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Transtorno do espectro autista.

Da integração e inclusão no corpo social, do desenvolvimento à plenitude de sua capacidade e desdobramentos dos atuais direitos

Transtorno do espectro autista. Da integração e inclusão no corpo social, do desenvolvimento à plenitude de sua capacidade e desdobramentos dos atuais direitos

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Este artigo aborda o Transtorno do Espectro Autista, suas características, consequências sociais, igualdade de condições, regulamentações específicas e direitos humanos relacionados à saúde.

Resumo: Este trabalho buscou identificar as características presentes no Transtorno do Espectro Autista, suas consequências em face do dinamismo social e a efetiva inserção igualitária, ressaltando as dificuldades de integração e a necessidade de tratamento personalizado. O espectro autista, hodiernamente, reconhecidas as contribuições das ciências médicas, passou a mais sensatamente compreendido e, tendo o direito o ser humano como um fim em si mesmo, surgiu a necessidade de regulamentações específicas com o intuito de proporcioná-los a almejada igualdade de condições, devendo o Estado e a própria sociedade tratá-los de acordo com suas respectivas subjetividades. O acompanhamento desta ponderação permite perceber, por um lado, a riqueza e a diversidade da mente humana e, por outro, que as necessidades de cada indivíduo são diferentes, devendo estas serem profundamente respeitadas. Neste sentido, aqui foram exploradas as normas aplicáveis e reflexões acerca do desenvolvimento do ser humano inserido no TEA, bem como a evolução das exigências humanas diante do progresso científico e social.

Palavras-chave: Transtorno do Espectro Autista. Princípio da Isonomia. Leis de proteção.


1. INTRODUÇÃO

O Transtorno do Espectro Autista, conforme o DSM-V (Manual Diagnóstico de Doenças Mentais), é um transtorno que está incluído no rol dos transtornos globais do desenvolvimento. Os referidos transtornos compreendiam cinco condições que incidiam nas pessoas e afetavam a maneira com a qual interagiam com o mundo, alterando a forma comumente conhecida de conectar os pensamentos, ideias e falas. Esse fator, contudo, não se alterou, ao contrário da nova versão em relação a nomenclatura.

Com a recente alteração do CID-10, consistente na nova Classificação Estatística Internacional de Doenças e Problemas Relacionados à Saúde, lançada pela Organização Mundial da Saúde (OMS) e entrada em vigor no dia 1º de janeiro de 2022, a CID-11 unificou o Transtorno do Espectro do Autismo no código 6A02. De forma que vários diagnósticos dentro dos Transtornos Globais do Desenvolvimento, sob o anterior código F84.0 migraram ao TEA.

Dentro das subdivisões do transtorno, verifica-se a presença ou não de Transtorno do Desenvolvimento Intelectual, bem como a ausência ou presença do prejuízo da linguagem funcional. Também vale ressaltar que no espectro há níveis de apoio, dentre os quais o indivíduo tende a transitar de acordo com a fase a qual está vivendo e/ou da adoção de medidas terapêuticas. Dentre essas condições, também pode haver a presença de comorbidades (v.g., epilepsia, depressão, ansiedade e transtorno de déficit de atenção e hiperatividade).

Hodiernamente, a respeito do questionamento das causas, as evidências científicas indicam a existência de alguns fatores, entre eles os sociais e ambientais, destacando-se os genéticos. Cabe destacar que apesar de ser passível de tratamentos efetivos, não há cura para o Transtorno do Espectro Autista.

Estima-se, ainda que de forma incerta, que existem 2 milhões de pessoas com Transtorno do Espectro Autista no Brasil, contudo, com o intuito de elaboração de políticas públicas, foi sancionada a Lei 13.861/19 estabelecendo que os censos demográficos realizados a partir de 2019 incluirão as especificidades inerentes ao TEA.

Ante o exposto, é inquestionável o estigma carregado em quaisquer condições específicas que diferenciem o indivíduo dos demais e, em virtude disso, os distanciem da sociedade, razão pela qual se faz necessário o combate às desinformações e discursos capacitistas predispostos a discriminações, bem como as respectivas regulamentações a fim de consagrar os devidos direitos à luz da isonomia real.

Destarte, serão aqui exploradas questões relativas aos elementos identificadores do espectro, as dificuldades e reflexos da deficiência dita invisível ao longo da trajetória de vida e, por fim, a evolução protetiva da pessoa autista e os mecanismos de defesa dos referidos direitos.


2. DOS DIREITOS HUMANOS E DO DIREITO CONSTITUCIONAL À SAÚDE

Os direitos humanos são conceituados por André de Carvalho Ramos como conjunto de direitos indispensáveis para uma vida humana pautada na dignidade, liberdade e igualdade, respeitadas as variações de necessidades de acordo com o contexto histórico de cada época, bem como a inserção de novas demandas sociais.

Em um breve histórico, os direitos humanos de primeira geração se baseavam na liberdade e autonomia dos indivíduos, advinda da necessidade de proteger o homem de eventuais arbitrariedades do poder estatal, o surgimento se deu a partir de ideais iluministas do século XVIII.

Os direitos de segunda geração, entretanto, surgiram no século XX e apresentaram como objeto a exigência de um papel ativo por parte do Estado, as denominadas liberdades positivas amparadas no princípio da dignidade humana cujas ações eram impostas ao Estado, visando a obtenção da igualdade substancial, consistentes na abordagem dos direitos econômicos, sociais, culturais, coletivos e de igualdade. Nesse momento, foram reconhecidos os direitos à saúde e os demais, bem como exposto no artigo 25 da Declaração Universal de Direitos Humanos.3

Em decorrência dessas medidas, sobreveio a promulgação no ordenamento jurídico brasileiro do decreto nº 591 de 6 de julho de 1992 que regulamentou o Pacto Internacional sobre Direitos Econômicos, Sociais e Culturais, o qual dispôs no artigo 12: “Os Estados Partes do presente Pacto reconhecem o direito de toda pessoa de desfrutar o mais elevado nível possível de saúde física e mental”.

Nesse mesmo aspecto, em novembro de 1992 foi promulgada a Convenção Americana sobre Direitos Humanos pelo Decreto nº 678. Além disso, sobreveio o Decreto 3.321/99 promulgando o Protocolo Adicional à Convenção Americana sobre Direitos Humanos, instituindo em seu artigo 10 a respectiva regulamentação.4

Diante da principiologia adotada no direito internacional, a Constituição Federal no que tange à saúde dispõe sobre a temática em seu artigo 196, estabelecendo que a saúde é direito de todos e dever do Estado.5

O direito à saúde, individual e coletivo, de acordo com José Afonso da Silva, comporta duas vertentes, sendo uma delas de natureza negativa, a qual consiste no direito a exigir do Estado que se abstenha de qualquer ato que prejudique a saúde, e a outra, de natureza positiva, que visa o direito às medidas e prestações estaduais visando a proteção das doenças, bem como o respectivo tratamento. Trata-se de direito regido pelos princípios da universalidade e da igualdade de acesso às ações e serviços que a promovem, protegem e recuperam.

No mesmo âmbito, a Constituição estabeleceu as diretrizes e as competências do Sistema Único de Saúde, respectivamente, nos artigos 198 e 200.

Aprofundando-se no Transtorno Global do Desenvolvimento, a Lei nº 12.764, de 27 de dezembro de 2012, em seu artigo 3º instituiu os direitos da pessoa com Transtorno do Espectro Autista, dentre eles, encontra-se os direitos à saúde. No inciso três é enfatizado o acesso às ações e serviços de saúde, públicos ou privados, com vistas à atenção integral às suas necessidades, incluindo o diagnóstico precoce, o atendimento multiprofissional, a terapia nutricional, os medicamentos, bem como a informações que auxiliem no diagnóstico e tratamento.

Versa em um tema de suma importância atinente às dificuldades de ingresso a tratamentos, tanto no sistema público quanto no sistema privado. Em relação ao sistema privado, os planos de saúde são obrigados a custear ou reembolsar o atendimento às pessoas com autismo com os profissionais da equipe multidisciplinar, bem como não limitar as sessões de terapias.

O Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo já pacificou esta discussão e emitiu um posicionamento com a seguinte redação: “Súmula 102 - Havendo expressa indicação médica, é abusiva a negativa de cobertura de custeio de tratamento sob o argumento da sua natureza experimental ou por não estar previsto no rol de procedimentos da ANS.”

Não obstante, em julgamento da Segunda Seção do Superior Tribunal de Justiça finalizado em julho de 2022, houve o entendimento de ser taxativo, em regra, o rol de procedimentos e eventos estabelecido pela Agência Nacional de Saúde. No entanto, em oposição à decisão sobreveio aprovação do Senado a respeito do PL 2.033/2022, no qual os planos de saúde poderão ser obrigados a financiar tratamentos de saúde que não estiverem na lista mantida pela ANS. O referido projeto de lei determina, para sua aceitação determinadas condições que devem ser analisadas.6

Ademais, quanto ao sistema público de saúde, diante da omissão governamental há a possibilidade da adoção de medidas a fim de proteger direitos líquidos e certos, o que será comentado aqui adiante.

Em suma, essas medidas visam à maior efetividade dos direitos aos tratamentos, a fim de proporcionar o melhor progresso do individuo na sociedade.


3. ELEMENTOS IDENTIFICATIVOS DO TRANSTORNO DO ESPECTRO AUTISTA

Em que pese não constituam posicionamentos rígidos e absolutos, além de se referir a um espectro, há atributos que são comuns entre eles. Há uma grande dificuldade em relações interpessoais devido a ausência de interesse e aos déficits de comunicação. Essa dificuldade costuma ser manifestada pela carência de reciprocidade emocional, pelo diminuto contato visual, pela dificuldade em compreender o que lhes é dito, como a ironia e o sarcasmo, e por determinada rejeição a contatos físicos. Outro ponto pertinente são as ocasionais crises, como o Meltdown, ocasionado por demasiados estímulos sensoriais e frustrações, o Shutdown, termo derivado da informática cujo significado é o desligamento do sistema e o Burnout, que consiste em um esgotamento físico e mental a longo prazo.

Também se encontra no espectro a rigidez comportamental, demonstrada pela consistência de padrões restritos e repetitivos de comportamento, interesses ou atividades, as quais prejudicam o indivíduo no decorrer de sua vivência ao se adaptar a novas situações e exigências da vivência social. É no decorrer dessas peculiaridades que se exige a melhor interpretação tanto das características do quadro quanto nas possíveis adaptações e consagrações de direitos que se fazem necessários à proporcionar a igualdade aos desiguais.

3.1 CRITÉRIOS DIAGNÓSTICOS PRESENTES NO DSM-V (F84.0)

Referenciado pelo código F84.0, são estabelecidos os critérios para o diagnóstico dessa condição:

  • No aspecto “A”7 se enquadram os déficits na reciprocidade socioemocional, ou seja, há a privação de habilidades sociais em todos os aspectos, como, por exemplo, na dificuldade de estabelecer conversas consideradas “naturais” e de produzir o compartilhamento de ideias e interesses de forma eficaz. Ainda no mesmo tema, há a dificuldade em desenvolver, manter e compreender relacionamentos.

  • No aspecto “B”8, estão presentes os movimentos estereotipados ou repetitivos, a adesão inflexível a rotinas ou padrões ritualizados de comportamento, sofrimentos extremos em relação a pequenas mudanças e dificuldades com a rigidez de pensamentos e padrões. Ademais, apresentam-se os interesses fixos e altamente restritos, comumente denominados de “hiperfocos” e “hiper” ou “hiporreatividade” a estímulos sensoriais.

A par dos critérios finais, referidos “C, D e E”9 o ponto aqui relevante se dá no ponto “D”, onde percebemos as limitações da deficiência como dificuldades imateriais, intangíveis, que, em muitas ocasiões são consideradas como “maus comportamentos” ao invés da real dificuldade que os cerca. É comum que as deficiências sejam visíveis, e, portanto, que o tratamento dessas também seja proporcional. A questão é que no espectro do autismo, especialmente em casos de nível de apoio 1 (um), o tratamento é subestimado e, em consequência, as oportunidades de inserção também se tornam diminutas.


4. IMPLICAÇÕES DO TRANSTORNO DO ESPECTRO AUTISTA NO DESENVOLVIMENTO E INTERAÇÃO SOCIAL

A finalidade de explicitar as dificuldades presentes no espectro se dá no conhecimento por parte da sociedade a fim de romper as barreiras da ignorância e proporcioná-los o devido tratamento e a igualdade de oportunidades, desvencilhando-se de um padrão de comportamento a todos imposto e na melhor adequação do ambiente social ao seu desenvolvimento.

O transtorno costuma aparecer por volta dos três anos de idade e se manifesta até a vida adulta, podendo os sintomas serem atenuados com ambientes escolares adequados, psicoterapias e programas adequados de intervenção, como o método terapêutico ABA, dito Análise do Comportamento Aplicado, o qual tem garantido resultados significativos para a vida das pessoas diagnosticadas.

Esse tratamento consiste em um método que se fundamenta na aprendizagem que visa reforçar bons comportamentos, com adequação a teoria Behaviorista. Nesse mesmo método, há intervenções quando necessárias, de forma a adaptar as necessidades de cada indivíduo e a aprimorar as habilidades proveitosas para a vida cotidiana e social, tendo como benefícios a autonomia, o autodesenvolvimento e a melhora na comunicação, uma das maiores dificuldades no espectro.

O primeiro ponto a ser explorado é a interação social, que, por vezes, é inadequada em relação a idade cronológica, consistindo em um óbice no desenvolvimento de atividades íntimas e de comunicação verbal e não verbal, incluindo a possível dificuldade de olhar nos olhos, a diminuta interação com as demais crianças e a carência de reciprocidade social e emotiva.

Incontestavelmente, é uma questão que embaraça o desenvolvimento intelectual nas escolas, locais onde majoritariamente não possuem estruturas para adequá-los e tratá-los de acordo com as suas especialidades. Ademais, essas características os levam ao isolamento social desde a infância, muitas vezes, inclusive, com tentativas ineficazes de integração, perante as quais são deixadas de lado por seus colegas. Consiste em uma problemática que se estende ao que nos referirmos aos autistas não verbais.

O ponto secundário se dá nos interesses restritos, aderência inflexível a rotinas e movimentos estereotipados. Entre os interesses restritos, destacam-se os denominados hiperfocos, geralmente tópicos nos quais o indivíduo com TEA despende maior parte do tempo se aprimorando, assim como na maior parte das ocasiões são alvo de suas conversas. A aderência inflexível a rotinas apresenta-se como formas de ritos nos quais o indivíduo precisa realizar para que não haja surpresas e alterações em seu costume, auxiliando no controle da ansiedade. Porém, se tornam óbices no progresso e amoldamento social em razão da fluidez cotidiana.

Outrossim, os movimentos estereotipados também estão presentes no transtorno, são esses movimentos corporais repetitivos demonstrados em momentos de estresse e dificuldades, servindo como reguladores emocionais. Tal fator repetidas vezes é relacionado ao bullying sofrido nas escolas.

4.1. EDUCAÇÃO NA INFÂNCIA E NA ADOLESCÊNCIA

A ponderar no quesito educacional, é de demasiada importância a adaptação ao ambiente escolar e a atenção plena dos educadores e colaboradores à necessidade do indivíduo inserido no espectro. Muito se fala em criação de escolas especiais, no método de ensino Homeschooling ou até mesmo na inserção de fato nas escolas comuns em detrimento das especiais. Devido à impossibilidade atual no ordenamento jurídico em relação à educação doméstica, o enfoque aqui será dado na integração em escolas comuns.

Luca Surian, docente de Psicologia do Desenvolvimento da Universidade de Trieste, autor do livro “Autismo: Informações essenciais para familiares, educadores e profissionais da saúde” elenca aspectos essenciais à inserção escolar nessa perspectiva. A principiar, o primeiro elemento se dá na identificação do transtorno, o que coaduna com o acesso ao diagnóstico precoce previsto pela Lei Berenice Piana em seu artigo terceiro, alínea “a”.

Estende-se o diagnóstico ao aspecto valoroso garantido no ordenamento jurídico pelo artigo terceiro parágrafo único da Lei Berenice Piana, que muitas vezes não se perfaz na prática, consistente no acompanhamento de profissionais da educação qualificados para garantir o desempenho almejado, nesse sentido, útil seria instituir encontros, tanto nas escolas particulares quanto em públicas, de formação e atualização aos professores de classe e de apoio para o maior conhecimento das peculiaridades do autismo e as metodologias didáticas mais efetivas. Na maioria das vezes há a necessidade de acompanhamento específico de profissionais em sala de aula, tanto que assim já decidiu a jurisprudência do Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo.10

Outro aspecto está na maior observância da truculência advinda dos colegas e por vezes até mesmo dos próprios professores. Devido aos seus comportamentos diversos, ao déficit social e aos transtornos motores não é incomum a discriminação, ao tempo em que a almejada aprendizagem se transforma em suplício cotidiano doloroso e improdutivo. Dessa forma, torna-se necessária a vigilância e apreensão desses atos destrutivos, bem como a conscientização do transtorno.

4.2. DESENVOLVIMENTO E DIREITOS NO MERCADO DE TRABALHO

A Constituição Federal de 1988 dispôs sobre o valor social do trabalho, consistindo o referido princípio que envolve o direito do trabalho em um elemento essencial para a melhoria da sociedade e das condições de vida dos trabalhadores, conduzindo os mesmos à estabilidade e às condições dignas de existência.

Em consonância com o referido princípio, a Lei Brasileira de Inclusão dispôs dos artigos trinta e quatro até o artigo quarenta a respeito do direito ao trabalho, da habilitação e reabilitação profissional, bem como da inclusão da pessoa com deficiência, respectivamente.

Nesse aspecto, é garantido no ordenamento jurídico os ambientes acessíveis e inclusivos, no Transtorno do Espectro do Autismo, tendo como característica a sensibilidade sensorial, alguns fatores devem ser considerados ao pretender a real condição do ambiente de trabalho, portanto, é de se considerar a concessão de ambientes tranquilos e silenciosos, bem como com a ausência de iluminação agressiva e a concessão de atenção devida ao indivíduo, de modo que as necessidades presentes no espectro não são categóricas, estando esse valor em consonância com o disposto em relação ao suporte individualizado que atenda as necessidades específicas.

Também é finalidade primordial das políticas públicas de trabalho e emprego promover e garantir condições de acesso e de permanência da pessoa com deficiência no campo de trabalho, devendo o poder público implementar serviços e programas completos de habilitação profissional para que a pessoa com deficiência possa ingressar, continuar ou retornar ao campo de trabalho. Desse mesmo modo, a prioridade deverá ser a pessoa com maior dificuldade de inserção no mercado de trabalho. No TEA, o ponto de destaque aqui se dá na dificuldade de comunicação, tanto em linguagem formal quando em linguagem corporal.

Por fim, outro aspecto garantido se dá na concessão de aconselhamento e de apoio aos empregadores, com vistas à definição de estratégias de inclusão e de superação das barreiras atitudinais.

Importante ressaltar que, apesar das dificuldades, há características do desenvolvimento mental autista que têm muito a contribuir com o desenvolvimento social, são exemplos a aderência plena a rotinas, hiperfocos e atenção aos mínimos detalhes, bem como a demasiada honestidade e dedicação ao trabalho.


5. DA INCAPACIDADE CIVIL À PLENA CAPACIDADE

Com o advento da Lei 13.146/2015, o Estatuto da Pessoa com Deficiência, houve a modificação no Código Civil no que tange a revogação expressa dos incisos I, II e III do artigo 3º pelo artigo 6º e 123 da lei, no qual eram considerados absolutamente incapazes aqueles que, por deficiência mental ou por enfermidade não tivessem o necessário discernimento para a prática dos atos da vida civil, bem como aqueles não pudessem exprimir sua vontade. O objetivo da referida lei, indubitavelmente, era assegurar e promover a inclusão social das pessoas com deficiência e garantir a igualdade de condições em relação às demais pessoas. Restaram considerados os absolutamente incapazes apenas aqueles menores de 16 (dezesseis) anos.

Nessa mesma questão, a depender do nível de apoio do indivíduo diagnosticado, há a possibilidade de ser adotada a medida chamada curatela, a fim de resguardar a proteção de natureza patrimonial e negocial, é importante advertir o fato de que os atos da vida existencial do mesmo não podem ser limitados.

Essa curatela só poderá ocorrer de forma judicial, desde que comprovado que a pessoa com autismo não possui condições para gerir o próprio patrimônio e, nesse procedimento, poderá ser solicitada a perícia psiquiátrica a fim de averiguar a situação completa. No entanto, essa medida só será aplicada em casos excepcionais em que o indivíduo realmente necessite dessa proteção. Em regra, a capacidade é plena para todos os atos da vida civil.

Além do mais, para todos os efeitos legais, a pessoa no Transtorno do Espectro Autista é amparada legalmente no Estatuto da Pessoa com Deficiência, consagrada no artigo 2º, em que “considera-se pessoa com deficiência aquela que tem impedimento de longo prazo de natureza física, mental, intelectual ou sensorial”, acrescentada a declaração de que essa condição pode “obstruir sua participação plena e efetiva na sociedade em igualdade de condições com as demais pessoas”.


6. DA PROTEÇÃO À PESSOA AUTISTA

Em face da evolução das ciências médicas e jurídicas, despontou a necessidade de maior regulamentação a fim de amparar as garantias devidas. Ambas as leis aqui demonstradas são recentes, isso não é nada mais que um reflexo da inobservância das singularidades por parte da sociedade que há tanto tempo quedou-se inerte.

De acordo com o Centro de Controle de Doenças e Prevenção do governo dos EUA, o Transtorno do Espectro Autista acomete uma em cada cinquenta e quatro crianças. Muito se comenta a respeito de uma suposta “epidemia” de autismo, porém, essa tese não se sustenta.

Fato é que, hodiernamente, devido a adoção de um conceito mais amplo, no qual se constitui em um espectro formador de uma tríade de prejuízos, um maior número de pessoas passou a ser diagnosticado nessa categoria. Além disso, o amplo acesso à informação e a conscientização de clínicos e da comunidade também favoreceu seu reconhecimento.

6.1 LEI BERENICE PIANA (LEI Nº 12.764/2015)

A Lei 12.764/12 instituiu a política nacional de proteção dos direitos da pessoa com transtorno do espectro autista, bem como estabeleceu diretrizes para a sua consecução. Nela foram dispostas medidas importantes em relação à consagração de seus direitos.

Inicialmente, houve a inserção do TEA na Lei 13.146/15, a qual dispõe sobre a inclusão da pessoa com deficiência, portanto, de acordo com o parágrafo segundo do artigo primeiro da lei 12.764/12, a pessoa inserida no Transtorno do Espectro Autista é considerada pessoa com deficiência para todos os efeitos legais.

Nela foram adotados os critérios diagnósticos do DSM-V já aqui explicados. Esses critérios se mostram presentes no Artigo 1º §1º incisos I e II.

A referida lei, em suas diretrizes, determinou a intersetorialidade no desenvolvimento das ações, das políticas e no atendimento, a participação da comunidade e a formulação de políticas públicas, bem como o controle social da sua implantação. Em conexão, a instituição do dever de informar as características inerentes ao TEA estabelecida pelo IBGE favorecerá essa determinação.

Determinou também a atenção integral em relação à saúde, o estímulo à inserção no mercado de trabalho, a responsabilidade do poder público quanto à informação pública relativa ao transtorno, o incentivo à formação e à capacitação de profissionais especializados e aos pais e responsáveis.

A lei ainda ressalta que a pessoa não será submetida a tratamento desumano ou degradante, não será privada de sua liberdade ou convívio familiar e nem sofrerá discriminação por motivo da deficiência.

Além disso, frisou o cometimento de infração ao gestor escolar ou autoridade competente que recuse a matrícula de aluno tanto no espectro quanto em qualquer tipo de deficiência, bem como sua respectiva punição de multa ao valor de três a vinte salários-mínimos, e em caso de reincidência, a perda do cargo.

6.2 LEI ROMEO MION (LEI Nº 13.977/2020)

A recente lei alterou a Lei Berenice Piana e instituiu a CIPTEA (Carteira de Identificação da Pessoa com Transtorno do Espectro Autista). Esse documento facilita o acesso a direitos básicos e essenciais.

Em relação ao direito prioritário, no parágrafo terceiro do artigo segundo, foi determinado à utilização pelos estabelecimentos públicos e privados do símbolo mundial da conscientização do espectro autista, representado pela fita quebra-cabeça.

A CIPTEA, presente no artigo terceiro “A” visou a garantia da atenção integral, o pronto atendimento e prioridade no atendimento e no acesso aos serviços públicos e privados, em especial nas áreas da saúde, educação e assistência social.

6.3 MECANISMO CONSTITUCIONAL DE DEFESA

Como forma de proteção aos direitos materiais, a obrigação de fazer, regida pelos princípios da eticidade e socialidade consiste no simples cumprimento de uma tarefa ou atribuição por parte do devedor, podendo este ser um ente público ou um ente privado. Nesse sentido, trata-se de procedimento hábil para a respectiva consecução, como é visto nos julgados do Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo.11

Por outro lado, a referida proteção também poderá ser efetivada por meio do mandado de segurança. Regulado pela Lei 12.016 de 7 de agosto de 2009, o mandado de segurança individual aborda uma ação constitucional de natureza civil destinada à proteção de direito líquido e certo do impetrante, sempre que houver lesão ou ameaça de lesão àquele direito, por parte de autoridade pública ou de pessoa jurídica de direito privado no exercício delegado de funções do Poder Público. Trata-se de um remédio constitucional cabível à tutela dos direitos da saúde sempre que houver a ilegalidade ou abuso de poder, sendo aplicado tanto de forma preventiva quanto de forma repressiva.

Em relação ao direito líquido e certo, este se baseia em uma expressão de natureza processual, de forma que a parte demonstrará o direito em tela com a plena comprovação documental logo na petição inicial, sob pena de ser extinto o processo e denegada a segurança, cabendo ressaltar aqui que o mandado de segurança não admite dilação probatória. Porém, no que tange a necessidade de direito induvidoso, é de entendimento do Supremo Tribunal Federal na súmula nº 625 que controvérsia sobre matéria de direito não impede concessão de mandado de segurança.

No que tange à aplicação do mandamus na consagração dos direitos aos portadores de deficiência, se faz mister a possibilidade da tutela de urgência quando houver fundamento relevante e do ato puder resultar a ineficácia da medida, caso seja finalmente deferida. Por muitas vezes não é o caso da aplicação no Transtorno do Espectro do Autismo, porém, a depender da prova pré-constituída e suporte fático, pode o mesmo ser considerado, como se pode perceber no seguintes julgados do Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo abaixo.12

Dessa forma, observa-se a concretização, ainda que esparsa, dos direitos relativos ao espectro do autismo, de forma a proporcionar a real inserção na sociedade.

6.4 ANÁLISE DOS DEMAIS DIREITOS E NORMAS EM PROCEDIMENTOS DE REGULAMENTAÇÃO

A Lei Brasileira de Inclusão da Pessoa com Deficiência dispõe no artigo 3º o conceito de barreiras, consistentes em quaisquer obstáculos e comportamentos que limitem ou impeçam a participação social e a fruição de seus direitos, bem como dispõe o inciso IV alínea ‘e’, conceituando as barreiras atitudinais, sendo estas atitudes ou comportamentos que impeçam ou prejudiquem a participação social da pessoa com deficiência em igualdade de condições e oportunidades com as demais pessoas.

Da mesma forma, o artigo 14 da referida lei explicita o direito à habilitação e reabilitação, cujo objetivo é o desenvolvimento de potencialidades que contribuam para a conquista da autonomia e de sua efetiva participação social, bem como, no artigo 15, inciso III, determina como sua respectiva diretriz a atuação permanente, integrada e articulada de políticas públicas que possibilitem a plena participação social da pessoa com deficiência.

6.4.1 Do diagnóstico com validade indeterminada e do benefício assistencial à pessoa com deficiência

Atualmente em tramitação, o Projeto de Lei (PL 2.352/2022), proposto pela Senadora Ivete da Silveira, estabelece que o laudo de diagnóstico que identifique o transtorno do espectro autista tenha validade indeterminada, objetivando a dignidade e respeito às pessoas autistas que buscam a legítima obtenção dos benefícios do INSS, bem como o benefício da prestação continuada (BPC).

Assevera acertadamente que a proposta é justificada enfatizando a dificuldade, demora e complexidade que os autistas têm para recorrer constantemente a laudos que contestam sua condição, o que, inevitavelmente, prejudica o desenvolvimento como um todo. Também se justifica ao fato de não ocorrer a modificação da condição com o decurso do tempo, trata-se de uma condição neuropsíquica na qual não há ainda nenhum indício de que possa ser curada, de forma que as terapias e tratamentos recomendados não apresentam o fim da condição, mas sim, a diminuição de desconfortos e melhorias nas habilidades como um todo.

Em decorrência, este projeto altera a Lei 12.764/2012 e favorece o benefício assistencial à pessoa com deficiência (BPC), pertencente a Lei Orgânica de Assistência Social (Lei Nº 8.742) de 7 de dezembro de 1993. Este benefício consiste na garantia de um salário-mínimo mensal à pessoa com deficiência que comprove não possuir meios de prover à própria manutenção, nem de tê-la provida por sua família. Na prática, poderá ser concedido à pessoa com deficiência de qualquer idade, comprovadas mediante a avaliação médica e social do INSS as condições capazes de lhe causar impedimentos de natureza física, mental, intelectual ou sensorial de longo prazo, que impossibilite de participar de forma plena e efetiva na sociedade em igualdade de condições, e, cumulativamente, é necessário que a renda por pessoa do grupo familiar seja igual ou menor que ¼ do salário-mínimo.

6.4.2 Da isenção do Imposto sobre Produtos Industrializados na aquisição de automóveis

Em que pese o entendimento anterior relativo à isenção ser possível apenas aos deficientes físicos cujas necessidades se estendiam às adaptações nos automóveis, é de entendimento atual a extensão à todas as moléstias enquadradas no Estatuto da Pessoa com Deficiência, de forma a sagrar o princípio da isonomia.

Para a obtenção da isenção de IPI deverá o interessado solicitar autorização da Receita Federal, constando a documentação comum e o laudo médico que comprove a condição. No caso do TEA, poderá obter diretamente ou por intermédio de seu representante legal a isenção, para um único carro, a cada 3 (três) anos.

No que tange ao IPVA, sendo este um imposto estadual, é regulamentado aqui, no Estado de São Paulo pela Lei Nº 13.296 de 23 de dezembro de 2008, a qual dispõe em seu artigo treze o direito à isenção do IPVA concedido à pessoa no espectro.13

Por fim, em relação ao ICMS, deverá a pessoa, domiciliada no Estado de São Paulo preencher requerimento no portal da Secretaria da Fazenda do Estado com os devidos comprovantes documentais.

6.4.3 Da redução da jornada de trabalho e da ampliação dos benefícios aos responsáveis legais

Em recente julgado do Tribunal de Justiça de São Paulo houve a concessão de redução de jornada à genitora de criança com TEA.14 O acórdão em questão aborda agravo de instrumento contra decisão que concedeu a tutela antecipada para determinar a redução da jornada de trabalho da autora em 50% independente de compensação e sem redução dos vencimentos, caminhando de acordo com o disposto no artigo 98 do Estatuto dos Servidores Públicos Federais (Lei Nº 8.112/90).15

Ao caso em concreto, a servidora pleiteou a redução da jornada de trabalho com o intuito de cuidar e acompanhar os diversos tratamentos a que se submete sua filha, diagnosticada com TEA, tais que demandam o seu acompanhamento. Nesse aspecto, é considerável dizer que no espectro também há diversas dificuldades cotidianas cumuladas à característica de disfunção executiva, resultando, por muitas vezes, na necessidade de acompanhamento em tempo integral.

A justificativa quanto à negativa de provimento ao recurso se deu perante a observância aos princípios constitucionais, em especial o da dignidade da pessoa humana, bem como nas disposições contidas na Convenção da ONU sobre os direitos da pessoa com deficiência, incorporada à legislação brasileira por meio do Decreto nº 6.949/2009 e no Estatuto da Pessoa com Deficiência.

6.4.4 Dos concursos públicos e vestibulares em condições especiais

Decisão16 da quinta turma do Tribunal Regional Federal da 1ª Região (TRF1) publicada em 27/07/2022 acertadamente concedeu a possibilidade da adoção de condições especiais consistentes em tempo adicional de 01 (uma) hora e 30 (trinta) minutos e realização da avaliação em sala separada à pessoa portadora de autismo na realização dos exames de vestibular ITA ainda que não previsto no edital. Baseou-se nos princípios da razoabilidade e da igualdade de oportunidades, bem como na Lei Brasileira de Inclusão.

Fato é que ainda há uma devassa ausência de aplicabilidade no que tange às deficiências, ressaltando-se na deficiência invisível que consiste o Transtorno do Espectro Autista, de modo que poucos são os seus reconhecimentos e aplicabilidades na vida prática. Nesse caso em concreto, houve o reconhecimento das condições, resultando na adoção de medidas favoráveis a propiciar o almejado desenvolvimento.

A Lei Brasileira de Inclusão em seu artigo trinta17 dispôs a respeito do atendimento preferencial das instituições de ensino aos estudantes com deficiência, valendo esse atendimento tanto nos processos seletivos para ingresso como na permanência nos cursos. Tal medida é eficaz no Exame Nacional do Ensino Médio, desde que feito o requerimento no momento da inscrição, podendo também ser disponibilizada sala separada e hora adicional.

Em relação aos concursos públicos, conforme o decreto 3.298/99, 5% a 20% das vagas são destinadas às pessoas que comprovam por meio de laudos médicos suas deficiências perante o órgão responsável do concurso em questão e, devido ao disposto na Lei nº 12.764, isto também se aplica ao portador de TEA. Além da realização da prova em sala individual e do tempo adicional, também há a possibilidade de auxílio para preencher o gabarito, assegurando a lei a igualdade de condições em relação as que não possuem nenhuma deficiência.


7. CONSIDERAÇÕES FINAIS

Esse artigo empenhou-se na conscientização e na busca da isonomia real e igualdade de oportunidades aos indivíduos que estão no Transtorno do Espectro Autista. Observou-se que o reconhecimento e o tratamento equânime da condição vêm evoluindo gradativamente, de modo que tanto as contemporâneas normas vigentes quanto as em processo de elaboração vêm se atentando às subjetividades que contornam o espectro.

Ao longo deste estudo, as principais colocações incidiram no que tange a inserção efetiva no âmbito da saúde, no desenvolvimento e direitos relativos à educação e mercado de trabalho, os quais, mediante a correta identificação permitem o acesso a condições especiais, tais como o acompanhamento nas escolas e no acesso à educação superior, bem como a realização de concursos em condições especiais. Também foram verificadas as leis de proteção à pessoa autista e o enquadramento do TEA no Estatuto da Pessoa com Deficiência.

O óbice em questão ocorre na estigmatização de toda e qualquer pessoa que se apresente de forma diversa perante a sociedade, assim como na não validação ante o desconhecimento dos sintomas expostos nos diversos contextos da vida social, havendo a necessidade de maior comento nos meios de comunicação a fim de desmistificar falsas crenças e estereótipos.

Destarte, ainda há muito a ser explorado ora no ramo das ciências médicas e psicológicas ora no ramo das ciências sociais e jurídicas a respeito do tema, inclusive, tendo como prioridade a elaboração de normas principiadas à partir de ambas perspectivas, atendo-se às particularidades dos indivíduos no transtorno e em como isso os compromete no meio social.


REFERÊNCIAS

AMERICAN PSYCHIATRIC ASSOCIATION – APA. Manual diagnóstico e estatístico de transtornos mentais: DSM-5. Porto Alegre: Artmed, 2014.

CAROLINE, Mademoiselle; DACHEZ Julie. A diferença invisível. 1. ed. São Paulo: Nemo, 2017.

DANTAS, Paulo Roberto de Figueiredo. Direito processual constitucional. 8. ed. São Paulo: Saraiva Educação, 2018.

GRANDIN, Temple e PANEK, Richard. O cérebro autista. 1 ed. Rio de Janeiro: Editora Record, 2015.

Projeto prevê que laudos de autismo tenham validade indeterminada. Fonte: Agência Senado.

RAMOS, André de Carvalho. Curso de Direitos Humanos. 7. ed. São Paulo: Saraiva Educação, 2020.

Senado aprova obrigatoriedade de cobertura de tratamentos fora do rol da ANS: matérias da Agência Senado.

SILVA, Ana Beatriz Barbosa; GAIATO, Mayra Bonifácio; REVELES, Leandro Thadeu; Mundo Singular: Entenda o autismo. 1 ed. Rio de Janeiro: Fontanar, 2012.

SILVA, José Afonso. Curso de Direito Constitucional Positivo. 43 ed. São Paulo: Malheiros, 2020.

SILVA, Virgílio Afonso. Direito Constitucional Brasileiro. 1. ed. São Paulo: Editora da Universidade de São Paulo, 2021.

SURIAN, Luca. Autismo: Informações essenciais para familiares, educadores e profissionais da saúde. 1 ed. São Paulo: Paulinas, 2010.

TARTUCE, Flávio. Manual de Direito Civil: volume único. 11. ed. Rio de Janeiro: Forense; METODO, 2021.


Notas

  1. “Artigo 25 da Declaração Universal de Direitos Humanos: Todos os seres humanos têm direito a um padrão de vida capaz de assegurar a saúde e bem‑estar de si mesmo e da sua família, inclusive alimentação, vestuário, habitação, cuidados médicos e os serviços sociais indispensáveis, e direito à segurança em caso de desemprego, doença, invalidez, viuvez, velhice ou outros casos de perda dos meios de subsistência fora do seu controle.”

  2. “Artigo 10. Direito à Saúde 1. Toda pessoa tem direito à saúde, compreendendo-se como saúde o gozo do mais alto nível de bem-estar físico, mental e social. 2. A fim de tomar efetivo o direito à saúde, os Estados-Partes comprometem-se a reconhecer a saúde como bem público e, especialmente, a adotar as seguintes medidas para garantir esse direito: a) assistência primária a saúde, entendendo-se como tal à assistência médica essencial ao alcance de todas as pessoas e famílias da comunidade; b) extensão dos benefícios dos serviços de saúde a todas as pessoas sujeitas à jurisdição do Estado; c) total imunização contra as principais doenças infecciosas; d) prevenção e tratamento das doenças endêmicas, profissionais e de outra natureza; e) educação da população com referência à prevenção e ao tratamento dos problemas da saúde; e f) satisfação das necessidades de saúde dos grupos de mais alto risco e que, por sua situação de pobreza, sejam mais vulneráveis.“

  3. Art. 196. A saúde é direito de todos e dever do Estado, garantido mediante políticas sociais e econômicas que visem à redução do risco de doença e de outros agravos e ao acesso universal e igualitário às ações e serviços para sua promoção, proteção e recuperação.

  4. I. tenha eficácia comprovada cientificamente; II. seja recomendado pela Comissão Nacional de Incorporação de Tecnologias no Sistema Único de Saúde (Conitec); ou III. seja recomendado por pelo menos um órgão de avaliação de tecnologias em saúde com renome internacional. (Fonte: Agência Senado).

  5. A. “Déficits persistentes na comunicação social e na interação social em múltiplos contextos, conforme manifestado pelo que segue, atualmente ou por história prévia (os exemplos são apenas ilustrativos, e não exaustivos;”

  6. B. “Padrões restritos e repetitivos de comportamento, interesses ou atividades, conforme manifestado por pelo menos dois dos seguintes, atualmente ou por história prévia (os exemplos são apenas ilustrativos, e não exaustivos);”

  7. C. “Os sintomas devem estar presentes precocemente no período do desenvolvimento (mas podem não se tornar plenamente manifestos até que as demandas sociais excedam as capacidades limitadas ou podem ser mascarados por estratégias aprendidas mais tarde na vida).

    D. Os sintomas causam prejuízo clinicamente significativo no funcionamento social, profissional ou em outras áreas importantes da vida do indivíduo no presente.

    E. Essas perturbações não são mais bem explicadas por deficiência intelectual (transtorno do desenvolvimento intelectual) ou por atraso global do desenvolvimento. Deficiência intelectual ou transtorno do espectro autista costumam ser comórbidos; para fazer o diagnóstico da comorbidade de transtorno do espectro autista e deficiência intelectual, a comunicação social deve estar abaixo do esperado para o nível geral do desenvolvimento.”

  8. REMESSA NECESSÁRIA. MANDADO DE SEGURANÇA. EDUCAÇÃO. Criança portadora de Transtorno do Espectro Autista (TEA). Pedido de disponibilização de profissional de apoio dentro da sala de aula. Direito líquido e certo amparado pela Constituição Federal e pelas normas infraconstitucionais. Sentença que concedeu a ordem e que merece parcial reparo, a fim de constar que o profissional designado não precisa atender exclusivamente a autora. Reexame necessário parcialmente provido. (TJSP; Remessa Necessária Cível 1004975-03.2021.8.26.0361; Relator (a): Silvia Sterman; Órgão Julgador: Câmara Especial; Foro de Mogi das Cruzes - Vara da Infância e Juventude; Data do Julgamento: 04/08/2022; Data de Registro: 04/08/2022)

  9. “Plano de saúde. Serviços médicos e hospitalares. Menor impúbere (05 anos de idade) com diagnóstico de Transtorno do Espectro Autista (TEA). Prescrição médica positiva para acompanhamento multidisciplinar, mediante terapias não convencionais (fonoaudiologia, psicopedagogia, psicologia, terapia ocupacional por método sensorial, equoterapia, hidroterapia e musicoterapia). Negativa de custeio fundada em cláusula contratual restritiva. Irrelevância se o procedimento não corresponde às diretrizes de utilização estabelecidas no rol da ANS e se há exclusão contratual. Tratamentos utilizados para auxiliar no desenvolvimento físico e psicológico de indivíduos portadores de algum tipo de atraso ou déficit de desenvolvimento. Terapias especialmente indicadas a casos como o do autor. Recusa da operadora de saúde que se afigura abusiva. Inviabilidade da negativa de custeio por limitação do número de sessões. Art. 21 da Resolução ANS no 428/2017 que impõe a cobertura de sessões de terapia ocupacional de forma abrangente. Conduta que implica na concreta inutilidade do negócio protetivo. Desequilíbrio contratual no exercício abusivo do direito que se evidencia na desigualdade material de poder. Prestadora que confunde boa-fé com interesse próprio. Menoscabo com o consumidor. Lesão à dignidade humana. Interpretação que fere a boa-fé objetiva e contrapõe-se à função social do contrato (arts. 421 e 422 do Cód. Civil). Conduta que a doutrina moderna caracteriza como ilícito lucrativo. Incidência dos arts. 4º, caput, 7º, 46, 47 e 51, IV, do CDC. Cobertura integral devida. Terapias que devem ser realizadas preferencialmente na rede credenciada, ou, na sua impossibilidade, mediante reembolso integral. Precedentes. Sentença mantida. Recurso desprovido.” (Apelação Cível 1015638-19.2018.8.26.0554; Relator: Rômolo Russo; 7a Câmara de Direito Privado; Data do Julgamento: 02/03/2020; Data de Registro: 02/03/2020)”

  10. “MANDADO DE SEGURANÇA. Alvará. Pedido de levantamento de valores existentes em plano de previdência privada (PGBL) a fim de custear o tratamento do menor, portador de transtorno do espectro autista. Decisão de indeferimento, ao argumento de que o levantamento deverá aguardar a maioridade. Possibilidade de levantamento de valores a serem revertidos em benefício do menor. Ausência de prejuízo e de conflitos de interesse da genitora em relação ao menor, bem como de má administração. Presunção de boa-fé de que os valores se destinam à continuidade do tratamento, assegurando melhores condições de saúde e possibilitando a integração social. Aplicabilidade do art. 1.689, incisos I e II, do Código Civil. "Mandamus" que, na hipótese, não se presta a substituir o recurso cabível, mas a assegurar o direito líquido e certo do menor e da impetrante, sua representante. Levantamento autorizado, com determinação de que sejam prestadas contas nos autos, no prazo de 30 dias. Segurança concedida. (TJSP; Mandado de Segurança Cível 2137572-95.2022.8.26.0000; Relator (a): José Rubens Queiroz Gomes; Órgão Julgador: 7ª Câmara de Direito Privado; Foro de Matão - 1ª Vara Cível; Data do Julgamento: 29/07/2022; Data de Registro: 29/07/2022).”

    “AGRAVO DE INSTRUMENTO. MANDADO DE SEGURANÇA. EDUCAÇÃO. PROFESSOR AUXILIAR. MENOR ACOMETIDO POR AUTISMO. Acompanhamento especial na sala de aula. Necessidade do atendimento evidenciada. Medida indispensável para concretização do direito fundamental à educação. Regime jurídico dos arts. 205 e 208, III e VII, CF; arts. 53, caput, I, 54, III; e 208, II, do ECA; arts. 58 a 60, da Lei nº 9.394/96; e art. 3º., par. único, da Lei nº. 12.764/12. Presença dos requisitos do art. 7º., inc. III, da Lei nº. 12.016/2009, para concessão da liminar. Ausência de violação à autonomia administrativa e à separação dos poderes. Súmula nº. 65 do TJSP. Anotação de prazo para cumprimento da ordem judicial. Precedentes da Câmara Especial. RECURSO PARCIALMENTE PROVIDO. (TJSP; Agravo de Instrumento 3004015-92.2022.8.26.0000; Relator (a): Sulaiman Miguel; Órgão Julgador: Câmara Especial; Foro de Presidente Epitácio - 2ª Vara; Data do Julgamento: 05/09/2022; Data de Registro: 05/09/2022)”

  11. “Artigo 13-A - Fica assegurado o direito à isenção do IPVA para um único veículo de propriedade de pessoa portadora de transtorno do espectro do autismo em grau moderado, grave ou gravíssimo, ou com deficiência física, sensorial, intelectual ou mental, moderada, grave ou gravíssima, ou de seu representante legal, na forma e nas condições estabelecidas pelo Poder Executivo.

  12. Agravo de instrumento. Servidora. Redução da jornada de trabalho, sem redução de vencimentos, com o intuito de cuidar de filha e do quadro de saúde decorrente de transtorno do espectro autista. Decisão que deferiu pedido de tutela de urgência. Irresignação da ré. Desacolhimento. Ausência de elementos que permitam desconstituir a presunção de dependência integral entre genitora e filho para continuidade do tratamento. Redução de jornada é medida possível a partir do dever do Estado de promover o pleno desenvolvimento e inclusão das pessoas portadoras de deficiência. Lei nº 12.146/15 e Convenção da ONU sobre os direitos da pessoa com deficiência. Decisão mantida. Recurso desprovido. (TJSP; Agravo de Instrumento 2162097-44.2022.8.26.0000; Relator (a): Fernão Borba Franco; Órgão Julgador: 7ª Câmara de Direito Público; Foro de Osasco - 2ª Vara da Fazenda Pública; Data do Julgamento: 23/08/2022; Data de Registro: 23/08/2022)

  13. Art. 98. Será concedido horário especial ao servidor estudante, quando comprovada a incompatibilidade entre o horário escolar e o da repartição, sem prejuízo do exercício do cargo.

    § 2º Também será concedido horário especial ao servidor portador de deficiência, quando comprovada a necessidade por junta médica oficial, independentemente de compensação de horário.

    § 3º As disposições constantes do § 2º são extensivas ao servidor que tenha cônjuge, filho ou dependente com deficiência.

  14. Ensino superior. Instituto Tecnológico de Aeronáutica - ITA. Concurso de admissão. Pessoa com deficiência. Condições especiais para a realização dos exames. Tempo adicional e sala individual. Omissão do edital. Princípio da razoabilidade. Igualdade de oportunidades. Reconhecimento do direito.

    A educação é dever do Estado garantido mediante atendimento educacional especializado às pessoas com deficiência, nos termos do art. 208, III, da Constituição Federal. Por seu turno, prevê o art. 1º, § 2º, da Lei 12.764/2012 que a pessoa com transtorno do espectro autista é considerada pessoa com deficiência, para todos os efeitos legais. Ao realizar sua inscrição no vestibular do Instituto Tecnológico da Aeronáutica – ITA, o candidato constatou a não previsão no edital do certame de condições especiais para candidatos com deficiência. A demonstração, conforme laudo médico, de que precisaria de sala individual e de tempo adicional para realizar as provas, bem como a necessidade de contornar a situação de desigualdade a que estaria sujeito em caso de não serem atendidas as suas demandas especiais, assegurou ao candidato o seu direito a atendimento especializado e de não ser eliminado na inspeção de saúde, em razão exclusiva do seu diagnóstico de autismo. Unânime. (ReeNec 1033135-66.2020.4.01.3800 – PJe, rel. des. federal Daniele Maranhão, em 27/07/2022.)

  15. Art. 30. Nos processos seletivos para ingresso e permanência nos cursos oferecidos pelas instituições de ensino superior e de educação profissional e tecnológica, públicas e privadas, devem ser adotadas as seguintes medidas: I - atendimento preferencial à pessoa com deficiência nas dependências das Instituições de Ensino Superior (IES) e nos serviços; II - disponibilização de formulário de inscrição de exames com campos específicos para que o candidato com deficiência informe os recursos de acessibilidade e de tecnologia assistiva necessários para sua participação; III - disponibilização de provas em formatos acessíveis para atendimento às necessidades específicas do candidato com deficiência; IV - disponibilização de recursos de acessibilidade e de tecnologia assistiva adequados, previamente solicitados e escolhidos pelo candidato com deficiência; V - dilação de tempo, conforme demanda apresentada pelo candidato com deficiência, tanto na realização de exame para seleção quanto nas atividades acadêmicas, mediante prévia solicitação e comprovação da necessidade; VI - adoção de critérios de avaliação das provas escritas, discursivas ou de redação que considerem a singularidade linguística da pessoa com deficiência, no domínio da modalidade escrita da língua portuguesa;


AUTISM SPECTRUM DISORDER: FROM INTEGRATION AND INCLUSION IN SOCIETY, FROM DEVELOPMENT TO THE FULLNESS OF ITS CAPACITY AND UNFOLDINGS OF CURRENT RIGHTS

Abstract: This paper sought to identify the characteristics present in the Autistic Spectrum Disorder, its consequences in the face of social dynamism and the effective equal insertion, highlighting the difficulties of integration and the need for personalized treatment. The autistic spectrum, nowadays, acknowledging the contributions of medical sciences, has become more sensibly understood and, since the law considers the human being as an end, the need for specific regulations has arisen to provide them with the desired equality of conditions, and the State and society itself must treat them according to their respective subjectivities. Following this pondering allows us to perceive, on the one hand, the richness and diversity of the human mind and, on the other, that the needs of everyone are different and must be deeply respected. In this sense, here were explored the applicable norms and reflections about the development of the human being inserted in the TEA, as well as the evolution of human demands in the face of scientific and social progress.

Keywords: Autism Spectrum Disorder. The principle of isonomy. Protection laws.


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Trabalho elaborado sob orientação do Prof. Dr. José Roberto Anselmo.

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

TEIXEIRA, Giovanna Rehm. Transtorno do espectro autista. Da integração e inclusão no corpo social, do desenvolvimento à plenitude de sua capacidade e desdobramentos dos atuais direitos. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 28, n. 7447, 21 nov. 2023. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/107280. Acesso em: 10 maio 2024.