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Código de ética do servidor civil e sua inaplicabilidade ao militar

Código de ética do servidor civil e sua inaplicabilidade ao militar

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Inexistindo um Código de Ética dos Militares, não se lhes aplica o Código de Ética do Servidor Civil, porque o Decreto que aprovou este último não tem os militares como destinatários.

Dada a inexistência de um Código de Ética dos Militares, não se pode aplicar-lhes o Código de Ética do Servidor Civil, porque o Decreto Presidencial que aprovou este último não indica os militares como destinatários, e nem poderia fazê-lo, sob pena de incidir em ilegalidade.

A diferença da natureza da ética civil e da ética militar é tão profunda que nem se pode imaginar um servidor civil prestando compromisso idêntico ao prestado pelo militar, ao ingressar na carreira, no sentido de dedicar-se com exclusividade "ao serviço da Pátria, cuja honra, integridade e instituições" jura defender "com o sacrifício da própria vida". E este compromisso não está apenas na lei. Este compromisso é assumido com a alma e o coração.

Ineficácia da Portaria Ministerial que baixou o Regimento Interno da Comissão de Ética do Ministério da Defesa [01], na parte em que contraria o Decreto Presidencial, que aprovou o Código de Ética do Servidor Civil, ao sujeitar ao império de suas regras os militares da ativa e da reserva, porque estes, mesmo naquele Ministério, continuam sujeitos às normas éticas e às penalidades correspondentes do Estatuto e dos Regulamentos Disciplinares Militares.

O fato de encontrar-se qualquer militar em missão de assessoria no Ministério da Defesa, não o subordina ao Código de Ética do Servidor Civil, por vários motivos:

a) trata-se de um órgão ao qual compete, constitucional e legalmente, a assessoria ao Comandante Supremo das Forças Armadas relacionada ao "emprego de meios militares, pelo Conselho Militar de Defesa" e "aos demais assuntos pertinentes à área militar" (LC nº 97/1999, art. 2º, I e II, e §§ 1º e 2º);

b) o Ministro de Estado da Defesa compete "a direção superior das Forças Armadas, assessorado pelo Conselho Militar de Defesa, órgão permanente de assessoramento, pelo Estado-Maior de Defesa, pelas Secretarias e demais órgãos, conforme definido em lei" (LC nº 97/1999, art. 9º);

c) o Estado-Maior de Defesa tem "como Chefe um Oficial-General do último posto, da ativa, em sistema de rodízio entre as três Forças" (LC nº 97/1999, art. 10);

d) "compete ao Estado-Maior de Defesa elaborar o planejamento do emprego combinado das Forças Armadas e assessorar o Ministro de Estado da Defesa na condução dos exercícios combinados e quanto à atuação de forças brasileiras em operações de paz" (LC nº 97/1999, art. 11).

Conclusão irrefutável é que, dada a missão constitucional e legal do Ministério da Defesa, o militar, ainda que na reserva, seja designado para atuar neste Ministério, no exercício de atribuições com o uso predominante de conhecimentos técnicos de natureza militar, inclusive a nível de assessoria em "assuntos pertinentes à área militar" e ao "emprego de meios militares" (LC nº 97/1999, art. 2º, I e II, e §§ 1º e 2º), não se converte em servidor civil, pelo menos para fins de subordinação aos preceitos do Código de Ética do Servidor Civil.

Ilegalidade dos dispositivos da Portaria Ministerial – que institui Comissão de Ética do Ministério da Defesa – na parte em que, em sentido contrário ao Decreto Presidencial e ao Estatuto e aos Regulamentos Disciplinares dos Militares, impõe aos militares o Código de Ética do Servidor Civil, ignorando que este não foram contemplados no Decreto Presidencial que aprovou o Código de Ética do Servidor Civil.


INTRODUÇÃO

O objeto deste parecer consiste em tentar responder às seguintes questões de fato e de direito:

a) os militares da reserva ocupantes de cargo em comissão no Ministério da Defesa e nos órgãos vinculados a este podem validamente ser considerados servidores civis, para fins de aplicação do Código de Ética do Servidor Público Civil aprovado pelo Decreto nº 1.171, de 22.06.1994?

b) os militares da Marinha, do Exército e da Aeronáutica, quando à disposição do Ministério da Defesa, podem ser validamente submetidos à menção de censura ética, instituída pelo Decreto nº 1.171, de 22.06.1994, que aprovou o Código de Ética do Servidor Público Civil do Poder Executivo Federal?

c) sendo certo que o Estatuto dos Militares estabelece que a violação a idênticos preceitos éticos consubstancia contravenção, transgressão disciplinar ou crime militar, conforme a gravidade da conduta, pode o Regimento Interno da Comissão de Ética dar-lhe tratamento diferenciado?

Em síntese, a questão a ser dirimida reside em definir se o militar da ativa, à disposição do Ministério da Defesa, assim como o da reserva ocupante de cargo em comissão ou função comissionada no mesmo Ministério ou nos órgãos a este vinculados, poderão ser submetidos validamente às normas do Código de Ética do Servidor Civil ou se haveria necessidade de um Código de Ética específico para o Militar, igualmente aprovado por Decreto Presidencial, da mesma forma que o Código de Ética do Servidor Civil.

A necessidade de uma solução para estes questionamentos surge porque o Regimento Interno da Comissão de Ética do Servidor Civil do Ministério da Defesa não se limitou a estabelecer normas destinadas à subordinação apenas relativamente ao servidor civil, ao incluir sob seu raio de eficácia igualmente os militares tanto da ativa como da reserva, quando que em exercício neste Ministério.


ATRIBUIÇÕES LEGAIS DO MINISTÉRIO DA DEFESA

A resposta aos questionamentos sobre a subordinação ou não dos militares, da ativa e ou da reserva, em atividade no Ministério da Defesa, aos preceitos de um Código de Ética destinado aos Servidores Civil, passa, antes, pela indagação sobre as atribuições deste Ministério, sobre serem ou não estas atribuições correlatas com as naturais atribuições constitucionais e legais dos militares.

Tal discussão acerca da possibilidade ou não de subordinação do militar ao servidor civil, seja de que hierarquia for, vem de longe e se confunde com os próprios motivos históricos que culminaram com a prisão do Gabinete Imperial e a Proclamação da República.

Ao que parece, com medo de um novo golpe militar, os Governos civis tentam a todo custo reduzir o prestígio dos militares no contexto da administração pública, tendo chegado ao ponto de colocá-los sob a subordinação direta e imediata de um ministro civil.

Desde a Guerra do Paraguai, as relações entre os militares e o poder civil não eram boas. O Exército transformou-se numa instituição organizada e coesa. O contato com os Exércitos da Argentina e do Uruguai, países republicanos, e a adesão de muitos oficiais à doutrina positivista, os levou a lutar pela República.

O lema "ordem e progresso" da atual Bandeira Brasileira expressa os ideais positivistas elaborados por Augusto Comte: "Nenhuma ordem legítima poderá daqui em diante estabelecer-se e, principalmente, durar, se não for plenamente compatível com o progresso. Nenhum grande progresso poderá se realizar eficazmente se não tender em última análise para a evidente consolidação da ordem".

Enfim, um golpe militar para derrubar o governo foi preparado para 20 de novembro. O governo organizou-se para combater o movimento. Temendo uma possível repressão, os rebeldes anteciparam a data para o dia 15. Com algumas tropas sob sua liderança, o Marechal Deodoro cerca o edifício, consegue a adesão de Floriano Peixoto, Chefe da Guarnição que defende o ministério, e prende todo o Gabinete. Dom Pedro II, que se encontrava em Petrópolis, tenta contornar a situação: nomeia um novo ministro, Gaspar Martins, velho inimigo do Marechal Deodoro. A escolha acirra ainda mais os ânimos dos militares. Na tarde do dia 15, a Câmara dos Vereadores do Rio de Janeiro, em sessão presidida por José do Patrocínio, declara o fim da Monarquia e proclama a República. Dois dias depois a Família Real embarca para Portugal, em sigilo.

O inexcedível PONTES DE MIRANDA, nos seus comentários ao dispositivo que atualmente corresponde ao art. 142 da Constituição Federal, ensinou, relativamente ao art. 90 da Constituição Federal de 1967 com a Emenda nº 1, de 1969, o seguinte:

"O art. 90 da Constituição de 1967, que vem de inovação da Constituição de 1891, lembra-nos que a República nasceu no Exército, após as questões militares ligadas a discussões em torno do que se havia de entender por obediência. A verdade histórica é que foi causa explosiva do levante de 1889 a prisão de um tenente da guarda pelo Ministro da Fazenda VISCONDE DE OURO PRETO. Daí o art. 14 da Constituição de 1891, no qual se refletem os dois pensamentos do Govêrno provisório de outrora, vencedor do Governo imperial: declaram-se instituições permanentes as fôrças armadas, para que nunca possam ser dissolvidas (temeu-se que o fossem, por ter-se mobilizado a Guarda Nacional), e só obedientes aos seus superiores hierárquicos, o que significa a impossibilidade de se repetir a prisão de um chefe da guarda pelo Ministro de Estado de pasta civil." [02]

Por sua vez, o Professor IVES GANDRA DA SILVA MARTINS, em comentários ao art. 142 da atual Constituição Federal, ensina que:

"As Forças Armadas são constituídas pelas três Armas, a saber: a Marinha, o Exército e a Aeronáutica, sendo os maiores contingentes aqueles do Exército. São instituições nacionais permanentes e regulares, vale dizer, seus membros não são convocados nem seus órgãos organizados apenas em momentos de comoção interna ou de conflito externo.

"As características maiores das Forças Armadas são a rígida disciplina e a hierarquia rigorosa, não cabendo a seus integrantes qualquer veleidade opinativa contra as determinações ou as pessoas de seus superiores, mesmo após estarem na reserva. Em outras palavras, os oficiais da reserva não podem fazer críticas aos oficiais da ativa, podendo ser punidos." [03]

Isto implica dizer que militares da reserva, em princípio, continuam sob os rigores éticos próprios das instituições militares, podendo até serem presos disciplinarmente, como, aliás, tem acontecido, de fato, durante toda a nossa história, até mesmo com oficiais-generais.

Logo, pensamos que fere o princípio da isonomia o tratamento diferenciado, posto no Regimento Interno, que pune com a menção de censura o militar da reserva, ocupante de cargo em comissão neste Ministério ou em órgãos vinculados, e determina a submissão da proposta de censura ao comandante da unidade militar sob cuja ordem hierárquica se encontra o militar da ativa posto à disposição deste Ministério.

Volvendo à doutrina sobre o tema, pode ser lembrado que, a propósito da criação do Ministério da Defesa, o Professor IVES GANDRA MARTINS registra sua objeção, informando que se posicionou contra, "pois o civil que venha a ocupá-lo conhecerá menos de sua pasta do que qualquer um dos comandantes ou dos oficiais superiores que galgaram os vários postos da carreira. Quem sabe menos termina comandando mal aqueles que sabem mais." [04]

Todavia, como se trata de fato consumado, a esta altura, a única opção é tentar interpretar as normas nos limites de sua eficácia, tendo em vista primordialmente a natureza e destinação constitucional das instituições civis e militares.

Ao que se sabe, o Ministério da Defesa, ao ser criado, suprimiu os três ministérios militares, o do Exército, o da Marinha e o da Aeronáutica, transformados em Comandos Militares, e absorveu as atribuições do antigo Estado Maior das Forças Armadas, que são basicamente aquelas inscritas nos arts. 50, 51 e 52 do Decreto-lei nº 200, de 25.02.1967, a seguir transcritos:

"Art. 50. O Estado-Maior das Forças Armadas, órgão de assessoramento do Presidente da República, tem por atribuições:

I - Proceder aos estudos para a fixação da Política, da Estratégia e da Doutrina Militares, bem como elaborar e coordenar os planos e programas decorrentes.

II - Estabelecer os planos e coordenar o emprego de Forças Combinadas ou Conjuntas e de Forças singulares destacadas para participar de operações militares no exterior.

III - Coordenar as informações no campo militar.

IV - Propor os critérios de prioridade para aplicação dos recursos destinados à defesa militar.

V - Coordenar os planos de pesquisas, de fortalecimento e de mobilização das Forças Armadas, e os programas de aplicação de recursos decorrentes.

VI - Coordenar as representações das Forças Armadas no País e no exterior.

VII - Proceder aos estudos e preparar as decisões sobre assuntos que lhe forem submetidos pelo Presidente da República.

Parágrafo único. O Estado-Maior das Forças Armadas passará a ser órgão de assessoramento do Ministro Coordenador, eventualmente incumbido, na forma do disposto no art. 36 e no parágrafo único do art. 37, de coordenar os assuntos militares.

Art. 51. A Chefia do Estado-Maior das Forças Armadas é exercida por um Oficial-General do mais alto posto, nomeado pelo Presidente da República, obedecido a rodízio entre as Forças Armadas.

Parágrafo único. O Chefe do Estado-Maior das Forças Armadas tem precedência funcional regulada em lei.

Art. 52. As funções de Estado-Maior e Serviços no Estado-Maior das Forças Armadas são exercidas por oficiais das três Forças singulares."

A diferença é que, antes, os Ministros Militares tratavam dos assuntos militares pessoalmente com o Comandante Supremo das Forças Armadas e, depois, o relacionamento passou a ser indireto, isto é, através do Ministro da Defesa, pois os Comandantes das três Forças não têm assento nas reuniões com o Presidente da República destinadas a tratar de assuntos de interesse militar.

Apesar de a Constituição Federal, no art. 142, continuar a dispor que as Forças Armadas são "organizadas com base na hierarquia e na disciplina, sob a autoridade suprema do Presidente da República", o Presidente da República, depois que foi criado o Ministério da Defesa, já não exerce diretamente este mister, porque entre Sua Excelência e as Forças Armadas surgiu um Ministro Civil como intermediador.

Se ao menos houvesse sido previsto que o Ministro da Defesa fosse um militar do último posto do generalato, a ser provido sob a forma de rodízio das três Forças, com mandato temporário, a exemplo do que era previsto, para o Estado Maior das Forças Armadas, no art. 51 do Decreto-lei nº 200, de 25.02.1967, aí, sim, não teria, a nosso ver, sido quebrada a cadeia da hierarquia militar.

Como ficou, no momento, a hierarquia chega militar chega apenas até o Comandante de cada Força, porque terá sempre um intermediário que tratará dos assuntos militares até o Comandante Supremo das Forças Armadas.

Veja-se a lição do Professor IVES GANDRA DA SILVA MARTINS, quando o Doutrinador ensina:

"... hierarquia e disciplina não permitem que se discutam ordens ou se interpretem, com elasticidade, as instruções superiores. A carreira das Armas é, fundamentalmente, uma carreira da ordem e da obediência. Só os militares poderão compreender em profundidade os militares porque têm a mesma vocação." [05]

O que foi observado é que militar e civil não "têm a mesma vocação". E daí surge a causa do desencontro de entendimento doutrinário sobre a natureza predominantemente militar do Ministério da Defesa, o que conduz a à inclusão de certos equívocos como os incluídos na Portaria Ministerial que aprovou o Regimento Interno da Comissão de Ética, pretendendo equiparar militares e civis, com total desconhecimento das diferenças inconfundíveis dos respectivos regimes jurídicos.

Não se pode olvidar, portanto, que o fato de encontrar-se o militar à disposição ou prestando assessoria no Ministério da Defesa não o subordina ao Código de Ética do Servidor Civil, por vários fundamentos que estão contemplados até mesmo na própria Lei Complementar nº 97, de 09.06.1999, que criou o Ministério da Defesa.

O próprio Ministério da Defesa surgiu com o papel de assessoria do Comandante Supremo das Forças Armadas, no que pertine ao "emprego de meios militares, pelo Conselho Militar de Defesa" e "aos demais assuntos pertinentes à área militar", conforme o disposto na Lei Complementar nº 97, de 09.06.1999, art. 2º, I e II, e §§ 1º e 2º, nestes termos:

"Art. 2º O Presidente da República, na condição de Comandante Supremo das Forças Armadas, é assessorado:

I - no que concerne ao emprego de meios militares, pelo Conselho Militar de Defesa; e

II - no que concerne aos demais assuntos pertinentes à área militar, pelo Ministro de Estado da Defesa.

§ 1º O Conselho Militar de Defesa é composto pelos Comandantes da Marinha, do Exército e da Aeronáutica e pelo Chefe do Estado-Maior de Defesa.

§ 2o Na situação prevista no inciso I deste artigo, o Ministro de Estado da Defesa integrará o Conselho Militar de Defesa na condição de seu Presidente."

E esclarece ainda a Lei Complementar que criou o Ministério da Defesa que ao Titular desta Secretaria de Estado compete "a direção superior das Forças Armadas, assessorado pelo Conselho Militar de Defesa, órgão permanente de assessoramento, pelo Estado-Maior de Defesa, pelas Secretarias e demais órgãos, conforme definido em lei" [06].

E o Estado-Maior de Defesa, por sua vez, tem "como Chefe um Oficial-General do último posto, da ativa, em sistema de rodízio entre as três Forças". [07]

Naturalmente, o Regimento Interno da Comissão de Ética não poderá ter a pretensão de subordinar o Chefe do Estado-Maior de Defesa, nem seus assessores militares, qualquer que seja o posto ou graduação, impondo-lhes sanções por infração a preceitos éticos destinados aos servidores civis.

Tal é a diferença entre as carreiras militares que estes respondem pelos crimes funcionais perante a Justiça Militar, conforme previsto na própria Constituição Federal, enquanto que os servidores civis, sejam estaduais ou municipais, por infração criminal funcional, respondem perante a Justiça comum federal ou estadual, conforme o caso.

Evidentemente, é de entendimento comum que, como "compete ao Estado-Maior de Defesa elaborar o planejamento do emprego combinado das Forças Armadas e assessorar o Ministro de Estado da Defesa na condução dos exercícios combinados e quanto à atuação de forças brasileiras em operações de paz" [08], no desempenho destas atribuições, os militares, quer da ativa, quer da reserva, não se subordinam ao Código de Ética do Servidor Civil.

Conclui-se que a partir da leitura da própria lei complementar que criou o Ministério da Defesa, o militar, ainda que na reserva, que seja designado para atuar neste Ministério, certamente exercerá suas atribuições aplicando conhecimentos técnicos da área militar, até porque sua designação para assessoria, preferencialmente em relação a servidor civil, deve ter por fundamento as próprias peculiaridades dos conhecimentos adquiridos na carreira militar.

E, assim, nem teria qualquer sentido um militar, quer da ativa quer da reserva, ao ser designado para prestar assessoria ao órgão destinado ao assessoramento ao Comandante Supremo das Forças Armadas em "assuntos pertinentes à área militar" e ao "emprego de meios militares" (LC nº 97/1999, art. 2º, I e II, e §§ 1º e 2º), vir a ser submetido ao regime jurídico do servidor civil, com subordinação aos preceitos do Código de Ética do Servidor Civil.


NATUREZA DO CÓDIGO DE ÉTICA DO SERVIDOR CIVIL

Antes de chegarmos ao tópico do Regimento Interno da Comissão de Ética do Ministério da Defesa, importa fazer uma exposição do Código de Ética do Servidor Civil e sua natureza peculiar inconfundível com o regime disciplinar do servidor civil.

E, depois desta exposição, a conclusão a que se chega é que ao militar, sujeito a legislação especial, na qual já se contempla as faltas de natureza ética, nem há necessidade de ser criado um Código de Ética, à semelhança daquele dirigido ao servidor civil, que prevê a censura por infração de natureza ética.

Um Código de Ética, à semelhança do estabelecido para os servidores civis, seria dispensável para os militares, porque a inobservância de normas éticas por parte de militares já implica em sanções de natureza disciplinar e até mesmo de natureza criminal, porque nesta parte os militares tomaram a vanguarda, vale dizer, estão muito adiante na regulamentação das faltas éticas, enquanto os civis têm dificuldade até mesmo para compreender o que significa uma falta de natureza ética.

Uma diferença elementar entre as punições disciplinares civis e as militares é que o militar fica sujeito – por falta de natureza ética – até mesmo à prisão disciplinar e criminal, o que evidentemente sequer poderia ser objeto de cogitação relativamente aos servidores civis.

É que, relativamente ao servidor civil, a falta de natureza ética, em princípio, nem chega a constituir infração ao menos de natureza disciplinar, tanto que foi baixado um Código de Ética, destinado a punir aquelas faltas, já esclarecendo que não chegam a constituir infração disciplinar.

Isto é o que está explicitado na própria Exposição de Motivos do Código de Conduta da Alta Administração, que será objeto de um tópico adiante:

"Na realidade, grande parte das atuais questões éticas surge na zona cinzenta – cada vez mais ampla – que separa o interesse público do interesse privado. Tais questões, em geral, não configuram violação de norma legal mas, sim, desvio de conduta ética. Como esses desvios não são passíveis de punição específica, a sociedade passa a ter a sensação de impunidade, que alimenta o ceticismo a respeito da licitude do processo decisório governamental."

Por sua vez, diz a Exposição de Motivos do Código de Ética do Servidor Civil:

"Para melhor se compreender a total separação entre o Código de Ética e a lei que institui o regime disciplinar dos servidores públicos, basta a evidência de que o servidor adere à lei por uma simples conformidade exterior, impessoal, coercitiva, imposta pelo Estado, pois a lei se impõe por si só, sem qualquer consulta prévia a cada destinatário, enquanto que, no atinente ao Código de Ética, a obrigatoriedade moral inclui a liberdade de escolha e de ação do próprio sujeito, até para discordar das normas que porventura entenda injustas e lutar por sua adequação aos princípios da Justiça. Sua finalidade maior é produzir na pessoa do servidor público a consciência de sua adesão às normas preexistentes através de um espírito crítico, o que certamente facilitará a prática do cumprimento dos deveres legais por parte de cada um e, em conseqüência, o resgate do respeito aos serviços públicos e à dignidade social de cada servidor." [09]

A pertinência desta exposição nota-se desde o momento em que o próprio Regimento Interno, aprovado pela Portaria nº 580/MD, de 10.10.2002 [10], do Senhor Ministro de Estado da Defesa, se reporta expressamente à sua matriz, ou seja, ao Código de Ética do Servidor Público Civil do Poder Executivo Federal, devidamente aprovado pelo Decreto nº 1.171, de 22.06.1994.

Se dúvida houver, basta conferir, por exemplo, o que estabelece o art. 1º, § 2º, do Regimento Interno:

"Art. 1º (...).

"§ 2º A apuração de desvio de conduta do servidor recai, precipuamente, no descumprimento dos seus principais deveres fundamentais ou na prática de atos que lhe são vedados, consoante o disposto nas alíneas dos incisos XIV e XV do Decreto nº 1.171, de 22 de junho de 1994, dos artigos 116 e 117 da Lei nº 8.112, de 11 de dezembro de 1990, combinado com os artigos 10, 11 e 12 da Lei nº 8.429, de 02 de junho de 1992."

Registra-se que, depois do Decreto nº 1.171, de 22 de junho de 1994, que aprovou o Código de Ética do Servidor Público Civil do Poder Executivo Federal, surgiram outras normas de igual jaez, como é o caso do Decreto nº 6.029, de 01.02.2007 [11], que instituiu o Sistema de Gestão da Ética do Poder Executivo Federal, cujo art. 2º dispõe:

"Art. 2º Integram o Sistema de Gestão da Ética do Poder Executivo Federal:

I - a Comissão de Ética Pública - CEP, instituída pelo Decreto de 26 de maio de 1999;

II - as Comissões de Ética de que trata o Decreto nº 1.171, de 22 de junho de 1994; e

III - as demais Comissões de Ética e equivalentes nas entidades e órgãos do Poder Executivo Federal." 

De novidade, então, conforme o art. 2º do Decreto nº 6.029, de 01.02.2007 [12], o que surgiu foi um Sistema de Gestão da Ética do Poder Executivo, integrado por uma Comissão de Ética Pública, no âmbito da Casa Civil (anote-se: não na Casa Militar) da Presidência da República, situada como instância superior às Comissões de Ética do Servidor Civil, de que trata o Decreto nº 1.171, de 22.06.1994.

O que importa relevar é que tanto o Decreto nº 6.029, de 01.02.2007, como o Decreto de 26 de maio de 1999, que criou a Comissão de Ética Pública - CEP, em nenhuma de suas normas dispôs que o Código de Ética aprovado pelo Decreto nº 1.171, de 22.06.1994, seria aplicável aos militares, quer da ativa, quer da reserva.

A partir de uma cuidadosa leitura dos novos Decretos referidos, não encontramos nenhuma norma prevendo que o Código de Ética dos Servidores Civis seria também destinado a reger idêntica situação dos militares com atuação no âmbito do Ministério da Defesa.

Aliás, o que faz o novo Decreto nº 6.029, de 01.02.2007, é ratificar, expressamente, as normas inscritas no Código de Ética aprovado pelo Decreto nº 1.171, de 22.06.1994, conforme está explícito, por exemplo, em seus arts. 4º, 5º e 7º, a seguir transcritos:

Art. 4º À Comissão de Ética Pública compete:

I - atuar como instância consultiva do Presidente da República e Ministros de Estado em matéria de ética pública;

II - administrar a aplicação do Código de Conduta da Alta Administração Federal, devendo:

a) submeter ao Presidente da República medidas para seu aprimoramento;

b) dirimir dúvidas a respeito de interpretação de suas normas, deliberando sobre casos omissos;

c) apurar, mediante denúncia, ou de ofício, condutas em desacordo com as normas nele previstas, quando praticadas pelas autoridades a ele submetidas;

III - dirimir dúvidas de interpretação sobre as normas do Código de Ética Profissional do Servidor Público Civil do Poder Executivo Federal de que trata o Decreto nº 1.171, de 1994;

IV - coordenar, avaliar e supervisionar o Sistema de Gestão da Ética Pública do Poder Executivo Federal;

V - aprovar o seu regimento interno; e

VI - escolher o seu Presidente. 

Parágrafo único. A Comissão de Ética Pública contará com uma Secretaria-Executiva, vinculada à Casa Civil da Presidência da República, à qual competirá prestar o apoio técnico e administrativo aos trabalhos da Comissão. 

Art. 5º Cada Comissão de Ética de que trata o Decreto nº 1.171, de 1994, será integrada por três membros titulares e três suplentes, escolhidos entre servidores e empregados do seu quadro permanente, e designados pelo dirigente máximo da respectiva entidade ou órgão, para mandatos não coincidentes de três anos.

Art. 7º Compete às Comissões de Ética de que tratam os incisos II e III do art. 2º:

I - atuar como instância consultiva de dirigentes e servidores no âmbito de seu respectivo órgão ou entidade;

II - aplicar o Código de Ética Profissional do Servidor Público Civil do Poder Executivo Federal, aprovado pelo Decreto 1.171, de 1994, devendo:

a) submeter à Comissão de Ética Pública propostas para seu aperfeiçoamento;

b) dirimir dúvidas a respeito da interpretação de suas normas e deliberar sobre casos omissos;

c) apurar, mediante denúncia ou de ofício, conduta em desacordo com as normas éticas pertinentes; e

d) recomendar, acompanhar e avaliar, no âmbito do órgão ou entidade a que estiver vinculada, o desenvolvimento de ações objetivando a disseminação, capacitação e treinamento sobre as normas de ética e disciplina;

III - representar a respectiva entidade ou órgão na Rede de Ética do Poder Executivo Federal a que se refere o art. 9º; e

IV - supervisionar a observância do Código de Conduta da Alta Administração Federal e comunicar à CEP situações que possam configurar descumprimento de suas normas. 

§ 1º Cada Comissão de Ética contará com uma Secretaria-Executiva, vinculada administrativamente à instância máxima da entidade ou órgão, para cumprir plano de trabalho por ela aprovado e prover o apoio técnico e material necessário ao cumprimento das suas atribuições. 

§ 2º As Secretarias-Executivas das Comissões de Ética serão chefiadas por servidor ou empregado do quadro permanente da entidade ou órgão, ocupante de cargo de direção compatível com sua estrutura, alocado sem aumento de despesas."

Sendo assim, não há dúvida que os militares, pelo simples fato de se encontrarem temporariamente em atividade no Ministério da Defesa, não se convertem em servidores civis, para fins de incidência do Código de Ética destinado especificamente a estes.

De novidade que consta do Decreto nº 6.029, de 01.02.2007, é que passou a existir uma Comissão de Ética Pública - CEP, integrada na Casa Civil da Presidência da República, destinada a atuar como instância superior e consultiva do Presidente da República, além de supervisionar e coordenar as demais Comissões de Ética integrantes dos Ministérios e outros órgãos do Poder Executivo Federal.

A composição da Comissão de Ética Pública – CEP vem prevista no art. 3º do Decreto nº 6.029, de 01.02.2007, que diz que esta "será integrada por sete brasileiros que preencham os requisitos de idoneidade moral, reputação ilibada e notória experiência em administração pública, designados pelo Presidente da República, para mandatos de três anos, não coincidentes, permitida uma única recondução."

Como nada foi alterado no Código de Ética do Servidor Público Civil, pelo menos o suficiente para redirecionar sua destinação para passar a incluir os militares sob sua discplina, poderemos dar uma rápida explanação sobre a questão a partir da Exposição de Motivos pela qual foi apresentado, pela Comissão Especial criada pelo Decreto nº 1.001, de 06.12.1993, ao Senhor Presidente da República, o então Projeto de Código de Ética do Servidor Público Civil do Poder Executivo Federal.

Na Exposição de Motivos, consta expressamente que, com este Código, se pretende "a criação de meios que estimulem em cada servidor público o sentimento ético no exercício da vida pública". [13]

Com o Código de Ética – conforme esclarecido na Exposição de Motivos – pretende-se "contribuir para o esclarecimento às pessoas sobre seus direitos de serem tratadas com dignidade e respeito por todos os agentes do serviço público". [14]

O efetivo cumprimento do Código de Ética do Servidor Civil – conforme a Exposição de Motivos – "não se baseia no arcabouço das leis administrativas e nem com estas se confunde, mas se apóia no sentimento de adesão moral e de convicção íntima de cada servidor público". (DOU-I 23.06.1994, Seção I, pág. 9302, penúltimo § da 2ª col.).

Conforme a Exposição de Motivos, "não se trata de mais uma lei, como se poderia pensar à primeira vista, mas de um Código de Ética, que deverá ser cumprido não tanto por sua condição de ato estatal, aprovado por um Decreto do Senhor Presidente da República, na qualidade de titular da ‘direção superior da administração federal’ (Constituição, artigo 84, inciso II), mas principalmente em virtude da adesão de cada servidor, em seu foro íntimo, levando, com isso, o Estado a assumir o papel que sempre lhe foi incumbido pela Sociedade, notadamente nas áreas mais carentes, como é o caso da prestação dos serviços de saúde, segurança, transporte e educação". (DOU-I 23.06.1994, Seção I, pág. 9302, último § da 2ª col.).

Portanto, "conforme o entendimento da Comissão Especial", expresso no Código de Ética, "o princípio da obrigatoriedade do procedimento ético e moral no exercício da função pública não tem por fundamento a coercibilidade jurídica". [15]

Aliás, prossegue a Exposição de Motivos do então Projeto do Código de Ética, "até mesmo a coercibilidade jurídica deve buscar seu fundamento na Ética, pois esta, a rigor, não se impõe por lei. Ao contrário, está acima da lei, a ditar as diretrizes desta, fazendo-se aceitar mais pelo senso social, pela educação, pela vontade íntima do próprio agente moral, acolhida com liberdade, em decorrência de sua conscientização e de sua convicção interior". [16]

Enfim, o Código de Ética, segundo a interpretação de seus criadores, a saber, a Comissão Especial criada pelo Decreto nº 1.001, de 06.12.1993, "não se confunde com o regime disciplinar do servidor público previsto nas leis administrativas. Antes de tudo, fornece o suporte moral para a sua correta aplicação e cumprimento por todos os servidores". [17]


CÓDIGO DE CONDUTA DA ALTA ADMINISTRAÇÃO FEDERAL

Outra novidade do Decreto nº 6.029, de 01.02.2007, é que criou, via Decreto Presidencial, o Código de Conduta da Alta Administração Federal, antes objeto de Exposição de Motivos aprovada pelo Presidente da República.

No novo Decreto nº 6.029, de 01.02.2007, em seu art. 4º, inciso II, é previsto que à Comissão de Ética Pública, órgão integrante da Casa Civil da Presidência da República [18], compete "administrar a aplicação do Código de Conduta da Alta Administração Federal".

Também foi previsto que as Comissões de Ética do Servidor Civil incumbe "supervisionar a observância do Código de Conduta da Alta Administração Federal e comunicar à CEP situações que possam configurar descumprimento de suas normas". [19]

O novo Código de Conduta faz tratamento diferenciado de seus destinatários, antes incluídos no Código de Ética do Servidor Civil, passíveis da menção de censura, que agora somente podem ser advertidos, enquanto em atividade. A pena de censura, somente pode ser aplicada após haver "deixado o cargo", sendo prevista ainda, conforme o caso, a recomendação de demissão. [20]

Efetivamente, dipõe o art. 17 do Código de Conduta da Alta Administração Federal:

"Art. 17. A violação das normas estipuladas neste Código acarretará, conforme sua gravidade, as seguintes providências:

I - advertência, aplicável às autoridades no exercício do cargo;

II - censura ética, aplicável às autoridades que já tiverem deixado o cargo.

Parágrafo único. As sanções previstas neste artigo serão aplicadas pela CEP, que, conforme o caso, poderá encaminhar sugestão de demissão à autoridade hierarquicamente superior."

O Código de Conduta da Alta Administração Federal foi elaborado pela Comissão de Ética Pública - CEP, criada pelo Decreto de 26 de maio de 1999, então composta, pelos Doutores João Geraldo Piquet Carneiro, que a presidia, Célio Borja, Celina Vargas do Amaral Peixoto, Lourdes Sola, Miguel Reale Júnior e Roberto Teixeira da Costa.

Referido Código, conforme a Exposição de Motivos que o submeteu à aprovação presidencial, valerá como um "compromisso moral das autoridades integrantes da Alta Administração Federal com o Chefe de Governo, proporcionando elevado padrão de comportamento ético capaz de assegurar, em todos os casos, a lisura e a transparência dos atos praticados na condução da coisa pública".

A apuração da falta ética dos integrantes da Alta Administração Federal, indicados no art. 2º do correspondente Código de Conduta, incumbe à Comissão de Ética Pública – CEP, órgão integrante da Casa Civil da Presidência da República, conforme previsto em seu art. 18:

"Art. 18. O processo de apuração de prática de ato em desrespeito ao preceituado neste Código será instaurado pela CEP, de ofício ou em razão de denúncia fundamentada, desde que haja indícios suficientes.

§ 1º A autoridade pública será oficiada para manifestar-se no prazo de cinco dias.

§ 2º O eventual denunciante, a própria autoridade pública, bem assim a CEP, de ofício,poderão produzir prova documental. § 3º A CEP poderá promover as diligências que considerar necessárias, bem assim solicitar parecer de especialista quando julgar imprescindível.

§ 4º Concluídas as diligências mencionadas no parágrafo anterior, a CEP oficiará à autoridade pública para nova manifestação, no prazo de três dias.

§ 5º Se a CEP concluir pela procedência da denúncia, adotará uma das penalidades previstas no artigo anterior, com comunicação ao denunciado e ao seu superior hierárquico.

Art. 19. A CEP, se entender necessário, poderá fazer recomendações ou sugerir ao Presidente da República normas complementares, interpretativas e orientadoras das disposições deste Código, bem assim responderá às consultas formuladas por autoridades públicas sobre situações específicas."

O Código de Conduta da Alta Administração Federal, conforme consta de sua Exposição de Motivos, apresentada pelo Ministro PEDRO PARENTE, Chefe da Casa Civil da Presidência da República, é o produto do trabalho elaborado pela Comissão de Ética Pública - CEP, criada por Decreto de 26 de maio de 1999, tendo por membros Doutores JOÃO GERALDO PIQUET CARNEIRO, seu Presidente, CÉLIO BORJA, CELINA VARGAS DO AMARAL PEIXOTO, LOURDES SOLA, MIGUEL REALE JÚNIOR e ROBERTO TEIXEIRA DA COSTA, Comissão que prestou os mais relevantes e inestimáveis serviços no desenvolvimento do tema.

Trata-se de um Código, conforme consta da Exposição de Motivos, destinado a valer, antes de tudo, "como compromisso moral das autoridades integrantes da Alta Administração Federal com o Chefe de Governo, proporcionando elevado padrão de comportamento ético capaz de assegurar, em todos os casos, a lisura e a transparência dos atos praticados na condução da coisa pública".

O que se pretende é dar uma "resposta ao anseio por uma administração pública orientada por valores éticos", conforme a Exposição de Motivos, que "não se esgota na aprovação de leis mais rigorosas, até porque leis e decretos em vigor já dispõem abundantemente sobre a conduta do servidor público...".

E prossegue a Exposição de Motivos declinando as características e a natureza do Código de Conduta da Alta Administração Federal, nestes termos:

"Por essa razão, o aperfeiçoamento da conduta ética do servidor público não é uma questão a ser enfrentada mediante proposição de mais um texto legislativo, que crie novas hipóteses de delito administrativo. Ao contrário, esse aperfeiçoamento decorrerá da explicitação de regras claras de comportamento e do desenvolvimento de uma estratégia específica para sua implementação.

"Na formulação dessa estratégia, partiu-se do pressuposto de que a base ética do funcionalismo de carreira é estruturalmente sólida, pois deriva de valores tradicionais da classe média, onde ele é recrutado. Rejeita-se, portanto, o diagnóstico de que se está diante de um problema "endêmico" de corrupção, eis que essa visão, além de equivocada, é injusta e contraproducente, sendo capaz de causar a alienação do funcionalismo do esforço de aperfeiçoamento que a sociedade está a exigir.

"Dessa forma, o ponto de partida foi a tentativa de prevenir condutas incompatíveis com o padrão ético almejado para o serviço público, tendo em vista que, na prática, a repressão nem sempre é muito eficaz. Assim, reputa-se fundamental identificar as áreas da administração pública em que tais condutas podem ocorrer com maior freqüência e dar-lhes tratamento específico. (...).

"Outro objetivo é que o Código de Conduta constitua fator de segurança do administrador público, norteando o seu comportamento enquanto no cargo e protegendo-o de acusações infundadas. Na ausência de regras claras e práticas de conduta, corre-se o risco de inibir o cidadão honesto de aceitar cargo público de relevo.

"Na verdade, o Código trata de um conjunto de normas às quais se sujeitam as pessoas nomeadas pelo Presidente da República para ocupar qualquer dos cargos nele previstos, sendo certo que a transgressão dessas normas não implicará, necessariamente, violação de lei, mas, principalmente, descumprimento de um compromisso moral e dos padrões qualitativos estabelecidos para a conduta da Alta Administração. Em conseqüência, a punição prevista é de caráter político: advertência e "censura ética". Além disso, é prevista a sugestão de exoneração, dependendo da gravidade da transgressão.

"Além de comportar-se de acordo com as normas estipuladas, o Código exige que o administrador observe o decoro inerente ao cargo. Ou seja, não basta ser ético; é necessário também parecer ético, em sinal de respeito à sociedade."

Conforme se vê, em suas linhas gerais, o Código de Conduta da Alta Administração Federal, a rigor, constitui um outro Código de Ética, este, voltado não diretamente aos servidores públicos comuns, mas, isto sim, àqueles integrantes dos mais elevados cargos, de natureza política, via de regra, recrutados na iniciativa privada.

É o que está previsto no art. 2º do Código de Conduta da Alta Administração Federal, devidamente aprovado pelo Presidente da República, agora, via Decreto, antes, através de Exposição de Motivos:

"Art. 2º As normas deste Código aplicam-se às seguintes autoridades públicas:

I - Ministros e Secretários de Estado;

II - titulares de cargos de natureza especial, secretários-executivos, secretários ou autoridades equivalentes ocupantes de cargo do Grupo-Direção e Assessoramento Superiores - DAS, nível seis;

III - presidentes e diretores de agências nacionais, autarquias, inclusive as especiais, fundações mantidas pelo Poder Público, empresas públicas e sociedades de economia mista."

Os fundamentos que inspiraram a edição do Código de Conduta da Alta Administração Federal vêm delineados logo em seu art. 1º, nestes termos:

"Art. 1º Fica instituído o Código de Conduta da Alta Administração Federal, com as seguintes finalidades:

I - tornar claras as regras éticas de conduta das autoridades da alta Administração Pública Federal, para que a sociedade possa aferir a integridade e a lisura do processo decisório governamental;

II - contribuir para o aperfeiçoamento dos padrões éticos da Administração Pública Federal, a partir do exemplo dado pelas autoridades de nível hierárquico superior;

III - preservar a imagem e a reputação do administrador público, cuja conduta esteja de acordo com as normas éticas estabelecidas neste Código;

IV - estabelecer regras básicas sobre conflitos de interesses públicos e privados e limitações às atividades profissionais posteriores ao exercício de cargo público;

V - minimizar a possibilidade de conflito entre o interesse privado e o dever funcional das autoridades públicas da Administração Pública Federal;

VI - criar mecanismo de consulta, destinado a possibilitar o prévio e pronto esclarecimento de dúvidas quanto à conduta ética do administrador."

Como visto, do Código de Conduta da Alta Administração Federal nada de alteração surgiu, relativamente ao Código de Ética do Servidor Público Civil do Poder Executivo Federal.

Antes, percebe-se que a intenção foi separar as duas categorias, criando um Código de Conduta específico para os integrantes do alto escalão hierárquico do Governo, de regra, composto por pessoas provenientes de fora dos quadros do serviço público, o que não é o caso dos militares.

Em síntese, percebe-se claramente que, dentro da linha doutrinária que orientou o Governo a instituir tanto o Código de Conduta da Alta Administração Federal como o Código de Ética do Servidor Público Civil do Poder Executivo Federal, não se teve em mira regular a conduta dos militares.


O REGIMENTO INTERNO DA COMISSÃO ÉTICA DO MINISTÉRIO DA DEFESA E O CÓDIGO DE ÉTICA DO SERVIDOR CIVIL

Como já visto, o Decreto que aprovou o Código de Ética do Servidor Público Civil previu a criação de uma Comissão de Ética em cada um dos Ministérios, menos os Ministérios Militares existentes à época, autarquias, fundações públicas, empresas públicas e sociedades de economia mista, todos integrantes do Sistema de Gestão da Ética do Poder Executivo Federal.

Dentro deste contexto, surge o Regimento Interno, aprovado pela Portaria nº 580/MD, de 10.10.2002 [21], do Senhor Ministro de Estado da Defesa, conforme previsto no Código de Ética do Servidor Público Civil do Poder Executivo Federal, devidamente aprovado pelo Decreto nº 1.171, de 22.06.1994, e agora no Decreto nº 6.029, de 01.02.2007. [22]

A propósito da definição dos destinatários da Comissão de Ética do Ministério da Defesa, dispõem os artigos 20, parágrafo único, 21, parágrafo único, e 22 de seu Regimento Interno:

"Art. 20. Estão sujeitos ao Código de Ética e ao presente Regimento todos os servidores públicos lotados no Ministério da Defesa, nos órgãos e unidades que lhe são vinculados, no exterior e no território nacional.

Parágrafo único. Para fins de aplicação do Código de Ética e das disposições deste Regimento, os militares da reserva que ocupam cargo em comissão no âmbito do Ministério da Defesa e órgãos vinculados são considerados servidores civis, nos termos dos artigos 2º e 3º, parágrafo único, da Lei nº 8.112, de 11 de dezembro de 1990, combinado com o disposto na letra e) do inciso XVIII do artigo 28 da Lei nº 6.880, de 09 de dezembro de 1980.

Art. 21. Considerando a natureza sui generis do Ministério da Defesa, os militares da Marinha, do Exército e da Aeronáutica colocados à sua disposição estarão sujeitos à menção de censura ética, mediante a aplicação do disposto no artigo 28 c/c o art. 83 da Lei nº 6.880, de 09 de dezembro de 1980, e em face da qualidade de agentes públicos, nos termos do artigo 2º combinado com o § 3º do artigo 14 da Lei nº 8.429, de 02 de junho de 1992.

Parágrafo único. A menção de censura de que trata este artigo somente efetuar-se-á mediante concordância do Comandante da respectiva Força, cujo parecer será emitido à luz das razões de fato e de direito apresentadas pelo Presidente da Comissão.

Art. 22. Os procedimentos de apuração de conduta ética não se confundem com os de cunho disciplinar previstos nos regulamentos castrenses, na Lei nº 6.880, de 09 de dezembro de 1980, e na Lei nº 8.119, de 11 de dezembro de 1990, a que estão sujeitos os militares e os servidores públicos civis do Poder Executivo Federal, respectivamente."

Conforme visto das normas ora transcritas, o que pretende o Regimento Interno é tomar de empréstimo normas do Código de Ética do Servidor Civil para aplicar aos militares em exercício no Ministério da Defesa.

E, assim, o Regimento Interno já nasceu fora do contexto, ou seja, em desarmonia com o Código de Ética do Servidor Civil, aprovado por Decreto Presidencial, que contém limitação expressa quanto à definição de seus destinatários, que não são os militares.

O Código de Ética de que se trata se refere expressamente aos seus destinatários, como sendo, não os militares, mas, isto sim, os servidores civis, conforme está escrito até mesmo em sua própria denominação, "Código de Ética Profissional do Servidor Público Civil do Poder Executivo Federal".

O Código de Ética do Servidor Civil de que se trata é ainda aquele que foi aprovado pelo Decreto nº 1.171, de 22.06.1994, para cuja elaboração, diga-se de passagem, não foram convidados a participarem os militares, tendo sido gerado, como já visto, no âmbito da Comissão Especial criada pelo Decreto nº 1.001, de 6 de dezembro de 1993.

Logo, a extensão das normas do Código de Ética do Servidor Civil aos militares, tanto aos da ativa como aos da reserva, tendo por fundamento apenas o fato de sua lotação ou exercício de suas atribuições de assessoria para assuntos de natureza militar, no Ministério da Defesa, é juridicamente insubsistente.

Demonstra-o a própria Exposição de Motivos do Código de Ética do Servidor Civil, onde está explicitado o objeto de que se trata:

"... em sua 2ª Reunião Ordinária, realizada em 4 de março de 1994, decidiu a Comissão Especial criada pelo Decreto nº 1.001, de 6 de dezembro de 1993, constituir um grupo de trabalho com o fim específico de elaborar proposta de um Código de Ética Profissional do Servidor Civil do Poder Executivo Federal, tendo sido designado para sua coordenação o Professor Modesto Carvalhosa, Membro da Comissão Especial e Presidente do Tribunal de Ética da Ordem dos Advogados do Brasil, Secção de São Paulo.

"Ato contínuo, contando com a inestimável colaboração do Jurista Robison Baroni, também Membro do Tribunal de Ética da Ordem dos Advogados do Brasil, Secção de São Paulo, e do Doutor Brasilino Pereira dos Santos, Assessor da Comissão Especial, seguiu-se a elaboração do anexo Código de Ética Profissional do Servidor Civil do Poder Executivo Federal, aprovado, por unanimidade, em Sessão Plenária de 6 de abril de 1994." [23]

Como somente a lei pode instituir punição disciplinar do servidor público civil, e como esta já existia a Lei nº 8.112, de 11.12.1990, a punição estabelecida ficou limitada à menção de censura, conforme está escrito tanto na Exposição de Motivos do então Projeto de Código de Ética como no próprio Código de Ética, aprovado pelo Decreto nº 1.171, de 22.06.1994 [24], nestes termos, respectivamente:

"A pena será a censura, devendo a decisão ser registrada nos assentamentos funcionais do servidor." [25]

"XXII - A pena aplicável ao servidor público pela Comissão de Ética é a de censura e sua fundamentação constará do respectivo parecer, assinado por todos os seus integrantes, com ciência do faltoso." [26]

O Código de Ética do Servidor Civil do Poder Executivo, como visto, foi baixado pelo Governo ITAMAR FRANCO, pelo Decreto nº 1.171, de 22.06.1994, e, só agora, foi editado o Decreto nº 6.029, de 01.02.2007 [27], que "institui Sistema de Gestão da Ética do Poder Executivo Federal, e dá outras providências", cujo art. 22 dispõe:

"Art. 22. A Comissão de Ética Pública manterá banco de dados de sanções aplicadas pelas Comissões de Ética de que tratam os incisos II e III do art. 2º e de suas próprias sanções, para fins de consulta pelos órgãos ou entidades da administração pública federal, em casos de nomeação para cargo em comissão ou de alta relevância pública."

Segundo este último Decreto, a apuração de prática de infração ao Código de Ética terá lugar em procedimento instaurado, de ofício ou em razão de denúncia fundamentada, respeitando-se, sempre, "as garantias do contraditório e da ampla defesa", devendo o investigado ser notificado "para manifestar-se, por escrito, no prazo de dez dias", conforme previsto no art. 12 do Decreto nº 6.029, de 01.02.2007. 

Em caso de conclusão pela existência de falta ética, deverá ser sugerida – pela Comissão de Ética – a exoneração de cargo ou função de confiança à autoridade hierarquicamente superior ou a devolução do servidor ao órgão de origem, conforme o caso. [28]

Foram ainda previstos tanto o encaminhamento do caso à Controladoria-Geral da União ou unidade específica do Sistema de Correição do Poder Executivo, "para exame de eventuais transgressões disciplinares", como a recomendação de abertura de procedimento administrativo, dependendo da gravidade da conduta. [29]

Complementando esta regra, foi ainda previsto que as Comissões de Ética, sempre que constatarem a possível ocorrência de ilícitos penais, civis, de improbidade administrativa ou de infração disciplinar, deverão encaminhar cópia dos autos às autoridades competentes para apuração de tais fatos, sem prejuízo das medidas de sua competência. [30] 

Igualmente está prevista, tal qual já previsto no Código de Ética do Servidor Civil, que para todo ato de posse, investidura em função pública ou celebração de contrato de trabalho dos agentes públicos, deveria haver a prestação de compromisso solene de acatamento e observância das regras do Código de Ética do Servidor Público. [31]

E também foi determinado que a posse em cargo ou função pública será precedida de consulta da autoridade à Comissão de Ética Pública, acerca de situação que possa suscitar conflito de interesses. [32]

E, assim, estão claramente explicitados os motivos que impulsionaram a Administração Pública a instituir a Comissão de Ética do Servidor Público Civil do Poder Executivo Federal.

Sem dúvida, cuidou-se de criar uma espécie de recomendação contrária à nomeação para "cargo em comissão" ou de "relevância pública" de servidor que haja sido censurado, por inobservância das normas éticas do servidor público civil, isto, evidentemente, após submetido a procedimento administrativo regular, perante Comissão de Ética, observados os princípios do contraditório e da amplitude de defesa.

A atuação da Comissão de Ética, conforme previsto, além de poder recomendar a instauração de procedimento administrativo tendente à demissão do servidor, sua exoneração ou devolução ao órgão de origem, pode igualmente recomendar, a depender da relevância da gravidade da falta constatada, que não se efetue alguma promoção ou melhoria funcional destinada ao servidor civil pilhado em falta de natureza ética.

Exemplo disso está previsto no item XVIII do Código de Ética do Servidor Público Civil do Poder Executivo Federal aprovado pelo Decreto nº 1.171, de 22.06.1994, conforme norma a seguir transcrita:

"XVIII - À Comissão de Ética incumbe fornecer, aos organismos encarregados da execução do quadro de carreira dos servidores, os registros sobre sua conduta ética, para o efeito de instruir e fundamentar promoções e para todos os demais procedimentos próprios da carreira do servidor público." [33]

Anota-se que, para tornar efetiva a eficácia da norma inscrita no item XVIII do Código de Ética do Servidor Público Civil é que foi previsto, agora, na recente regulamentação do assunto, o seguinte:

"Art. 22. A Comissão de Ética Pública manterá banco de dados de sanções aplicadas pelas Comissões de Ética, para fins de consulta pelos órgãos ou entidades da administração pública federal, em casos de nomeação para cargo em comissão ou de alta relevância pública". [34]

Evidentemente, em se tratando de punição disciplinar, a censura deverá constar igualmente dos assentamentos funcionais do servidor, para fins de consulta, por exemplo, para o caso de sua designação para cargo em comissão ou missões de maior relevância no serviço público, conforme está previsto no próprio Código de Ética do Servidor Civil.

E a conseqüência da conduta classificada como infração de natureza ética, apesar desta natureza, termina por desabonador a pessoa do servidor, que poderá até mesmo ser tido como inapto para o exercício de cargo em comissão ou de missões de maior relevância no ambiente da administração pública, ou até mesmo fora de seus quadros, já na área civil, onde está prevista ainda a anotação nos assentos do órgão incumbido do registro de profissão regulamentada.

Nessa linha de raciocínio, pode ser tida como ilegítima e até mesmo ilegal a norma do Regimento Interno na parte em que está prevista a "menção de censura" para o militar da ativa, à disposição do Ministério da Defesa, o que se nos afigura ainda mais inusitado, mesmo que condicionada à "concordância do Comandante da respectiva Força, cujo parecer será emitido à luz das razões de fato e de direito apresentadas pelo Presidente da Comissão", conforme previsto no Regimento Interno, aprovado pela Portaria nº 580/MD, de 10.10.2002, art. 21, parágrafo único. [35]

Para tanto, o Regimento Interno busca se amparar no Estatuto dos Militares, que dispõe que "o militar agregado fica sujeito às obrigações disciplinares concernentes às suas relações com outros militares e autoridades civis" [36]. E, neste ponto, temos a impressão que mais uma vez, o Regimento Interno navega em zona de turbulência, por haver confundido situações jurídicas diferentes. O militar, no Ministério da Defesa, pode não pode ser enquadrado na situação jurídica de agregado. Isto decorre da precisamente da natureza das atribuições do próprio Ministério da Defesa, incumbido de prestar assessoria sobre assuntos de natureza militar ao Presidente da República e cujos quadros de recursos humanos são predominantemente integrados por militares, desde a mais elevada patente ou o último posto do Generalato até aqueles da base da hierarquia militar.

Além de tudo o que já foi visto, tem-se a ponderar que, em princípio, para manter a estrutura moral exigida pela condição de militar, este não pode "tomar posse em cargo ou emprego público civil permanente", sob pena de ser "transferido para a reserva", segundo dispõe a própria Constituição Federal. [37]

E no caso de aceitação do cargo civil de natureza temporária, permitida por lei, o militar da ativa "ficará agregado ao respectivo quadro e somente poderá, enquanto permanecer nessa situação, ser promovido por antiguidade, contando-se-lhe o tempo de serviço apenas para aquela promoção e transferência para a reserva, sendo depois de dois anos de afastamento, contínuos ou não, transferido para a reserva". [38]

Idêntica previsão vem inscrita no Estatuto dos Militares, a dispor que "a transferência para a reserva remunerada" será ex officio, após dois anos de afastamento [39].

Comentando o inciso II do art. 142, § 3º, da Lei Maior, ensina IVES GANDRA MARTINS:

"O dispositivo vem tornar norma constitucional princípio que já prevalecia na carreira militar. Essa carreira exige dedicação exclusiva, não podendo ser confundida com as dos demais servidores públicos da União." [40]

Como se trata de uma "carreira estritamente técnica, que exige dedicação integral, de um lado, e conhecimento do setor de elevado nível, de outro", nada mais "natural que essa dedicação seja total", ensina o Professor IVES GANDRA MARTINS [41].

E isto porque, ainda segundo o Professor IVES GANDRA MARTINS, "os servidores públicos ou são civis ou militares, e a escolha de emprego público civil permanente nitidamente atingiria a qualidade do serviço militar." [42]

E o Professor IVES GANDRA MARTINS encerra os comentários deste dispositivo constitucional (art. 142, § 3º, II), nestes termos:

"Para evitar descuidos, concessões políticas, tentações de cargos civis relevantes, o Constituinte preferiu consagrar a vedação na Lei Suprema, objetivando exigir uma opção vocacional do militar. Se desejar atuar na área civil, deverá deixar de ser militar na hora, embora conserve as prerrogativas da reserva." [43]

A "transferência para a reserva remunerada, ex officio" (Estatuto, art. 98), ocorre, a nosso ver, por se tratar de espécie de desvio de função, que é danoso aos princípios que regem as Forças Armadas, por estar o militar sujeito às normas do art. 142, caput, da Constituição Federal, que dispõe que as Forças Armadas destinam-se "à defesa da Pátria, à garantia dos poderes constitucionais e, por iniciativa de qualquer destes, da lei e da ordem".

Se as Forças Armadas destinam-se à "garantia dos poderes constitucionais", exsurge óbvio que os militares não podem ser subordinados hierarquicamente a autoridades destes "poderes constitucionais", como no caso, por exemplo, de quem aceita um cargo comissionado no Senado Federal, na Câmara dos Deputados, ou num Tribunal, por exemplo.

Sendo certo que as Forças Armadas existem para garantia do funcionamento dos Poderes, isto impede que seus membros atuem, simultaneamente, como militares e como servidores de um dos três Poderes civis, o que é contrário ao art. 142 da Constituição Federal, que dispõe:

"Art. 142. As Forças Armadas, constituídas pela Marinha, pelo Exército e pela Aeronáutica, são instituições nacionais permanentes e regulares, organizadas com base na hierarquia e na disciplina, sob a autoridade suprema do Presidente da República, e destinam-se à defesa da Pátria, à garantia dos poderes constitucionais e, por iniciativa de qualquer destes, da lei e da ordem."

Pela densidade das atribuições constitucionalmente incumbidas ao militar, de guardião da defesa da pátria, da lei e da ordem, sua liberação para ocupar "cargo em comissão declarado em lei de livre nomeação e exoneração" (CF, art. 37, II), ainda que situados em posições da mais elevada estatura dentro da hierarquia da administração civil, a rigor, não se compatibiliza com os preceitos da ética militar.

Enfim, o militar – como qualquer servidor público – não pode ser submetido a duas ordens jurídicas diversas, simultaneamente, como é o caso do regime jurídico civil e o do regime jurídico militar, de certa forma, incompatíveis entre si, no atinente às penalidades, pois enquanto no civil as penalidades são mais suaves, no militar, são evidentemente muito mais severas.

Por outro lado, ao passar à condição de ocupante de cargo civil, e isto só é permitido para aqueles cargos de natureza temporária, evidentemente, passa a não estar submetido à hierarquia e à disciplina militar, passando a subordinar-se hierárquica e disciplinarmente a uma autoridade civil, tanto que, a partir de então, fica agregado ao cargo civil e, ao completar dois anos, é transferido, ex officio, para a reserva.

E, por causa dos princípios éticos próprios dos militares em geral, o exercício de cargo ou função civil, por militar, em regra, não é permitido, por se tratar de regimes totalmente diversos, sendo o do servidor civil bem mais suave, quanto às sanções pelo descumprimento dos deveres funcionais.

Por outro lado, embora "ao militar" sejam "proibidas a sindicalização e a greve" (CF, art. 142, § 3o, IV), o militar poderia querer vir a reivindicar tais prerrogativas inerentes ao cargo de natureza civil, e as Forças Armadas teriam grande dificuldade de impedir juridicamente o exercício destes direitos, exatamente porque o militar, em cargo civil, fica numa situação jurídica em que não estaria sujeito integralmente ao regime próprio do militar.

Mas temos que a norma constitucional que impede o militar de aceitar cargo, emprego ou função civil não se refere ao Ministério da Defesa, conforme temos por demonstrado, jã que se trata de uma Secretaria de Estado destinada a dar assessoria ao Presidente da República sobre assuntos militares, sendo certo que ninguém melhor que os militares para prestar esta espécie de assessoria, conforme, de resto, previsto na legislação própria.

Estes são outros fundamentos pelos quais cremos que o militar, quer da ativa, quer da reserva, colocado à disposição do Ministério da Defesa, para prestar assessoria sobre assuntos de natureza militar, não se enquadra na mesma situação jurídica daquele que aceita cargo civil de natureza temporária, pelo menos para fins de aplicação do Código de Ética do Servidor Civil.


DISTINÇÃO ENTRE CRIMES E INFRAÇÕES DISCIPLINARES MILITARES

A vida militar, diferente da civil, exige um aperfeiçoamento permanente, para fins de acesso aos postos e graduações, que somente ocorre através da aprovação em cursos de aperfeiçoamento, desde as Escolas Militares, caso, por exemplo, da Academia Militar das Agulhas Negras, onde durante vários anos, em regime de internato, ali permanece o pretendente a um posto de aspirante a oficial do Exército, início da carreira que pode levar, conforme o caso, até o generalato.

E, ao longo de sua formação como Oficial do Exército, na Academia Militar das Agulhas Negras, o aluno lê, diariamente, no lugar mais destacado do prédio, no pátio de formatura daquele estabelecimento de ensino militar, o seguinte preceito ético:

"IDES COMANDAR. APRENDEI A OBEDECER."

E mais tarde, como oficial, na formação de seus soldados, ensina a eles o Solene Juramento à Bandeira:

"Incorporando-me ao Exército Brasileiro, prometo cumprir rigorosamente as ordens da autoridade a que estiver subordinado. Respeitar os superiores hierárquicos e tratar com afeição os irmãos de armas e com lealdade os subordinados. E dedicar-me inteiramente ao serviço da Pátria, cuja honra, integridade e instituições defenderei, com o sacrifício da própria vida."

Para se ter uma apenas aproximada noção do que significa a ética do militar, que assume o compromisso solene de defender a Pátria com sacrifício até mesmo da própria vida, basta lembrar que não se pode fugir à luta, desertar, pois a deserção, entre nós, já foi punida com a pena de morte, conforme Regulamento de 1763, baixado pelo Conde De Lippe.

E, além do compromisso de não desertar, ou seja, de permanecer na guerra, para o militar é motivo do mais alto orgulho, ainda que depois de morto, oferecer seu corpo para servir ao menos como trincheira, para proteger seus irmãos de Força.

Para melhor compreender pelo menos um pouco do quanto existe de ética entre os deveres militares, bastaria meditar sobre a seguinte passagem do "Hino da Artilharia Brasileira", entre numerosos outros de igual sentido, Letra por Jorge Pinheiro, Melodia por Christian Zaihn, Hino que é cantado rotineira e solenemente durante as formaturas:

"Se é mister um esforço derradeiro

E fazer do seu corpo uma trincheira,

Abraçado ao canhão morre o artilheiro

Em defesa da Pátria e da Bandeira."

Bem se vê que a formação militar se assenta, afortunadamente, na disciplina e na hierarquia, na ética em seu sentido mais primoroso, o sentido de compromisso com a missão de defensor da Pátria, com renúncia a todos os bens materiais ou sentimentos outros por mais nobres que possam parecer.

A ética e a moral, nos meios militares, é tão real que deve ter inspirado a elaboração de um Código de Ética para o Servidor Civil, tal qual o existente.

Sobre este ponto, discorreu com pena de mestre Doutor JOÃO BATISTA FAGUNDES, que, tomando por referência a teoria do direito como mínimo ético, ensinou:

"O ideal seria que todas as normas de moral fossem transformadas em normas de direito; mas o que se verifica é que apenas algumas delas se transformaram em normas jurídicas, integrando o elenco de princípios consagrados do direito positivo.

"Conclui-se, pois, que é mais fácil ferir-se a moral do que se ferir o direito, já que o campo daquele é muito mais amplo.

"Na vida militar, porém, as peculiaridades especiais da profissão subordinam o militar a severas sanções, tanto no campo do direito quanto no campo da moral.

"A impunidade, que se verifica em outros ramos de atividade, para quem fere apenas os princípios da moral, é inadmissível para o oficial das Forças Armadas que, sendo forjado e educado para o exercício do comando, é obrigado a pautar sua conduta não só conforme a lei, mas, sobretudo, com honradez e com dignidade.

"É certo que tais virtudes não devem ser apanágios do militar. Nele, as virtudes aparecem gizadas pela lei, pois toda a Organização Militar, ante o princípio atuante da solidariedade orgânica, tão bem exposto por Chrysólito de Gusmão com apoio na doutrina de Durkheim, repousa nas virtudes do homem e do soldado, e seu pleno ajustamento ao conjunto, impondo normas de conduta rígida, funcional e moral, para resguardo da honra pessoal, do seu pundonor e do decoro da classe." [44]

Outra ordem de argumentação é que relativamente aos militares, seu próprio Estatuto já estabelece que a violação a idênticos preceitos éticos pode constituir contravenção, transgressão disciplinar ou crime militar, de acordo com a gravidade da violação, o que evidentemente não se aplica ao servidor civil.

Para melhor aclarar a distinção, quanto às conseqüências da infração ética para o civil e o militar, pode ser lembrada a norma da Constituição Federal, inscrita no art. 5º, inciso LXI, a dispor que:

"ninguém será preso senão em flagrante delito ou por ordem escrita e fundamentada de autoridade judiciária competente, salvo nos casos de transgressão militar ou crime propriamente militar, definidos em lei".

A partir da interpretação do art. 5º, inciso LXI, da Constituição Federal, a Professora TELMA ANGÉLICA FIGUEIREDO, Juíza-Auditora da Justiça Militar e Doutora em Direito Penal pela Universidade de São Paulo, faz a distinção do tratamento constitucional dado ao militar, onde se percebe claramente o maior rigor atinente a semelhantes condutas praticadas por servidor civil. [45]

Pode-se lembrar, por exemplo, que enquanto o servidor público civil, tendo cometido crime funcional, somente pode ser preso em flagrante delito ou por ordem judicial, o militar pode ser preso independente de flagrante e de ordem judicial, não só por crime propriamente militar, como por infração disciplinar, a depender apenas de ordem da autoridade militar competente.

Antes de tudo, pode ser lembrada a lição da Professora TELMA ANGÉLICA FIGUEIREDO, que, comentando o inciso LXI do art. 5º da Constituição Federal, ensina que:

"Tal inciso dispensa o flagrante delito ou a ordem escrita e fundamentada de autoridade judiciária nesse caso. Por conseguinte, o militar pode ser preso, independente de flagrante ou mandado de prisão expedido por juiz competente, se cometer crime propriamente militar. A norma constitucional excepciona as hipóteses de violar o direito fundamental de liberdade, quando o militar pratica um delito próprio de sua profissão. A exigência constitucional de só admitir a prisão de alguém, em flagrante delito, ou com ordem judicial, desaparece ao ferir o militar os princípios de hierarquia e disciplina, ou deixar de cumprir seus deveres militares. Quanto à transgressão disciplinar, a Constituição Federal amplia o direito de prender e manter preso, obstando a impetração de habeas corpus." [46]

Quanto ao óbice à impetração de habeas corpus, nos casos de prisão disciplinar, vem previsto no art. 142, § 2º, da Lei Maior, a dispor que:

"§ 2º Não caberá habeas-corpus em relação a punições disciplinares militares."

Apenas para argumentar, esta norma, que exclui a garantia de habeas corpus para o militar, para impedir a prisão por infração disciplinar nem tem qualquer sentido relativamente ao civil, porque não há de se cogitar desta espécie de sanção.

Adiante, discorre a Professora TELMA ANGÉLICA FIGUEIREDO sobre a denominada transgressão disciplinar militar, anotando, já de início, a dificuldade em fazer a distinção entre esta e o crime militar, nestes termos:

"A distinção entre crime militar e transgressão disciplinar apresenta grandes dificuldades, pois a linha divisória entre ambos se baseia em critérios de política criminal, ao desvalorar à ética mínima as transgressões, bem como o momento político do país. Em casos concretos, dada a imprecisão quanto ao estabelecimento dessa linha, cabe ao juiz a responsabilidade de distingui-los.

"Em oposição ao conceito de crime, não encontrado na legislação penal brasileira, a transgressão disciplinar aparece legalmente definida, como toda ação provocada pelo militar contrária aos preceitos estatuídos no ordenamento jurídico pátrio ofensiva à ética, aos deveres e às obrigações militares mesmo na sua manifestação elementar e simples, ou, ainda, que afete a honra pessoal, o pundonor militar e o decoro da classe;118 toda ação ou omissão contrária ao dever militar, estatuídos nas leis, nos regulamentos, nas normas e disposições, não previstas no Código Penal Militar;119 toda ação ou omissão contrária ao dever militar, e como tal classificada nos termos do presente Regulamento.120

"A dificuldade de distinção entre os conceitos avoluma-se quando se trata de disciplina militar. A diferença estabelece-se de acordo com a maior ou menor gravidade do fato, determinando a existência do delito ou de transgressão disciplinar.

"O Código Penal Militar brasileiro não prevê as transgressões disciplinares,121 que são estatuídas em leis específicas, como os regulamentos disciplinares das três Armas. A transgressão disciplinar e o delito militar tratam, muita vez, dos mesmos preceitos, deveres e obrigações militares. O crime expressa uma conduta mais complexa e çrrave que a transgressão. Se houver concurso aparente de normas entre o crime e a transgressão, aplicar-se-á somente a sanção relativa ao crime, conforme os princípios que dirimem os conflitos aparentes de normas.122 Em caso de não ser reconhecido o fato como crime, pode-se apreciá-lo como transgressão, salvo se a absolvição resultar da inexistência do fato, ou negativa de autoria. Enquanto o crime militar pode ser praticado por civil, a transgressão só se realiza por militar.

"Se um militar, por um mesmo fato, houver sofrido punição disciplinar e, após receber condenação por prática de delito militar, o tempo da pena disciplinar privativa de liberdade cumprido deverá ser computado, ocorrendo a detração penal, para evitar bis in idem, não admitido em Direito. (...)

"O Regulamento Militar da Marinha, opondo-se aos do Exército e Aeronáutica, denomina as transgressões como contravenções disciplinares, nomenclatura adotada pelo Código Penal da Armada, de 1890;123 são palavras sinônimas, sem qualquer semelhança com a figura das contravenções do Direito Penal.

"A efetiva distinção entre crime militar e transgressão disciplinar fundamenta-se no princípio da legalidade, pois o Código Penal Militar, cumprindo o mandamento constitucional, estatui que só haverá crime se lei anterior o definir.124"

Ainda a propósito da dificuldade de distinção entre crime e transgressão disciplinar militar, não se pode olvidar a leitura do quanto dispõe o art. 28 da Lei n° 6.880, de 09.12.1980:

Art. 28. O sentimento do dever, o pundonor militar e o decoro da classe impõem, a cada um dos integrantes das Forças Armadas, conduta moral e profissional irrepreensíveis, com a observância dos seguintes preceitos de ética militar:

I - amar a verdade e a responsabilidade como fundamento de dignidade pessoal;

II - exercer, com autoridade, eficiência e probidade, as funções que lhe couberem em decorrência do cargo;

III - respeitar a dignidade da pessoa humana;

IV - cumprir e fazer cumprir as leis, os regulamentos, as instruções e as ordens das autoridades competentes;

V - ser justo e imparcial no julgamento dos atos e na apreciação do mérito dos subordinados;

VI - zelar pelo preparo próprio, moral, intelectual e físico e, também, pelo dos subordinados, tendo em vista o cumprimento da missão comum;

VII - empregar todas as suas energias em benefício do serviço;

VIII - praticar a camaradagem e desenvolver, permanentemente, o espírito de cooperação;

IX - ser discreto em suas atitudes, maneiras e em sua linguagem escrita e falada;

X - abster-se de tratar, fora do âmbito apropriado, de matéria sigilosa de qualquer natureza;

XI - acatar as autoridades civis;

XII - cumprir seus deveres de cidadão;

XIII - proceder de maneira ilibada na vida pública e na particular;

XIV - observar as normas da boa educação;

XV - garantir assistência moral e material ao seu lar e conduzir-se como chefe de família modelar;

XVI - conduzir-se, mesmo fora do serviço ou quando já na inatividade, de modo que não sejam prejudicados os princípios da disciplina, do respeito e do decoro militar;

XVII - abster-se de fazer uso do posto ou da graduação para obter facilidades pessoais de qualquer natureza ou para encaminhar negócios particulares ou de terceiros;

XVIII - abster-se, na inatividade, do uso das designações hierárquicas:

a) em atividades político-partidárias;

b) em atividades comerciais;

c) em atividades industriais;

d) para discutir ou provocar discussões pela imprensa a respeito de assuntos políticos ou militares, excetuando-se os de natureza exclusivamente técnica, se devidamente autorizado; e

e) no exercício de cargo ou função de natureza civil, mesmo que seja da Administração Pública; e

XIX - zelar pelo bom nome das Forças Armadas e de cada um de seus integrantes, obedecendo e fazendo obedecer aos preceitos da ética militar."

Nem seria demasia lembrar que praticamente todas estas normas éticas servem como substância para figuras típicas tanto de natureza disciplinar como de natureza penal.

Para complicar mais ainda as dificuldades do intérprete, na distinção entre crimes militares e transgressões disciplinares, ainda vêm os arts. 42, 46 e 47 do Estatuto dos Militares, dispondo que:

"Art. 42. A violação das obrigações ou dos deveres militares constituirá crime, contravenção ou transgressão disciplinar, conforme dispuser a legislação ou regulamentação especificas.

§ 1º A violação dos preceitos da ética militar será tão mais grave quanto mais elevado for o grau hierárquico de quem a cometer."

......................................................................................

"Art. 46. O Código Penal Militar relaciona e classifica os crimes militares, em tempo de paz e em tempo de guerra, e dispõe sobre a aplicação das penas correspondentes aos crimes por eles cometidos."

..........................................................................

"Art. 47. Os regulamentos disciplinares das Forças Armadas especificarão as contravenções ou transgressões disciplinares e estabelecerão as normas relativas à amplitude e aplicação das penas disciplinares, à classificação do comportamento militar e à interposição de recursos contra as penas disciplinares.

§ 1º As penas disciplinares de impedimento, detenção ou prisão não podem ultrapassar 30 (trinta) dias."

À vista desta tábua de valores, o Militar não poderá ser submetido validamente às normas do Regimento Interno da Comissão de Ética do Servidor Civil, porque, conforme a legislação militar, já responde por falta de natureza ética, em tudo idênticas, que pode, segundo a gravidade da infração, ser considerada infração funcional ou até crime.

Também não se pode olvidar que uma pessoa não pode responder pela mesma infração, quer de natureza ética, disciplinar ou penal, perante dois tribunais distintos, ou seja, ao mesmo tempo, perante a Comissão de Ética do Ministério da Defesa e perante o Conselho de Justificação, no caso dos Oficiais das Forças Armadas, ou perante o Conselho de Disciplina, no caso do Guarda-Marinha, do Aspirante a Oficial e das demais praças das Forças Armadas com estabilidade assegurada, conforme o disposto nos arts. 48 e 49 da Lei nº 6.880, de 09.12.1980, nestes termos:

"Art. 48. O Oficial presumivelmente incapaz de permanecer como militar da ativa será, na forma da legislação específica, submetido a Conselho de Justificação."

"Art. 49. O Guarda-Marinha, o Aspirante-a-Oficial e as praças com estabilidade assegurada, presumivelmente incapazes de permanecerem como militares da ativa, serão submetidos a Conselho de Disciplina e afastados das atividades que estiverem exercendo, na forma da legislação específica."

Por sua vez, o Conselho de Justificação, baixado pela Lei nº 5.836, de 05.12.1972, em seus arts. 1º e 2º, dispõem:

"Art. 1º O Conselho de Justificação é destinado a julgar, através de processo especial, da incapacidade do oficial das Forças Armadas – militar de carreira – para permanecer na ativa, criando-lhe, ao mesmo tempo condições para se justificar.

Parágrafo único. O Conselho de Justificação pode, também, ser aplicado ao oficial da reserva remunerada ou reformado, presumivelmente incapaz de permanecer na situação de inatividade em que se encontra."

"Art. 2° É submetido a Conselho de Justificação, a pedido ou ex officio, o oficial das Forças Armadas:

I - acusado oficialmente ou por qualquer meio lícito de comunicação social de ter: (...)

c) praticado ato que afete a honra pessoal, o pundonor militar ou o decoro da classe."

A seu talante, os Regulamentos Disciplinares das Forças Armadas já incluem, na especificação das infrações disciplinares as condutas contrárias à ética e à moral, conforme se lê, por exemplo, nos arts. 1º e 6º do Regulamento Disciplinar da Marinha, 1º, 6º e 14 do Regulamento Disciplinar do Exército e 1º, 8º e 10, parágrafo único, do Regulamento Disciplinar da Aeronáutica, conforme a seguir transcritos:

a) "Art. 1° O Regulamento Disciplinar para a Marinha tem por propósito a especificação e a classificação das contravenções disciplinares e o estabelecimento das normas relativas à amplitude e à aplicação das penas disciplinares, à classificação do comportamento militar e à interposição de recursos contra as penas disciplinares."

"Art. 6° Contravenção disciplinar é toda ação ou omissão contrária às obrigações ou aos deveres militares estatuídos nas leis, nos regulamentos, nas normas e nas disposições em vigor que fundamentam a Organização Militar, desde que não incidindo no que é capitulado pelo Código Penal Militar como crime." [47]

b) "Art. 1° O Regulamento Disciplinar do Exército tem por finalidade especificar as transgressões disciplinares e estabelecer normas relativas a punições disciplinares, comportamento militar das praças, recursos e recompensas."

"Art 6° Para efeito deste Regulamento, deve-se, ainda, considerar:

"I - honra pessoal: sentimento de dignidade própria, como o apreço e o respeito de que é objeto ou se torna merecedor o militar, perante seus superiores, pares e subordinados;

"II - pundonor militar: dever de o militar pautar a sua conduta como a de um profissional correto. Exige dele, em qualquer ocasião, alto padrão de comportamento ético que refletirá no seu desempenho perante a Instituição a que serve e no grau de respeito que lhe é devido; e

"III - decoro da classe: valor moral e social da Instituição. Ele representa o conceito social dos militares que a compõem e não subsiste sem esse."

"Art. 14. Transgressão disciplinar: é toda ação praticada pelo militar contrária aos preceitos estatuídos no ordenamento jurídico pátrio ofensiva à ética, aos deveres e às obrigações militares, mesmo na sua manifestação elementar e simples, ou, ainda, que afete a honra pessoal, o pundonor militar e o decoro da classe." [48]

c) "Art. 1º As disposições deste Regulamento abrangem os Militares da Aeronáutica, da ativa, da reserva remunerada e os reformados."

"Art 8° Transgressão disciplinar é toda ação ou omissão contrária ao dever militar, e como tal classificada nos termos do presente Regulamento."

"Art. 10. São transgressões disciplinares, quando não conitituirem crime: (...)."

"Parágrafo único. São consideradas, também, transgressões disciplinares as ações ou omissões não especificadas no presente artigo e não qualificadas como crime nas leis penais militares, contra os Símbolos Nacionais; contra a honra e o pundonor individual militar; contra o decoro da classe, contra os preceitos sociais e as normas da moral; contra os princípios de subordinação, regras e ordens de serviço, estabelecidos nas leis ou regulamentos, ou prescritos por autoridade competente." [49]

Como se trata de um Código de Ética do Servidor Civil, a própria interpretação gramatical já conduz a uma resposta negativa quanto à sua aplicação aos militares da ativa e da reserva com atribuições funcionais perante o Ministério da Defesa.

Não se pode negar que foi o próprio Decreto Presidencial que procedeu à discriminação, ou seja, que fez a separação entre os civis e os militares e dispôs que o Código de Ética seria aplicável ao servidor civil do poder executivo federal.

Aplica-se o brocardo que diz que onde a lei não distingue, não pode o intérprete fazer a distinção. E, logo, a contrario sensu, onde a lei distingue, não cabe ao intérprete desfazer a distinção, a não ser que se admita que o simples intérprete da lei possa agir, substituindo o legislador, criando normas de que não cogitou o legislador. Enfim, o intérprete não pode incluir na norma jurídica o que nela não foi incluído antes pelo legislador, sob pena de avocar a si o poder de fazer as leis.

No caso de que se trata, a questão surge porque o Regimento Interno, aprovado por Portaria Ministerial, estipulou a pena de censura, prevista no Código de Ética do Servidor Civil, para o militar, com atribuições perante o Ministério da Defesa, quer da ativa quer da reserva, o que ofende a hierarquia própria das normas jurídicas, que é uma ordem segundo a qual as normas de hierarquia inferior necessitam encontrar fundamento de validade nas normas de hierarquia superior.

Sendo assim, apenas para exemplificar, pode-se afirmar que uma Ordem de Serviço somente terá validade se não contrariar uma Portaria Ministerial, que, por sua vez, não pode dispor em contrário ao que dispõe o Decreto do Presidente da República. E este, a seu talante, igualmente não terá validade se contrariar a uma Lei, sendo certo, da mesma forma, que a Lei, se não encontrar respaldo na Constituição, também será inválida.

Entre nós, como do conhecimento comum, o Decreto, por si só, não tem poderes para inovar na ordem jurídica. Temos apenas o decreto regulamentar, que é aquele que se limita a explicitar a lei. Regulamenta a lei, apenas. Não tem poderes para dispor sobre normas situadas nas denominadas áreas de reserva legal.

A propósito, dispõe o art. 84, inciso IV, da Constituição Federal que ao Presidente da República compete, privativamente, "sancionar, promulgar e fazer publicar as leis, bem como expedir decretos e regulamentos para sua fiel execução".

Algumas exceções foram introduzidas pela Emenda Constitucional nº 32, de 11.09.2001, o que vem a confirmar a regra, e que são aquelas inscritas no art. 84, inciso VI, que estipulam que compete privativamente ao Presidente da República "dispor, mediante decreto, sobre: a) organização e funcionamento da administração federal, quando não implicar aumento de despesa nem criação ou extinção de órgãos públicos; b) extinção de funções ou cargos públicos, quando vagos" (...).

O que mais releva anotar é que, entre nós, vige o princípio da legalidade, inscrito no art. 5º, inciso II, da Constituição Federal, que dispõe que "ninguém será obrigado a fazer ou deixar de fazer alguma coisa senão em virtude de lei".

E, no caso dos militares, a infração a norma de natureza ética já vem prevista em lei, que estipula penas disciplinares. Logo, a norma do Regimento Interno que vem a acrescentar mais uma penalidade, além daquelas estipuladas na lei, incide no vício de ilegalidade.

Na espécie, temos a impressão que mesmo o decreto presidencial não poderia estipular penalidade para a infração a normas e preceitos éticos, aplicáveis aos militares, pois a lei já tomou esta iniciativa, a de estabelecer sanção para a infração a preceitos éticos, que, como visto, pode configurar transgressão disciplinar e até figura típica criminal, a depender de cada caso.

E mesmo um outro decreto, no caso dos militares, para instituir sanção por inobservância de preceito ético, seria insuficiente, porque, entre nós, a Constituição Federal não admite os denominados regulamentos autônomos tal qual previstos no Direito Francês, atos do Poder Executivo que complementa o vazio normativo até que venha a ser preenchido por lei:

"Os regulamentos autônomos não são editados no desenvolvimento de nenhuma lei e se expressam com base no exercício de prerrogativas legislativas, sustentados numa concessão de índole constitucional. Seu fundamento jurídico imediato é portanto constitucional. Permite ao Executivo legislar sem qualquer apoio em lei ordinária. Com tais características, podem ser editados para preencher o espaço porventura deixado vazio pelas leis vigentes." [50]

Concluindo quanto ao Regimento Interno, temos a impressão que sua validade está a depender de sua necessária adequação às normas de hierarquia superior, a sugerir alteração legislativa, no Estatuto dos Militares, já que o Decreto Presidencial que aprovou o Código de Ética do Servidor Público Civil do Poder Executivo Federal, que não contempla os militares em seu raio de eficácia. E mesmo que contemplasse, seria contrário ao Estatuto dos Militares, que já legislou sobre as conseqüências da infração a preceitos éticos que denigrem a imagem do militar, reservando-lhe penalidades de natureza disciplinar e até mesmo criminal, a depender da gravidade da infração.

Em síntese, para nós, o Regimento Interno do Ministério da Defesa não pode ser tido como válido, quando legisla originariamente e inova na ordem jurídica, ao incluir no Código de Ética destinatários sequer cogitados quando de sua elaboração, por isso que não incluídos como tais.

Os destinatários do Código de Ética do Servidor Civil do Poder Executivo Federal, como a própria denominação está a indicar, são apenas aqueles expressamente previstos no Decreto do Presidente da República que o aprovou, vale esclarecer, apenas os Servidores Civis do Poder Executivo Federal.


C O N C L U S Ã O

Respondendo as questões objeto deste parecer, temos que os militares da reserva ocupantes de cargo em comissão no Ministério da Defesa e nos órgãos vinculados a este não podem validamente ser considerados servidores civis, para fins de aplicação do Código de Ética aprovado pelo Decreto nº 1.171, de 22.06.1994, porque este não foi destinado aos militares.

Aos militares da Marinha, do Exército e da Aeronáutica, quando à disposição do Ministério da Defesa, não pode ser aplicada a menção de censura ética, instituída pelo Decreto nº 1.171, de 22.06.1994, que aprovou o Código de Ética do Servidor Público Civil, também porque este não se destinou à aplicação aos militares.

Tendo em vista que o Estatuto dos Militares já estabelece, há muito tempo, que a violação a idênticos preceitos éticos, por militares, consubstancia contravenção, transgressão disciplinar ou crime militar, a depender da maior ou menor gravidade da infração a tais preceitos, não pode o Regimento Interno da Comissão de Ética dar tratamento diferenciado à mesma matéria, sob pena de nulidade, por vício de ilegalidade.

Em síntese, o militar da ativa, à disposição do Ministério da Defesa, assim como o da reserva, ocupante de cargo em comissão ou função comissionada neste Ministério ou nos órgãos a este vinculados, não podem ser submetidos validamente às normas do Código de Ética do Servidor Civil, também porque ao Ministério da Defesa compete a assessoria para assuntos militares ao Comandante Supremo das Forças Armadas.

E, assim, o militar que é convocado, quer na ativa, quer na reserva, para ter atribuições perante este Ministério, e que naturalmente estará prestando serviços de assessoria sobre o "emprego de meios militares, pelo Conselho Militar de Defesa" e sobre "os demais assuntos pertinentes à área militar" (LC nº 97/1999, art. 2º, I e II, e §§ 1º e 2º), assuntos de natureza militar, não pode ser considerado servidor civil, para fins de aplicação do Código de Ética do Servidor Civil, dada a natureza desse Ministério.

Conclui-se pela invalidade do Regimento Interno da Comissão de Ética do Servidor Civil do Ministério da Defesa na parte em que não se limitou a estabelecer normas destinadas apenas relativamente ao servidor civil, ao incluir sob seu raio de eficácia igualmente os militares tanto da ativa como da reserva, quando que em exercício neste Ministério.

Os militares da ativa e da reserva em atividade no Ministério da Defesa, continuam subordinados às normas éticas e às penalidades correspondentes do Estatuto e dos Regulamentos Disciplinares Militares.


Notas

  1. 01 O Regimento Interno da Comissão de Ética do Ministério da Defesa será referido apenas como Regimento Interno.
  2. MIRANDA, Francisco Cavalcante Pontes de. Comentários à Constituição de 1967 com a Emenda nº 1 de 1969, Editora Forense, Rio de Janeiro, 3ª edição, 1987, pág. 389.
  3. MARTINS, Ives Gandra da Silva Martins. Comentários à Constituição do Brasil, 5º vol., 2ª edição, São Paulo, Editora Saraiva, 2000, pág. 163.
  4. MARTINS, Ives Gandra. Comentários à Constituição. .., cit., pág. 183.
  5. MARTINS, Ives Gandra. Comentários à Constituição. .., cit., pág. 176.
  6. LC nº 97/1999, art. 9º.
  7. LC nº 97/1999, art. 10.
  8. LC nº 97/1999, art. 11.
  9. DOU-I 23.06.1994, pág. 9303, 1ª col., § 4º.
  10. DOU-I nº 198, de 11.10.2002, Seção I, págs. 7 e 8.
  11. DOU-I de 02.02.2007.
  12. DOU-I de 02.02.2007.
  13. DOU-I 23.06.1994, pág. 9302, 2ª col., § 10.
  14. DOU-I 23.06.1994, pág. 9302, 2ª col., § antepenúltimo.
  15. DOU-I 23.06.1994, pág. 9303, 1ª col., § 1º.
  16. DOU-I 23.06.1994, pág. 9303, 1ª col., § 2º.
  17. DOU-I 23.06.1994, pág. 9303, 1ª col., § 3º.
  18. Art. 4º, § único. "A Comissão de Ética Pública contará com uma Secretaria-Executiva, vinculada à Casa Civil da Presidência da República, à qual competirá prestar o apoio técnico e administrativo aos trabalhos da Comissão."
  19. Art. 7º, inciso IV, c.c o art. 2º, II e III, ambos, do Dec. nº 6.029, de 01.02.2007.
  20. Código de Conduta da Alta Administração Federal, objeto da Exposição de Motivos nº 37, de 18.08.2000, aprovada em 21.08.2000, pelo Presidente da República. (DOU-I de 22.08.2000).
  21. DOU-I nº 198, de 11.10.2002, Seção I, págs. 7 e 8.
  22. DOU-I 02.02.2007.
  23. DOU-I 23.06.1994, pág. 9301.
  24. DOU-I 23.06.1994.
  25. DOU-I 23.06.1994, pág. 9303, 1ª col., § penúltimo, in fine.
  26. DOU-I 23.06.1994, pág. 9297.
  27. DOU-I 02.02.2007.
  28. Dec. nº 6.029, de 01.02.2007, art. 12, § 5º, I.
  29. Decreto nº 6.029, de 01.02.2007, art. 12, § 5º, II e III.
  30. Decreto nº 6.029, de 01.02.2007, art. 17.
  31. Dec. nº 6.029, de 01.02.2007, art. 15.
  32. Dec. nº 6.029, de 01.02.2007, arts. 15, parágrafo único, e 16, § 2º.
  33. DOU-I 23.06.1994, pág. 9297.
  34. Decreto nº 6.029, de 01.02.2007, art. 22.
  35. DOU-I nº 198, de 11.10.2002, Seção I, págs. 7 e 8.
  36. Lei nº 6.880, de 09.12.1980, art. 83.
  37. CF, art. 142, § 3º, inciso II.
  38. CF, art. 142, § 3º, inciso III.
  39. Lei nº 6.880, de 09.12.1980, art. 98, inciso XV.
  40. MARTINS, Ives Gandra. Comentários à Constituição do Brasil, 5º vol., 2ª edição, São Paulo, Editora Saraiva, 2000, pág. 183.
  41. MARTINS, Ives Gandra. Idem, pág. 184.
  42. MARTINS, Ives Gandra. Idem, pág. 184.
  43. MARTINS, Ives Gandra. Idem, pág. 185.
  44. FAGUNDES, João Batista. A Justiça do Comandante, Edição do Autor, 2ª edição, 2003, pág. 283.
  45. FIGUEIREDO, Telma Angélica. Excludentes de Ilicitude no Direito Penal Militar, Editora Lumen Juris, RJ, 2004, págs. 57-63.
  46. FIGUEIREDO, Telma Angélica. Excludentes de Ilicitude. .., cit., pág. 59.

    18 Art. 14 do Decreto nº 4.346, de 26.08.02 (R.D.E.).

    19 Art. 6º do Decreto nº 88.545, de 26.07.83 (R.D.M.).

    20 Art. 8º do Decreto nº 76.322, de 22.09.75 (R.D.A.).

    21 Art. 19.

    22 Subsidiariedade ou consunção, conforme o caso.

    23 Art. 4º, as contravenções de polícia, cometidas a bordo dos navios da armada...

    24 Art. 1º do Código Penal Militar e art. 5º, inciso XXXIX, da Constituição Federal.

  47. Decreto nº 88.545. de 26 de julho de 1983 - Regulamento Disciplinar para a Marinha.
  48. Decreto nº 4.346, de 26 de agosto de 2002 - Regulamento Disciplinar do Exército.
  49. Decreto nº 76.322, de 22 de setembro de 1975 - Aprova o Regulamento Disciplinar da Aeronáutica.
  50. SANTOS, Brasilino Pereira dos. Medidas Provisórias no Direito Comparado e no Brasil, São Paulo, Editora LTr, 1993, pág. 141.

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SANTOS, Brasilino Pereira dos. Código de ética do servidor civil e sua inaplicabilidade ao militar. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 12, n. 1633, 21 dez. 2007. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/10785. Acesso em: 19 abr. 2024.