Este texto foi publicado no Jus no endereço https://jus.com.br/artigos/10511
Para ver outras publicações como esta, acesse https://jus.com.br

Princípio da unidade de convicção e ação acidentária, carga eficacial da sentença trabalhista que reconhece o vínculo e reflexos previdenciários.

Duas angustiantes questões para o trabalhador brasileiro

Princípio da unidade de convicção e ação acidentária, carga eficacial da sentença trabalhista que reconhece o vínculo e reflexos previdenciários. Duas angustiantes questões para o trabalhador brasileiro

Publicado em . Elaborado em .

Qualquer jurisdicionado não conseguiria entender esse paradoxo, se numa das justiças competentes para "acidente do trabalho" for considerado como vitimado e na outra não tiver sofrido qualquer sinistro.

1.Generalidades

A despeito de o sistema jurídico pátrio trazer um viés protetivo ao hipossuficiente, o que se tem visto, na realidade, e com muita tristeza, é a depauperação dos direitos dos trabalhadores que, em última análise, são segurados da Previdência Social brasileira (art. 12, da Lei n. 8.212/91).

Bem por isso que há, no plano fático, duas tormentosas situações, quais sejam: a) hodiernamente, a persistir o posicionamento de que as ações acidentárias haverão de ser analisadas e julgadas pela Justiça Estadual, quando propostas em desfavor do INSS, nada obstará que outro seja o entendimento da justiça laboral no momento em que o empregado buscar reparação de tal infortunística em face de seu empregador; b) reconhecido o vínculo de trabalho pela justiça especializada, nenhum tem sido o valor desse ato sentencial perante a autarquia previdenciária, já que a execução de ofício dessas contribuições vem se referindo apenas às verbas elencadas na decisão trabalhista, e, devido a isso, o segurado não aufere, quanto ao benefício previdenciário, esse interstício declarado na totalidade por esta Colenda Justiça.

Qualquer jurisdicionado, em sã consciência, não conseguiria entender esses dois elementares paradoxos: a) quanto à justiça competente para dirimir a globalidade da ocorrência "acidente do trabalho", se em uma delas for considerado como vitimado por tal infausto e na outra não ter sofrido qualquer sinistro; b) ser tido na conta de trabalhador de alguém, por imperativo de uma sentença, e ao mesmo tempo não lograr o auferimento desse tempo mourejado perante o INSS, isto é, ver-se operário pela lira da Poder Judiciário, porém não ser tido na conta de segurado no átrio da previdência social.

Essas indagações, mais do que o ofertamento a uma taxonomia lógica, devem ser encaradas como a busca da satisfação da própria dignidade do trabalhador e a meta maior da consagração da valorização social do trabalho (arts. 7º. e 170, da Lei das Leis), sem perder de vista que a resposta a elas poderá significar maior ou menor crédito a integralidade de uma tutela jurisdicional otimizada.

Abebera-se da doutrina de Flávia Piovesan, em seu livro Temas de direitos humanos; São Paulo: Max Limonad, 2003, p. 390:

"Por tamanha envergadura, afirma-se, no entendimento mais engajado com a ordem constitucional implantada, que "principio constitucional que é, o respeito à dignidade da pessoa humana obriga irrestrita e incontornavelmente o Estado, seus dirigentes e todos os atores da cena política governamental, pelo que tudo que o contrarie é juridicamente nulo".

Assim sendo, este modesto escrito, timbrado que é pela limitação de seu próprio autor, intenta promover, na mente dos operadores jurídicos, a grandeza e a responsabilidade que o temário em comento desafia, máxime para que, sem utopia, abeire-se o máximo possível do que se pode cognominar de Estado Democrático de Direito, preconizado no art. 1º, da Lex Legum.

Perora-se com a imorredoura lição de Norberto Bobbio (in: A Era dos Direitos 3ª. ed., Rio de Janeiro: Campus, 2004), que assenta: "O problema fundamental em relação aos direitos do homem, hoje, não é tanto o de justificá-los, mas o de protegê-los. Passa da problemática filosófica para a política".


2.Da competência da Justiça do Trabalho para o processamento de lides acidentárias em que se tenha o INSS como parte passiva. Homenagem a uma exegese constitucional balizada no princípio da unidade de convicção.

Principia-se por assercionar que na atual Constituição Federal, em momento algum, tem-se o cometimento da competência para os litígios acidentários típicos (previdenciários) como sendo da Justiça Estadual. O que se vislumbra, a bem da verdade, é que a Justiça Federal Comum não é a adequada para a apreciação de tais demandas, como exsurge da exceção contida no art. 109, I, da Carta Política.

Essa particularidade, aliás, fora apreendida pelo ínclito Min. Sepúlveda Pertence, quando do exame do CC 7204 MG, ao enfatizar:

"Acontece que essa interpretação era tipicamente o que Barbosa Moreira chama de "interpretação retrospectiva", que não observou que, quando se firmou, por exemplo, a Súmula nº 235, não havia apenas a regra excludente da competência da Justiça Federal, mas, também, o art, 123 da Constituição de 1946, o art. 134, § 2º, da Constituição de 1967, e o art. 142, § 2º, da Carta de 1969, isto é, havia também uma outra norma excludente, no capítulo da Justiça do Trabalho, para deixar explícito que a ela não competiria, mas, sim, à Justiça comum dos Estados e do Distrito Federal o julgamento das ações de acidente de trabalho."

Ora, se inexiste norma constitucional que vede à Justiça do Trabalho competência para julgar ações acidentárias promovidas em face do INSS e, sobremais disso, inocorre igualmente qualquer preceito que afete à Justiça Estadual o exame de tais conflitos de interesses, aquilata-se, com meridiana facilidade, que o art. 109, I, da Lei Maior apenas afasta a competência da Justiça Federal Comum, porque a Justiça do Trabalho, igualmente federal, tão somente especializada, pode – e deve – sindicar tudo o que dimana do elemento trabalho, inclusive os fatos danosos dele decorrentes, seja em nível de acidente típico ou mesmo no campo das doenças ocupacionais que equivalham àquele (arts. 19 e 20, da Lei n. 8.213/91).

Sem desmerecer a magistratura brasileira como um todo, é de sabença comum que o juiz do trabalho detém, desde seu recrutamento, um ideário de protetividade aos direitos individuais e sociais dos obreiros, ou seja, foca-se no resguardo de toda e qualquer artimanha que venha a fragilizá-los, conferindo a real dimensão do art. 170 da Carta da República.

Não é à toa que o lente, atual ministro do Supremo Tribunal Federal, Eros Grau, no seu compêndio "A Ordem Econômica na Constituição de 1988". 9ª. ed. São Paulo: Malheiros, 2004, p. 157, 175 e 182, afirmou:

"Que a nossa Constituição de 1988 é uma Constituição dirigente, isso é, inquestionável. O conjunto de diretrizes, programas e fins que enuncia, a serem pelo Estado e pela sociedade realizados, a ela confere o caráter de plano global normativo, do Estado e da sociedade. O seu art. 170 prospera, evidenciadamente, no sentido de implantar uma nova ordem econômica." (...) "- a ordem econômica na Constituição de 1988 contempla a economia de mercado, distanciada porém do modelo liberal puro e ajustada à ideologia neoliberal (Washington Peluso Albino de Souza); a Constituição repudia o dirigismo, porém acolhe o intervencionismo econômico, que não se faz contra o mercado mas a seu favor (Tércio Sampaio Ferraz Júnior); a Constituição é capitalista, mas a liberdade apenas é admitida enquanto exercício no interesse da justiça social e confere prioridade aos valores do trabalho humano sobre todos os demais valores da economia de mercado (Jose Afonso da Silva); (...) "... particularmente o que define como fim da ordem econômica (mundo do ser) assegurar a todos existência digna – resulta que valorizar o trabalho humano e tomar como fundamental o valor social do trabalho importa em conferir ao trabalho e seus agentes (os trabalhadores) tratamento peculiar." (A grafia em itálico pertence ao autor da obra referida, contudo parênteses, reticências e negritos são originários deste escritor).

Identicamente, no plano previdenciário, encontra-se, como paradigma ancilar, o vértice do resguardo à pessoa do segurado (arts. 1º. e 2º., da Lei 8.213/91), o que recomenda uma hermenêutica diferenciada no trato de tão sensível questão, em que, na maioria das vezes, está-se diante de cidadãos alquebrados por doença ou por idade.

De jeito que a justiça especializada está guarnecida, tanto pelo mote do zelo, na delicada ocorrência da verificação do acidente do trabalho, tendo em mira o obreiro vitimado e todos os matizes daí decorrentes, quanto pela senda da formação de seus julgadores, sempre atentos à proteção integral dos direitos fundamentais (dignidade humana e valorização social do trabalho).

Nesta esteira verbera Ingo Wolfgang Sarlet, in A eficácia dos direitos fundamentais. 5ª. ed., Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2005, p.56, litteris:

"Os direitos da segunda dimensão podem ser considerados uma densificação do princípio da justiça social, além de corresponderem às reivindicações das classes menos favorecidas, de modo especial da classe operária, a título de compensação, em virtude da extrema desigualdade que caracterizava (e de certa forma, ainda caracteriza) as relações com a classe empregadora, notadamente detentora de um maior ou menor grau de poder econômico".

Não é à toa que o Supremo Tribunal Federal, quando em momento antecedente havia reconhecido que o signo acidente do trabalho haveria de ser curado pela Justiça Estadual, revisitara seu entendimento como se espraia desta ementa:

"CONSTITUCIONAL. COMPETÊNCIA JUDICANTE EM RAZÃO DA MATÉRIA. AÇÃO DE INDENIZAÇÃO POR DANOS MORAIS E PATRIMONIAIS DECORRENTES DE ACIDENTE DO TRABALHO, PROPOSTA PELO EMPREGADO EM FACE DE SEU (EX-)EMPREGADOR. COMPETÊNCIA DA JUSTIÇA DO TRABALHO. ART. 114 DA MAGNA CARTA. REDAÇÃO ANTERIOR E POSTERIOR À EMENDA CONSTITUCIONAL Nº 45/04. EVOLUÇÃO DA JURISPRUDÊNCIA DO SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL. PROCESSOS EM CURSO NA JUSTIÇA COMUM DOS ESTADOS. IMPERATIVO DE POLÍTICA JUDICIÁRIA. Numa primeira interpretação do inciso I do art. 109 da Carta de Outubro, o Supremo Tribunal Federal entendeu que as ações de indenização por danos morais e patrimoniais decorrentes de acidente do trabalho, ainda que movidas pelo empregado contra seu (ex-)empregador, eram da competência da Justiça comum dos Estados-Membros. 2. Revisando a matéria, porém, o Plenário concluiu que a Lei Republicana de 1988 conferiu tal competência à Justiça do Trabalho. Seja porque o art. 114, já em sua redação originária, assim deixava transparecer, seja porque aquela primeira interpretação do mencionado inciso I do art. 109 estava, em boa verdade, influenciada pela jurisprudência que se firmou na Corte sob a égide das Constituições anteriores. 3. Nada obstante, como imperativo de política judiciária -- haja vista o significativo número de ações que já tramitaram e ainda tramitam nas instâncias ordinárias, bem como o relevante interesse social em causa --, o Plenário decidiu, por maioria, que o marco temporal da competência da Justiça trabalhista é o advento da EC 45/04. Emenda que explicitou a competência da Justiça Laboral na matéria em apreço. 4. A nova orientação alcança os processos em trâmite pela Justiça comum estadual, desde que pendentes de julgamento de mérito. É dizer: as ações que tramitam perante a Justiça comum dos Estados, com sentença de mérito anterior à promulgação da EC 45/04, lá continuam até o trânsito em julgado e correspondente execução. Quanto àquelas cujo mérito ainda não foi apreciado, hão de ser remetidas à Justiça do Trabalho, no estado em que se encontram, com total aproveitamento dos atos praticados até então. A medida se impõe, em razão das características que distinguem a Justiça comum estadual e a Justiça do Trabalho, cujos sistemas recursais, órgãos e instâncias não guardam exata correlação. 5. O Supremo Tribunal Federal, guardião-mor da Constituição Republicana, pode e deve, em prol da segurança jurídica, atribuir eficácia prospectiva às suas decisões, com a delimitação precisa dos respectivos efeitos, toda vez que proceder a revisões de jurisprudência definidora de competência ex ratione materiae. O escopo é preservar os jurisdicionados de alterações jurisprudenciais que ocorram sem mudança formal do Magno Texto. 6. Aplicação do precedente consubstanciado no julgamento do Inquérito 687, Sessão Plenária de 25.08.99, ocasião em que foi cancelada a Súmula 394 do STF, por incompatível com a Constituição de 1988, ressalvadas as decisões proferidas na vigência do verbete. 7. Conflito de competência que se resolve, no caso, com o retorno dos autos ao Tribunal Superior do Trabalho." (CC 7204/MG, Rel.: Min. CARLOS BRITTO, J.: 29/06/2005, Tribunal Pleno, DJ 09.12.2005, p. 5)

Feita esta necessária digressão, merece ser observado, também, que seria tenebroso que dois órgãos distintos do Poder Judiciário, mesmo frente a um evento único (acidente do trabalho), pudessem concluir de modo díspar ou, em bom vernáculo, apontar que o mesmo trabalhador em uma província jurisdicional fosse tido como envolto no pálio acidentário e em outra reconhecesse que o dito obreiro não estaria jungido a esse malogro.

De há muito se tem consciência que, no campo ortodoxamente processual, nada impede que existam provimentos incompatíveis entre si, como resta sinalizado por Ernane Fidelis dos Santos, em sua obra Manual de Direito Processual Civil, vol. I, 7ª ed., 1999, Ed. Saraiva, pp. 9 e 10:

"O que importa na jurisdição é a função de regular a situação concreta, nada mais. Daí não serem absurdas, sob o aspecto lógico, as contradições que possam surgir em dois ou mais julgamentos, quando os efeitos práticos de um não excluírem os do outro. Dois funcionários públicos, dentro das mesmas condições, foram exonerados por ato do Governador do Estado. Separadamente, socorreram-se ao Poder Judiciário. O primeiro logrou êxito; o ato governamental foi julgado ilegal. O segundo não teve a mesma sorte; o juiz que conheceu o pedido julgou-o improcedente, considerando legal o ato do Executivo. Duas causas, fundamentação e pedidos idênticos, mas sem manterem a identidades de partes, tiveram destinos diversos. O primeiro julgamento, porém, não conflita com o segundo nos seus efeitos práticos. Daí, sob o aspecto processual, ter cada um sua validade real, com efeitos determinados e não conflitantes. (...) Aconselha-se o julgamento conjunto de causas conexas, não porque possa haver interferência de um feito no outro, mas para evitar decisões conflitantes nos fundamentos que, de alguma forma, podem causar desprestígio à justiça."

Porém, no patamar ontológico, tal cometimento não é de bom tom e mais recentemente em que se visualiza o processo como veículo que almeja a obtenção de uma decisão justa, isto é, quando se colima a maior gama de resultado possível, impensável se torna albergar veredictos contraditórios sob pena de vilipêndio ao princípio da unidade de convicção.

Neste rumo é a lição do professor Cândido Rangel Dinamarco, em sua obra Instituições de Direito Processual Civil, vol. I, 3ª ed., Malheiros Editores, p. 108:

"Diferente é o posicionamento moderno, agora girando em torno da idéia do processo civil de resultados. Consiste esse postulado na consciência de que o valor de todo sistema processual reside na capacidade, que tenha, de propiciar ao sujeito que tiver razão uma situação melhor do que aquela em que se encontrava antes do processo. Não basta o belo enunciado de uma sentença bem estruturada e portadora de afirmações inteiramente favoráveis ao sujeito, quando o que ela dispõe não se projetar utilmente na vida deste, eliminando a insatisfação que o levou a litigar e propiciando-lhe sensações felizes pela obtenção da coisa ou da situação postulada."

O esteio, o axioma mesmo da segurança jurídica, que sustenta uma prestação jurisdicional compreensível pelo consumidor dela, está fincado no cânone da unidade de convencimento.

A respeito da unicidade de cognição, colaciona-se o registro de Iolmar Alves Baltazar, na matéria intitulada "A nova Justiça do Trabalho e a noção de totalidade concreta", publicada no site Jus Navigandi nº 1019 (16.4.2006); elaborado em 01.2006; acessado em 15.08.06, ao vaticinar que:

"Segundo o princípio da unidade de convicção, como enunciado e formulado pelo Ministro Cezar Peluzo no CC nº 7.204-1, "não convém que causas, com pedidos e qualificações jurídicos diversos, mas fundadas no mesmo fato histórico, sejam decididas por juízos diferentes". Nesse sentido, conclui o Ministro Peluzo que se o mesmo fato houver de ser submetido à apreciação jurisdicional por mais de uma vez, o mais razoável é que o seja pelo mesmo ramo judiciário, "por conta dos graves riscos de decisões contraditórias, sempre ininteligíveis para os jurisdicionados e depreciativas para a justiça"."

Não se tem qualquer dúvida que um trabalhador que ingressasse com duas demandas – uma na faina da Justiça Estadual, postulando benefício acidentário a ser prestado pela Autarquia Previdenciária e outra perante a Justiça do Trabalho, pugnando reparação dos danos decorrentes do malsinado ato, agora desejoso de que seu ex-empregador viesse ressarci-lo –, não compreenderia se aquela primeira afastasse a capitulação do acidente, mormente porque esta última estaria esvaziada para julgar com cognição exauriente este mesmo ponto fático.

Esta, inclusive, foi a alumiada impressão do magistrado laboral mineiro Julio Bernardo do Carmo, na matéria "Da competência da Justiça do Trabalho para apreciar e julgar pedidos de indenização por danos materiais e morais decorrentes de acidente de trabalho. Competência absoluta ou condicionada?", inserido no Jus Navigandi nº 736 (11.7.2005); elaborado em 06.2005; acessado em 15.08.2006, ao pontificar:

"E assim era porque se a competência genuína e originária para apreciar todo e qualquer litígio que tivesse como substrato jurídico o acidente de trabalho era da Justiça Comum, a quem compete inclusive pronunciar-se sobre a caracterização ou não do próprio acidente do trabalho no plano fático-jurídico e uma vez tendo decidido, e.g., aquele segmento do Poder Judiciário pela ocorrência ou inocorrência do acidente de trabalho, que margem de decisão sobraria para a Justiça do Trabalho apreciar o mesmo fato em face de empregador, qual seja, a caracterização ou não do acidente de trabalho ? A rigor, nenhuma. A não ser que, ferindo-se o princípio da unidade de convicção, pronunciasse existir o acidente de trabalho quando este foi tido por inexistente pela Justiça Comum ou pronunciasse inexistente o mesmo fato quando na Justiça Comum tal fato foi dado por incontroverso."

Inobstante, logicamente até mesmo por refugir do thema decidendum do CC 7204 MG, o preclaro Min. Carlos Britto enveredara-se pela competência da Justiça Estadual para volver a casuística acidentária que se relacione com o INSS. Não deixara, por outro lado, de esboçar interessante excerto, ao afirmar que:

"A causa e seu efeito. Porque sem o vínculo trabalhista o infortúnio não se configuraria; ou seja, o acidente só é acidente de trabalho se ocorre no próprio âmago da relação laboral. (...) Aspecto em que avulta a especialização mesma de que se revestem os órgãos judicantes de índole trabalhista. É como dizer: órgãos que se debruçam cotidianamente sobre os fatos atinentes à relação de emprego (muitas vezes quanto à própria existência dela) e que por isso mesmo detêm melhores condições para apreciar toda a trama dos delicados aspectos objetivos e subjetivos que permeiam a relação de emprego." (ausentes da fonte reticências que estão encartadas dentro do parêntese).

Portanto, a relação-base, a matriz de um acidente do trabalho, é o desempenho da atividade laboral, de sorte que o reflexo previdenciário é de natureza secundária e, dito isto, se torna impensável que a Justiça do Trabalho possa aquilatar a própria causa fundante (relação de trabalho) e por uma contradição inexplicável, não possua competência para verificar um espectro acessório dela decorrente, qual seja, as conseqüências jurídicas emergentes do cometimento acidentário.

Como bem defende o mestre Sebastião Geraldo de Oliveira, na obra ‘Indenizações por acidente do trabalho ou doença ocupacional’. São Paulo: Ltr, 2005 Capítulo 11 pp. 263-288, pode-se inferir que, quando se trata da competência para julgar acidente de trabalho, raciocínio que se aplica ao caso em tela, ou seja, a de que o princípio do Juiz Natural é frontalmente agredido quando pontuamos por duas competências para julgar as demandas oriundas da relação de trabalho, gênero da qual o acidente de trabalho é espécie, a hermenêutica ensina que, se o gênero está completado, não há necessidade de numerar as espécies.

Socorre-se, por oportuno, como elemento argumentativo do que está grafado no art. 108, do Código de Processo Civil, assim vazado: "A ação acessória será proposta perante o juiz competente para a ação principal.".

Bem se observa, então, que o sistema jurídico, seja no prisma constitucional, seja na esfera da lei federal, preocupa-se com a unidade de convicção, já que evidencia que as lides acessórias hajam de ser apreciadas pelo juízo do feito principal e, como asseverado dantes, o acidente do trabalho é reflexo do próprio mourejar e, com isso, se está a pontuar que, se se estivesse diante de dois círculos concêntricos, vislumbrar-se-ia que o maior dele é o que enfeixa a relação de trabalho, conquanto o menor volta-se a uma situação episódica, mas dela decorrente, desembocadora do ato acidental, que este último encontra-se umbilicalmente atrelado ao desempenho funcional.

Passando adiante, ainda tomando de empréstimo a figura geométrica acima referida, isto é, o círculo afeto ao acidente do trabalho, não se tem como elocubrar distinção do fato histórico "acidente do trabalho para fins trabalhistas" e "acidente do trabalho para persecução previdenciária".

Essa realidade – acidente do trabalho – é única, e não se cansa de repetir, defluente da atividade desempenhada pelo prestador de serviços. Logo, não se pode conceber que duas justiças distintas examinem o mesmo punctum saliens, a menos que se dê de ombros ao primado constitucional da segurança jurídica, que, em última instância, é a clava da certeza que o Direito, por intermédio de seu feixe de normas, deve entregar a todos aqueles que venham reclamar algum bem da vida em juízo.

Esse quadrante não passou despercebido ao processualista de escol Arruda Alvim (apud JORGE, Flávio Cheim, em seu livro "Recurso especial com fundamento na divergência jurisprudencial". In: NERY JUNIOR, Nelson; WAMBIER, Teresa Arruda Alvim (coord.). Aspectos polêmicos e atuais dos recursos cíveis. São Paulo: RT, 2001. p.382):

"A diversidade de interpretações implica que um dos valores funcionais do Direito, a certeza, seja abalado. E quanto mais variadas forem as correntes de pensamento a respeito de uma mesma lei, tanto mais seriamente ficará despida de certeza aquela lei e, conseqüentemente, nessa escala, essa circunstância contribui para que o direito não tenha o grau de certeza desejável, pois, como se sabe, a linguagem do direito é a lei. Assim, é, igualmente, de todos os tempos a preocupação dos sistemas jurídicos em encontrar técnicas conducentes a se conseguir, o quanto isto seja possível, um só entendimento a respeito de um mesmo texto de lei. Pode-se dizer que a lei é vocacionada a ter um só entendimento, dentro de uma mesma situação histórica. A diversidade de entendimentos, na mesma conjuntura histórica, compromete o valor da certeza (do Direito). (as palavras em itálico pertencem ao autor originário).

De modo similar, com a lente do magistério que sempre guiou o venerável Ministro Cézar Peluso, mesmo nas épocas de suas tertúlias jurídicas perante a inolvidável PUC/SP, quando seu brilho acadêmico amalgamava uma visão pragmática e social do fenômeno jurídico, no caso em apreço, não deixara passar despercebido o vulto do tema aqui analisado, pois, da altura de sua cátedra, fez ressumar esta lira:

"Recebi, depois, um trabalho muito bem fundamentado e muito bem documentado de um juiz do TRT de Minas Gerais, Dr. Sebastião Geraldo de Oliveira, cujas considerações levaram-me a rever aquela posição. E tal posição, que teve modesta influência no teor do acórdão, baseou-se no princípio fundamental da chamada unidade de convicção, segundo o qual, por conta dos graves riscos de decisões contraditórias, sempre ininteligíveis para os jurisdicionados e depreciativas para a Justiça, não convém que causas, com pedidos e qualificações jurídicos diversos, mas fundadas no mesmo fato histórico, sejam decididas por juízos diferentes. O princípio, a meu ver, é irretocável e ainda é o que deve presidir a solução da questão da competência neste caso."

Outro argumento, a nosso sentir, fortíssimo na trilha de que competente é a Justiça do Trabalho para dirimir ações acidentárias forradas, também, em desfavor da autarquia federal, é a possibilidade desta última aforar regressivamente demanda contra o empregador do obreiro vitimado como emerge da literalidade do art. 120, da Lei 8.213/91, assim redigido: "Nos casos de negligência quanto às normas padrão de segurança e higiene do trabalho indicados para a proteção individual e coletiva, a Previdência Social proporá ação regressiva contra os responsáveis.".

Seria de todo paradoxal que, por exemplo, a Justiça laboral reconhecesse a existência de acidente do trabalho no litígio formatado entre empregado e empregador, baseando-se no fato de que o mesmo ocorrera dada a ausência de equipamento de segurança, que haveria de ter sido fornecido pelo patrão e, coincidentemente, a Justiça Estadual não vislumbrasse tal lesão para fins previdenciários. Mesmo assim, a Previdência Social poderia ou não voltar-se contra o empregador? Se a resposta for negativa, apenas se terá como fundamento o fato de não ter sido vertida qualquer verba pública em prol do segurado, mas não tendo em vista a inocorrência de acidente do trabalho.

Práticas tais, evidentemente, enfraqueceriam o contido no art. 120 da Lei de Benefícios, que, acima de tudo, tenciona coibir a ocorrência de acidente de trabalho, nunca apenas preocupada, tão somente, com o fator desembolso pelo INSS, porém, anelando a higidez física dos obreiros. Isso somente seria alcançado a contento se o acidente do trabalho, como um todo, tiver tratamento por apenas um órgão jurisdicional.

Somente se assegurará inelutável carga eficacial das normas constitucionais, máxime as que protegem a dignidade da pessoa humana e a valorização social do trabalho, se se enveredar pela porta única da justiça obreira para analisar o acidente do trabalho como um todo, já que assim poder-se-á assercionar em uma real eficácia social da norma.

Passar ao largo deste quadrante hermenêutico seria mitigar o texto constitucional retirando parte de sua efetividade, diminuindo o potencial do intentado pela Emenda Constitucional 45/2004, que redesenhara o art. 114, da Lei Mater, que, por certo, não se trata de mera sugestão ao seus aplicadores.

Para tanto, nos socorremos do douto Luís Roberto Barroso, na obra "O direito constitucional e a efetividade de suas normas – limites e possibilidades da Constituição brasileira". 8ª. ed., Rio de Janeiro: Renovar, 2006, p. 288, ao obtemperar que:

"Não é próprio de uma norma jurídica sugerir, recomendar, aconselhar, alvitrar. Normas jurídicas e, ipso facto, normas constitucionais contêm comandos, mandamentos, ordens, dotados de força jurídica e não apenas moral.".

E complementa o mesmo autor, ob. cit., p. 290, afirmando que a norma possui "um quarto plano que por longo tempo fora negligenciado: o da efetividade ou eficácia social da norma. A idéia de efetividade expressa o cumprimento da norma, o fato real de ela ser aplicada e observada, de uma conduta humana se verificar na conformidade de seu conteúdo (o autor faz citação nota de rodapé Miguel Reale, Lições preliminares de direito, 1973, p. 135. Hans Kelsen, Teoria pura do direito, 1979, pp. 29-30). Efetividade, em suma, significa a realização do Direito, o desempenho concreto de sua função social. Ela representa a materialização, no mundo dos fatos, dos preceitos legais e simboliza a aproximação tão intima quanto possível, entre o dever-ser normativo e o ser da realidade social." (grifou-se)

Na mesma pegada, apoiando-se Flávia Piovesan, ob. cit. pp. 396-397:

"Ao concordar com a mais atualizada doutrina brasileira e estrangeira, no sentido de que "não há dispositivo constitucional despido de normatividade", e que a própria normatividade não vem no Texto mesmo, sendo antes o resultado de um complexo procedimento que envolve a minudente análise quer do caso concreto, quer da norma que se lhe julgue aplicável, a imperatividade – a força normativa – que se reclama da Constituição depende umbilicalmente do seguimento e aplicação de seus princípios fundamentais; dentre eles, principalmente, da intangibilidade do respeito à dignidade da pessoa humana. (sublinhou-se)

E continua a eminente professora:

"O que deve, então, vingar, a bem da efetiva implementação de todos os ditames constitucionais, é mesmo o entendimento de que seus princípios constitucionais fundamentais valem como lei – lei constitucional. Possuem "eficácia jurídica positiva ou simétrica, pois criam, sim, direito subjetivo ao cidadão, possibilitando exigir judicialmente a produção daqueles efeitos. E para tanto, é que se reclama a hermenêutica concretizadora, que culmine por prestigiar a força normativa dos princípios constitucionais fundamentais, otimizando a força expansiva do principio da dignidade humana." (destacou-se)

Prossegue, ainda, a notável escritora:

"Afirma o Ministro Celso de Mello que: "Todos os atos estatais que repugnem à Constituição expõem-se à censura jurídica – dos Tribunais especialmente – porque são írritos, nulos e desvestidos de qualquer validade. A Constituição não pode submeter-se a vontade dos poderes constituídos e nem ao império dos fatos e das circunstâncias. A supremacia de que ela se reveste – enquanto for respeitada – constituirá a garantia mais efetiva de que os direitos e as liberdades não serão jamais ofendidos. Ao Supremo Tribunal Federal incumbe a tarefa, magna e eminente, de velar por que essa realidade não seja desfigurada." Se assim o é, não se pode negar que a supremacia da Constituição inicia-se por seus princípios fundamentais, tendo ao centro a dignidade do ser humano. Não como critério somente interpretativos, e sim, como normas constitucionais, incondicionalmente determinantes ao sistema brasileiro."

Conclui-se que a competência residual das ações acidentárias propostas em face da Previdência Social radica-se na Justiça do Trabalho, pois que, assim o sendo resguardado, encontrar-se-ão, acima de tudo, os princípios da segurança jurídica e da unidade de convicção, nortes que jamais devem ser olvidados pelos operadores do Direito sob pena de se ter a jurisdição, em bastas vezes, não como o ápice de resultados e, sim, marcada de indelével ficção.


3.Da força probante das sentenças trabalhistas que reconhecem vínculo no átrio previdenciário. Abrangência da execução de ofício levada a efeito pela Justiça obreira.

O egrégio Tribunal Superior do Trabalho firmara a Súmula no. 368, cuja dicção é a seguinte:

"DESCONTOS PREVIDENCIÁRIOS E FISCAIS. COMPETÊNCIA. RESPONSABILIDADE PELO PAGAMENTO. FORMA DE CÁLCULO. (conversão das Orientações Jurisprudenciais nºs 32, 141 e 228 da SDI-1) (inciso I alterado pela Res. 138/2005, DJ 23.11.05).

I. A Justiça do Trabalho é competente para determinar o recolhimento das contribuições fiscais. A competência da Justiça do Trabalho, quanto à execução das contribuições previdenciárias, limita-se às sentenças condenatórias em pecúnia que proferir e aos valores, objeto de acordo homologado, que integrem o salário-de -contribuição. (ex-OJ nº 141 - Inserida em 27.11.1998)

II. É do empregador a responsabilidade pelo recolhimento das contribuições previdenciárias e fiscais, resultante de crédito do empregado oriundo de condenação judicial, devendo incidir, em relação aos descontos fiscais, sobre o valor total da condenação, referente às parcelas tributáveis, calculado ao final, nos termos da Lei nº 8.541/1992, art. 46, e Provimento da CGJT nº 03/2005. (ex-OJ nº 32 - Inserida em 14.03.1994 e OJ nº 228 - Inserida em 20.06.2001).

III. Em se tratando de descontos previdenciários, o critério de apuração encontra-se disciplinado no art. 276, § 4º, do Decreto nº 3.048/99, que regulamenta a Lei nº 8.212/91 e determina que a contribuição do empregado, no caso de ações trabalhistas, seja calculada mês a mês, aplicando-se as alíquotas previstas no art. 198, observado o limite máximo do salário de contribuição. (ex-OJ nº 32 - Inserida em 14.03.1994 e OJ 228 - Inserida em 20.06.2001). Histórico Redação original - Res. 129/2005 - DJ 20.04.05 - Republicada com correção no DJ 05.05.05."

É sabido que após a Emenda Constitucional n. 45, no que tange à competência da Justiça do Trabalho para cobrança das contribuições previdenciárias, a norma constitucional reza que: "Art. 114. Compete à Justiça do Trabalho processar e julgar:(...) VIII a execução, de ofício, das contribuições sociais previstas no art. 195, I, a, e II, e seus acréscimos legais, decorrentes das sentenças que proferir;" (ausentes parênteses, reticências e grifos na fonte).

Deste modo, partindo-se da Lei das Leis surgem duas modalidades interpretativas, assim sintetizadas:

a) Somente há de se falar em competência da Justiça do Trabalho para execução de ofício das contribuições previdenciárias decorrentes da sentença que proferir. Destarte, em se reconhecendo um longevo vínculo de emprego, naturalmente, apenas as parcelas salariais não pagas ou solvidas a menor é que formarão o conteúdo do decisório obreiro e, assim sendo, sobre elas recairão a obrigação fiscal, de jeito que, mesmo tendo declarado períodos pretéritos como sendo trabalhados pelo empregado, estes, se não existente pendência trabalhista, passarão ao largo da cobrança previdenciária pela Justiça obreira.

Posicionamento este seguido pelos Pretórios especializados, como, a guisa de exemplo, se infere deste julgado do Tribunal Regional do Trabalho da 3ª Região:

"EMENTA: CONTRIBUIÇÃO PREVIDENCIÁRIA. COMPETÊNCIA DA JUSTIÇA DO TRABALHO. ACORDO. RECONHECIMENTO VÍNCULO. É inegável que, desde a promulgação da Emenda Constitucional no. 20, de 15 de dezembro de 1998, com a nova redação do art. 114 parágrafo 3o., da CF/88, a Justiça do Trabalho passou a deter a competência para promover, de ofício, a cobrança das contribuições previdenciárias decorrentes de suas próprias sentenças e acordos, logicamente, incidentes sobre as parcelas salariais discriminadas nos respectivos atos, acordos judiciais e sentenças. Assim sendo, em havendo reconhecimento de vínculo empregatício, inclusive com ajuste no sentido de se proceder ao registro do contrato de trabalho na CTPS, compete a essa Justiça Especial proceder à cobrança da contribuição, incidentes sobre as parcelas salariais discriminadas no acordo e/ou na sentença e não sobre as demais que incidam sobre todo o período de vigência do contrato reconhecido. Isto porque, o reconhecimento do vínculo é ato declaratório, do qual decorre também a condenação, mas esta é específica, de pagamento de verbas salariais ou indenizatórias decorrentes do pacto laboral, por isto que, aqui, a competência só atinge a execução das contribuições devidas ao INSS sobre as parcelas que forem objeto de condenação. Ora, com ou sem reconhecimento do vínculo empregatício, a prestação de serviços já gera o dever de recolhimento de contribuição previdenciária, razão pela qual o montante devido ao INSS em decorrência dessa prestação de serviço, ressalvada as contribuições incidentes sobre as parcelas salariais aqui reconhecidas, não compete à Justiça do Trabalho." (Processo 00615-2003-039-03-00-0 RO, Sexta Turma, Rel Hegel de Brito Bóson, DJ 11/09/2003).

É de todo compreensível o porquê da Justiça do Trabalho não poder executar de ofício contribuições previdenciárias relativamente a períodos que, ainda que declarados pelo comando judicial, não ensejarem condenação pecuniária ao trabalhador, por dois singelos motivos: 1º) somente é factível de ser executada a carga decisória que contiver feitio condenatório e, evidentemente, a tão só certificação do vínculo detém índole de mera declaratividade; 2º) o próprio texto constitucional sinaliza que a execução de ofício somente seria alusiva aos créditos decorrentes das sentenças trabalhistas, ou seja, se a Justiça especializada se transformasse em cobradora de todo o vínculo trabalhado, mesmo que não tenha dado azo a direito patrimonial trabalhista, estaria, então, se arvorando em atividade típica de fiscalização do INSS.

O fato de a Justiça obreira não executar de ofício a inteireza do vínculo reconhecido significa, apenas, que o INSS, por meio dos setores próprios, detendo, inclusive, a sentença trabalhista que declarara a respectiva relação laboral, deverá proceder à notificação fiscal e, não havendo o pagamento das contribuições, a inscrição em dívida ativa com o aparelhamento da competente execução fiscal perante a Justiça Federal, ou, se na Comarca do devedor ela não se fizer existente, pela Justiça Estadual por delegação (art. 15, da Lei 5.010/66).

b) É aceitável, identicamente, que a Justiça do Trabalho ao reconhecer lapso temporal como mourejado, mesmo não tendo existido valores de natureza trabalhista sobre a totalidade do interstício certificado, possa executar de ofício, como vertedor de contribuição previdenciária, todo o período tido como trabalhado, por estas razões:

1ª) a parte final da novel redação do art. 114, da Constituição Federal, risca que a execução de ofício previdenciária se dará face aos fatos geradores "decorrentes das sentenças que proferir".

Não limitou, a dita regra matriz, que a competência da Justiça do Trabalho, no que tange à cobrança das contribuições previdenciárias, sê-lo-ia atrelada às verbas ensejadoras de aumento patrimonial do empregado, e assim o fez porque a razão de ser desse executivo, é compelir aquele que tinha o dever de verter ou repassar as contribuições sociais securitárias se ver, efetivamente, obrigado a recompor o fisco, evitando-se toda gama de sortilégios afastadores da percepção dessas verbas públicas.

Não é a toa que de há muito tive o cuidado de averbar, na matéria intitulada "Novos perfis da execução previdenciária na Justiça do Trabalho. Sinergia entre a Constituição e a Lei 10.035. Exegese sistêmica como meta de otimização". Jus Navigandi, Teresina, ano 5, n. 47, nov. 2000. Acesso em: 11 set. 2006:

"Enfim, se o telado regramento constitucional é auto-aplicável, de bom alvitre indagar: a) Qual a melhor forma de operacionalizá-lo? b) E, sobremais disso, se não pontuado na vereda do tencionado pelo legislador magno, com a total carga de potencialização de sua eficiência, trará ele, a despeito de encontrar-se incrustado na Lex Legum, os resultados atuariais colimados? Por conseqüência, não basta, a meu ver, para que se diga que houve um apurado entendimento da dita norma constitucional, que se venha interpretá-la tão-somente no plano jurídico. Incumbe, outrossim, focalizá-la na rota da multidisciplinariedade em que a hipótese, por ela abrangida, está a reivindicar."

Seria desproporcional que a Justiça do Trabalho detivesse competência para executar as contribuições previdenciárias apenas alusivamente aos períodos que geraram verbas salariais ao operário, mesmo tendo reconhecido que este tenha trabalhado por lapso temporal muito superior.

Ora, o querido pela Constituição Federal não se cansa de repetir, é fazer com que o INSS, até mesmo por deficiência de sua fiscalização, seja ressarcido contributivamente por aquele que deveria ter feito isso de modo espontâneo, mormente para que o trabalhador ao se aposentar não sofra percalços por ausência de contribuições mesmo tendo provado – e reconhecido pela Justiça do Trabalho – que laborara no período contido no ato sentencial.

Demais disso, se a norma constitucional em foco, como realçado antecedentemente, não procedeu qualquer limitação à competência da Justiça do Trabalho no aspecto temporal, quanto às execuções de oficio no campo previdenciário, o intérprete jamais poderá fazê-lo, dado que a leitura das regras insertas na Carta Política haverá de se consubstanciar em um viés de generosidade, isto é, tendo-as sempre como dotadas da maior largueza exegética possível, cabendo ao Poder Judiciário o mister de bem concretiza-las.

Vem a pêlo a lição de Eliseu Fernandes de Souza, denominada "Pacto democrático. Direito do cidadão de revogar mandato eletivo é legítimo", publicada no site Consultor Jurídico (www.consultorjuridico.com.br), acessado em 11.09.06, onde discorre que:

"Ora, a Constituição, ao estabelecer competência e atribuição aos poderes do Estado, implicitamente conferiu ao poder judiciário a cláusula do princípio dos poderes implícitos, que lhe permite encontrar meios para decidir e atingir os fins da justiça, quando o fato jurídico é lesivo a direito, e a composição do conflito não se encontrar prevista expressamente no ordenamento jurídico. Contudo, exige deliberação excepcional, em proteção ao interesse público, de acordo com a concepção inspirada pelo Juiz Marshal da Suprema Corte Americana, em 1805.".

Somente se pode falar em justiça para o segurado do INSS se seu vínculo de trabalho reconhecido pela sentença trabalhista gerar no todo, a execução de ofício das contribuições previdenciárias e, com isso, restarem conjugados dois indissociáveis elementos, quais sejam: o tempo certificado pela justiça especializada acompanhado das respectivas contribuições por esta excutidas, fazendo com que haja a integração do patrimônio do obreiro tais predicamentos perante a autarquia federal.

2ª.) Poder-se-ia ter como objeção para executar de ofício a inteireza do tempo reconhecido pela sentença trabalhista, e que extrapolasse o período que deu origem a verbas salariais impagas, o fato de que a natureza jurídica do comando sentencial de reconhecimento da totalidade do vínculo seria de mera declaratividade e, por conta disso, não se encartaria como título executivo gerando o óbice de sua executividade.

Contudo, para se ter a real integralidade da norma constitucional que deu azo à competência da Justiça do Trabalho para executar de ofício as contribuições previdenciárias, somente se torna pensável a excussão de todo o vínculo reconhecido ordenando-se à Previdência Social que integre ao patrimônio do segurado o cômputo do tempo de serviço, já que o erário se vira aquinhoado com as respectivas contribuições.

Logo, tal ato sentencial encarta-se no noviço rol dos títulos executivos, como se lê do art. 475-N, do Código de Processo Civil, assim redigido: "São títulos executivos judiciais: I – a sentença proferida no processo civil que reconheça a existência de obrigação de fazer, não fazer, entregar coisa ou pagar quantia;", e deve ser aplicado subsidiariamente no âmbito trabalhista por imperativo dos arts. 8º, parágrafo único e 769, ambos da Consolidação das Leis do Trabalho.

Todavia, a Previdência Social, ao que se tem notícia, está se furtando de consagrar o segurado com a totalidade do tempo de labuta reconhecido pela Justiça do Trabalho, valendo-se da alegação de que os períodos em que não se tivera a execução de ofício das contribuições securitárias não serviriam para integrar o cômputo para fins de benefício.

O fundamento da Previdência Social para excusa acima noticiado radica-se na Instrução Normativa nº. 118/INSS/DC, de 14.04.05, §3º: "Na concessão ou revisão de aposentadoria por tempo de contribuição ou qualquer outro benefício do RGPS; que for utilizado tempo de serviço/contribuição ou salário-de-contribuição decorrente de Ação trabalhista transitada em julgado, o processo deverá ser encaminhado para análise da Chefia de Benefícios da APS, devendo ser observado se: I - na contagem de tempo de serviço/contribuição, ainda que tenha havido recolhimento de contribuições: a) foi apresentado inicio de prova material; b) o INSS manifestou-se no processo judicial acerca do início de prova material, atendendo-se ao princípio do contraditório; c) constatada a inexistência de documentos contemporâneos que possibilitem a comprovação dos fatos alegados, o período não deverá ser computado; d) nas situações em que a documentação juntada ao processo judicial permita o reconhecimento do período pleiteado, caberá o cômputo desse período; e) nos casos previstos na alínea "c" deste inciso, se constatado que o INSS manifestou-se no processo judicial acerca da prova material, a Chefia de Benefícios da APS deverá emitir um relatório fundamentado e enviar o processo para a Procuradoria local analisar, ficando pendente a decisão em relação ao cômputo do período;".

Exemplificando: se fora reconhecido que o trabalhador prestou serviços de 1990 a 2006 e apenas advieram condenações do empregador tangentemente aos anos de 2004 a 2006 e somente neste biênio acontecera execução de ofício pela Especializada, o INSS despreza como tempo de serviço apto a ser averbado, os anos de 1990 até 2003, sob o argumento de que neste interregno inexistiram contribuições.

Acontece que o dever de repassar as contribuições previdenciárias para os cofres do INSS, em regra, está afeto ao tomador do serviço, o que implica dizer que o prestador da força humana jamais poderá ser penalizado por um ato que não dera causa.

Neste giro é o escólio jurisprudencial pátrio, verbis:

"PREVIDENCIÁRIO. APOSENTADORIA. RECOLHIMENTO DE CONTRIBUIÇÕES. OBRIGAÇÃO DO EMPREGADOR. HONORÁRIOS ADVOCATÍCIOS. SÚMULA 111, STJ. REMESSA OBRIGATÓRIA. LEI 9.469/97.

1. A contribuição para a previdência social é ônus do empregador, sendo vedada a não averbação do tempo de serviço do empregado pela falta da prova do pagamento. Precedentes desta Corte (AC 1998.01.00.091018-1/MG, relator Juiz Federal Miguel Ângelo de Alvarenga Lopes -Conv., Segunda Turma Suplementar; AC 2003.01.99.038239-0/MG, relator Des. Federal Antonio Sávio de Oliveira Chaves, Primeira Turma).

2. "Os honorários advocatícios, nas ações previdenciárias, não incidem sobre prestações vincendas." (STJ, Súmula nº 111). Hipótese de fixação em dez por cento do valor da condenação, considerando as parcelas vencidas até a ocasião da sentença.

3. Cabe o reexame necessário da sentença proferida contra autarquia após a edição da MP 1.561/97, convertida na Lei nº 9.469/97.

4. Apelação a que se nega provimento. Remessa oficial, tida por interposta, a que se dá parcial provimento." (Processo:AC1998.01.00.035639-0/MG; PRIMEIRA TURMA SUPLEMENTAR; Rel.: JUIZ FEDERAL SAULO JOSE CASALI BAHIA; DJ: 03/02/2005, p.82).

Ultrapassada esta questão, o segurado da Previdência Social igualmente não pode ser prejudicado pela ausência de contribuições, no caso em que elas deveriam ter sido repassadas às burras do fisco pelo tomador do serviço, porque se o INSS tivesse exercido atenta fiscalização, com certeza, as ditas verbas teriam sido aportadas à Previdência.

Diga-se de passagem, que, com a execução de ofício das contribuições previdenciárias, quem saiu lucrando foi a citada Autarquia Federal, como já tive ocasião de anotar, em matéria publicada no site Jus Navigandi ("A nova competência da Justiça do Trabalho e a questão dos honorários advocatícios: cabimento e executoriedade". Jus Navigandi, Teresina, ano 10, n. 1018, 15 abr. 2006, acesso em: 23 ago. 2006), enfatizando que:

"Exemplo do assercionado acima fora o surgimento do antigo § 3º do art. 114, da Lei Maior, com a redação que lhe fora emprestada pela EC nº. 20/98, segundo o qual a Justiça Laboral passou a executar, de ofício, as contribuições previdenciárias – o que, aliás, tem sido um sucesso.".

Então, o melhor caminho, a nosso sentir, raia na trilha de que a Justiça do Trabalho, em se reconhecendo período trabalhado, venha de executar de ofício as contribuições previdenciárias dele decorrentes, independentemente de se emergir verbas trabalhistas em prol do empregado. Contudo, ao assim proceder haverá de fazer constar na parte dispositiva do ato sentencial que, tanto o interregno temporal, quanto as contribuições previdenciárias cobradas integrarão o patrimônio jurídico do obreiro para os devidos fins securitários.

Este, aliás, era o entendimento do colendo Tribunal Superior do Trabalho, na anterior versão da súmula 368, I:

"A Justiça do Trabalho é competente para determinar o recolhimento das contribuições previdenciárias e fiscais provenientes das sentenças que proferir. A competência da Justiça do Trabalho para execução das contribuições previdenciárias alcança as parcelas integrantes do salário de contribuição, pagas em virtude de contrato de emprego reconhecido em juízo, ou decorrentes de anotação da Carteira de Trabalho e Previdência Social - CTPS, objeto de acordo homologado em juízo. (ex-OJ nº 141 - Inserida em 27.11.1998)".

A dita versão originária da súmula somente fora alterada pelo pleno do Tribunal Superior do Trabalho, em 10.11.2005, como nos dá conta José Evaldo Bento Matos Júnior ("Uma crítica à reedição do Enunciado n° 368 do TST". Jus Navigandi, Teresina, ano 10, n. 928, 17 jan. 2006. Acesso em: 20.09.06), por conta desses fatos:

"que não cabe à Justiça do Trabalho (JT) a cobrança das contribuições devidas ao INSS sobre as ações declaratórias, nas quais é reconhecido o vínculo de emprego do trabalhador. A execução do tributo pela JT ficará restrita às decisões em que há condenação da empresa ao pagamento de parcelas trabalhistas e sobre os valores resultantes de acordos entre as partes. Na sessão, os ministros do TST criticaram a postura adotada pela Previdência Social diante das decisões judiciais que declaram a relação de emprego. Os valores correspondentes ao reconhecimento do vínculo têm sido recolhidos a um fundo específico do INSS e não diretamente à conta do trabalhador na Previdência. O INSS, contudo, não admite a decisão judicial como prova de tempo de serviço do trabalhador, que termina com a aposentadoria postergada. "Trata-se de uma injustiça com o trabalhador e um despropósito a Justiça do Trabalho garantir a arrecadação do tributo sobre o dinheiro do trabalhador, que não tem a contagem de tempo reconhecida para a aposentadoria e fica sem os próprios valores recolhidos", afirmou o presidente do TST, ministro Vantuil Abdala." (Os negritos pertencem à própria fonte primígena).

Como se nota, o venerável Tribunal Superior do Trabalho modificou sua linha interpretativa porque, em bom vernáculo, as contribuições que eram arrecadadas pela Justiça do Trabalho não iam para o acervo do segurado, mas sim para um fundo específico da autarquia.

E não paravam por ai os gravames perpetrados pelo ente previdenciário, haja vista que, mesmo frente às contribuições amealhadas, negavam valia às decisões trabalhistas reconhecedoras de todo o vínculo empregatício.

Logo, o Tribunal Superior do Trabalho por maioria dos seus ministros, daquele momento em diante, revisitaram o pretérito modo de ver dando ensanchas a novel redação da Súmula 368, aqui reproduzida no tanto que interessa:

"DESCONTOS PREVIDENCIÁRIOS E FISCAIS. COMPETÊNCIA. RESPONSABILIDADE PELO PAGAMENTO. FORMA DE CÁLCULO. (conversão das Orientações Jurisprudenciais nºs 32, 141 e 228 da SDI-1) (inciso I alterado pela Res. 138/2005, DJ 23.11.05). I. A Justiça do Trabalho é competente para determinar o recolhimento das contribuições fiscais. A competência da Justiça do Trabalho, quanto à execução das contribuições previdenciárias, limita-se às sentenças condenatórias em pecúnia que proferir e aos valores, objeto de acordo homologado, que integrem o salário-de-contribuição. (ex-OJ nº 141 - Inserida em 27.11.1998)".

Não se tem dúvida de que o Tribunal Superior do Trabalho, face às manobras ardilosamente engendradas pelo INSS, amputara a competência da Justiça do Trabalho para executar de ofício somente as contribuições previdenciárias decorrentes de seus atos judiciais e que dimanarem conseqüências patrimoniais em prol do obreiro.

Acontece que quem mais perdeu com isso foi justamente o trabalhador-segurado, pois, suponha-se que uma empregada doméstica tenha trabalhado por 30 anos sem que se lhe fosse assinada a respectiva carteira funcional e, na atualidade, restara despedida, amargando em suas costas 70 anos de idade.

A trabalhadora em epígrafe batera às portas do judiciário trabalhista com o aforamento de sua reclamatória. Houvera decisão favorável reconhecendo seus créditos dentro do período não prescrito, isto é, no interregno temporal de 05 anos, embora tenha restado comprovado que mourejara trintenariamente.

Transitado em julgado essa sentença, quando naturalmente ocorrera a execução de ofício das contribuições previdenciárias alusivamente ao lustro, a anciã dirigira-se até uma agência da Previdência Social. Lá chegando fora informada que não se aposentaria, dado que: a) não detinha 30 anos de contribuição e b) a sentença trabalhista não era prova por si só dos 30 anos de sua labuta!

Para que esta idosa venha obter sua aposentação teria de contribuir por mais 25 anos, talvez a receba no além, para ser eufemista, haja vista que, segundo o IBGE, a expectativa de sobrevida para a mesma seria de mais 15 anos, como se apreende do gizado na Resolução no. 09 de 26.11.2004, publicada no DOU em 01.12.2004, tangentemente à tábua completa de mortalidade do IBGE – expectativa de sobrevida no Brasil – ambos os sexos – 2003 localizável no portal www.ibge.com.br.

Não se pode, com todo respeito, deixar com que persistam tão indignas situações, como dentre tantas, a elencada acima, afrontosas, além de tudo, aos cânones da cidadania, da dignidade humana, da proporcionalidade e da moralidade, somente porque a autarquia previdenciária venha negando valor às decisões trabalhistas como prova do trabalho do segurado e, ainda, transfira recursos arrecadados pela Justiça Obreira para os ditos fundos sem fundos.

A solução preconizada, como asseverado dantes, está em que o ato sentencial, na sua parte dispositiva, compila o INSS a encartar o tempo de trabalho reconhecido e as correspectivas exações previdenciárias daí decorrentes no patrimônio jurídico do segurado, fazendo-se atuar o comando normativo insculpido no art. 461, do Código de Processo Civil, dado que, com isso, ter-se-á a entrega efetiva de uma tutela jurisdicional que garanta ao trabalhador, na inteireza, os direitos previdenciários que emergem acessoriamente da própria relação empregatícia.

É inconcebível, com todo respeito, que o péssimo vezo da Previdência Social, que fizera com que o Tribunal Superior do Trabalho reformulasse a Súmula 368, venha arruinar direitos dos trabalhadores-segurados, uma vez que as instituições públicas que se legitimam pelo poder que emana do povo, o exerça em desfavor deste, tal como vem ocorrendo.

De efeito, somente estar-se-á em estrita obediência com os valores constitucionais que apregoam a justiça social, acima de tudo, se neste momento histórico o Poder Judiciário Trabalhista, como fiel guardião que é da proteção do hipossuficiente, impuser ao INSS o respeito às decisões que profere, de jeito que as mesmas possuam carga eficacial plena.

É de ser evocado o insigne Ferdinand Lassale que em seu livro opúsculo "O que é uma Constituição?" 2ª ed., São Paulo: Minelli, 2005; p. 79 alumia:

"Os problemas constitucionais não são problemas de direito, mas do poder: a verdadeira Constituição de um país somente tem por base os fatores reais e efetivos do poder que naquele país regem, e as Constituições escritas não têm valor nem são duráveis a na ser que exprimam fielmente os fatores do poder que imperam na realidade social: eis aí os critérios fundamentais que devemos sempre lembrar.".

Merece ser acrescido, ainda, que a índole do comando judicial que reconhecer o tempo trabalhado imbrica na tessitura da mera declaratividade e, por isso mesmo, não se vê manietada pela prescrição, conforme o texto posto no § 1º do art. 11, da Consolidação das Leis Trabalhistas, onde está estampado que: "O disposto neste artigo não se aplica às ações que tenham por objeto anotações para fins de prova junto à Previdência Social.".

Outro empecilho que o INSS tem utilizado, sempre no afã de agravar a situação do segurado, cinge-se à desvalia que tem emprestado às sentenças trabalhistas, em regra, asseverando pela falta de início de prova documental, com arrimo no art. 55, § 3º, da Lei 8.213/91, a qual exige documentos contemporâneos aos períodos trabalhados.

Porém, como uma grande conquista dos trabalhadores, a meu sentir, é o contido na súmula 31, da Turma Nacional de Uniformização dos JEFs, cuja leitura é a seguinte:

"A anotação na CTPS decorrente de sentença trabalhista homologatória constitui início de prova material para fins previdenciários."

Tenho, contudo, apenas uma ressalva: imagine-se que dois amigos, um deles fazendeiro e o outro empregado rural simulem a existência de um vínculo empregatício de 20 anos. Aí, o empregado confecciona uma reclamação trabalhista e na audiência procede a uma transação, não sendo ouvida testemunha e, muito menos, fora abojada qualquer início de prova documental do labor na peça exordial. Afigura-se-me temerária uma interpretação literal da retro mencionada súmula 31, porque poderia servir à prática de fraudes.

Parece-me relevante deixar realçado que a sentença homologatória advinda da Justiça do Trabalho somente será tida como início de prova documental se nos autos da reclamatória se fizerem presentes um ou mais documentos contemporâneos acerca do período mourejado, sob pena de se ter lídima burla da lei previdenciária, mesmo que se procedesse à execução das contribuições securitárias de todo o período trabalhado.

Assim o é, porque do contrário, haveria se encontrado uma maneira de se poderem pagar contribuições pretéritas ao arrepio do contido na Lei 9.032/95, que alterou a redação da Lei 8.212/91, cujo art. 89, § 7º, tem a seguinte dicção: "Não será permitida ao beneficiário a antecipação do pagamento de contribuições para efeito de recebimento de benefícios.".

A mesma Turma Nacional de Uniformização dos JEFs, ao que parece, se preocupara mais atentamente com a situação em debate, ao editar a Súmula no. 34, assim grafada:

"Para fins de comprovação do tempo de labor rural, o início de prova material deve ser contemporâneo à época dos fatos a provar.".

Por outro lado, entendo que se a reclamatória trabalhista contiver início de prova documental no que tange à prestação de serviço, por óbvio, a sentença que surgir neste processo, máxime a que ordenar a anotação do vínculo reconhecido na CTPS, será mais que suficiente para categorizar-se na condição de início de prova para fins previdenciários, porque, em verdade, comprovará mesmo a integralidade temporal do vínculo reconhecido, mormente por ter ocorrido a oitiva de testemunhas mediante o mais dilargado contraditório possível, adicionando-se aí a execução de ofício pela Justiça Especializada, de todas as contribuições advindas do tempo efetivamente tido na conta de trabalhado. Tal agir, inescondivelmente, beneficiará, e muito, a Previdência Social que, pela via da Justiça do trabalho, ver-se-á ressarcida numericamente, sem ter tido que movimentar sua máquina fiscalizatória que não tem sido nenhum modelo significativo de eficiência.

Aliás, quanto ao reconhecimento da sentença trabalhista pelo INSS, assim preconiza o Superior Tribunal de Justiça, verbis:

"A jurisprudência desta Corte é pacífica no sentido de que as anotações feitas na Carteira de Trabalho e Previdência Social – CTPS determinadas por sentença proferida em processo trabalhista, empregadas como início de prova material, tem força probante, sendo hábil para a comprovação do tempo de serviço enunciado no artigo 55, § 3º, da Lei nº 8.213/91, desde que fundada em provas que demonstrem o exercício da atividade laborativa na função e períodos alegados na ação previdenciária, ainda que o INSS não tenha integrado a lide trabalhista." (REsp 500407 / CE, SEXTA TURMA Rel.: Min PAULO GALLOTTI, DJ 27.03.2006 p. 354).

A sinergia entre a Justiça do Trabalho e a Previdência Social haverá de ter um mote comum, qual seja, o reconhecimento da dignidade e inteireza dos direitos e da pessoa do segurado, como bem frisado por esta decisão emanada do Tribunal Regional do Trabalho da 3ª. Região:

"EMENTA: CONTRIBUIÇÃO PREVIDENCIÁRIA ACORDO POSTERIOR À SENTENÇA QUE RECONHECE VÍNCULO DE EMPREGO. EFEITOS. Liquidada a sentença na qual se reconheceu o vínculo de emprego havido entre as partes, inclusive com apuração do crédito previdenciário, devidamente homologado pelo juiz da execução, não pode a executada, através de acordo posteriormente firmado, pretender que a quitação seja feita pela extinta relação jurídica, o que além de reduzir consideravelmente aquele crédito, em fraude aos cofres da Previdência, prejudica a condição de segurado do trabalhador junto ao INSS e destoa da verdade dos fatos consolidada com o trânsito em julgado da decisão de mérito. Nesse passo, correta a homologação do acordo com a ressalva de recolhimento das contribuições previdenciárias com base nas parcelas deferidas na decisão exeqüenda. Agravo de petição a que se nega provimento." (Processo 00631-2002-075-03-00-5 AP, Primeira Turma, Rel.: Juiz Marcus Moura Ferreira, DJ 07/11/2003).

De conseguinte, não me parece crível, qualquer que seja o pretexto utilizado pelo INSS, ressalvando unicamente o caso de sentença trabalhista homologatória cujo processo não tenha sido instruído com início de prova documental contemporânea acerca do labor, a não aceitação dos julgados, que reconhecerem vínculo no plano trabalhista, porque o monopólio da tutela jurisdicional pertence, exclusivamente, ao Poder Judiciário e, sendo assim, o Poder Executivo não pode deixar de valorar os atos promanados daquele, sob pena de malferimento ao princípio da tripartição e harmonia entre os Poderes da República (art. 2º, da Constituição Federal).

Assim sendo, repita-se, é uma heresia jurídica o contido na Instrução Normativa nº 118/INSS/DC, de 14.04.05, §3º, em que está expresso:

"Na concessão ou revisão de aposentadoria por tempo de contribuição ou qualquer outro benefício do RGPS; que for utilizado tempo de serviço/contribuição ou salário-de-contribuição decorrente de Ação trabalhista transitada em julgado, o processo deverá ser encaminhado para análise da Chefia de Benefícios da APS, devendo ser observado se: I - na contagem de tempo de serviço/contribuição, ainda que tenha havido recolhimento de contribuições: a) foi apresentado inicio de prova material; b) o INSS manifestou-se no processo judicial acerca do início de prova material, atendendo-se ao princípio do contraditório; c) constatada a inexistência de documentos contemporâneos que possibilitem a comprovação dos fatos alegados, o período não deverá ser computado; d) nas situações em que a documentação juntada ao processo judicial permita o reconhecimento do período pleiteado, caberá o cômputo desse período; e) nos casos previstos na alínea "c" deste inciso, se constatado que o INSS manifestou-se no processo judicial acerca da prova material, a Chefia de Benefícios da APS deverá emitir um relatório fundamentado e enviar o processo para a Procuradoria local analisar, ficando pendente a decisão em relação ao cômputo do período;".

As afrontas que a mencionada instrução normativa preconiza são as seguintes: a) mesmo tendo sido recolhidas as contribuições face a execução de ofício, delas poderá o INSS não inserir o interstício daquelas decorrentes no tempo a ser averbado em prol do segurado; b) cria-se uma desnecessária intervenção do INSS no feito trabalhista, já que se sabe que o mesmo apenas vem a integrá-lo quando do cálculo das contribuições previdenciárias a serem executadas de plano pela Justiça do Trabalho, nunca, pois, no átrio do processo de conhecimento, como se percebe dos seguintes preceptivos consolidados: art. 832, § 4º, 879, § 1º-A, 879, §3º, 884, § 4º; c) o juízo valorativo da sentença trabalhista para fins previdenciários é transferido para Procuradoria do INSS, como se este órgão pertencente ao Poder Executivo possuísse a missão constitucional de jurisdizer, isto é, arvorando-se em órgão julgador afrontando, a não mais poder, o contido nos arts. 5º, XXXV, 37, caput e 92, todos da Lei Maior.

Por derradeiro, não se cansa de enfatizar que toda situação narrada nesta matéria seria facilmente resolvida num instante em que a Justiça do trabalho, nas demandas trabalhistas de reconhecimento de vínculo, passasse a executar de ofício as contribuições previdenciárias decorrentes de todo o tempo laborado condicionando-se o INSS a incluir as vantagens daí decorrentes na esfera patrimonial securitária do obreiro, dado que a Constituição não impede essa retroação.


4.Das razões jurídicas que o Tribunal Superior do Trabalho se vale para não executar de ofício a totalidade do vínculo empregatício reconhecido na faina obreira. Inconsistência frente aos ditames da Constituição Federal.

Lançando mão de um bosquejo histórico, melhor dizendo, antecedentemente à nova versão da Súmula 368, I, do Tribunal Superior do Trabalho, a dita Corte perfilava a senda da competência da Justiça do Trabalho para executar de oficio as contribuições previdenciárias alusivamente a integralidade do tempo de serviço reconhecido pela sentença obreira.

Os fundamentos jurídicos para convalidar a referida competência, dentre outras tantas decisões, aquilatam-se de excertos de notícias oriundas daquele palácio de justiça, como se vislumbra:

"Depois de reconhecer o vínculo de emprego, a Justiça do Trabalho tem competência para executar o recolhimento de contribuições à Previdência Social. (...) "Trata-se de atribuir à norma constitucional interpretação que viabilize a máxima eficácia", afirmou o relator do recurso, ministro Carlos Alberto Reis de Paula. O presidente da Terceira Turma, ministro Vantuil Abdala, afirmou que a decisão é de extrema importância. Segundo ele, a ampliação da competência da Justiça do Trabalho trouxe benefícios tanto para os trabalhadores quanto para o Estado. "Isso porque mesmo após ter seu vínculo de emprego reconhecido pela Justiça do Trabalho, o trabalhador travava uma luta na hora de se aposentar, pois não conseguia provar o tempo de serviço, já que as contribuições ao INSS não haviam sido recolhidas", afirmou." (RR 490/2001; não estão presentes na fonte os parênteses e as reticências).

Após a reedição da epigrafada Súmula 368 outras são as motivações para justificar a retração competencial da Justiça do Trabalho quanto às execuções de ofício, em sede previdenciária, pois veja-se:

"A ministra Cristina Peduzzi explicou porque afasta a competência da Justiça do Trabalho em casos como este. "Por um lado, não está delineada a base de cálculo para a definição do crédito previdenciário em relação a cada mês de competência e, por outro, o fato gerador não está comprovado, mas apenas presumido, visto que não há como confirmar o real pagamento ou crédito da remuneração. Assim, deve o INSS, sobre esse período, efetuar o lançamento do tributo e, se pertinente, mover a ação para execução do crédito na Justiça Federal.".

(Fonte: Gazeta Mercantil, notícia de 17.02.2005) (negritou-se).

Com todo respeito, os argumentos supra não merecem prosperar, por que:

a) Existe base de cálculo para execução de ofício de todo período reconhecido pela Justiça do Trabalho – por primeiro, a Lei nº. 8.212/91, em seu art. 103, registra: "O Poder Executivo regulamentará esta Lei no prazo de 60 (sessenta) dias a partir da data de sua publicação"; em segundo passo, depois da edição de sucessivos regulamentos, nos dias que correm tem-se o Decreto nº. 3.048/99, que trata da matéria em análise no art. 276, § 7º.

É o que se extrai, de maneira solar, da lição de José Evaldo Bento Mato Junior, na matéria "Uma crítica à reedição do Enunciado n° 368 do TST" (Jus Navigandi, Teresina, ano 10, n. 928, 17 jan. 2006. Disponível em: Acesso em: 22 set. 2006), ao discorrer:

"Com efeito, a Lei 8212/91 é quem organiza a Seguridade Social e instituiu o Plano de Custeio trazendo os melindres de toda a estrutura. O art. 43 explicita que nas ações trabalhistas de que resultar o pagamento de direitos sujeitos à incidência de contribuição previdenciária, o juiz, sob pena de responsabilidade, determinará o imediato recolhimento das importâncias devidas à Seguridade Social e no seu § único, esclarece que nas sentenças judiciais ou nos acordos homologados em que não figurarem, discriminadamente, as parcelas legais relativas à contribuição previdenciária, esta incidirá sobre o valor total apurado em liquidação de sentença ou sobre o valor do acordo homologado.".

E continua o festejado escritor:

"Regulamentando o art.43 com maior vagar, o art. 276 § 7º do Decreto 3048/99 é claro em estabelecer que: Art.276. Nas ações trabalhistas de que resultar o pagamento de direitos sujeitos à incidência de contribuição previdenciária, o recolhimento das importâncias devidas à seguridade social será feito no dia dois do mês seguinte ao da liquidação da sentença. § 7º Se da decisão resultar reconhecimento de vínculo empregatício, deverão ser exigidas as contribuições, tanto do empregador como do reclamante, para todo o período reconhecido, ainda que o pagamento das remunerações a ele correspondentes não tenham sido reclamadas na ação, tomando-se por base de incidência, na ordem, o valor da remuneração paga, quando conhecida, da remuneração paga a outro empregado de categoria ou função equivalente ou semelhante, do salário normativo da categoria ou do salário mínimo mensal, permitida a compensação das contribuições patronais eventualmente recolhidas.". (sublinhou-se).

b) O fato gerador da exação previdenciária não é presumido – desde logo, quem dita o fato gerador exeqüível é a própria Constituição Federal ao riscar, no seu art. 114, VIII que: "a execução, de ofício, das contribuições sociais previstas no art. 195, I, a, e II, e seus acréscimos legais, decorrentes das sentenças que proferir;". (apôs-se negrito).

Ora, o fato gerador é perceptível uma vez que ele advém do próprio reconhecimento do vínculo empregatício e não do solvimento ou não de quantias vertidas ao obreiro, como bem enfatiza o Superior Tribunal de Justiça, in expressis:

"1. O fato gerador da contribuição previdenciária do empregado não é o efetivo pagamento da remuneração, mas a relação laboral existente entre o empregador e o obreiro.

2. O alargamento do prazo conferido ao empregador pelo art. 459 da CLT para pagar a folha de salários até o dia cinco (05) do mês subseqüente ao laborado não influi na data do recolhimento da contribuição previdenciária, porquanto ambas as leis versam relações jurídicas distintas; a saber: a relação tributária e a relação trabalhista.

3. As normas de natureza trabalhista e previdenciária revelam nítida compatibilidade, devendo o recolhimento da contribuição previdenciária ser efetuado a cada mês, após vencida a atividade laboral do período, independentemente da data do pagamento do salário do empregado.

4. Em sede tributária, os eventuais favores fiscais devem estar expressos na norma de instituição da exação, em nome do princípio da legalidade.

5. Raciocínio inverso conduziria a uma liberação tributária não prevista em lei, toda vez que o empregador não adimplisse com as suas obrigações trabalhistas, o que se revela desarrazoado à luz da lógica jurídica.

6. Recurso desprovido. (RESP 419667 / RS; RECURSO ESPECIAL 2002/0028796-7).", apud José Evaldo Bento Matos Junior, na matéria cognominada Aspectos práticos da execução fiscal da contribuição previdenciária na Justiça do Trabalho, elabora em 09.03.2005, publicada no site http://www.escritorioonline.com/index.php, acessada em 22.09.06.

O epílogo vem com a judiciosa lira do já referenciado José Evaldo Bento Matos Junior, ob.cit., ao deitar que:

"Há uma discussão sobre se o fato gerador seria o pagamento da remuneração ou a simples prestação de serviço pelo empregado ou prestador de serviço. O STJ, intérprete da legislação infraconstitucional já definiu o entendimento de que a prestação do serviço é o fato gerador".

Logo, existem tanto a base de cálculo quanto o fato gerador para a execução de ofício das contribuições previdenciárias da globalidade do interstício temporal reconhecido pela justiça especializada, como restou amplamente demonstrado precedentemente.


5.Da monofilaquia tendencial como reclamo de unicidade de tratamento a fatos históricos idênticos:

O que se entrevê nessa modesta matéria, se não rendida homenagem à conduta similar do intérprete do Direito frente à situação histórica de todo congênere, já que o acidente de trabalho, como evento factual o será tanto na apreciação da Justiça do Trabalho quanto na quadra do judiciário estadual, é que, mesmo assim, pela disparidade de competência, poderá ser tido como existente em uma seara e negado em outra, abalando a viga mestra do sistema normativo que é a busca de uma certeza jurídica, ainda que conscientemente relativa.

Logo, o jurisdicionado não conseguiria entender, e com toda razão, que pudesse se ver acidentado no trabalho por um ramo do Judiciário e desacidentado por outro, fator este, repugnante mesmo, ao próprio princípio da razoabilidade, uma vez que fugiria de um mínimo senso lógico.

Não pára por aí, o segundo tormentoso problema é o de se reconhecer o vínculo trabalhista de alguém, máxime porque, a sentença da justiça especializada é tida como início de prova documental pelo augusto Superior Tribunal de Justiça, e, mesmo assim, o INSS não antever o signo de segurado para este operário, ou seja, ocorrer outra flagrante antinomia: o cidadão é tido, pela Justiça do Trabalho, como empregado de outrem por determinado tempo, e na lógica da lei previdenciária, ver-se-ia como segurado obrigatório (art. 12, I da Lei 8.212/91), contudo, para o INSS assim não seria. Perdoada a burlesca colocação, é de se afirmar: o empregado pela Justiça do Trabalho é desempregado pela Previdência Social!

Esse estado de coisas, infeliz por certo, somente será barrado com o emprego de uma hermenêutica que se estribe na monofilaquia tendencial, tal como registrado por Arruda Alvim, ob cit Flávio Cheim Jorge:

"Aliás, tais técnicas correspondem ao mais comezinho princípio de filosofia, ou mesmo de bom senso: uma coisa não pode ser e deixar de ser ao mesmo tempo e sob as mesmas condições. Quer dizer: a lei não poderá ter sentidos diversos, num mesmo momento histórico. Ademais, o problema ora considerado tem como pressuposto fundamental a diversidade, num mesmo instante, a qual a diversidade reclama a volta à uniformidade.".

Está em jogo, não um interesse qualquer, mas sim a protetividade da dignidade humana e da valorização social do trabalho, razão de ser da própria ontologia do judiciário obreiro, de modo que o que eu pretendo realçar é que a interpretação dos temas lançados neste artigo haverá de pautar-se pelo viés sócio-político-jurídico, relativizando e ponderando os bens da vida em jogo, sem perder de vista, no entanto, que a leitura das regras há de prestigiar o ser humano mais fragilizado na relação jurídica, que indubitavelmente é o trabalhador-segurado.

Toma-se de empréstimo os apropriados comentários de lavra de Adalcy Rachid Coutinho, expressos no livro Constituição, Direitos Fundamentais e Direito Privado, [et. al]; org. Ingo Wolfgang Sarlet. 2ª ed. Rev e ampl. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2006, p. 429, citação do texto "4 – O conceito de dignidade humana: substrato axiológico e conteúdo normativo, autora Maria Celina Bodin de Moraes, p. 149, em que preleciona:

"Albert Einstein foi o primeiro a identificar a relatividade de todas as coisas: do movimento, da distância, da massa, do espaço, do tempo. Mas ele tinha em mente um valor geral e absoluto, em relação ao qual valorava a relatividade: a constância, no vácuo, da velocidade da luz. Seria o caso, creio eu, de usar esta analogia, a da relatividade das coisas e a do valor absoluto da velocidade da luz, para expressar que também no Direito, hoje, tudo se tornou relativo, ponderável, em relação, porém, ao único princípio capaz de dar harmonia, equilíbrio e proporção ao ordenamento jurídico de nosso tempo: a dignidade da pessoa humana, onde quer que ela, ponderados os interesses contrapostos, se encontre.". (os grifos pertencem ao articulista).

O que se está a assistir, infelizmente, se não alterado o paradigma de gente, isto é, se a Justiça do Trabalho não for competente para as lides acidentárias ajuizadas em face do INSS e, demais disso, se as sentenças deste órgão jurisdicional, que reconhecerem dilatados vínculos empregatícios, não gerarem execução de ofício de todas as contribuições previdenciárias, e servirem para a persecução de benefícios securitários, é a patética tecnocracia burocrática engessando direitos fundamentais, não por decorrência de condutas de agente públicos, mas sim, por um desejo institucional do INSS em lesar a sua clientela.

Meu espírito, às profundas entranhas de meu ser, reclama a inapagável frase de Ferdinad Lassale, ob. cit. p. 80, verbo ad verbum:

"E não esqueçam, meus amigos, os governos tem servidores práticos, não retóricos, grandes servidores como eu os desejaria para o povo."

Este, identicamente, é o brado, diga-se de passagem, irresignado de nossa verve, ainda que apequenada no nível do cenário nacional. Mas, cônscia de que o trabalhador brasileiro, já tão achincalhado em seus direitos, não pode mais se ver alijado de uma aplicação normativa que resguarde na integralidade a sua dignidade humana e erradique práticas nefastas de certos empregadores que, por meio de lobby, alcançaram o afastamento da competência da Justiça do Trabalho para as lides acidentárias que envolvam a persecução previdenciária, e, igualmente, estão a construir – ou desconstruir – a higidez da sentença trabalhista como início de prova no pálio securitário.

Que, em arremate, os operadores do Direito meditem sobre as graves conseqüências dos temas expostos preteritamente e, com senso de humanidade e com o fanal de se encontrar uma tutela jurídica justa, enveredem-se pela profilática monofilaquia tendencial, relativizando e ponderando valores sem perder o norte do garantismo da dignidade humana e, muito menos, causarem reais perdas de chance a seres já tão desfalecidos!


6.Das conclusões:

Do exposto se infere que:

1) A competência residual para dirimir lides acidentárias propostas em desfavor do INSS é da Justiça do Trabalho, porque a exceção contida no inciso I, do art. 109, da Constituição Federal apenas afasta a competência da Justiça Federal Comum, já o art. 114, VI, da mesma Lei Maior, a atrai para a justiça obreira, máxime, em nome do princípio da unidade de convicção.

2) Demais disso, o acidente de trabalho decorre da existência da relação de trabalho e não seria inteligível que essa Justiça Especializada detivesse competência para análise desta última (art. 114, I, da Lei Mater) e, mesmo assim, não pudesse sindicar a infortunística, até porque contrariaria o contido no art. 108, do Código de Processo Civil aplicável na espécie por força do art. 769, da Consolidação das Leis Trabalhistas.

3) A execução de ofício pela Justiça do Trabalho das contribuições previdenciárias tem gerado dois entendimentos:

a) o escandido na súmula 368, I, do Tribunal Superior do Trabalho, na sua versão atual assenta que a execução de ofício das contribuições previdenciárias pela justiça obreira dar-se-ia, unicamente, quanto aos períodos reconhecidos e que gerarem fator pecuniário em prol do empregado, porque isto seria o conteúdo material da própria decisão proferida e, com isso, cumprida restaria a parte final do art. 114, VIII, da Constituição Federal, norma essa erigida pela Emenda Constitucional nº. 45/2004.

b) abarcar apenas os créditos trabalhistas decorrentes das sentenças proferidas pela Justiça Laboral não faria necessária justiça previdenciária ao operário, tanto assim que outra era a redação da Súmula 368, I, do colendo Tribunal Superior do Trabalho, que mudara de posicionamento por não vislumbrar maiores vantagens ao segurado, haja vista que a realidade pragmática estava em que o INSS percebia as contribuições, e, mesmo assim, não computava os lapsos temporais dela decorrentes quando do pleito de benefício previdenciário pelo trabalhador, calcado na Instrução Normativa nº 118/INSS/DC, de 14.04.05, §3º.

4) Em nosso modo de ver, entretanto, outras devem ser as posturas a serem adotadas:

a) enveredando-se pela tese sufragada na alínea anterior (item 3 - b), mormente se houver início de prova documental na inicial trabalhista e também se tiver ocorrido a oitiva de testemunhas no átrio da Vara do Trabalho, não há motivo de que o INSS se negue ao cômputo do tempo cujo vínculo fora acertado pelo comando sentencial, até mesmo porque, o Superior Tribunal de Justiça já firmara orientação de que o decisório trabalhista já é, por si mesmo, o cognominado início de prova documental.

b) em se executando de ofício todo o período trabalhado, independentemente dos efeitos pecuniários a serem vertidos para o empregado, ordenando-se na parte dispositiva do ato sentencial uma obrigação de fazer ao INSS, qual seja, a de que as contribuições estão sendo cobradas pela Justiça do Trabalho (o que confirma o signo contributivo previdenciário) e, por isso, o tempo das mesmas haverá de ser averbado securitariamente, não se tem dúvida de que se poderá, sem medo, restaurar a antiga dicção da súmula 368, I, do egrégio Tribunal Superior do Trabalho, porque assim, efetivamente, se fará justiça à parte hipossuficiente da relação jurídica.

5) Não há óbice para que se execute de ofício a totalidade das contribuições previdenciárias advindas do reconhecimento de dilargado vínculo empregatício pela Justiça do Trabalho, haja vista que presentes estão, tanto a base de cálculo (art. 276, § 7º, do Decreto 3.048/99), quanto o fato gerador (art. 195, I, a e II, da Constituição Federal), que nada tem de presumido, já que não está vinculado a virtual pagamento da remuneração, mas sim a prestação do labor em si mesmo, como restou acertado pelo egrégio Superior Tribunal de Justiça.

6) Com o emprego de uma exegese monofilácica tendencial, isto é, aquela que em um mesmo dado histórico apregoa uniforme interpretação legal, evitar-se-ão paradoxos como o de se ter alguém como vitimado pelo acidente de trabalho na seara da justiça obreira, e extirpado dele na Justiça Comum, ou, ainda, que um cidadão que seja tido como empregado de outrem pela justiça especializada e ao dirigir-se ao INSS perceba que aquele comando judicial que reconhecera o vínculo e executara de ofício contribuições previdenciárias tem servido, tão somente, como uma folha de papel em branco, como nula, aliás, tem sido o respeito à dignidade humana e à própria cidadania, em inúmeras ocasiões, por parte da Previdência Social, que tem o desiderato constitucional de bem curar os desvalidos (art. 201, I, da Carta de Outubro).


Autor


Informações sobre o texto

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

SANDIM, Emerson Odilon. Princípio da unidade de convicção e ação acidentária, carga eficacial da sentença trabalhista que reconhece o vínculo e reflexos previdenciários. Duas angustiantes questões para o trabalhador brasileiro. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 12, n. 1560, 9 out. 2007. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/10511. Acesso em: 24 abr. 2024.