Este texto foi publicado no Jus no endereço https://jus.com.br/artigos/10406
Para ver outras publicações como esta, acesse https://jus.com.br

A teoria do umbral do acesso ao Direito Civil como complemento à teoria do estatuto jurídico do patrimônio mínimo

A teoria do umbral do acesso ao Direito Civil como complemento à teoria do estatuto jurídico do patrimônio mínimo

Publicado em . Elaborado em .

Será realmente que podemos afirmar, principalmente em um país de tantas desigualdades sociais como o Brasil, que todo indivíduo possui patrimônio ou ao menos um patrimônio com utilidade para o seu titular?

"A gente não quer só comida,

A gente quer comida, diversão e arte.

A gente não quer só comida,

A gente quer saída para qualquer parte.

A gente não quer só comida,

A gente quer bebida, diversão, balé.

A gente não quer só comida,

A gente quer a vida como a vida quer".

(Titãs)

SUMÁRIO: INTRODUÇÃO. 1. A DESPATRIMONIALIZAÇÃO OU REPERSONALIZAÇÃO DO DIREITO CIVIL. 2. A TEORIA DO ESTATUTO JURÍDICO DO PATRIMÔNIO MÍNIMO. 3. A UNIVERSALIDADE DO PATRIMÔNIO COMO PRESSUPOSTO JURÍDICO DA TEORIA DO ESTATUTO JURÍDICO DO PATRIMÔNIO MÍNIMO: CRÍTICA. 4. A TEORIA DO UMBRAL DO ACESSO AO DIREITO CIVIL. 5. A TEORIA DO UMBRAL DO ACESSO AO DIREITO CIVIL COMO COMPLEMENTO À TEORIA DO ESTATUTO JURÍDICO DO PATRIMÔNIO MÍNIMO. CONSIDERAÇÕES FINAIS. REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS.


INTRODUÇÃO

Como é cediço, o Direito Civil experimenta atualmente um processo de repersonalização ou despatrimonialização das suas relações jurídicas. Os institutos civilistas, antes voltados para a satisfação dos interesses econômicos e patrimoniais do indivíduo, passam a ter como finalidade primordial a tutela da pessoa humana, no intuito de promover a dignidade desta. Nesse contexto, frise-se que a Constituição Federal, por cumprir a função de sistematizar todo o ordenamento jurídico, tem papel de extrema relevância, irradiando para as relações jurídicas privadas a aplicação de princípios da mais alta monta, a exemplo do (super) princípio da dignidade da pessoa humana (art. 1º, III) e do princípio da solidariedade social (art. 3º, I).

Por conta deste (re)posicionamento da pessoa humana como verdadeiro alvo das normas jurídicas de Direito Civil, os bens, mais do que nunca, reafirmam-se como objetos de direito, no sentido de que somente podem ser entendidos como instrumentos de realização da dignidade dos seus titulares, daí porque não se permite que aqueles se sobreponham a estes últimos. Em outras palavras, sepulta-se o paradigma do ter, que por muito tempo habitou o Direito Civil, influenciando os seus institutos, e fomenta-se a novel concepção do ser, em uma autêntica e efetiva defesa do indivíduo enquanto pessoa humana.

Em meio a esta perspectiva, o brilhante Professor paranaense Luiz Edson Fachin, em obra já considerada clássica no estudo do Direito Civil intitulada "Estatuto Jurídico do Patrimônio Mínimo", engendra a teoria do estatuto jurídico do patrimônio mínimo, segundo a qual o ordenamento jurídico deve sempre procurar garantir um mínimo de patrimônio (mínimo existencial) ao indivíduo como forma de garantir-lhe a sua dignidade.

Destarte, é preciso ponderar que a teoria ora referida é inteiramente construída a partir do pressuposto de que todos possuem patrimônio. Mas será realmente que podemos afirmar, principalmente em um país de tantas desigualdades sociais como o Brasil, que todo indivíduo possui patrimônio ou ao menos um patrimônio com utilidade para o seu titular? Indo além, será que a adoção da teoria do Professor Fachin, vinculada a esta premissa, pode garantir, na prática, a efetivação do princípio constitucional da dignidade da pessoa humana, que, afinal de contas, é o seu maior objetivo?

No presente trabalho, propomo-nos a responder a tais indagações à luz da teoria do umbral de acesso ao Direito Civil, apregoada pelo jurista argentino Ricardo Luís Lorenzetti em sua obra clássica "Fundamentos do Direito Privado".

A tarefa é árdua, mas não nos falta coragem e disposição! Iniciemos o embate...


1.A DESPATRIMONIALIZAÇÃO OU REPERSONALIZAÇÃO DO DIREITO CIVIL

Por meio do fenômeno da codificação, a burguesia, ao ascender ao poder político no período iluminista compreendido entre o final do século XVIII e a primeira metade do século XIX, consagrou no plano jurídico apenas valores que lhe fossem convenientes, comungassem com seus interesses, refletissem os ideais do novo sistema capitalista (o Liberalismo Econômico, nos moldes propostos por Adam Smith), a exemplo da dinamização das relações produtivas, do individualismo extremado (diríamos até egocentrismo), da liberdade, igualdade formal e, com maior destaque, da exarcebação do patrimônio como um fim em si mesmo.

O movimento de codificação do século XIX repercutiu, no Brasil, através da elaboração do Código Civil de 1916. Nesse sentido, insta salientar que o país teve um longo histórico de elaboração do seu primeiro Código Civil, o que fez com que este nascesse em pleno século XX, mas com o modelo de codificação e os valores típicos do século anterior.

Quanto ao histórico de elaboração do Código, nota-se que o seu passo inicial foi dado no longínquo ano de 1823, quando foi promulgada a Lei de 10 de outubro de 1823, a qual ordenava a manutenção da legislação então vigente (as Ordenações Filipinas, da época do Brasil-Colônia) até a realização de um código próprio do país. Sob um forte sentimento nacionalista, proveniente da então recente proclamação da independência (07/09/1822), a Constituição imperial de 25 de março de 1824, no artigo 179, nº XVIII, determinou que, dentro do lapso temporal de um ano, deveria ser feito, além do Código Criminal, o tão esperado Código Civil, fundado "nas sólidas bases da justiça e da equidade".

De lá para cá, inúmeros foram os projetos elaborados, a exemplo da Consolidação das Leis Civis (1855) e do Esboço das Leis Civis (1865), de Teixeira de Freitas, Apontamentos para o Projeto do Código Civil Brasileiro, de Joaquim Felício dos Santos (1881), Projeto de Código Civil, de Coelho Rodrigues (1890), o Projeto de Clóvis Beviláqua (1899), e o embate travado no Congresso Nacional entre o Professor Ernesto Carneiro Ribeiro e o Senador Ruy Barbosa, embate este que acentuou a demora na tramitação do referido Projeto, tanto assim que o Código Civil somente foi aprovado em 1º de janeiro de 1916 (Lei nº 3.071/1916), entrando em vigor em 1917, portanto quase 100 (cem) anos depois do seu passo inicial.

Por conta deste longo histórico de elaboração, como já afirmado alhures, o Código Civil de 1916, repetindo o modelo de codificação do século XIX, trouxe para o seu texto, em pleno século XX, os valores típicos daquela centúria, o que acabou provocando graves conseqüências para o cenário jurídico nacional.

Sílvio Rodrigues [01], com a lucidez de sempre, comentando sobre o Código Civil, asseverou que, in verbis:

Seu defeito, se tem algum, é o de ter sido elaborado ao fim do século XIX e representar a cristalização da cultura de uma época, porventura desadaptada à evolução que se seguiu (...). O Código Civil brasileiro é um Código elaborado no fim do século passado e cristaliza uma cultura que o tempo, em grande parte, tornou ultrapassada [...]".

Desse modo, registre-se, em definitivo, que concepções filosóficas típicas do período iluminista foram transplantadas para todo o ordenamento do século passado, o que só reafirmou a crença cega na iniciativa privada e na autonomia da vontade.

Tal ideologia fomentava o ter em prejuízo do ser, "impedindo a efetiva valorização da dignidade humana, o respeito à justiça distributiva e à igualdade material ou substancial" [02]. O paradigma do capitalismo desse momento definia o sucesso pessoal como sinônimo de acúmulo de bens. Ao indivíduo desprovido de riqueza patrimonial, segundo a concepção marxista, só restava alienar seu único meio de sobrevivência, a força de trabalho.

Nessa esteira, o Código regulava essencialmente interesses individuais e até mesmo egoísticos, mas esquecia de tutelar o próprio indivíduo em si. Por isso, pode-se afirmar que quatro eram seus personagens básicos: o marido, o proprietário, o contratante e o testador [03].

A propriedade, esta sim, era o valor absoluto, ilimitado e necessário para a realização da pessoa humana, a qual figurava nas relações jurídicas como sujeito abstraído de sua dimensão real.

No campo do direito contratual, por sua vez, imutável e sagrado era o princípio pacta sunt servanda, não sendo reconhecido qualquer tipo de direito ao hipossuficiente da relação jurídica caso houvesse fato superveniente causador de desequilíbrio contratual não previsto pelos contratantes (teoria da imprevisão ou da onerosidade excessiva).

Sob o espectro da igualdade formal entre os sujeitos de direito, a classe burguesa conseguia conservar o status quo que lhe interessava, mantendo as desigualdades sociais e desequilíbrios econômicos a seu favor.

Nessa linha de raciocínio, pode-se afirmar que o Código Civil era, na verdade, um meio legal de garantia das elites econômicas do país contra as intervenções e ingerências estatais no livre mercado. Ditava as regras obrigatórias, perenes e acabadas de um jogo amplamente favorável à nova elite, até porque o Estado liberal possuía somente deveres negativos, de abstenção, de não interferir nos direitos de primeira geração dos cidadãos, sendo praticamente inexistentes as ações para reverter esse quadro.

Gustavo Tepedino [04], um dos maiores civilistas da atualidade, descreve com brilhantismo ímpar o panorama do Código de 1916, senão vejamos:

O Código Civil, bem se sabe, é fruto das doutrinas individualista e voluntarista que, consagradas pelo Código de Napoleão e incorporadas pelas codificações do século XIX, inspiraram o legislador brasileiro quando, na virada do século, redigiu o nosso Código Civil de 1916. Àquela altura, o valor fundamental era o indivíduo. O direito privado tratava de regular, do ponto de vista formal, a atuação dos sujeitos de direito, notadamente o contratante e o proprietário, os quais, por sua vez, a nada aspiravam senão ao aniquilamento de todos os privilégios feudais: poder contratar, fazer circular as riquezas, adquirir bens como expansão da própria inteligência e personalidade, sem restrições ou entraves legais. Eis aí a filosofia do século XIX, que marcou a elaboração do tecido normativo consubstanciado no Código Civil.

Sem a referida intervenção estatal em assuntos sociais e particulares, não havia qualquer liame entre o direito privado e o direito público. Daí porque Tepedino [05] leciona que o Código Civil possuía como característica marcante o "caráter monopolizador das relações privadas", sendo conhecido, por isso mesmo, como a Constituição do Direito Privado [06].

No campo específico do Direito de Família, ignorando que é nesta seara do Direito Privado, mais do que em qualquer outra, onde deve haver maior valorização da pessoa humana, o Código Civil injetou também um tom eminentemente patrimonialista. Daí porque a família era tratada no Codex como um ente de produção de riqueza, perpetuado nas gerações seguintes através do Direito das Sucessões.

Para se ter uma idéia do quanto exposto, o regime matrimonial de bens, por exemplo, teve tratamento primordial do legislador, pois nada menos que 59 (cinqüenta e nove) artigos do Código foram responsáveis por essa disciplina.

Os institutos protetivos da tutela, curatela e ausência, por sua vez, que deveriam resguardar com absoluta prioridade os interesses do indivíduo enquanto pessoa humana, constituíam verdadeiro estatuto legal de administração de bens.

Os impedimentos matrimoniais elencados no artigo 183 também tinham como fundamento a defesa do patrimônio e não das pessoas, como nos casos dos incisos XIII, XV e XVI.

A irrestrita necessidade de sustentar, por tempo ilimitado, essa supervalorização do ter, em detrimento do ser, levou o Código a consolidar, a todo custo, apenas um modelo de família, baseado, dentre outros, em dois pilares essenciais: o matrimônio como único meio de constituir o instituto da família e a conseqüente regra da indissolubilidade do vínculo conjugal (precaução contra possíveis "ameaças" ao sacro instituto).

Assim é que a única forma de criar a família legítima (e, conseqüentemente, legitimar os filhos comuns antes dele nascidos ou concebidos) era mediante o casamento (justas núpcias), o qual recebeu gracioso tratamento do Código Civil em nada menos que robustos 149 (cento e quarenta e nove) artigos (do 180 ao 329).

Vale ressaltar que o casamento, à essa época, tinha finalidades de cunho eminentemente econômico, a exemplo do estabelecimento de vínculos patrimoniais (art. 230 – regime de bens), da mútua assistência (art. 231, III), entendida como um recíproco auxílio patrimonial, e do dever de educar e (principalmente) manter a prole (art. 231, IV).

A legalização das relações sexuais, exteriorizada a partir do dever de coabitação consagrado no art. 231, II, ao lado da procriação, eram outras finalidades do matrimônio, o que só revelava a quase que completa ausência de interesses personalísticos neste instituto.

O pai do início do século XX tinha como seu principal papel nutrir financeiramente seus filhos. Isso bastaria para que fosse proporcionada a felicidade da sua prole. Aí estava exaurido o seu dever. Logo, a paternidade não era inspirada na proteção da pessoa dos filhos, mas no patrimônio familiar.

A família deveria ser concebida como um instituto em prol da própria família, um fim em si mesma, porque o legislador entendia que aquele modelo fechado era o único correto; logo, assim teria que ser, a qualquer preço, independentemente do sacrifício pessoal de seus membros. Em verdade, pouco importava se os membros da família estavam felizes ou não com aquela situação. A dignidade deles era um dado secundário.

Todo esse cenário perdurou por muito tempo, durante quase todo o século XX, mas, felizmente, a Constituição Federal de 1988, atendendo aos anseios sociais, veio a alterar radicalmente todo o Direito Civil, com maior força o Direito de Família, com a consagração, no seu art. 1º, III, do (super)princípio da dignidade da pessoa humana como um dos fundamentos da República Federativa do Brasil.

A importância do princípio da dignidade da pessoa humana no ordenamento constitucional somente pode ser entendida a partir do momento em que se insere a Carta Magna no contexto de definitiva consolidação do Estado do Bem-Estar Social (Welfare State). É que, neste estágio de evolução, o Estado teve suas funções ampliadas: além de ter que respeitar os direitos de primeira geração, como a liberdade, ele foi obrigado a intervir no campo social, promovendo ações na área de saúde, habitação, moradia, emprego etc, todas em prol da melhoria da qualidade de vida do cidadão.

Deixou de lado, portanto, o mero dever de abstenção que titularizava (pois ao mercado era destinado o papel de regulador das atividades produtivas) para assumir uma postura de efetiva atuação, necessária para compensar tantas disparidades sociais provocadas pelo descontrolado crescimento do capitalismo ao longo dos séculos XIX e XX.

Era inegável que as políticas econômicas e as técnicas de produção tinham evoluído assustadoramente, pois o próprio mercado tratou de fazê-lo, mas a frieza do capital colocou o ser humano à margem desse processo.

Esmagado pelo progresso, arrochado pelo cruel sistema industrial de produção, esquecido e perdido dentro dele mesmo, o homem clamava do Estado uma atenção particular, fundamental para o soerguimento da sua própria dignidade. Daí porque o foco de atenção do Estado desloca-se para a satisfação das necessidades do indivíduo enquanto ser humano. Presenciava-se a personalização das funções estatais.

Assim, o Estado começou a atuar de modo efetivo, promovendo melhorias em áreas que diziam respeito a toda coletividade, tais como saúde, moradia, educação e emprego. O fim maior deste novo Estado era proteger o ser humano, que agora é tratado não mais como indivíduo ou pessoa, mas sim como pessoa humana, termo este usado, embora de forma aparentemente repetitiva, para que ficasse bem clara a mudança do paradigma ético.

Nesse contexto, todas as atuações estatais, bem como os programas de governo, as normas e os textos jurídicos, incluindo até mesmo a Constituição de um país, seriam um meio indireto para alcançar a promoção daquilo que se passou a chamar de dignidade da pessoa humana.

Modernamente, pode-se falar que a dignidade da pessoa humana se trata de um verdadeiro dever social ao qual todos devem, sempre e em qualquer situação, absoluto respeito. É autêntico dogma de fé, tendência universal, razão primeira do Estado, da Ciência e do Direito. É a efetividade, realização concreta do que sempre foi tratado como princípio balizador das relações intersubjetivas, mas que pouco era respeitado.

É também o fundamento maior (e mesmo único) dos direitos humanos, razão pela qual, desde 1948, a ONU já o consagrava, inserindo-o na sua Declaração Universal dos Direitos do Homem, que, no Preâmbulo, dispõe nesses termos:

Considerando que os povos das Nações Unidas reafirmaram, na Carta, sua fé nos direitos fundamentais do homem, na dignidade e no valor da pessoa humana, e na igualdade de direitos do homem e da mulher, e que decidiram promover o progresso social e melhores condições de vida em uma liberdade mais ampla [...] (grifo nosso).

A Declaração sobre a Utilização do Progresso Científico e Tecnológico no Interesse da Paz e em Benefício da Humanidade, de autoria também da ONU, em 10 de novembro de 1975, no seu artigo 6º, esclarece, in verbis:

Todos os Estados adotarão medidas tendentes a estender a todos os estratos da população os benefícios da ciência e da tecnologia e a protegê-los, tanto nos aspectos sociais quanto morais, das possíveis conseqüências negativas do uso indevido do progresso científico e tecnológico, inclusive sua utilização indevida para infringir os direitos do indivíduo ou do grupo, em particular relativamente ao respeito à vida privada e à proteção da pessoa humana e de sua integridade física e intelectual (grifo nosso).

A Convenção sobre Direitos Humanos e Biomedicina, no seu artigo 2º, reitera, in verbis:

Os interesses e o bem-estar do ser humano devem prevalecer sobre o interesse isolado da sociedade ou da ciência.

A Constituição alemã, na segunda parte do seu art. 1º, arremata, in verbis:

O Povo Alemão reconhece, portanto, os direitos invioláveis e inadiáveis da pessoa humana como fundamentos de qualquer comunidade humana, da paz e da Justiça no mundo [07] (grifo nosso).

Vislumbra-se, desse modo, a formação de uma razão-ético-jurídica universal. Nessa esteira, o Direito tem papel fundamental, pois servirá como instrumento ímpar na tutela deste superprincípio. Caberá à ciência jurídica não apenas garantir a vida do homem, mas, especialmente, assegurar-lhe o direito de viver dignamente. Isso porque é preciso respeitar a própria condição do ser humano enquanto tal, já que é dela que deriva a dignidade, ou seja, o homem é digno pelo simples fato de ter nascido homem. A dignidade é algo inerente ao ser humano. Existe desde o seu nascimento e o acompanha, de modo inviolável e inalienável, até o fim dos seus dias.

Ressalte-se que o ser humano não pode ser visto apenas sob um prisma biológico, encarado como mais um dentre os inúmeros animais deste planeta. Ele guarda incontáveis peculiaridades, daí decorrendo a necessidade de garantir-lhe uma vida digna. Não se pode admitir, em virtude deste princípio, que o homem seja tratado como res, objeto de direito. Em verdade, a todo e qualquer instante ele é e sempre será sujeito de direito, titular de faculdades subjetivas.

E o Brasil não poderia ficar de fora desse cenário mundial. Conforme já registrado anteriormente, a Constituição de 1988, símbolo do Estado Democrático de Direito, tratou de estabelecer como um dos fundamentos da República Federativa do Brasil, no seu art. 1º, III, o princípio da dignidade da pessoa humana. Aliás, saliente-se que é deste princípio que diretamente irão decorrer todos os demais princípios protetores do indivíduo em suas variadas facetas (social, religiosa, política etc).

Aqui convém abrir um pequeno parêntese para demonstrar que o princípio da dignidade da pessoa humana deve ser considerado um princípio estruturante, o que é de extrema relevância para o desenrolar deste trabalho.

Tendo como critério aquilo que Gomes Canotilho chama de ordem decrescente de abstratividade, os princípios constitucionais são divididos em princípios estruturantes, princípios gerais e princípios especiais. Os princípios estruturantes são aqueles que demonstram qual o tipo de modelo político foi escolhido pelo Estado, ressaltando-se que sobre esse mesmo modelo será assentado todo o ordenamento jurídico nacional. No Brasil, a título ilustrativo, o Estado Democrático de Direito é um princípio estruturante, pois o país resolveu optar, na sua Constituição, pelo regime político da Democracia (baseada na legalidade).

Os princípios constitucionais gerais, por sua vez, são aqueles que tornam os princípios estruturantes um pouco mais concretos, palpáveis, próximos da realidade dos fatos. Assim, a soberania popular é um princípio geral originado do aludido princípio do Estado Democrático de Direito.

Os princípios especiais, de outro lado, têm como função justamente promover uma maior concretização dos princípios gerais. A soberania popular, por exemplo, torna-se ainda mais palpável quando dela é criado o princípio especial do sufrágio universal.

A nosso ver, como já antecipado, o princípio da dignidade da pessoa humana também é um princípio constitucional estruturante, pois dele decorrem todos os outros princípios consagrados na Lex Fundamentallis. É ele o nascedouro, a fonte geradora de todo o sistema jurídico brasileiro. É o princípio originário de onde os demais princípios e regras promanam.

Corroborando com esta idéia e comparando a dignidade da pessoa humana ao 18º camelo da história clássica narrada por Malba Tahan em sua obra "O homem que calculava", o Professor Cristiano Chaves de Farias [08] oferece valioso ensinamento, nesses termos:

Desse modo, todas as normas jurídicas precisam se coadunar com o macro princípio da dignidade humana, impondo-se repelir, sem cerimônias ou indevidas preocupações, todas as normas que não se ajustem a ele direta ou indiretamente. Somente assim será reconhecida a verdadeira efetivação da dignidade humana como valor fundamental do sistema jurídico pátrio. Em linguagem figurada, utilizando uma parábola que se encaixa ao caso sub occulis, é possível alvitrar a dignidade da pessoa humana como uma espécie de 18º camelo, da clássica história narrada por MALBA TAHAN. Trata-se da história de um sábio islâmico que encontra, em suas andanças, três irmãos em acentuado conflito. Indagando o que estava acontecendo, soube que o genitor deles havia falecido, deixando como herança dezessete camelos, a serem partilhados de modo inusitado: metade para o filho mais velho, 1/3 para o filho do meio e 1/9 para o mais moço. Percebendo que os herdeiros não conseguiam dirimir o problema que se apresentava, o sábio, então, junta o seu camelo aos demais, totalizando dezoito animais. Com o novo número, promove-se a divisão, ficando nove camelos para o mais velho, seis camelos para o filho do meio e dois para o mais jovem. O sábio, então, pega o seu camelo e continua a viagem, deixando todos os filhos "na certeza de que a divisão foi feita com justiça e equidade". Pois bem, a dignidade da pessoa humana é o 18º camelo do ordenamento jurídico brasileiro. É o princípio que se amolda a qualquer situação concreta com o intuito de garantir-lhe efetividade, confirmando que a planilha de garantias fundamentais oriunda da Constituição é suficiente para alçar a pessoa humana ao ápice da sociedade brasileira. Mediante ele, os conflitos estabelecidos no cotidiano, do simples ao complexo, do público ao privado, ganham soluções sintonizadas com a legalidade constitucional.

Mas sequer é preciso muito esforço para explicar que o princípio da dignidade da pessoa humana é um princípio constitucional estruturante. Ora, para que serve o Direito senão para, em última instância, atender aos anseios da pessoa humana? É um óbvio ululante, que não precisava, para o seu reconhecimento, de nenhum artigo escrito em nenhuma lei, muito menos na Constituição, mas, em razão de um histórico da humanidade permeado por atrocidades, foi preciso chegar-se a esse ponto.

Tal posicionamento é trilhado por renomados juristas do país, a exemplo de Rizzato Nunes [09], conforme lição abaixo transcrita, in verbis:

Contudo, no atual Diploma Constitucional, pensamos que o principal direito fundamental constitucionalmente garantido é o da dignidade da pessoa humana. É ela, a dignidade, o primeiro fundamento de todo o sistema constitucional posto e o último arcabouço da guarida dos direitos individuais. (...) É a dignidade que dá a direção, o comando a ser considerado primeiramente pelo intérprete. [...] E esse fundamento funciona como princípio maior para a interpretação de todos os direitos e garantias conferidos às pessoas no Texto Constitucional.

Inocêncio Mártires Coelho [10], por seu turno, afirma que a dignidade da pessoa humana tem posição hierarquicamente superior porque "a pessoa é o valor-fonte de todos os valores ou o valor fundante da experiência ética".

Fernando Ferreira dos Santos [11] entende que o multi-citado princípio constitui "um ‘minimum’ invulnerável que todo o ordenamento jurídico deve assegurar, e que nenhum outro princípio, valor, ser pode sacrificar, ferir o valor da pessoa".

Pelo exposto, fica claro que os princípios constitucionais, no fundo, nascem todos de uma mesma fonte. Encarando este fenômeno por um outro ângulo, pode-se afirmar que a Constituição está posta no sentido de implementar a dignidade da pessoa humana. Assim, seus princípios encontram na dignidade o objetivo único a ser alcançado.

A título de ilustração, é com fulcro na dignidade da pessoa humana que a Constituição, ao longo do seu corpo, elenca princípios que tutelam a prestação de alimentos (arts. 5º, LXVII, e 229), a saúde (arts 194 e 196), a ciência e tecnologia (art. 218), o patrimônio genético (art. 225, § 1º, II), os deficientes físicos (arts. 203, IV, e 227, § 1º, II), o nascituro, a criança e o adolescente (art. 227) e o idoso (art. 230).

Seguindo essa mesma linha, a Constituição estabeleceu como um dos pilares de sustentação da ordem econômica nacional a valorização do trabalho, com a finalidade de propiciar existência digna e distribuir justiça social, através da redução das desigualdades sociais (art. 170).

Com idêntico raciocínio, o Texto Maior também estipulou como objetivos fundamentais da República Federativa do Brasil a construção de uma sociedade livre, justa e solidária (art. 3º, I, CF) e a promoção do bem-estar de todos, sem preconceitos de origem, raça, sexo, cor, idade e quaisquer outras formas de discriminação (art. 3º, IV).

No tocante ao Direito de Família, a Constituição traça, antes mesmo do capítulo especificamente destinado a esta seara (artigos 226 e seguintes), alguns princípios genéricos. Dispõe o artigo 5º, I, por exemplo, sobre o princípio da isonomia entre homens e mulheres, a qual deve ser entendida muito mais como igualdade material do que formal.

É no artigo 226, porém, que serão estabelecidos os princípios constitucionais atinentes ao Direito de Família em específico, quais sejam: o reconhecimento da união estável e da família monoparental como entidades familiares, ao lado do casamento (parágrafos 3º e 4º); igualdade entre os cônjuges (§ 5º); facilitação do divórcio (§ 6º). O art. 227, § 6º, ainda estampa a isonomia do tratamento jurídico dos filhos, evitando qualquer discriminação.

A família, agora juridicamente denominada entidade familiar, sofre intensa alteração, passando a ser conceituada como a comunidade de afeto e entreajuda, onde seus membros estão envolvidos por um laço muito mais psicológico, de busca do prazer e da felicidade.

Tratando dessas questões diretamente relacionadas com o indivíduo, a Constituição deixa de ser simples Carta Política, organizadora das instituições democráticas e definidora dos direitos e deveres do cidadão, para ter também o caráter de norma informativa da vida humana. Desse modo, as regras atinentes à vida privada passaram a ser formuladas também (e principalmente) pela Constituição.

É por tudo isso que se pode afirmar que a dignidade da pessoa humana inaugurou a chamada era da personalização do Direito. Tal fenômeno atingiu em cheio o Direito Civil, precipuamente o Direito de Família. A criação de direitos sociais pela Constituição desestabilizou a estrutura liberal e obsoleta da legislação civil até então reinante. O modelo fechado, auto-suficiente e patrimonialista do Código de 1916 ruiu frente ao sistema constitucional focado na dignidade da pessoa humana.

Se o valor necessário à felicidade de um indivíduo, segundo o Codex, era a propriedade, o acúmulo de bens, o ter, a Lex Fundamentallis, quebrando com esse paradigma, estabelece como fator de realização da pessoa a sua dignidade, o ser, a sua real condição de sujeito de direito. É neste cenário que podemos falar no fenômeno da despatrimonialização ou personalização do Direito Civil, segundo o qual nenhum instituto jurídico civilista teria mais um fim em si mesmo, devendo servir sempre à satisfação das necessidades da pessoa humana.

Em outras palavras, afirma-se que, a partir do princípio fundamental da dignidade da pessoa humana, o eixo filosófico do Direito Civil passa a centrar-se na pessoa humana. Se ao longo do texto do Código de 1916 o homem era muitas vezes tratado como objeto de direito, pois a propriedade e a riqueza eram os valores de maior destaque, agora isso não é mais possível, já que a felicidade de uma pessoa só pode ser alcançada com a realização da sua dignidade enquanto ser humano em toda a sua inteireza.

Nesse contexto, verifica-se uma nova perspectiva do Direito Civil, pois seus institutos, antes defasados, são fortalecidos. Como exemplo, verificamos que a propriedade deixa de ser um instituto com fim em si mesmo para receber um novo contorno, desenhado pela exigência de que ela cumpra uma função social. Processo semelhante ocorre na seara do Direito Contratual, onde presenciamos a consagração da função social dos contratos.

O fenômeno da despatrimonialização ou repersonalização do Direito Civil é ainda mais sintomático no campo específico do Direito de Família, onde se verifica que a entidade familiar passa a ser encarada como uma verdadeira comunidade de afeto e entreajuda e não mais como uma fonte de produção de riqueza como outrora. É o âmbito familiar o local mais propício para que o indivíduo venha a obter a plena realização da sua dignidade enquanto ser humano, porque o elo entre os integrantes da família deixa de ter conotação patrimonial para envolver, sobretudo, o afeto, o carinho, amor e a ajuda mútua.

Nesse sentido, percebe-se que as relações familiares se tornam muito mais verdadeiras, porque são construídas (e não impostas) por quem integra o instituto (e não por um terceiro, um elemento estranho, como o legislador). O ser, finalmente, supera o ter, fazendo com que o afeto se torne o elemento irradiador da convivência familiar.

O relacionamento entre os familiares, portanto, ganha uma nova roupagem. Passa a ser muito mais aberto, democrático e plural, permitindo que cada indivíduo venha a obter, de fato, a realização da sua felicidade particular. Isso porque, se a Constituição consagrou a dignidade da pessoa humana como superprincípio, assim o fez por ter encontrado na família pós-moderna um forte (talvez o principal) meio de sua propagação, pois é no âmbito familiar que o indivíduo cresce e adquire suas habilidades para a convivência social.

Nessa linha de intelecção, Gustavo Tepedino [12] afirma que a maior preocupação da atualidade é com "a pessoa humana, o desenvolvimento de sua personalidade, o elemento finalístico da proteção estatal, para cuja realização devem convergir todas as normas de direito positivo, em particular aquelas que disciplinam o direito de família, regulando as relações mais íntimas e intensas do indivíduo no social" (destacamos).

O Professor Cristiano Chaves [13] reforça essa idéia ao proclamar que, nos dias de hoje, predomina um modelo familiar "eudemonista, afirmando-se a busca da realização plena do ser humano. Aliás, constata-se, finalmente, que a família é locus privilegiado para garantir a dignidade humana e permitir a realização plena do ser humano".

Desse modo, conclui-se que a família advinda da Constituição Federal de 1988 tem o papel único e específico de fazer valer, no seu seio, a dignidade dos seus integrantes como forma de garantir a felicidade pessoal de cada um deles. A construção de sonhos, a realização do amor, a partilha do sofrimento, enfim, os sentimentos humanos devem ser compartilhados nesse verdadeiro LAR, Lugar de Afeto e Respeito [14].

Feito esse breve intróito sobre o fenômeno da despatrimonialização ou repersonalização do Direito Civil, passemos a analisar, no capítulo vindouro, a teoria do estatuto jurídico do patrimônio mínimo engendrada pelo Professor Luiz Édson Fachin, a qual, a nosso ver, se trata de aplicação do fenômeno retrocitado.


2.A TEORIA DO ESTATUTO JURÍDICO DO PATRIMÔNIO MÍNIMO

De acordo com o que foi visto no capítulo anterior, a perspectiva liberal vivenciada pelo Direito Civil desde o período iluminista até a segunda metade da centúria passada injetou nas relações jurídicas privadas um tom eminentemente patrimonialista, fazendo com que, na maioria das vezes, a tutela à propriedade tivesse maior destaque do que aquela conferida à própria pessoa humana. Nesse contexto, verifica-se que os bens eram tratados apenas e tão-somente como institutos em prol de si mesmos, ou seja, absolutamente desvinculados de qualquer finalidade personalística, de proteção à essência humana. Estimulava-se, portanto, a pura e simples acumulação de bens (ter), mesmo que isso não gerasse nenhum efeito na promoção da felicidade pessoal do seu titular (ser).

Destarte, o princípio da dignidade da pessoa humana, enquanto princípio estruturante do ordenamento jurídico nacional, insculpido no art. 1º, III, da Lex Fundamentallis de 1988, veio a operar profunda mudança neste cenário, inaugurando-se o fenômeno da repersonalização ou despatrimonialização do Direito Civil, por meio do qual os institutos civilistas, antes voltados para a satisfação dos interesses econômicos e patrimoniais do indivíduo, passam a ter como finalidade primordial a tutela da pessoa humana, no intuito de promover a dignidade desta.

Por conta deste (re)posicionamento da pessoa humana como verdadeiro alvo das normas jurídicas de Direito Civil (e do Direito como um todo), os bens, mais do que nunca, reafirmam-se como objetos de direito, no sentido de que somente podem ser entendidos como instrumentos para a realização da dignidade dos seus titulares, daí porque não se permite que aqueles se sobreponham a estes últimos. Em outras palavras, sepulta-se o paradigma do ter, que por muito tempo habitou o Direito Civil, influenciando os seus institutos, e fomenta-se a novel concepção do ser, em uma autêntica e efetiva defesa do indivíduo enquanto pessoa humana.

Nessa esteira, o brilhante Professor paranaense Luiz Edson Fachin, em obra já considerada clássica no estudo do Direito Civil intitulada "Estatuto Jurídico do Patrimônio Mínimo", elaborada como tese para o Concurso de Professor Titular de Direito Civil da Universidade Federal do Paraná, engendra a teoria do estatuto jurídico do patrimônio mínimo, segundo a qual o ordenamento jurídico deve sempre procurar garantir um mínimo de patrimônio (mínimo existencial) ao indivíduo como forma de garantir-lhe a sua dignidade.

Desse modo, uma parcela essencial do patrimônio de qualquer pessoa deverá estar protegida contra a influência de quem quer que seja, eis que afetada para o atendimento das necessidades básicas da pessoa humana. Com isso, funcionaliza-se o patrimônio (ou ao menos parte dele), colocando-o como meio de alcance da dignidade do seu titular.

A teoria do estatuto jurídico do patrimônio mínimo acaba revolucionando o estudo dos bens, pois estes não podem ser mais encarados sob uma ótica demasiadamente patrimonializada, que muitas vezes deixava o indivíduo relegado a segundo plano; eles devem estar inseridos em uma perspectiva personalística, entendida como incentivadora da proteção à pessoa humana. Nesses termos, os Professores Cristiano Chaves de Farias e Nélson Rosenvald afirmam que "através da teoria do reconhecimento do direito a um patrimônio mínimo, institutos antes vocacionados, exclusivamente, à garantia do crédito são renovados, rejuvenescidos, e utilizados na proteção da pessoa humana, como um aspecto essencial para o reconhecimento de sua dignidade [15]".

Trata-se, portanto, de franca aplicação do princípio constitucional da dignidade da pessoa humana em um cenário a partir dele mesmo desenhado de despatrimonialização e repersonalização das relações jurídicas civis. Aliás, o próprio Luiz Edson Fachin reconhece que "a proteção de um patrimônio mínimo vai ao encontro dessas tendências, posto que põe em primeiro plano a pessoa e suas necessidades fundamentais [16]".

Em face disso, fica claro que a previsão dos chamados direitos da personalidade não é suficiente para promover uma integral proteção da pessoa humana, devendo ser complementada, para este fim, com a teoria sub examine, ainda mais no regime capitalista no qual se assenta o país, onde um mínimo de acúmulo de capital contribui significativamente para o desenvolvimento de uma vida digna.

Resumindo com precisão cirúrgica a sua própria tese, o Professor Fachin [17] assevera que:

A presente tese defende a existência de uma garantia patrimonial mínima inerente a toda pessoa humana, integrante da respectiva esfera jurídica individual ao lado dos atributos pertinentes à própria condição humana. Trata-se de um patrimônio mínimo indispensável a uma vida digna do qual, em hipótese alguma, pode ser desapossada, cuja proteção está acima dos interesses dos credores. A formulação sustentada se ancora no princípio constitucional da dignidade humana e parte da hermenêutica crítica e construtiva do Código Civil brasileiro, passando pela legislação esparsa que aponta nessa mesma direção.

É de mister importância também salientar que a teoria do estatuto jurídico do patrimônio mínimo atende ainda a dois dos primordiais objetivos da República Federativa do Brasil, quais sejam, a solidariedade e a erradicação da pobreza e da marginalização e a redução das desigualdades sociais, conforme consta do art. 3º, I e III, respectivamente, do Texto Maior, objetivos estes que, a nosso ver, axiologicamente se tratam de mera aplicação do macro princípio da dignidade da pessoa humana.

A garantia do patrimônio mínimo resulta de uma intervenção estatal na autonomia privada do cidadão dirigida a um fim maior, a proteção à dignidade humana (e demais objetivos dela decorrentes, a exemplo daqueles acima mencionados), e, por isso mesmo, tal intervenção afigura-se absolutamente legítima, típica do que Rodrigo da Cunha Pereira [18] convencionou chamar de Estado-protetor, considerado a faceta do Estado responsável pela interferência no âmbito particular em prol do indivíduo obrigado a suportar esta mesma interferência [19].

Por conta disso, pode-se afirmar que a teoria sub examine não afasta o caráter patrimonial das relações jurídicas privadas, isto é, não visa atacar a propriedade privada e o direito creditício, muito pelo contrário, ela apenas provoca uma redefinição, releitura, adaptação destes institutos às novas brisas do Direito Civil-Constitucional, determinando que os mesmos não se sobreponham à dignidade do indivíduo. Melhor comentando esta idéia, Fachin [20] expõe:

Em certa medida, a elevação protetiva conferida pela Constituição à propriedade privada pode, também, comportar tutela do patrimônio mínimo, vale dizer, sendo regra de base desse sistema a garantia ao direito de propriedade não é incoerente, pois, que nele se garanta um mínimo patrimonial. Sob o estatuto da propriedade agasalha-se, também, a defesa dos bens indispensáveis à subsistência. Sendo a opção eleita assegurá-lo, a congruência sistemática não permite abolir os meios que, na titularidade, podem garantir a subsistência.

A teoria do estatuto jurídico do patrimônio mínimo tem como fundamento de partida a regra da proibição da doação universal (doação inoficiosa), segundo a qual é nula a doação de todos os bens sem reserva de parte, ou renda suficiente para a subsistência do doador. Muito embora esta regra humanitária seja antiga, com origens romanas, estando consagrada já no Código Civil de 1916, no seu artigo 1.175, insta salientar que ela somente ganhou destaque depois do advento da Carta Magna de 1988, quando se consagrou o fenômeno da repersonalização do Direito Civil. Antes disso, no Codex de 1916, de tom eminentemente patrimonialista, a regra estava adormecida, praticamente ignorada. Hoje estampada no art. 548 do Código Civil de 2002, passa a ter a atenção que sempre mereceu. É o que leciona o Professor Luiz Edson Fachin [21]:

A nulidade da doação universal dos bens sem reserva de usufruto insere-se no quadro de normas que, a despeito do caráter acentuadamente patrimonialista da doutrina civilista consubstanciada no Código Civil de 1916, já tutelavam, de algum modo, topicamente, direitos fundamentais da pessoa. Em razão do Direito Civil clássico fornecer a estrutura e a legitimação para o modelo liberal, fundado nos princípios da propriedade privada, da autonomia privada e da liberdade formal, essas normas de caráter humanitário permaneceram ofuscadas, podendo renascer, reconstruídas dialeticamente, na tensão contemporânea entre o ‘mundo da vida’ e a racionalidade excludente do mercado globalizante.

Estabelecido esse ponto de partida da sua teoria, o Professor Fachin passa a citar diversos outros exemplos para ilustrá-la. Dentre estes exemplos, talvez o mais conhecido é o do bem de família, que a seguir analisamos de forma muito breve.

O instituto do bem de família existia no ordenamento nacional desde o Código Civil de 1916, onde estava regulado na sua Parte Geral, mais precisamente nos artigos 70 a 73. Destarte, esta previsão legal, além de tímida, contemplava apenas o bem de família convencional, aquele pactuado entre as partes, que, na prática, por óbvio, era pouco utilizado, permanecendo o cidadão, com isso, desprotegido. Nesse contexto, de suma importância foi a promulgação da Lei nº 8.009/90, que traz o conceito de bem de família desvinculado da necessidade de convenção nesse sentido pelos interessados (bem de família legal), garantindo enfim a efetiva proteção ao patrimônio mínimo.

Consagra-se então a regra geral de que o imóvel residencial próprio do casal, ou da entidade familiar, é impenhorável, preservando-se assim um mínimo de patrimônio para o desenvolvimento das atividades humanas.

Acrescente-se ainda que o bem de família (em qualquer modalidade) encontra guarida constitucional, tendo em vista que a Emenda Constitucional nº 26/2000 alterou o artigo 6º do Texto Maior justamente para nele incluir, como direito social, o direito à moradia.

Noutro giro, registre-se também que a jurisprudência pátria, no enfrentamento corriqueiro de questões relacionadas ao bem de família, acabou elastecendo o seu campo de aplicação ao reconhecer como entidades familiares a pessoa solitária (o single) e a comunidade formada por variados parentes, principalmente entre irmãos (família anaparental). Veja-se o posicionamento do Superior Tribunal de Justiça (STJ) a esse respeito, in verbis:

CIVIL. PROCESSUAL CIVIL. LOCAÇÃO. BEM DE FAMÍLIA. MÓVEIS GUARNECEDORES DA RESIDÊNCIA. IMPENHORABILIDADE. LOCATÁRIA/EXECUTADA QUE MORA SOZINHA. ENTIDADE FAMILIAR. CARACTERIZAÇÃO. INTERPRETAÇÃO TELEOLÓGICA. LEI 8.009/90, ART. 1º E CONSTITUIÇÃO FEDERAL, ART. 226, § 4º. RECURSO CONHECIDO E PROVIDO. 1.O conceito de entidade familiar, deduzido dos arts. 1º da Lei 8.009/90 e 226, § 4º da CF/88, agasalha, segundo a aplicação da interpretação teleológica, a pessoa que, como na hipótese, é separada e vive sozinha, devendo o manto da impenhorabilidade, dessarte, proteger os bens móveis guarnecedores de sua residência. (STJ, REsp n. 205.179-SP, DJ de 07.02.2000).

EXECUÇÃO. Embargos de terceiro. Lei nº 8.009/90. Impenhorabilidade. Moradia da família.Irmãos solteiros. Os irmãos solteiros que residem no imóvel comum constituem uma entidade familiar e por isso o apartamento onde moram goza de proteção de impenhorabilidade, prevista na Lei nº 8.009/90, não podendo ser penhorado na execução de dívida assumida por um deles". (STJ, REsp n. 159.851-SP, DJ de 22.06.98).

Ainda no tocante ao bem de família, noticie-se, a título de curiosidade, que o novo Código Civil, não mais na Parte Geral, mas sim no Livro de Direito de Família, mais precisamente nos seus artigos 1.711 a 1.722, é o diploma legal atualmente aplicável ao bem de família convencional, sendo que o novel regramento é mais amplo do que aquele encontrado no Código anterior, contemplando, por exemplo, a possibilidade de instituição do bem de família em bens móveis.

Outros tantos exemplos de patrimônio mínimo são citados pelo Professor paranaense, a saber: a possibilidade de revogação de doação, em caso de recusa de prestação de alimentos, por parte do donatário, que teria o dever e a possibilidade de prestá-los (art. 557, IV do Código Civil de 2002); a incapacidade relativa dos pródigos (art. 4º, IV, do Codex); a vedação de contrato que tenha por objeto a herança de pessoa viva (pacta corvina, art. 426 do Código atual); a cláusula de inalienabilidade testamentária (artigos 1.848 e 1.911 do Código) e a imposição da legítima (art. 1.789 do Código), sendo estes dois últimos exemplos entendidos como proteção não ao titular do patrimônio, mas sim a terceiros.

Saltando os muros do Direito Civil, iremos encontrar no Código de Processo Civil, artigos. 648 e 649, outro exemplo sintomático de aplicação desta teoria, já que tais dispositivos agasalham hipóteses de impenhorabilidade de determinados bens, incluindo a impenhorabilidade dos instrumentos de trabalho (art. 649, VI) e do módulo rural (art. 649, X).

Em analogia à concepção de patrimônio mínimo, Fachin ainda indica o princípio da preservação da empresa como exemplo de aplicação da sua teoria.

Outros tantos exemplos certamente também poderiam ser aqui citados, mas, para evitarmos a exaustão, contentemo-nos com as situações anteriormente analisadas, até porque, como muito bem alertado pelos Professores Cristiano Chaves de Farias e Nélson Rosenvald, "o eventual rol de exemplos não é exauriente, dependendo do caso concreto para que seja delimitada a extensão do patrimônio da pessoa humana, a partir da colisão entre valores patrimoniais destinados à garantia do crédito e valores patrimoniais vocacionados à proteção das situações existenciais, exigindo importante atuação interpretativa e construtiva [22]".

Continuando sob a perspectiva da teoria capitaneada pelo preclaro Professor Luiz Edson Fachin, impende destacar que o conceito de patrimônio mínimo, como já afirmado alhures, é relativo, variável de acordo com a realidade econômica de cada indivíduo, mensurável, portanto, no caso concreto. Isso, porém, não afasta o seu caráter universal, consistente no fato de que ele é aplicável a todos, independentemente da situação financeira do seu titular, pois tal teoria é inteiramente construída a partir do pressuposto de que "não se pode admitir pessoa humana sem patrimônio [23]".

É exatamente este pressuposto que merece ser analisado com vagar. Será que, de fato, todo indivíduo possui patrimônio? E se possui, esse patrimônio tem sempre utilidade prática, independentemente do seu valor e da condição do seu titular?

É o que passamos a apreciar a partir das linhas vindouras.


3. A UNIVERSALIDADE DO PATRIMÔNIO COMO PRESSUPOSTO JURÍDICO DA TEORIA DO ESTATUTO JURÍDICO DO PATRIMÔNIO MÍNIMO: CRÍTICA

É assente na doutrina civilista o entendimento de que todo indivíduo possui patrimônio, ainda que ínfimo ou mesmo negativo (dívidas), compreendido como o conjunto de relações jurídicas apreciáveis economicamente, tanto assim que um dos princípios basilares das obrigações é o de que o patrimônio do devedor responde por suas dívidas (relembrando-se ainda a noção comezinha prevista no art. 1º do Código Civil de que toda pessoa é capaz de direitos e deveres na ordem civil), além do que a dogmática penal nos ensina que os crimes contra o patrimônio, tipificados no Código Penal nos artigos 155 a 183, podem ser cometidos em tese contra qualquer pessoa, desde que, no caso concreto, seja a titular do bem jurídico, por óbvio.

Ilustrando esta noção, a que atribuímos o nome de universalidade do patrimônio (no sentido de acesso a todos os indivíduos, indistintamente), os Professores Cristiano Chaves de Farias e Nélson Rosenvald [24] afirmam que "a pessoa (natural e jurídica) está caracterizada, também, pela titularidade de um patrimônio".

É justamente a partir desta idéia de universalidade do patrimônio que o Professor Luiz Edson Fachin constrói a sua teoria do estatuto jurídico do patrimônio mínimo. Em nosso modesto sentir, data maxima venia, tal idéia não passa de uma ficção, entabulada à época em que vigia a concepção patrimonialista do Direito Civil, segundo a qual os institutos jurídicos eram criados sem levar em consideração a quem verdadeiramente eles se destinavam, a pessoa humana, ou seja, não havia a preocupação de que esta tivesse acesso a tais institutos.

Nessa linha de intelecção, de nada adianta afirmar, por mera ficção jurídica, que todos os indivíduos possuem um patrimônio se, na prática, não é isso que se verifica, principalmente em um país como o Brasil, onde as desigualdades sociais são gritantes e o número de pessoas que vivem abaixo da linha de pobreza somente aumenta, não havendo nenhuma perspectiva de inversão deste quadro.

Por simples amor ao debate, admitindo que todos teriam patrimônio, faz-se imperioso indagar que tipo de patrimônio é esse ou, em outros termos, se esse patrimônio é capaz de suprir as necessidades mais elementares do cidadão, a exemplo de uma alimentação diária satisfatória, moradia, acesso a serviços de saúde e de higiene etc. Se esse patrimônio fosse capaz de suprir tais necessidades, como justificar então o sucesso de programas governamentais assistencialistas (e, muitas vezes, populistas e eleitoreiros, é verdade) como o Fome Zero e o Bolsa Família?

Some-se a isso o fato de que, com o progresso da tecnologia e o conseqüente aumento da produção de bens de consumo, além do incentivo do sistema de vendas a crédito, a dinâmica da Economia, a circulação de grande volume de capitais e a aceleração da velocidade das relações sociais, o conceito de necessidade básica do cidadão, mais do que nunca, tornou-se volátil, de difícil mensuração. Assim, o aludido conceito não mais se restringe às necessidades biológicas e fisiológicas do indivíduo, devendo englobar também determinadas necessidades criadas pela própria sociedade (necessidades culturais), ou alguém ousa negar que, hoje em dia, não é mais possível viver sem acesso a meios de comunicação e telecomunicação, a exemplo da televisão, rádio, telefones fixo e celular e, até mesmo, a rede mundial de computadores (internet), tanto que está em voga o debate acerca da inclusão digital?

Corroborando com o posicionamento ora esposado, Bustamante Salazar [25], citado pelo próprio Professor Fachin, aponta para a existência "no ordenamento jurídico [de] diversas massas patrimoniais ‘desligadas da relação de dependência com nenhum titular’ e que estão adscritas a serviço de um determinado destino" e acrescenta que:

[...] a afirmação de que toda pessoa tem um patrimônio é ridícula, pois a vida demonstra que existem numerosas pessoas sem patrimônio; não se pode dizer seriamente que tenha patrimônio um pobre que não possua mais do que os trapos que veste [...].

Não temos aqui a pretensão de afirmar que o brilhante Professor Fachin não considerou o fato de que certas pessoas simplesmente não possuem patrimônio. Reconhecemos inclusive que, em algumas passagens da sua clássica obra, ele faz um registro acerca desta exceção, como no trecho em que afirma que "Conferir a patrimônio que, minimamente, garanta a sobrevivência de alguém não é proceder que deva relegar a preocupação com aqueles que, no Brasil, nada ou pouquíssimo tem. Tal estatuto de proteção porta a mesma base de idéias dessa tormentosa questão, ainda que não confunda com os mecanismos de acesso aos bens [26]" ou na passagem em que dispara que "A ausência de patrimônio não permite, nem de longe, inferir a invalidade dos postulados aqui sustentados em favor de pessoa. A falta de objeto patrimonial não pode (nem deve jamais) acarretar o não comparecimento da pessoa ao estatuto de sujeito [27]".

Destarte, pelo corte epistemológico traçado pelo autor paranaense no início da obra, fica claro que ele não teve a intenção de trabalhar ao longo da sua tese com a questão do acesso do indivíduo ao patrimônio. Procurou apenas estabelecer como garantia do cidadão o direito a um patrimônio mínimo, daí porque levou em consideração a clássica idéia de universalidade do patrimônio.

Com este trabalho, portanto, não temos a ousadia de criticar o Professor Fachin, muito longe disso. Almejamos simplesmente complementar a sua tese, a qual foi omissa nesse ponto, repita-se, não por falta de visão do autor, mas por conta unicamente das latitudes por ele traçadas para o desenvolvimento da mesma.

E como complemento à teoria do estatuto jurídico do patrimônio mínimo, tem-se a teoria do umbral de acesso ao Direito Civil, que passamos a apreciar no capítulo seguinte.


4. A TEORIA DO UMBRAL DO ACESSO AO DIREITO CIVIL

A teoria do umbral de acesso ao Direito Civil, de autoria do Professor argentino Ricardo Luís Lorenzetti, em sua obra clássica "Fundamentos do Direito Privado", fomentada também em época de despatrimonialização ou repersonalização deste ramo do Direito, vem justamente a exigir que os cidadãos tenham efetivo acesso aos institutos jurídicos, os quais, portanto, não devem ser criados para a satisfação inócua e vazia da dogmática civilista, mas sim para promoção da dignidade dos seus titulares.

Nesse cenário, muito interessante é a analogia feita pelo Professor Lorenzetti para explicar a sua teoria. Segundo ele, o Direito Civil seria como um hotel de luxo, local, em tese, aberto a qualquer pessoa, mas efetivamente freqüentado apenas por aqueles que podem pagar pelo valor da hospedagem. No caso do Direito Civil, menciona-se que o Código Civil de 1916, nas palavras de Gustavo Tepedino [28], consagrava quatro personagens básicos, o marido, o proprietário, o contratante e o testador, já que "estipulava em pormenores as regras sobre o casamento, a aquisição da propriedade, os requisitos de validade dos contratos e as formas de testamento [29]", mas "não se preocupava (...) se as pessoas tinham acesso a tais institutos jurídicos [30]".

Para se tornar marido, por exemplo, era indispensável que o homem convolasse núpcias, pois o casamento era a única forma de legitimar a formação da família (família matrimonializada). Com a finalidade de permitir que todos aqueles que não se casaram pudessem constituir família, a Constituição Federal de 1988, em muito boa hora, em uma nítida aplicação do princípio da dignidade da pessoa humana e da teoria do umbral de acesso ao Direito Civil, consagrou o princípio da pluralidade de formas de família, reconhecendo a união estável e a família monoparental como entidades familiares. Posteriormente, as Leis números 8.971 de 1994 e 9.278 de 1996 trataram detalhadamente da união estável, estando tal espécie de família hoje regulada pelos artigos 1.723 a 1.727 do Código Civil de 2002. Atualmente, presencia-se uma batalha travada pelos homossexuais para que a comunidade formada entre eles também seja reconhecida como mais uma espécie de família [31].

No tocante à aquisição da propriedade, o Código Civil de 1916 era extremamente severo ao exigir longos prazos (20 anos para o usucapião extraordinário e 15 ou 10 anos para o usucapião ordinário) e requisitos rígidos para a caracterização do usucapião. O Texto Maior de 1988, ampliando o acesso do cidadão a este instituto, trouxe novas hipóteses de usucapião, com prazos menores e requisitos mais flexíveis (vide art. 183 – usucapião especial de imóvel urbano; art. 191 – usucapião especial de imóvel rural). Seguindo esta tendência, o Código Civil de 2002 não só repetiu as hipóteses de usucapião criadas pela Constituição (vide artigos 1.239 e 1.240) como também reduziu sensivelmente os prazos para a configuração do usucapião extraordinário (15 anos, podendo ser reduzido para 10, na hipótese do art. 1.238, parágrafo único) e do ordinário (10 anos, podendo ser reduzido para 5, na hipótese do art. 1.242, parágrafo único). Finalmente, o Estatuto da Cidade (Lei nº 10.257/2001) repete a previsão do usucapião especial de imóvel urbano (art. 9º) e traz como novidade o usucapião especial urbano coletivo (art. 10).

Quanto ao bem de família, é digno de destaque o advento da Lei nº 8.009/90, que, criando o instituto do bem de família legal, garantiu a um maior número de famílias a efetiva proteção oferecida por este instituto, o que não ocorria na vigência do Código Civil de 1916, época em que o bem de família convencional ali disciplinado era pouco utilizado na prática.

Registre-se também que, em matéria de Sucessões, o Código Civil de 1916 não reconhecia o cônjuge como herdeiro necessário, o que veio a ocorrer no Codex de 2002, mais precisamente no seu artigo 1.845 [32], em mais uma clara aplicação da teoria do umbral de acesso ao Direito Civil.


5. A TEORIA DO UMBRAL DO ACESSO AO DIREITO CIVIL COMO COMPLEMENTO À TEORIA DO ESTATUTO JURÍDICO DO PATRIMÔNIO MÍNIMO.

Pelo que foi visto ao longo de todo este trabalho, fica fácil concluir que a teoria do umbral de acesso ao Direito Civil deve ser utilizada como um complemento, um aperfeiçoamento da teoria do estatuto jurídico do patrimônio mínimo: de fato, é indiscutível que, com base no princípio constitucional da dignidade da pessoa humana, o ordenamento deve garantir a todos um patrimônio mínimo para atendimento das suas necessidades mais elementares; destarte, para que tal tutela seja alcançada, é indispensável que os cidadãos efetivamente (e não por ficção jurídica, como sói ocorrer) tenham acesso a tal instituto jurídico ou, do contrário, este segunda teoria será absolutamente inócua.

Essa atividade de complemento da teoria do estatuto jurídico do patrimônio mínimo através da teoria do umbral de acesso ao Direito Civil deve ser operada simultaneamente em duas frentes distintas: a legislativa e a judicial.

No âmbito legislativo, o Estado (protetor) deve procurar fomentar a edição de leis que promovam o acesso da pessoa humana aos institutos do Direito Civil (dentre eles o patrimônio), tais como aquelas apreciadas no capítulo anterior, referentes às novas formas de família, à redução dos prazos de usucapião, à criação do bem de família legal e à instituição do cônjuge como herdeiro necessário.

Nesse sentido, impende registrar que há relevantes Projetos de Lei já tramitando no Congresso Nacional que visam justamente atingir este objetivo, a exemplo do Projeto de Lei nº 506/07, que pretende disciplinar legalmente a paternidade sócio-afetiva (fomentando assim um maior acesso de pessoas ao sagrado direito de reconhecimento do seu estado de filiação), e do Projeto de Lei nº 508/07, que almeja atribuir aos companheiros de união estável os mesmos direitos sucessórios hoje garantidos aos cônjuges [33].

No campo judicial, é preciso que a jurisprudência pátria não apenas garanta o direito ao patrimônio mínimo da pessoa humana, mas, sobretudo, profira julgamentos que também promovam o seu efetivo acesso aos institutos civilistas, inclusive o patrimônio, a exemplo dos arestos do STJ transcritos no capítulo 2, que elasteceram o campo de aplicação do bem de família ao reconhecerem como entidades familiares a pessoa solitária (o single) e a comunidade formada por variados parentes, principalmente entre irmãos.

Decisões com este mesmo espírito vêm sendo recentemente proferidas pelos Tribunais ao afastarem a incidência da norma prevista no art. 3º, VII, da Lei nº 8.009/90, que permite excepcionalmente a penhora de bem de família de fiador de contrato locatício, sob o argumento de que tal dispositivo legal afronta os princípios constitucionais da isonomia – art. 5º, caput, CF (já que esta exceção não é aplicada ao locatário) – e da moradia – art. 6º, CF.

A esse respeito, veja-se, por exemplo, trecho da manifestação do eminente Ministro Carlos Velloso, em decisão datada de 25 de abril de 2005, apreciando o RE 352940/SP:

A Lei 8.009, de 1990, art. 1º, estabelece a impenhorabilidade do imóvel residencial do casal ou da entidade familiar e determina que não responde o referido imóvel por qualquer tipo de dívida, salvo nas hipóteses previstas na mesma lei, art. 3º, inciso I a VI.

Acontece que a Lei 8.245, de 18.10.91, acrescentou o inciso VII, a ressalvar a penhora ''por obrigação decorrente de fiança concedida em contrato de locação''.

É dizer, o bem de família de um fiador em contrato de locação teria sido excluído da impenhorabilidade.

Acontece que o art. 6º da C.F., com a redação da EC nº 26, de 2000, ficou assim redigido:

''Art. 6º. São direitos sociais a educação, a saúde, o trabalho, a moradia, a segurança, a previdência social, a proteção à maternidade e à infância, a assistência aos desamparados, na forma desta Constituição''.

Em trabalho doutrinário que escrevi - ''Dos Direitos Sociais na Constituição do Brasil'', texto básico de palestra que proferi na Universidade de Carlos III, em Madri, Espanha, no Congresso Internacional de Direito do Trabalho, sob o patrocínio da Universidade Carlos III e da ANAMATRA, em 10.3.2003 - registrei que o direito à moradia, estabelecido no art. 6º, C.F., é um direito fundamental de 2ª geração - direito social - que veio a ser reconhecido pela EC 26, de 2000.

O bem de família - a moradia do homem e sua família - justifica a existência de sua impenhorabilidade: Lei 8.009/90, art. 1º. Essa impenhorabilidade decorre de constituir a moradia um direito fundamental.

Posto isso, veja-se a contradição: a Lei 8.245, de 1991, excepcionando o bem de família do fiador, sujeitou o seu imóvel residencial, imóvel residencial próprio do casal, ou da entidade familiar, à penhora. Não há dúvida que ressalva trazida pela Lei 8.245, de 1991, - inciso VII do art. 3º - feriu de morte o princípio isonômico, tratando desigualmente situações iguais, esquecendo-se do velho brocardo latino: ubi eadem ratio, ibi eadem legis dispositio, ou em vernáculo: onde existe a mesma razão fundamental, prevalece a mesma regra de Direito. Isto quer dizer que, tendo em vista o princípio isonômico, o citado dispositivo - inciso VII do art. 3º, acrescentado pela Lei 8.245/91, não foi recebido pela EC 26, de 2000. Essa não recepção mais se acentua diante do fato de a EC 26, de 2000, ter estampado, expressamente, no art. 6º, C.F., o direito à moradia como direito fundamental de 2ª geração, direito social. Ora, o bem de família - Lei 8.009/90, art. 1º - encontra justificativa, foi dito linha atrás, no constituir o direito à moradia um direito fundamental que deve ser protegido e por isso mesmo encontra garantia na Constituição.

Em síntese, o inciso VII do art. 3º da Lei 8.009, de 1990, introduzido pela Lei 8.245, de 1991, não foi recebido pela CF, art. 6º, redação da EC 26/2000.

Do exposto, conheço do recurso e dou-lhe provimento, invertidos os ônus da sucumbência.

Publique-se.

Brasília, 25 de abril de 2005.

Ministro Carlos Velloso - Relator.

Corroborando com este entendimento, desse modo também já decidiu o STJ:

PROCESSUAL CIVIL - EMBARGOS À EXECUÇÃO - COISA JULGADA - TERCEIRO - INEXISTÊNCIA - ART. 472 CPC - FIANÇA - OUTORGA UXÓRIA - AUSÊNCIA - INEFICÁCIA TOTAL DO ATO - FIADOR. BEM DE FAMÍLIA. IMPENHORABILIDADE. ART. 3º, VII, DA LEI Nº 8.009/90. NÃO RECEPÇÃO. I - A coisa julgada incidente sobre o processo de conhecimento e conseqüente embargos opostos por um cônjuge não pode atingir o outro, quando este não tiver sido parte naqueles processos. (art. 472, do Código de Processo Civil). II - A ausência de consentimento da esposa em fiança prestada pelo marido invalida o ato por inteiro. Nula a garantia, portanto. Certo, ainda, que não se pode limitar o efeito dessa nulidade apenas à meação da mulher. III - Com respaldo em recente julgado proferido pelo Pretório Excelso, é impenhorável bem de família pertencente a fiador em contrato de locação, porquanto o art. 3º, VII, da Lei nº 8.009/90 não foi recepcionado pelo art. 6º da Constituição Federal (redação dada pela Emenda Constitucional nº 26/2000). Recurso provido. (STJ, REsp 631262/MG, Rel. Min. Felix Fischer, Quinta Turma, j. 02/08/2005, DJU 26.09.2005, p.439).

O Egrégio Tribunal de Justiça de Minas Gerais (TJMG) vem igualmente consolidando esse posicionamento, como pode ser constatado do aresto a seguir transcrito:

EMBARGOS DO DEVEDOR - EXECUÇÃO DE SENTENÇA - PENHORA DE IMÓVEL DO FIADOR - BEM DE FAMÍLIA - DIREITO FUNDAMENTAL GARANTIDO PELA CONSTITUIÇÃO FEDERAL - DESCONSTITUIÇÃO DA PENHORA. Conforme entendimento jurisprudencial atual, tendo a CF/88 conferido ao direito de moradia o status de direito fundamental, não pode prevalecer a regra constante do art.3º, inciso VII da Lei 8.009/90, que permite a penhora do bem residencial do fiador.A penhora do único imóvel residencial do fiador, em razão de dívida oriunda de contrato locatício, configura ofensa ao princípio da isonomia, porquanto não se permite a penhora do bem pertencente ao locatário, devedor principal. (TJMG, 18ª Câmara Cível, Agravo n° 1.0024.05.813335-6/001, Relator Des. Viçoso Rodrigues, j. 27.03.2007, p. 17.04.2007).

Em assim se procedendo, certamente o novo tratamento a ser dado ao estudo dos bens jurídicos trará a verdadeira implementação, na prática, do conteúdo do princípio constitucional da dignidade da pessoa humana, marco revolucionário do fenômeno da despatrimonialização ou repersonalização do Direito Civil.


CONSIDERAÇÕES FINAIS

Foi visto ao longo deste trabalho que, em meio ao contexto de despatrimonialização ou repersonalização do Direito Civil, o insigne Professor paranaense Luiz Edson Fachin engendrou a teoria do estatuto jurídico do patrimônio mínimo, segundo a qual o indivíduo deve ter sempre resguardado um direito ao patrimônio mínimo como meio de se promover a sua dignidade (princípio constitucional da dignidade da pessoa humana, art. 1º, III, CF).

Indubitavelmente, a teoria acima aludida é de extrema relevância para o Direito Civil, sendo responsável por uma remodelagem do estudo dos bens jurídicos nesta seara do Direito.

Não obstante tal relevância, por questões epistemológicas, o autor desta tese acabou adotando como premissa a idéia de que todos os cidadãos possuem patrimônio (concepção universalizante do patrimônio), idéia esta que, a nosso ver, se trata de uma mera ficção jurídica, pois a prática demonstra que inúmeros são os casos de pessoas que não possuem efetivamente qualquer tipo de patrimônio.

Desse modo, tendo em vista que a tese do estatuto jurídico do patrimônio mínimo não abordou a questão do acesso dos indivíduos ao patrimônio, insta recorrer, como complemento a esta tese, à teoria do umbral de acesso ao Direito Civil, concebida pelo Professor argentino Ricardo Luís Lorenzetti, a qual apregoa a necessidade de que o Direito Civil não só crie institutos jurídicos, mas também facilite o acesso de todos a estes institutos.

A aplicação da teoria do umbral do acesso ao Direito Civil como complemento à teoria do estatuto jurídico do patrimônio mínimo deve ser feita tanto no âmbito legislativo como no âmbito judicial, com a criação, respectivamente, de leis (a exemplo da Lei nº 8.009/90, de diversas regras contidas no Código Civil de 2002 e dos Projetos de Lei números 506/07 e 508/07) e de decisões judiciárias (como aquelas proferidas pelo STF, STJ e TJMG em matéria de bem de família, citadas ao longo do trabalho) que fomentem o acesso da pessoa humana aos institutos civilistas, principalmente o patrimônio.

Por óbvio, de nada adianta ter o direito ao patrimônio mínimo se o cidadão não tiver acesso a este patrimônio. Entretanto, como conclusão final deste trabalho, postulamos que, se esta última condição for satisfeita, seja por meio legal, seja por meio judicial, certamente aquela garantia será uma ferramenta valiosíssima para a promoção, na prática, do princípio constitucional da dignidade da pessoa humana.


REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

ALVES, Leonardo Barreto Moreira. A constitucionalização do direito de família. In: JusNavigandi, Teresina, a. 6, n. 52, nov. 2001, disponível em http://jus.com.br/artigos/2441; acesso em 04-01-2003.

________. O reconhecimento legal do conceito moderno de família: o art. 5º, II e parágrafo único, da Lei n. 11.340/2006 (Lei Maria da Penha). In: Jus Navigandi, Teresina, ano 11, n. 1225, 8 nov. 2006, disponível em http://jus.com.br/artigos/9138, acesso 12 nov. 2006.

________. Reformas legislativas necessárias nos Direitos de Família e das Sucessões estão por vir. In: Revista Brasileira de Direito de Família, v. 9, n. 42, Jun./Jul., 2007, p. 131-152.

FACHIN, Luiz Édson. Estatuto Jurídico do Patrimônio Mínimo. 2ª ed. atual. Rio de Janeiro: Renovar, 2006.

FARIAS, Cristiano Chaves. A família da pós-modernidade: em busca da dignidade perdida. In: Revista Persona, Revista Electrónica de Derechos Existenciales, Argentina, n. 9, set. 2002, disponível em http://www.revistapersona.com.ar/9farias.htm; acesso em 04-01-2003.

________; ROSENVALD, Nélson. Direito Civil: teoria geral. 4ª ed. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2006.

________. O novo procedimento da separação e do divórcio (de acordo com a Lei nº 11.441/07). Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2007.

LÔBO, Paulo Luiz Netto. Entidades familiares constitucionalizadas: para além do numerus clausus. In: JusNavigandi, Teresina, ano 6, n. 53, , jan. 2002, disponível em http://jus.com.br/artigos/2552, acesso em 27 outb. 2006.

LORENZETTI, Ricardo Luís. Fundamentos do Direito Privado. São Paulo: RT, 1998.

NUNES, Luiz Antônio Rizzatto. O princípio constitucional da dignidade da pessoa humana: doutrina e jurisprudência. São Paulo: Saraiva, 2002.

ROBERTO, Giordano Bruno Soares. Introdução à História do Direito Privado e da Codificação:uma análise do novo código civil. Belo Horizonte: Del Rey, 2003.

TEPEDINO, Gustavo. Temas de direito civil. 2ª ed. rev. atual., Rio de Janeiro: Renovar, 2001.


Notas

01 Direito civil: parte geral, p. 12-13.

02 Carmem Lúcia Silveira Ramos, A constitucionalização do direito privado e a sociedade sem fronteiras, in Luiz Édson Fachin (coord.), Repensando fundamentos do direito civil brasileiro contemporâneo, p.5.

03 Idéia apregoada por Gustavo Tepedino, in Temas de direito civil, passim.

04 Temas de direito civil, p.2.

05 Ibid., p. 3.

06 Michele Giogianni, Il diritto privato ed i suoi atuali confini, in Rivista trimestrale di diritto e procedura civile, 1961, p. 399 e ss., apud Gustavo Tepedino, Temas de direito civil, 2ª ed. rev. atual., Rio de Janeiro: Renovar, 2001, p. 2.

07 Texto original em alemão: "Das Deutsche Volk bekennt sich darum zu unverletzlichen und unveräuberlichen Menschenrechten als Grundlage jeder menschlichen Gemeinschaft, des Friedens und der Gerechtigkeit in der Welt".

08 O novo procedimento da separação e do divórcio (de acordo com a Lei nº 11.441/07), p. 26-27.

09 O princípio constitucional da dignidade da pessoa humana: doutrina e jurisprudência, p. 45-46.

10 Interpretação constitucional, p. 84.

11 Princípio constitucional da dignidade da pessoa humana, p. 105.

12 Temas de direito civil, p. 328.

13 A família da pós-modernidade: em busca da dignidade perdida, in Revista Persona, Revista Electrónica de Derechos Existenciales, Argentina, n. 9, set. 2002, disponível em http://www.revistapersona.com.ar/9farias.htm, acesso em 04 jan. 2003.

14 Expressão utilizada por Rodrigo da Cunha Pereira e Maria Berenice Dias, in Direito de família e o novo código civil, p.xi.

15 Direito Civil: teoria geral, p. 316.

16 Estatuto jurídico do patrimônio mínimo, p. 11-12.

17 Op. cit., Nota de Informação.

18 Princípios Fundamentais Norteadores do Direito de Família, p. 157.

19 Ainda de acordo com Rodrigo da Cunha Pereira, a outra faceta do Estado seria a de Estado-interventor, o qual comete ingerências indevidas na vida do cidadão, eis que tais ingerências não lhe proporcionam qualquer benefício, muito pelo contrário, apenas o prejudicam, a exemplo da exigência da prova da culpa nas ações de separação judicial litigiosa (separação-sanção).

20 Op. cit., p. 232.

21 Op. cit., p. 100.

22 Op. cit., p. 316.

23 Roberto Senise Lisboa, Manual Elementar de Direito Civil, p. 116, apud Cristiano Chaves de Farias e Nélson Rosenvald, Direito Civil: teoria geral, p. 316.

24 Direito Civil: teoria geral, p. 312.

25 El patrimônio: dogmática jurídica. Santiago: Jurídica Del Chile, 1979, apud Estatuto Jurídico do Patrimônio Mínimo, p. 38.

26 Estatuto Jurídico do Patrimônio Mínimo, p. 286.

27 Op. cit., p. 290.

28 Temas de direito civil, passim.

29 Giordano Bruno Soares Roberto, Introdução à História do Direito Privado e da Codificação: uma análise do novo código civil, p. 95.

30 Ibidem, mesma página.

31 A nosso ver, o reconhecimento da união homoafetiva enquanto entidade familiar ocorreu no plano legislativo com o advento do art. 5º, II e parágrafo único, da Lei nº 11.340, de 07 de agosto de 2006. A esse respeito, recomendamos a leitura do nosso O reconhecimento legal do conceito moderno de família: o art. 5º, II e parágrafo único, da Lei n. 11.340/2006 (Lei Maria da Penha), in JusNavigandi, Teresina, ano 11, n. 1225, 8 nov. 2006, disponível http://jus.com.br/artigos/9138, acesso em 08.11.2006.

32 Ressalte-se, entretanto, que o Projeto de Lei nº 508/07, de autoria do Deputado Sérgio Barradas Carneiro (PT/BA), pretende excluir o cônjuge do rol de herdeiros necessários previsto no art. 1.845.

33 Para uma melhor análise destes Projetos de Lei, recomendamos a leitura do nosso Reformas legislativas necessárias nos Direitos de Família e das Sucessões estão por vir, in Revista Brasileira de Direito de Família, v. 9, n. 42, Jun./Jul., 2007, p. 131-152.


Autor

  • Leonardo Barreto Moreira Alves

    Promotor de Justiça do Ministério Público do Estado de Minas Gerais Bacharel em Direito pela Universidade Federal da Bahia (UFBA) Especialista em Direito Civil pela PUC/MG Mestre em Direito Privado pela PUC/MG Professor de Direito Processual Penal de cursos preparatórios Professor de Direito Processual Penal da Fundação Escola Superior do Ministério Público de Minas Gerais (FESMPMG) Membro do Conselho Editorial do Ministério Público do Estado de Minas Gerais Membro do Conselho Editorial da Revista de Doutrina e Jurisprudência do Tribunal de Justiça do Distrito Federal e dos Territórios

    Textos publicados pelo autor

    Fale com o autor

    Site(s):

Informações sobre o texto

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

ALVES, Leonardo Barreto Moreira. A teoria do umbral do acesso ao Direito Civil como complemento à teoria do estatuto jurídico do patrimônio mínimo. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 12, n. 1535, 14 set. 2007. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/10406. Acesso em: 18 abr. 2024.