnico-profissional teórico vem da conjugação de várias normas do ordenamento jurídico nacional, como a Constituição Federal, o Estatuto da Criança e do Adolescente e a CLT, que foram inspiradas pela consciência nacional de que o menor deve ser tratado como ser em desenvolvimento, e pela inserção no cenário nacional das Convenções nº 138 e 182 da Organização Internacional do Trabalho.

Assim, entendemos que o inciso III do artigo 51 da Lei Complementar 123/06 é inconstitucional e eventual interpretação gramatical pode levar à errônea conclusão de que os microempresários e os empresários de pequeno porte podem contratar o menor entre 14 anos e 16 anos incompletos como aprendiz e dele exigir apenas a prática da atividade desenvolvida. Ou seja, receamos que o contrato de aprendizagem encubra uma verdadeira relação de emprego, por não vir acompanhado de convênio com instituição de formação teórico-profissional e que, com isso, o empresariado se olvide do verdadeiro objetivo do contrato, que é o de proporcionar ao menor oportunidade para desenvolvimento educacional, emocional e profissional e formar cidadãos.

Analisamos os órgãos competentes para a fiscalização e o combate da exploração do trabalho do menor e concluímos que o Ministério do Trabalho e Emprego, por meio da atuação dos auditores-fiscais do trabalho, está mais aparelhado para verificar in loco a condição a que se submete o menor no contexto do contrato de aprendizagem celebrado com o micro e pequeno empresário.

A criatividade legislativa para desburocratizar e modernizar o trato das microempresas e empresas de pequeno porte deve servir para construir uma sociedade mais justa, e pode e deve promover o crescimento econômico local, gerar empregos e fazer, ao menos em médio prazo, com que a situação do menor seja a da prioridade à educação e evolução à profissionalização, cada qual a seu tempo.

Queremos, ao final, reforçar o que já concluímos em monografia, que "é preciso que haja um equilíbrio entre a difícil situação socioeconômica que o país enfrenta, a necessidade de sobrevivência, o ordenamento jurídico e a consciência da sociedade no estabelecimento de parâmetros mínimos a respeitar a criança e o adolescente como ser em desenvolvimento físico, mental e moral, desafio que devemos enfrentar em conjunto, rechaçando toda e qualquer exploração do trabalho de menores e dando condições à sua formação como ser humano, cidadão e profissional." [01]

PALAVRAS-CHAVE: Lei Complementar 123/06 – microempresa e empresa de pequeno porte – contrato de aprendizagem


ABSTRACT

We have to recognize that rules do not take children and adolescents out of risky situations. Perhaps, not even the whole legal system of a country is able to do that. However, misconceptions can even worse their condition. That is why we must raise society awareness to the fact that concrete attitudes should be taken in order to prioritize physical and psychic development of children and adolescents, since it is one of the most important features society itself has elected.

We suggest that the tendency of the globalized world can not override the issue of child labor, using its force toward the interests of major economic groups, to the detriment of its future.

We aimed at providing room for thought about evil effects of the new rule inserted in the Lei Complementar 123/06, that excuses the small business community from hiring apprentices and, if done so, from registering them at regular institutions for apprenticeship.

Discussing about possible solutions for removing the bureaucracy from legal impositions at the small business community, which certainly raises their costs, it was clear that its responsibility towards opening the labor market to adolescents cannot be disregarded, because of absolute priority that should be given to the dignity of these people, and we concluded that some criteria can help, especially by lowering the percentage of apprentices hired according to its income or joint stock.

The ratio legis that brings up the demand at CLT that apprentices should be enrolled at regular institutions for apprenticeship is inspired by the consciousness that young people should be treated as beings that are still developing mind, body and personality, so this link to a regular institution is a must. Besides, fight against child labor is under important national and international laws, such as the Constitution, CLT, Child and Adolescent National Code and Conventions numbers 138 and 182, from International Labor Organization.

We understand that the new rule implemented by Lei Complementar 123/06, article 51, III, that excuses the small business community from enrolling apprentices at regular institutions for apprenticeship, is against the Brazilian Constitution, and its misinterpretation may lead to the wrong conclusion that the small business community is able to hire adolescents under 16 years old to develop the same activities demanded from the regular work force. We fear that the fact that theory is not demanded in apprenticeship contract in the small business community leads to child labor exploitation and the scope to form respectable citizens is, indeed, disregarded or forgotten.

We also analyzed institutions in charge of inspecting companies and fighting against child and adolescent exploitation, and concluded that the Labor Ministry, with its agents, is the most entity that can verify in loco the conditions in which young labor is being lead, especially the terms of the apprenticeship contracts in the small business community.

The legalistic creativity towards lowering bureaucracy should aim at building a fair society and must encourage local or regional economic growth, generating employment and gradually allowing children and adolescents prioritize formal education and the learning process into professional objectives.

As we concluded in a previous academic work: "there should be a balance among the difficult socioeconomic situation of the country, the need to survive, the national and international legislation and the awareness of the society to establish the minimum standards to respect children and adolescents at work, not taking for granted that they are still developing physical, mental and morally, a challenge that we should face altogether, repudiating any kind of child labor exploitation and offering real conditions into their formation as a human being, a citizen and a professional".

KEYWORDS – Lei Complementar 123/06 – small business community – apprenticeship contract


I – INTRODUÇÃO

Há muito se discute se é correta a uniformização da legislação trabalhista para todo e qualquer porte de empresa. Ou seja, o tratamento dado aos trabalhadores por grandes empresas deve ser o mesmo que o conferido pelas microempresas e pequenas empresas no Brasil? Muitos advogam que a homogeneidade da regra direcionada ao empregador ou tomador de serviços é fator que impede o crescimento econômico e inviabiliza a competitividade interna e externa. Questionamento similar também se faz presente em relação à tributação no país, que afeta substancialmente a atitude do empresariado em face de seus prestadores de serviços (empregados e demais trabalhadores à sua disposição).

Não passa de sofisma o pensamento de que as hodiernas e inquietantes mudanças na economia e na sociedade não refletem, necessariamente, procura pela adequação da legislação trabalhista à premente busca por novos mercados. A influência da flutuação cambial, da globalização e dos novos grandes agrupamentos econômicos, sociais e culturais não poderia deixar incólume a polêmica sobre a aplicabilidade uniforme da legislação consolidada em 1943.

Bem coloca Leonardo Gonçalves Muraro que a. .."globalização se propaga no Estado Brasileiro sem este ter estabelecido metas, alicerces, fazendo com que ocorresse o fenômeno da globalização do espaço econômico e financeiro, ocasionando um déficit nas relações sociais e humanas. Deu-se em decorrência da falta de planejamento e preparo, principalmente do Poder Executivo. A falta de planejamento combinado com a ausência de princípios estabelecidos está levando a globalização a aumentar a desigualdade de renda, gerando um empobrecimento da classe média no Brasil. O modelo neoliberal sem instrumentos de freio e contrapeso é o modelo perfeito para os grandes Grupos Mundiais estabelecerem suas idéias e interesses, encontrando no fenômeno da "Globalização" sua alavanca propulsora de um aumento da desigualdade social, provocando o declínio dos salários reais, ampliando, assim, os níveis de concentração da renda." [02] (grifos não constantes no original)

A procura pela flexibilização e/ou desregulamentação da legislação trabalhista é sintoma dessa incessante busca pela ampliação das possibilidades de viabilização da sobrevivência da empresa, bem como para a manutenção ou ampliação da margem de lucro, crescimento do market share e outras estratégias empresariais, que vêem na redução dos custos com mão-de-obra a mais rica fonte de satisfação dessas necessidades.

Isso porque, como bem coloca o mestre Maurício Godinho Delgado: "As obrigações trabalhistas empresariais preservam-se intocadas ainda que a atividade econômica tenha sofrido revezes efetivos em virtude de fatos externos à atuação do empregador. Fatores relevantes como a crise econômica geral ou a crise específica de certo segmento, mudanças drásticas na política industrial do Estado ou em sua política cambial – que são fatores que, obviamente, afetam a atividade da empresa – não são acolhidos como excludentes ou atenuantes da responsabilidade trabalhista do empregador." [03]

Contudo, não se pode perder de vista os efeitos muitas vezes nefastos que tal "impacto de modernização" pode gerar no trato das normas trabalhistas, sob pena de não conseguirmos amenizar ou retirar do cenário nacional uma das mais degradantes formas de exclusão de cidadania: a exploração do trabalho do menor.

Uma das preocupações mais sérias dos estudiosos do sistema jurídico, da economia e da sociedade brasileiros é a questão do trabalho infantil e juvenil, uma vez que da oferta de oportunidades educacionais e profissionais depende a construção do futuro do país, a tomada de consciência dos direitos e deveres enquanto cidadãos, a luta contra a corrupção e a consecução de esforços para atingir o bem comum.

Segundo informação do sítio eletrônico do Ministério do Trabalho e Emprego [04], conforme dados da Organização das Nações Unidas para a Educação, a Ciência e a Cultura – UNESCO, uma significativa parcela dos jovens brasileiros vive em situação de vulnerabilidade e risco de exclusão. A entidade apresentou, em 2004, o Relatório de Desenvolvimento Juvenil, que revelou que 6,7 (seis vírgula sete) milhões de jovens não trabalham nem estudam, o que representa 20,3% (vinte vírgula três por cento) da população de 15 a 24 anos.

Os dados por certo escondem a triste história de muitas crianças e adolescentes que, desde muito cedo, têm a incumbência de "fazer dinheiro" para sustentarem a si e parte da família, abdicando da infância, da convivência familiar e social e, muitas vezes, da sua higidez física e mental. Por outro lado, tal estatística indica a preocupante falta de direcionamento na formação humana, educacional e profissional de nossos jovens.

Neste pequeno ensaio, procuramos analisar alguns aspectos acerca da nova envergadura conferida ao contrato de aprendizagem pela Lei Complementar 123/06, no que tange às microempresas e empresas de pequeno porte e seus verossímeis efeitos na sociedade brasileira.


II – GENERALIDADES SOBRE AS INOVAÇÕES NA ÁREA TRABALHISTA TRAZIDAS PELA LEI COMPLEMENTAR 123/06 E O ESCOPO DE DESBUROCRATIZAR

Na tradição brasileira, a ordem jurídica heterônoma estatal trabalhista impõe-se em todo o território nacional e abre relativamente pouco espaço à atuação regionalizada da normatização autônoma, cuja evolução deve passar, necessariamente, por modernização e democratização do sistema sindical brasileiro. Ensina Maurício Godinho Delgado que "...na história justrabalhista brasileira sempre preponderou uma dominância inconteste da sistemática de heteroadministração dos conflitos sociais, fundada no Estado." [05].

A Lei Complementar 123/06 busca criatividade legislativa permeada pelos critérios do porte e da atividade [06] exercida pela empresa, a fim de amenizar o impacto da uniformização no espaço da normatização heterônoma estatal (abrangência em todo o território nacional).

O artigo 170 da Constituição Federal, em seu inciso IX, legitima o "tratamento favorecido para as empresas de pequeno porte constituídas sob as leis brasileiras e que tenham sua sede e administração no País". Tal previsão constitucional tem fundamento no princípio da isonomia, que acolhe a conhecida máxima do tratamento desigual aos desiguais, na medida de suas desigualdades.

Com base nesse reconhecimento constitucional, a recém editada Lei Complementar 123/06 instituiu o Estatuto Nacional da Microempresa e Empresa de Pequeno Porte, que entrou em vigor na data de sua publicação (15.12.06), ressalvado seu regime de tributação, cujo vigor ficou postergado para 1º de julho de 2007. Ainda, altera dispositivos das Leis nºs 8.212/91 (plano de custeio da Seguridade Social), 8.213/91 (planos de benefícios da Previdência Social), da Consolidação das Leis do Trabalho - CLT, da Lei nº 10.189/01 e da Lei Complementar nº 63/90, bem como revoga as Leis nºs 9.317/96 e 9.841/99.

Uma das claras intenções do legislador, ao projetar a nova Lei Complementar 123/06 na área trabalhista, foi a tentativa de mitigar a burocracia que emperra e complica a vida do empresariado nacional, no que concerne à organização e à operacionalização da empresa. Ainda, procurou trazer novos incentivos, através do encorajamento da criatividade com o associativismo, estímulo ao crédito e à capitalização, à inovação tecnológica, e, na área da solução de conflitos, o estímulo à utilização de institutos como a conciliação prévia, a mediação e a arbitragem.

São exemplos de facilitação na área trabalhista: a liberação da afixação de quadro de trabalho em suas dependências, o afastamento da exigência do parágrafo único do artigo 41 da CLT, de anotação das férias no livro de registros de empregados, a dispensa da posse do livro "Inspeção do Trabalho" e da comunicação ao Ministério do Trabalho e Emprego acerca da concessão de férias coletivas (Lei Complementar 123/06, artigo 51, incisos I, II e IV, respectivamente).

A fiscalização do trabalho também tem tratamento diferenciado, ao explicitar que o objetivo, a princípio, é a orientação, com observância obrigatória do critério de dupla visita pelos auditores fiscais do trabalho para lavratura de autos de infração, salvo quando for constatada infração por falta de registro do empregado ou anotação da Carteira de Trabalho e Previdência Social (CPTS), ou, ainda, na ocorrência de reincidência, fraude, resistência ou embaraço à fiscalização.

Quanto ao acesso à Justiça do Trabalho, o legislador se preocupou em libertar o micro e pequeno empresário da exigência de que o preposto que o representa em audiência seja necessariamente empregado (CLT, artigo 843, §1º e Súmula 377 do TST), tendo em vista que, em empresas pequenas, quem tem conhecimento dos fatos muitas vezes é um terceiro que lhes presta serviços, por exemplo, um contador.

Além da questão burocrática, o legislador não se olvidou dos custos que todas as exigências legais trabalhistas trazem aos microempresários e empresários de pequeno porte, permitindo alternativas que sugerem maior união do empresariado, como no artigo 50, que estimula a formação de "...consórcios para acesso a serviços especializados em segurança e medicina do trabalho", a fim de fazer frente às obrigações quanto à manutenção da higidez física e mental dos trabalhadores à sua disposição.

A unificação tributária não é objeto de nosso estudo, mas era muito esperada pelo pequeno empresariado, pois, apesar de não ter caráter exatamente inovador, uma vez que já havia certo tratamento privilegiado do microempresário e do empresário de pequeno porte com a adoção do sistema SIMPLES, há inovações positivas.

Ao empresário com receita bruta anual no ano-calendário anterior de até R$ 36.000,00 é concedido tratamento ainda mais privilegiado, pois está dispensado, por até três anos, do pagamento de contribuições sindicais, das contribuições a terceiros (de interesse das entidades privadas de serviço social e de formação profissional vinculadas ao sistema sindical), da contribuição social do salário-educação e das contribuições sociais previstas nos artigos 1º e 2º da Lei Complementar 110/01, além de a ele ser facultada a contribuição para a Seguridade Social, em substituição à contribuição de que trata o caput do artigo 21 da Lei nº 8.212/91, na forma do §2º do mesmo artigo, na redação dada pela própria Lei Complementar 123/06.

Especificamente quanto ao tema deste trabalho, trataremos da inovação legal referente ao contrato de aprendizagem, inserida no inciso III do artigo 51 da Lei Complementar 123/06, que altera o regime anteriormente estabelecido para as microempresas e empresas de pequeno porte, uma vez que revoga expressamente (artigo 89), a partir de 1º de julho de 2007, a Lei nº 9.841/99, que se limitava a desobrigá-las, em seu artigo 11, da contratação de aprendizes.


III – PRINCIPAIS OBJETIVOS DO CONTRATO DE APRENDIZAGEM

Três dos princípios fundamentais da República Federativa do Brasil nos importam sobremaneira para a temática do contrato de aprendizagem: a cidadania, a dignidade da pessoa humana e os valores sociais do trabalho e da livre iniciativa (Constituição Federal, artigo 1º, II, III e IV, respectivamente). O primeiro porque referido contrato é instituto que objetiva a inserção do indivíduo que ainda se encontra em formação no "mercado de trabalho" [07], garantindo-lhe, desde cedo oportunidades para que assuma sua própria vida. O segundo porque a máxima do respeito à condição especial do ser em desenvolvimento deve pautar as condutas do contratante e do contratado na aprendizagem. Por fim, o valor social do trabalho resume toda a importância que o constituinte originário depositou no trabalho enquanto fonte de dignidade para o homem, e a livre iniciativa alerta para o princípio da não intervenção estatal na economia, salvo necessárias exceções.

No respeito a tais premissas básicas para a contratação de aprendizes, estabeleceu-se o limite de idade mínima de 14 anos, previsto no artigo 428 da CLT (com redação dada pela Lei nº 11.180/05), fruto da consciência nacional acerca da necessidade de proteção à intelectualidade e estruturas física e moral do menor, contando com fontes formais heterônomas, a saber, a Constituição Federal de 1988 (artigo 7º, XXXIII) e a Convenção nº 138 da OIT – Organização Internacional do Trabalho, sobre a idade mínima para admissão ao emprego, ratificada pelo Brasil [08]. Ainda, a Convenção nº 182 da OIT, sobre as piores formas de trabalho infantil também é orientadora dos princípios que regem o tema do trabalho infanto-juvenil [09].

Referida Convenção nº 138 da OIT estabelece que a idade mínima para admissão ao emprego não será inferior à idade de conclusão da escolaridade compulsória ou, em qualquer hipótese, a idade de 15 anos. Essa orientação está contida na Constituição Federal por meio de uma conjugação de artigos que demonstram a priorização do trato com o menor, dos quais se destacam: o artigo 7º, XXXIII (proibição de trabalho noturno, perigoso ou insalubre a menores de 18 anos e de qualquer trabalho a menores de 16 anos, salvo na condição de aprendiz, a partir de 14 anos), o artigo 205 (que prevê o direito à educação, incluídos o trabalho educativo, a aprendizagem e o estágio), bem como o artigo 227, caput e §3º, I, II, III (que conferem absoluta prioridade à criança e adolescente, em vários aspectos, inclusive em relação ao acesso à escola e à profissionalização).

Assim, para que o adolescente seja considerado apto a exercer uma atividade remunerada no Brasil, a legislação nacional exige a idade mínima de 16 anos, patamar superior ao fixado na citada Convenção nº 138 da OIT, à exceção do aprendiz, que não é considerado empregado, e cuja contratação tem o escopo de inseri-lo no contexto interempresarial e colaborar com a sua formação educacional e profissional.

O artigo 227, §3º, III, da Constituição Federal, o artigo 67, IV, do Estatuto da Criança e do Adolescente e o artigo 427, da CLT prevêem que o trabalho não pode ser realizado em locais que não permitam a freqüência à escola e o empregador deve conceder o tempo suficiente para a freqüência às aulas.

Tanto é assim, que são vedadas a prorrogação e a compensação de jornada do aprendiz (CLT, artigo 432), justamente para respeitar a necessidade de tempo para os estudos, sendo a regra excepcionada pelo parágrafo 1º, que permite aprendizagem de oito horas diárias, caso os aprendizes já tiverem completado o ensino fundamental, se nelas forem computadas as horas destinadas à aprendizagem teórica.

A Convenção 182 da OIT, no artigo 7º, (c), aponta como medida de prevenção ao trabalho infantil a garantia do acesso às crianças retiradas das piores formas de trabalho infantil à educação e formação profissional. A Recomendação 190, que a complementa, no item 15, (j), destaca a necessidade de melhorar a infra-estrutura educativa, e no item 16, (d), a cooperação internacional para o apoio ao desenvolvimento social e econômico, programas de erradicação da pobreza e educação universal.

Para que o aprendiz possa ser contratado, o §1º do artigo 428 da CLT exige anotação na CPTS, matrícula e freqüência à escola, caso não tenha concluído o ensino fundamental, e inscrição em programa de aprendizagem desenvolvido sob a orientação de entidade qualificada em formação técnico-profissional metódica. Essa entidade geralmente corresponde a os Serviços Nacionais de Aprendizagem, mas, caso estas entidades não ofereçam cursos ou vagas suficientes para atender à demanda dos estabelecimentos, tal exigência pode ser suprida por outras instituições, desde que qualificadas em formação técnico-profissional metódica, a saber: escolas técnicas de educação e entidades sem fins lucrativos, que tenham por objetivo a assistência ao adolescente e à educação profissional, registradas no Conselho Municipal dos Direitos da Criança e do Adolescente (CLT, artigo 430).

Lirian Sousa Soares, no artigo "Menor aprendiz. Obrigação de contratação. Limites legais" [10], enfatiza que o artigo 429 da CLT foi alterado pela Lei nº 10.097/00, passando a exigir que os estabelecimentos de qualquer natureza, ou seja, de todas as áreas produtivas do país, contratasse aprendizes, nos limites mínimo de 5% e máximo de 15% dos trabalhadores existentes em cada estabelecimento, cujas funções demandem formação profissional.

Procuraremos analisar, então, como o contrato de aprendizagem é tratado na Lei Complementar 123/06 e adentraremos a seara de sua exigibilidade e requisitos.


IV – O CONTRATO DE APRENDIZAGEM NA LEI COMPLEMENTAR 123/06 E SUA INTERPRETAÇÃO

No que tange o trabalho do menor a partir de 14 anos de idade, a mais preocupante das alterações perpetradas pela Lei Complementar 123/06 é a dispensa, para as microempresas e empresas de pequeno porte "de empregar e matricular seus aprendizes nos cursos dos Serviços Nacionais de Aprendizagem" (artigo 51, inciso III).

Tal iniciativa, apesar de aparentar ter o objetivo de ajudar na desburocratização e redução de custos com mão-de-obra, na esteira de abrandar o rigor das normas cogentes trabalhistas, pode não ser tão promissora quanto parece.

A Lei nº 9.841/99, revogada pela Lei Complementar 123/06, a partir de 1º de julho de 2007, desobrigava as microempresas e empresas de pequeno porte da exigência legal de manter contratos de aprendizagem (artigo 11). Porém, nesta nova ordem jurídica, o legislador decidiu, além de dispensar tais empresas de "empregar" aprendizes, desobrigá-las de matriculá-los nos cursos dos Serviços Nacionais de Aprendizagem, caso opte pela sua contratação.

É preciso entender que, no trato do tema contrato de aprendizagem, a Lei Complementar 123/06 instituiu dois importantes pontos: o primeiro da dispensa de "empregar", que na verdade que dizer "contratar", porque o aprendiz não é empregado, e o segundo, de matriculá-lo em entidade de formação teórica, caso haja a contratação.

A crítica inicial que se faz é que a relevância para a sociedade da abertura de novas oportunidades para o jovem no "mercado de trabalho", que fez o legislador estabelecer percentuais que exigem a contratação de aprendizes na CLT, foi simplesmente afastada pela Lei Complementar 123/06, sob o pano de fundo do incentivo à desburocratização e redução dos custos das microempresas e empresas de pequeno porte.

Entendemos, nesse caso, que a legislação está privilegiando o empresário em detrimento do interesse de toda a sociedade. O número de microempresários e empresários de pequeno porte é infinitamente superior à quantidade de grandes empresas no Brasil e, por certo, a simples inexigibilidade da contratação de aprendizes reduz, sobremaneira, as oportunidades dos jovens em aprender uma profissão e conhecer o "mercado de trabalho".

Qual a solução, então? Exigir a contratação para os microempresários e empresários de pequeno porte, da mesma forma como se faz para médias e grandes empresas? Aqueles devem arcar com os custos dessa demanda social? Há outros meios de não comprometer a abertura do "mercado de trabalho" aos jovens, sem sobrecarregar os empresários?

Certamente as respostas a essas perguntas não são fáceis de serem respondidas, mas as soluções podem seguir alguns critérios. Em primeiro lugar é preciso estabelecer quais valores são mais privilegiados pela ordem constitucional. Os valores sociais do trabalho e da livre iniciativa estão, na Constituição Federal (art. 1º, IV), no mesmo patamar, como fundamentos da República Federativa do Brasil. Porém, o tema do fomento à higidez física e mental do menor, avaliado enquanto ser em desenvolvimento, tem a seu favor outros princípios e ditames constitucionais, que não podem ser dissociados, como a cidadania (CF, art. 1º, II), a dignidade da pessoa humana (CF, art. 1º, III), a solidariedade (CF, artigo 3º, I), a justiça social (CF, art. 3º, I), a erradicação da pobreza e da marginalização (CF, art. 3º, III), o bem de todos sem discriminação (CF, art. 3º, IV), a proibição de diferença de salários, de exercício de funções de critério de admissão por motivo de idade (CF, art. 7º, XXX), e o incentivo e colaboração da sociedade para a promoção da educação, visando o desenvolvimento da pessoa (CF, art. 205). Com isso entendemos que há prioridade absoluta para o desenvolvimento da criança e do adolescente em nosso ordenamento jurídico e que a simples exclusão do microempresário e do empresário de pequeno porte da parcela de responsabilidade na abertura de oportunidades aos jovens deve ser combatida.

O segundo possível critério para solucionar o impasse seria a adoção de percentuais mais módicos de exigência da contratação, classificados conforme a renda bruta anual ou o capital social, ou, ainda, o oferecimento de algum outro incentivo ao empresariado, na própria área trabalhista ou na tributária, para a contratação de aprendizes, mas não simplesmente afastar sua exigência legal. Esses percentuais poderiam até mesmo ser zerados, na hipótese de renda ou capital social muito reduzidos, como no caso dos empresários com receita bruta anual no ano-calendário anterior de até R$ 36.000,00, que têm privilégios ainda maiores previstos na Lei Complementar 123/06.

Quanto ao tema da desnecessidade de matrícula do aprendiz nos cursos de aprendizagem, entende-se que eventual interpretação literal do inciso III do artigo 51 da Lei Complementar 123/06 pode levar à conclusão errônea de que a ausência de exigência de formação técnico-profissional metódica para a contratação do aprendiz autoriza a utilização da mão-de-obra do menor a partir de 14 anos de forma indiscriminada, sem se ater à objetividade teórica especificada na CLT. Isso porque a redação parece exigir do pequeno trabalhador apenas o desempenho da parte prática do aprendizado. Em outras palavras, é muito difícil controlar a atuação das microempresas e empresas de pequeno porte quanto à operacionalização do que vem a ser a aprendizagem do menor a partir de 14 anos, já que sua atividade prática não terá que estar, necessariamente, ligada a um conteúdo técnico-profissional teórico.

A ratio legis da exigência do liame do aprendiz com as entidades de qualificação metódica não poderia ser outra, senão a de proporcionar ao menor a partir de 14 anos formação educacional e profissional, aliando teoria e prática para abrir-lhe os horizontes e colaborar com seu desenvolvimento físico, psicológico e intelectual.

O receio de que os microempresários e os empresários de pequeno porte desprezem a possibilidade de contratação de aprendizes ou se afastem do escopo do contrato de aprendizagem não é mera especulação. Sabemos que haverá os que tentarão justificar atitudes de exploração do menor (inclusive as tipificadas como crime) com a equivocada interpretação gramatical que a redação do inciso III do artigo 51 da Lei Complementar 123/06 pode gerar, sem se aterem ao fato de que a previsão de aprendizagem na legislação trabalhista não visa a beneficiar o empresariado, mas é âncora para priorizar oportunidades aos adolescentes.

Não podemos esquecer que a nova ordem jurídica dá ênfase à função social do contrato e desta máxima não pode ficar de fora o contrato de trabalho e também o de aprendizagem, devido à relevância ímpar para o futuro da nação. Assim, não se pode admitir exploração covarde por meio de nítida transferência desmedida do risco do negócio em detrimento da dignidade da pessoa humana, em desrespeito aos mais nobres princípios fundamentais que a sociedade elegeu.

Como bem lembra Sandra Cardoso Ramos de Lima, no artigo "Contratação de menor aprendiz como contribuição para o combate ao desemprego e à precarização do trabalho" [11], a Recomendação nº 60, de 1930, da OIT orienta que "...a aprendizagem é o meio pelo qual o empregador se obriga, mediante contrato, a empregar um menor, ensinando-lhe ou fazendo com que lhe ensinem metodicamente um ofício, durante um período determinado, no qual o aprendiz se obriga a prestar serviços ao empregador." (grifo não constante no original). Isso significa que a etapa do ensino metódico no contrato de aprendizagem não pode ser descartada, como pode ser interpretado pela redação do inciso III do artigo 51 d a Lei Complementar 123/06.

Se a Constituição Federal dispõe que os menores entre 14 anos e 16 anos incompletos não podem atuar profissionalmente senão na condição de aprendizes, sendo que apenas as características do instituto estão catalogadas infraconstitucionalmente, advogamos a opinião de que a desobrigação ao microempresário e ao empresário de pequeno porte da formalização da parte teórica do aprendizado constitui afronta ao próprio instituto da aprendizagem previsto na Constituição Federal. Isso porque o trabalho do aprendiz previsto na Lei Maior só existe enquanto tal se respeitadas as características tipificadas na CLT. Concluímos, portanto, que a interpretação literal de que não há, necessariamente, acompanhamento do aprendiz de uma formação metódica profissional teórica fere frontalmente a Constituição Federal.


V – COMBATE ÀS PRÁTICAS ABUSIVAS NA CONTRATAÇÃO DO MENOR NAS MICROEMPRESAS E EMPRESAS DE PEQUENO PORTE

Não se pode dizer que hoje não há mecanismos eficientes a combater a exploração da criança e do adolescente no trabalho. Ainda que se reconheça como insuficientes para atender à demanda das precárias situações em que se encontram muitos menores no país, as brilhantes atuações do Ministério Público do Trabalho, com a promoção de ações civis públicas e concretização de termos de ajuste de conduta, dos auditores fiscais do trabalho, que atuam junto ao Ministério do Trabalho e Emprego e verificam in loco a situação dos jovens nas áreas urbanas e rurais, dos Conselhos Tutelares Municipais e do próprio Judiciário, na luta por impedir a continuidade de situações de risco, se misturam à coletânea de discussões acerca da questão por diversos profissionais do ramo, provenientes das mais variadas entidades nacionais e internacionais, como a OIT, todos engajados no combate à exploração infanto-juvenil.

Contudo, a pulverização das microempresas e empresas de pequeno porte pode significar acesso mais dificultoso ao conhecimento da real condição de utilização da mão-de-obra do trabalhador menor e, conseqüentemente, é preciso reconhecer quais dos mecanismos acima é mais eficaz e adequado para efetivo controle de situações de risco.

De modo geral, não se pode contar apenas com a consciência do empresariado acerca da importância e do objetivo do contrato de aprendizagem, e de que a letra da Lei Complementar 123/06 não consagra a utilização da força de trabalho do menor a partir de 14 anos como substitutivo da regular mão-de-obra empregada.

Dentre os agentes que figuram na luta pela regularidade do trabalho juvenil, o Ministério do Trabalho e Emprego parece ser o que tem acesso mais imediato ao interior das microempresas e empresas de pequeno porte, por meio da fiscalização de seus auditores fiscais. O órgão atua em parceria com organizações governamentais e não governamentais para combater toda e qualquer forma de trabalho infantil, a fim de retirar a criança do trabalho e inseri-la no ambiente educacional adequado à sua formação.

Assumindo os compromissos previstos nos artigos nºs 1º e 6º, respectivamente, das Convenções nº 138 e 182 da OIT, que dispõem que o país signatário deve instituir políticas para abolir o trabalho de crianças e erradicar as piores formas de trabalho infantil, o Ministério do Trabalho e Emprego (MTE) instituiu a Comissão Nacional de Erradicação do Trabalho Infantil (CONAETI), criada por intermédio da Portaria n.º 365, de 12 de setembro de 2002.

Com participação quadripartite (governo, trabalhadores, empregadores e sociedade civil), de outros Ministérios e da comunidade internacional (OIT e UNICEF), o CONAETI tem como uma de suas prioridades o acompanhamento da execução do Plano Nacional de Erradicação do Trabalho Infantil, por ela elaborado em 2003. Referido Plano leva em conta o reconhecimento de que o problema do menor no trabalho é multifacetário, indo desde a garantia da qualidade do ensino até a integração social, cultural e esportiva, não se olvidando de traçar considerações relativas aos problemas da discriminação racial e da pobreza, principalmente concentradas nas atividades agropecuárias sob regime familiar.

Além de cuidar dessa importante questão do trabalho infantil, o trabalho juvenil também é alvo de sua preocupação, sendo que o instituto da aprendizagem está inserido nas ações articuladas pelo PNPE – Programa Nacional de Estímulo ao Primeiro Emprego para Jovens, implementado pelo Governo Federal através da Lei 10.748/03, e se divide em duas frentes, a da qualificação social e profissional e a da inserção imediata no contrato de trabalho.

Assim, resta patente que o Poder Executivo, através do Ministério do Trabalho e Emprego e seus agentes, está muito bem aparelhado e avançado nos estudos para a criação de medidas eficazes no combate à exploração do trabalho infanto-juvenil.

Já dissemos que a Lei Complementar 123/06 instituiu o sistema obrigatório da dupla visita para imposição de multas às irregularidades eventualmente encontradas nas microempresas e empresas de pequeno porte, salvo exceções (quando for constatada infração por falta de registro do empregado ou anotação da Carteira de Trabalho e Previdência Social, ou, ainda, na ocorrência de reincidência, fraude, resistência ou embaraço à fiscalização), uma vez que o objetivo da fiscalização acerca das relações de trabalho é de orientar o empresariado a respeitar a legislação.

Entendemos que dentre tais exceções, está inserido o pronto reconhecimento pelo auditor fiscal do trabalho de tentativa de burla (fraude), se verificar situação do menor a partir de 14 anos em risco de substituição de mão-de-obra efetiva, sob o manto de do contrato de aprendizagem, constituindo, assim, mecanismo bastante eficaz de restabelecimento da condição do menor eventualmente encontrado em situação de risco.

Assim, na hipótese de verificação de fraude no contrato de aprendizagem, nossa opinião é a de que os auditores fiscais do trabalho devem realizar a autuação já na primeira visita à microempresa e à empresa de pequeno porte, além da imediata comunicação da situação encontrada ao Ministério Público do Trabalho, além de autoridades policiais ou judiciárias, conforme o caso.

Nas médias e grandes empresas, os auditores fiscais do trabalho, além de verificar a regularidade formal do contrato de aprendizagem, procuram incentivar as quotas máximas constantes na lei, que variam de cinco a quinze por cento dos trabalhadores existentes em cada estabelecimento, cujas funções demandem formação profissional. Mas nas microempresas e empresas de pequeno porte, a ação dos auditores fiscais ficou ainda mais importante: a de observar e desestimular qualquer desvirtuamento do contrato de aprendizagem que possa advir de interpretação gramatical do inciso III do artigo 51 da Lei Complementar 123/06.


VI – CONCLUSÃO

É preciso reconhecer que as respostas às necessidades das microempresas e empresas de pequeno porte não estão somente no avanço da legislação quanto à desburocratização, organização, agrupamento e redução de tributos, facilitação do acesso à Justiça e estímulo ao desenvolvimento tecnológico, instituídos pela Lei Complementar 123/06.

Muitos outros aspectos são relevantes para que o empresariado nacional consiga se sentir menos pressionado pelos fatores de produção e dê vazão à plena realização de seus objetivos enquanto agente que insere produtos e serviços no mercado, potencializando-se como ator social gerador de trabalho e renda, com as respectivas responsabilidades que lhe são inerentes.

A própria Constituição Federal, em vários artigos, viabiliza a consideração de situações especiais em que a legislação pode ser moldada a fim de permitir a adequação do empresariado às exigências das normas tributárias e trabalhistas, legitimando a observância das necessidades locais. Por exemplo, o artigo 170, VI, que aponta como princípio geral da atividade econômica a redução de desigualdades regionais.

Outro exemplo é a utilização, na Lei Complementar 123/06 (artigos 12 e 13), da prerrogativa constante no §9º do artigo 195 da Constituição Federal, que dispõe que as "...contribuições sociais previstas no inciso I do caput deste artigo poderão ter alíquotas ou bases de cálculo diferenciadas, em razão da atividade econômica, da utilização intensiva de mão-de-obra, do porte da empresa ou da condição estrutural do mercado de trabalho".

Contudo, não se deve priorizar o escopo de facilitar a desburocratização para a microempresa e a empresa de pequeno porte, em detrimento da finalidade de cada instituto jurídico que se intenciona excepcionar, como no caso do contrato de aprendizagem, que a Lei Complementar 123/06 as dispensa da contratação de aprendizes ou prevê que sejam contratados sem a inscrição em programa de aprendizagem desenvolvido sob a orientação de entidade qualificada em formação técnico-profissional metódica, podendo gerar riscos para o menor.

É preciso que toda a sociedade tenha a firme convicção de que do desenvolvimento saudável e digno do menor, enquanto ser em formação, depende o futuro da nação e que todos devem fazer sua parcela de sacrifício para viabilizar oportunidades para que o jovem alcance a cidadania e possamos mudar a história triste de muitos deles e não permitamos que ela se repita indefinidamente.

Sem dúvida acreditamos na criatividade para fazer do micro e pequeno empresariado fonte de crescimento para o país, mas não aquela que desvirtua institutos jurídicos muito bem delineados, e sim aquela que busca parcerias, colaboração e assunção de papéis responsáveis na sociedade, em prol do interesse coletivo.

Buscamos, em suma, nesta reflexão, tentar trazer à tona a perigosa vertente flexibilizadora do contrato de aprendizagem, instituída na Lei Complementar nº 123/06, sob o manto de estímulo à desburocratização das microempresas e empresas de pequeno porte, bem como concluímos que o Ministério do Trabalho e Emprego é o que está mais aparelhado para a verificação in loco de eventuais situações de risco, nas quais o empresariado utilize o trabalho do menor em substituição da mão-de-obra empregada, sem prejuízo dos demais mecanismos políticos e jurídicos a combater a exploração do trabalho infanto-juvenil.


REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

BRANCAGLIONE, Luciana Helena, "Panorama do Direito do Trabalho da Criança e do Adolescente no Brasil Atual" (Monografia apresentada à Coordenação do Curso de Especialização em Direito do Trabalho da Faculdade de Direito da Pontifícia Universidade Católica de São Paulo, como exigência parcial para a obtenção do grau de especialista em Direito do Trabalho).

DELGADO, Maurício Godinho, "Curso de Direito do Trabalho", 2ª. Ed. – São Paulo: LTr, 2003.

ELIAS, Roberto João, "Comentários ao Estatuto da Criança e do Adolescente". São Paulo: Saraiva, 1994.

LIMA, Sandra Cardoso Ramos de, "Contratação de menor aprendiz como contribuição para o combate ao desemprego e à precarização do trabalho.", in IOB Trabalhista e Previdenciária – Vol. 17 – nº 214 – Abril/2007 – páginas 7 a 15.

MINHARRO, Erotilde Ribeiro dos Santos, "A Criança e o Adolescente no Direito do Trabalho", Dissertação para conclusão no curso de Mestrado, na Faculdade de Direito da Universidade de São Paulo.

MURARO, Leonardo Gonçalves, "A globalização como causadora do déficit de implementação dos direitos humanos fundamentais no estado brasileiro", publicado no Juris Síntese nº 52 - MAR/ABR de 2005.

Protección de los niños en el mundo del trabajo – in Revista Educación Obrera – 1997/3 – Número 108 – Oficina Internacional Del Trabajo – Organización Internacional Del Trabajo.

SOARES, Lirian Sousa, "Menor aprendiz. Obrigação de contratação. Limites legais.", in Revista IOB, IOB Trabalhista e Previdenciária – Vol. 17 – nº 214 – Abril/2007 – páginas 16 a 19.


NOTAS

01 Brancaglione, Luciana Helena, "Panorama do Direito do Trabalho da Criança e do Adolescente no Brasil Atual" (monografia à Pontifícia Universidade Católica de São Paulo, 2003, página 120).

02 Trecho do texto: "A globalização como causadora do déficit de implementação dos direitos humanos fundamentais no estado brasileiro", publicado no Juris Síntese nº 52 - MAR/ABR de 2005.

03 Delgado, Maurício Godinho, "Curso de Direito do Trabalho", 2ª ed. - LTr: São Paulo, 2003, página 994.

04 www.mte.gov.br

05 DELGADO, Maurício Godinho, "Curso de Direito do Trabalho", 2ª. Ed. – São Paulo: LTr, 2003

06 Lei Complementar 123/06 – "Art. 3º - Para os efeitos desta Lei Complementar, consideram-se microempresas ou empresas de pequeno porte a sociedade empresária, a sociedade simples e o empresário a que se refere o art. 966 da Lei nº 10.406, de 10 de janeiro de 2002, devidamente registrados no Registro de Empresas Mercantis ou no Registro Civil de Pessoas Jurídicas, conforme o caso, desde que:

I - no caso das microempresas, o empresário, a pessoa jurídica, ou a ela equiparada, aufira, em cada ano-calendário, receita bruta igual ou inferior a R$ 240.000,00 (duzentos e quarenta mil reais);

II - no caso das empresas de pequeno porte, o empresário, a pessoa jurídica, ou a ela equiparada, aufira, em cada ano-calendário, receita bruta superior a R$ 240.000,00 (duzentos e quarenta mil reais) e igual ou inferior a R$ 2.400.000,00 (dois milhões e quatrocentos mil reais).

§ 1º - Considera-se receita bruta, para fins do disposto no caput deste artigo, o produto da venda de bens e serviços nas operações de conta própria, o preço dos serviços prestados e o resultado nas operações em conta alheia, não incluídas as vendas canceladas e os descontos incondicionais concedidos.

§ 2º - No caso de início de atividade no próprio ano-calendário, o limite a que se refere o caput deste artigo será proporcional ao número de meses em que a microempresa ou a empresa de pequeno porte houver exercido atividade, inclusive as frações de meses.

§ 3º - O enquadramento do empresário ou da sociedade simples ou empresária como microempresa ou empresa de pequeno porte bem como o seu desenquadramento não implicarão alteração, denúncia ou qualquer restrição em relação a contratos por elas anteriormente firmados.

§ 4º - Não se inclui no regime diferenciado e favorecido previsto nesta Lei Complementar, para nenhum efeito legal, a pessoa jurídica:

I - de cujo capital participe outra pessoa jurídica;

II - que seja filial, sucursal, agência ou representação, no País, de pessoa jurídica com sede no exterior;

III - de cujo capital participe pessoa física que seja inscrita como empresário ou seja sócia de outra empresa que receba tratamento jurídico diferenciado nos termos desta Lei Complementar, desde que a receita bruta global ultrapasse o limite de que trata o inciso II do caput deste artigo;

IV - cujo titular ou sócio participe com mais de 10% (dez por cento) do capital de outra empresa não beneficiada por esta Lei Complementar, desde que a receita bruta global ultrapasse o limite de que trata o inciso II do caput deste artigo;

V - cujo sócio ou titular seja administrador ou equiparado de outra pessoa jurídica com fins lucrativos, desde que a receita bruta global ultrapasse o limite de que trata o inciso II do caput deste artigo;

VI - constituída sob a forma de cooperativas, salvo as de consumo;

VII - que participe do capital de outra pessoa jurídica;

VIII - que exerça atividade de banco comercial, de investimentos e de desenvolvimento, de caixa econômica, de sociedade de crédito, financiamento e investimento ou de crédito imobiliário, de corretora ou de distribuidora de títulos, valores mobiliários e câmbio, de empresa de arrendamento mercantil, de seguros privados e de capitalização ou de previdência complementar;

IX - resultante ou remanescente de cisão ou qualquer outra forma de desmembramento de pessoa jurídica que tenha ocorrido em um dos 5 (cinco) anos-calendário anteriores;

X - constituída sob a forma de sociedade por ações.

§ 5º - O disposto nos incisos IV e VII do § 4º deste artigo não se aplica à participação no capital de cooperativas de crédito, bem como em centrais de compras, bolsas de subcontratação, no consórcio previsto nesta Lei Complementar, e associações assemelhadas, sociedades de interesse econômico, sociedades de garantia solidária e outros tipos de sociedade, que tenham como objetivo social a defesa exclusiva dos interesses econômicos das microempresas e empresas de pequeno porte.

§ 6º - Na hipótese de a microempresa ou empresa de pequeno porte incorrer em alguma das situações previstas nos incisos do § 4º deste artigo, será excluída do regime de que trata esta Lei Complementar, com efeitos a partir do mês seguinte ao que incorrida a situação impeditiva.

§ 7º - Observado o disposto no § 2º deste artigo, no caso de início de atividades, a microempresa que, no ano-calendário, exceder o limite de receita bruta anual previsto no inciso I do caput deste artigo passa, no ano-calendário seguinte, à condição de empresa de pequeno porte.

§ 8º - Observado o disposto no § 2º deste artigo, no caso de início de atividades, a empresa de pequeno porte que, no ano-calendário, não ultrapassar o limite de receita bruta anual previsto no inciso I do caput deste artigo passa, no ano-calendário seguinte, à condição de microempresa.

§ 9º - A empresa de pequeno porte que, no ano-calendário, exceder o limite de receita bruta anual previsto no inciso II do caput deste artigo fica excluída, no ano-calendário seguinte, do regime diferenciado e favorecido previsto por esta Lei Complementar para todos os efeitos legais.

§ 10. - A microempresa e a empresa de pequeno porte que no decurso do ano-calendário de início de atividade ultrapassarem o limite de R$ 200.000,00 (duzentos mil reais) multiplicados pelo número de meses de funcionamento nesse período estarão excluídas do regime desta Lei Complementar, com efeitos retroativos ao início de suas atividades.

§ 11. - Na hipótese de o Distrito Federal, os Estados e seus respectivos Municípios adotarem o disposto nos incisos I e II do caput do art. 19 e no art. 20 desta Lei Complementar, caso a receita bruta auferida durante o ano-calendário de início de atividade ultrapasse o limite de R$ 100.000,00 (cem mil reais) ou R$ 150.000,00 (cento e cinqüenta mil reais), respectivamente, multiplicados pelo número de meses de funcionamento nesse período, estará excluída do regime tributário previsto nesta Lei Complementar em relação ao pagamento dos tributos estaduais e municipais, com efeitos retroativos ao início de suas atividades.

§ 12. - A exclusão do regime desta Lei Complementar de que tratam os §§ 10 e 11 deste artigo não retroagirá ao início das atividades se o excesso verificado em relação à receita bruta não for superior a 20% (vinte por cento) dos respectivos limites referidos naqueles parágrafos, hipóteses em que os efeitos da exclusão dar-se-ão no ano-calendário subseqüente."

07 Entre aspas porque entendemos que a expressão não é feliz, pois trata o trabalho como mercadoria – sugerimos a expressão "sistema de relações de trabalho".

08 O texto foi aprovado pelo Congresso Nacional, por meio do Decreto Legislativo nº 179/99, bem como inserida no ordenamento jurídico nacional via Decreto nº 4.134/02, do Chefe do Executivo Nacional.

09 Tal diretriz da OIT passou a ser executada e cumprida no Brasil em 2 de fevereiro de 2001, após a promulgação do Decreto nº 3.597 pelo Presidente da República.

10 In Revista IOB Trabalhista e Previdenciária – Vol. 17 – nº 214 – Abril/2007 – páginas 16 a 19.

11 In Revista IOB Trabalhista e Previdenciária – Vol. 17 – nº 214 – Abril/2007 – páginas 7 a 15.


Autor

  • Luciana Helena Brancaglione

    Luciana Helena Brancaglione

    bacharel em Administração de Empresas pela Fundação Getúlio Vargas e em Direito pela Universidade de São Paulo, especialista em Direito do Trabalho pela Universidade Pontifícia Católica de São Paulo, assistente de juiz do Trabalho do Tribunal Regional do Trabalho da 2ª Região, co-autora da "CLT Interpretada 2007" da Editora Manole, assistente de professora na Prática Trabalhista na Faculdade de Direito de São Bernardo do Campo (SP)

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Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

BRANCAGLIONE, Luciana Helena. Sobre os reflexos da Lei Complementar nº 123/2006 no contrato de aprendizagem. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 12, n. 1512, 22 ago. 2007. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/10298. Acesso em: 24 abr. 2024.