Este texto foi publicado no Jus no endereço https://jus.com.br/artigos/10871
Para ver outras publicações como esta, acesse https://jus.com.br

Princípios constitucionais da administração pública e a Lei nº 9.784/1999.

A nacionalização da legislação de regência do processo administrativo brasileiro

Princípios constitucionais da administração pública e a Lei nº 9.784/1999. A nacionalização da legislação de regência do processo administrativo brasileiro

Publicado em . Elaborado em .

O texto defende a possibilidade de nacionalização da legislação que rege o processo administrativo federal, por meio da edição de um código de processo administrativo brasileiro, ou de uma lei de natureza jurídica nacional para regê-lo, fato jurídico até agora inexistente no ordenamento pátrio.

"A preocupação máxima deve consistir em simplificar e uniformizar as normas do processo, não somente em benefício dos interessados e para o perfeito esclarecimento da verdade, mas ainda por razão de econômica, que deve sempre ser levada em consideração".

Themistocles Brandão Cavalcanti


RESUMO

A presente monografia identifica os princípios constitucionais da Administração Pública aplicáveis ao processo administrativo federal, previsto na Lei Federal nº 9.784, de 29 de janeiro de 1999, situando essa modalidade de processo na ordem constitucional vigente, identificando-o como instrumento concreto de direito fundamental individual. Além disso, demonstra a relação direta e a aplicação efetiva dos aludidos princípios constitucionais na prefalada Lei. A partir da concretude e relevância do tema proposto, apresenta a possibilidade de nacionalização da legislação que rege o processo administrativo federal, por meio da substituição da Lei Federal nº 9.784/99, através da edição de um código de processo administrativo brasileiro, ou de uma lei de natureza jurídica nacional para regê-lo, fato jurídico até agora inexistente no ordenamento pátrio. Tal propositura tem por objetivo consolidar em um único diploma legal os princípios fundamentais e regras gerais de natureza processual administrativa no país, aplicáveis igualmente, portanto, às entidades das administrações federal, dos estados-membros, do Distrito Federal e dos municípios, a exemplo do que já ocorre com os Códigos de Processo Penal e de Processo Civil e com a lei de regência das licitações e contratos no Brasil. Apresenta em suas conclusões as alternativas e os meios necessários, que ensejam modificação do texto constitucional e da Lei Federal nº 9.784/99, ou, ainda, alternativamente, sua aplicação subsidiária pelos entes federados para que se possa chegar a essa nova realidade jurídico-normativa no Brasil.

Palavras-chave: Princípios Constitucionais. Administração Pública. Nacionalização. Legislação. Processo Administrativo.


SUMÁRIO: INTRODUÇÃO. 1 PRINCÍPIOS CONSTITUCIONAIS DA ADMINISTRAÇÃO PÚBLICA. 1.1 Princípios. Características principais e distinções básicas entre princípios jurídicos e regras de direito. 1.2 A Administração Pública. Definição. 1.3 Princípios da Administração Pública na Constituição da República. 2 A LEI FEDERAL Nº 9.784, DE 29 DE JANEIRO DE 1999 . 2.1 O Processo Administrativo. Conceito e distinção entre processo e procedimento.2.2 Distinção entre processo e procedimento no âmbito da competência constitucional para legislar. 2.3 A previsão constitucional do processo administrativo como instrumento de direito e garantia fundamental individual. 2.4 Direitos e garantias fundamentais e os direitos e deveres individuais e coletivos. Breves considerações. 3 A RELAÇÃO ENTRE OS PRINCÍPIOS CONSTITUCIONAIS DA ADMINISTRAÇÃO PÚBLICA E A LEI FEDERAL Nº 9.784/99. 3.1 Resumo do conteúdo normativo da Lei Federal nº 9.784/99. 3.2 Os princípios constitucionais da Administração Pública, latu sensu e strictu sensu, na Lei Federal nº 9.784/99. 3.3 Princípios constitucionais strictu sensu. Definições e importância para o processo administrativo. 4 A NACIONALIZAÇÃO DA LEGISLAÇÃO DE REGÊNCIA DO PROCESSO ADMINISTRATIVO BRASILEIRO. 4.1 Possibilidade de alteração constitucional para a nacionalização dos princípios e normas gerais de regência do processo administrativo brasileiro em substituição à Lei Federal nº 9.784/99. 4.2 Aplicação subsidiária alternativa da Lei Federal nº 9.784/99 pela Administração Pública dos estados-membros, do Distrito Federal e dos municípios, na ausência de alteração constitucional. CONCLUSÃO. REFERÊNCIAS.


INTRODUÇÃO

O processo administrativo é um instituto do direito administrativo, importante ramo do direito público, em cujo ordenamento se orienta a Administração Pública na tarefa de organizar e bem gerir o Estado brasileiro.

A Constituição da República Federativa do Brasil de 1988 (CRFB/88) prestigiou o processo administrativo, eis que expressamente o inseriu em alguns dos seus trechos mais relevantes. Dessarte, o status legal desse importante instituto de direito administrativo foi elevado ao patamar de norma constitucional.

Com efeito, não bastasse o prestigio constitucional atribuído ao processo administrativo, a CRFB/88 tratou de inseri-lo no Título II, que trata "Dos Direitos e Garantias Fundamentais", mais precisamente, no Capítulo I, relativo aos "Direitos e Deveres Individuais e Coletivos".

De fato, em alguns dos incisos do art. 5º, do supracitado Capítulo I, a CRFB/88 fez referência expressa ao "processo administrativo", especificamente os de números LV [01]; LXXII [02], alínea "b" e LXXVIII [03]. Em outros dispositivos desse mesmo artigo, de forma mais ampla, referiu-se apenas a "processo", mas igualmente aplicável ao processo administrativo, como é o caso dos incisos LIV [04] e LVI [05].

O Título III, "Da Organização do Estado", Capítulo VII, "Da Administração Pública", em sua Seção II, "Dos Servidores Públicos", no art. 41, § 1º, II [06], ainda dispõe literalmente sobre o processo administrativo. É o que também ocorre no Título IX, "Das Disposições Constitucionais Gerais", conforme se pode constatar em seu art. 247, parágrafo único [07].

A propósito, as normas constitucionais acima referidas têm como ponto comum a relevante e imprescindível preocupação de respaldar os direitos e garantias fundamentais, individuais ou coletivos, esteio do Estado Democrático de Direito.

Nesse diapasão, o processo administrativo coloca-se como instrumento capaz de assegurar o respeito aos princípios constitucionais, in casu, a garantia do contraditório e ampla defesa, o devido processo legal, assim como aos demais pressupostos constitucionais aplicáveis à espécie.

Nesse contexto é que nasceu a presente proposta de pesquisa que traz como tema "Princípios Constitucionais da Administração Pública e a Lei Federal nº 9.784, de 29 de janeiro de 1999: a nacionalização da legislação de regência do processo administrativo brasileiro".

Os objetivos que nortearam o trabalho foram de ordem institucional e investigativa. Institucionalmente o estudo visa produzir uma monografia jurídica de conclusão de Curso de Especialização Telepresencial e Virtual em Direito Constitucional da Universidade do Sul de Santa Catarina (UNISUL). Como objetivo geral, de cunho investigativo, pretende analisar e discutir a necessidade de nacionalização da legislação de regência do processo administrativo, em face do seu atual status constitucional, com o intuito de torná-lo, assim, um instrumento concreto e eficaz de garantia e de defesa de direitos individuais dos cidadãos, por meio dele protegidos constitucionalmente.

O estudo tem relevância teórica, pois procura demonstrar a importância que atualmente possui o processo administrativo para o ordenamento jurídico pátrio. Devido a esse fato torna-se defensável o entendimento de que é imprescindível que o processo administrativo seja contemplado no arcabouço de princípios e normas gerais, em um único diploma legal, segundo o mandamento da CRFB/88. Essa seria, via de conseqüência, uma forma de se estabelecer a uniformização de referidos preceitos, assim como proporcionar a correspondente aplicação uniforme por parte da Administração Pública, em suas múltiplas esferas: federal, estadual, distrital e municipal.

De outra banda, a discussão do tema enseja o respeito e a materialização da vontade do legislador constituinte quanto à aplicação efetiva dos princípios constitucionais e dos correspondentes direitos e garantias fundamentais. Não é por outra razão que, há muito tempo, renomados administrativistas brasileiros defendem a elaboração e edição de um Código de Processo Administrativo, ou, alternativamente, de uma lei de caráter nacional para reger respectivas disposições.

O tema foi abordado na perspectiva do método de investigação hipotético-dedutivo, tendo em vista que na linha dos doutrinadores destacados se estudam primeiramente concepções mais genéricas sobre princípios jurídicos constitucionais, administração pública, processo administrativo, bem como aspectos da Lei nº 9.784, para então partir para a análise da problemática definida no presente estudo.

Para o desenvolvimento mais adequado da investigação, que resulta neste relatório de pesquisa, entendeu-se necessário estruturá-la em quatro capítulos distintos. O primeiro aborda os princípios constitucionais analisados sob o enfoque da Administração Pública. O segundo capítulo discorre sobre a Lei Federal nº 9.784, de 29 de janeiro de 1999, que rege o processo administrativo no âmbito federal, à luz da competência constitucional para legislar e como instrumento de direito e de garantia fundamental individual. No terceiro é discutida a relação entre os mais relevantes princípios constitucionais que regem a Administração Pública e a Lei nº 9.784/99, apresentando-se sua importância para o processo administrativo. No quarto e último capítulo apresentam-se alternativas e meios viáveis para se chegar à nacionalização da legislação de regência do processo administrativo brasileiro.


1 PRINCÍPIOS CONSTITUCIONAIS DA ADMINISTRAÇÃO PÚBLICA

A CRFB/88 prevê em seu texto vários princípios constitucionais aplicáveis à Administração Pública.

Na interpretação de Moreira (2003) os princípios que emanam do texto constitucional originário dividem-se em "princípios gerais de direito administrativo", pertinentes ao processo administrativo, e "princípios constitucionais processuais", strictu sensu. Os primeiros têm aplicação no âmbito do direito material.

Antes, porém, de ingressar nos princípios constitucionais aplicados à Administração Pública, torna-se necessário, primeiramente, apresentar as principais características dos princípios jurídicos em geral, sua diferenciação com as regras de direito, bem como algumas definições de Administração Pública.

1.1.Princípios. Características principais e distinções básicas entre princípios jurídicos e regras de Direito.

Despiciendo dizer, em termos de precisar características de determinado instituto ou elemento de direito e diferenciá-las em relação a outros, que inúmeros são os estudiosos emergentes que abordam essa temática e, portanto, diversas as concepções e acepções apresentadas.

Por outro lado, um estudo mais completo sobre os princípios norteadores da Administração Pública exige que se estabeleça o significado do vocábulo "princípio" dentro do ordenamento jurídico pátrio.

De Plácido e Silva (2001, p. 639), estudioso dos vocábulos jurídicos, entende que os princípios "revelam o conjunto de regras ou preceitos que se fixam para servir de norma a toda espécie de ação jurídica, traçando, assim, a conduta a ser tida em qualquer operação jurídica" [grifos do autor].

Para Carvalho (1999), os princípios apresentam-se como linhas diretivas que visam facilitar a compreensão de setores normativos, de modo a lhes atribuir caráter de unidade e servindo de fator de agregação em um grupo de normas.

No conceito de Espíndola (2002, p. 53), princípio:

[...] designa a estruturação de um sistema de idéias, pensamentos ou normas por uma idéia mestra, por um pensamento chave, por uma baliza normativa, donde todas as demais idéias, pensamentos ou normas derivam, se reconduzem e/ou se subordinam.

Os princípios se referem ao fundamento mais primitivo de um conceito, a relação mais íntima na busca pelas concepções das quais se utilizará a ciência jurídica.

Novaes, citado por Correia (2002, p. 9), salienta que os princípios possuem as seguintes funções:

A)informadora: indica que os princípios inspiram o elaborador da norma na sua concepção;

b)normativa: determina que, quando se encontram contidos nas normas jurídicas, os princípios possuem poder de comando; não só comando expresso da norma como o extraído do conjunto de normas;

c) construtora: indica que os princípios aparecem como tendências a serem trilhadas futuramente pelas leis;

d) integrativa: segundo essa função, os princípios servem como elemento de integração das normas, em face das lacunas existentes no ordenamento jurídico;

e) interpretativa: indica que os princípios aparecem como ‘ferramentas’ jurídicas auxiliares nas técnicas de interpretação [grifos do autor].

A partir das idéias citadas é possível afirmar que os princípios são normas elementares, ao mesmo tempo, fundamentos primitivos de determinados conceitos que servem de base para a aplicação do direito.

Em contrapartida, cabe ressaltar, como se faz adiante, o conceito de regras jurídicas, pacificado pela doutrina. Canotilho (1995, p. 531), a respeito do conceito, expõe que "[...] regras são normas que, verificados determinados pressupostos, exigem, proíbem ou permitem algo em termos definitivos, sem qualquer exceção (direito definitivo)".

A propósito das principais características e distinções entre princípios e regras de direito, Coelho (2005, p. 7, 15-16) ensina que:

Das mais relevantes para a prática do direito, sobretudo em âmbito constitucional, essa distinção tem como base a estrutura normativo-material dos preceitos que integram a parte dogmática das constituições, com enormes reflexos na sua interpretação e aplicação, como se verá adiante. [...] Finalmente, consolidando as principais diferenças entre regras e princípios, observa Gomes Canotilho tratar-se de uma tarefa particularmente complexa, mas que pode ser cumprida com base nos seguintes critérios:

Grau de abstração: os princípios jurídicos são normas com um grau de abstração relativamente mais elevado do que o das regras de direito;

Grau de determinabilidade na aplicação do caso concreto: os princípios, por serem vagos e indeterminados, carecem de mediações concretizadoras (e.g. do legislador ou do juiz), enquanto as regras são suscetíveis de aplicação direta;

Caráter de fundamentalidade no sistema das fontes de direito: os princípios são normas de natureza ou com um papel fundamental no ordenamento jurídico devido à sua posição hierárquica no sistema das fontes (e.g. os princípios constitucionais) ou à sua importância estruturante dentro do sistema jurídico (e.g. o princípio do Estado de Direito);

Proximidade da idéia de direito: os princípios são standards juridicamente vinculantes, radicados nas exigências de justiça (Dworkin) ou na idéia de direito (Larenz); as regras podem ser normas vinculantes com um conteúdo meramente funcional;

Natureza normogenética: os princípios são fundamentos de regras, isto é, são normas que estão na base ou constituem a ratio de regras jurídicas, desempenhando, por isso, uma função normogenética fundamentante [grifos do autor].

Desses ensinamentos infere-se que a distinção básica entre princípios jurídicos e regras de direito reside na falta de precisão e na generalização e abstração lógica dos princípios. Outro aspecto distintivo alude à preponderância da aplicabilidade dos princípios sobre as regras de direito em casos concretos, quando houver colisão entre ambos.

1.2.A Administração Pública. Definição

Uma das mais explícitas e precisas definições de "Administração Pública" emerge de Meirelles (2000, p. 58-60), que em seu conceito afasta a confusão comumente ocorrida entre "Administração" e "Governo".

Nas palavras desse autor:

Governo e Administração são termos que andam juntos e muitas vezes confundidos, embora expressem conceitos diversos nos vários aspectos em que se apresentam. [...] Administração Pública - Em sentido formal, é o conjunto de órgãos instituídos para consecução dos objetivos do Governo; em sentido material, é o conjunto das funções necessárias aos serviços públicos em geral; em acepção operacional, é o desempenho perene e sistemático, legal e técnico, dos serviços próprios do Estado ou por ele assumidos em benefício da coletividade. Numa visão global, a Administração é, pois, todo o aparelhamento do Estado preordenado à realização de serviços, visando à satisfação das necessidades coletivas. A Administração não pratica atos de governo, pratica, tão-somente, atos de execução, com maior ou menor autonomia funcional, segundo a competência do órgão e de seus agentes. São os chamados atos administrativos [...]

O Governo comanda com responsabilidade constitucional e política, mas sem responsabilidade profissional pela sua execução; a Administração executa sem responsabilidade constitucional ou política, mas com responsabilidade técnica e legal pela execução. A Administração é o instrumental de que dispõe o Estado para pôr em prática as opções políticas do Governo. [...]

O Governo e a Administração, como criações abstratas da Constituição e das leis, atuam por intermédio de suas entidades (pessoas jurídicas), de seus órgãos (centros de decisão) e de seus agentes (pessoas físicas investidas em cargos e funções) [grifos do autor].

Vê-se, pois, que Administração Pública e Governo não podem ser confundidos em suas acepções jurídico-normativas. A Administração Pública é constituída pelo conjunto de entidades, órgãos e agentes, criados de acordo com as normas constitucionais e legais, sendo-lhes atribuídas competências para apenas e tão-somente executar as decisões oriundas da vontade política do Governo, respeitados os estritos limites que lhes foram outorgados aos diferentes entes federados.

Em suma, vale dizer que governar significa uma atividade política e discricionária e administrar é uma atividade operacional, imparcial e vinculada às normas legais.

1.3.Princípios da Administração Pública na Constituição da República

Neste ponto do estudo cumpre mencionar os princípios constitucionais que regem a Administração Pública, sem ingressar em suas especificidades, a par, contudo, da existência de outros princípios não menos importantes, a ela aplicáveis.

Na concepção de Moreira (2003, p. 68, 196-197), a atividade processual do Estado-Administração é regida por:

[...] alguns princípios clássicos da teoria geral do processo: devido processo legal, contraditório e ampla defesa. À evidência, o direito processual administrativo não se esgota em tais cânones, nem tampouco são apenas estes que lhe dão configuração específica dentro do direito administrativo [...]. Seria até desnecessário recordar a incidência do formalismo moderado, gratuidade, impessoalidade, juiz natural, oficialidade, revisibilidade etc.

Com efeito, vale lembrar que nem todos os princípios aplicáveis ao processo administrativo estão previstos expressamente na CRFB/88. Os princípios que se encontram expressos na Carta Política em vigor, e por tal motivo podem ser considerados os mais relevantes, estão arrolados no art. 37, caput, a saber: "[...] legalidade, impessoalidade, moralidade, publicidade e eficiência [...]" (BRASIL, 2005, p. 30).

Além desses, têm aplicação na Administração Pública, os princípios contidos nos incisos LIV e LV, do art. 5º da CRFB/88, quais sejam: o devido processo legal, o contraditório e ampla defesa, especificamente no processo administrativo (MOREIRA, 2003).

Ressalta-se que os princípios acima enfocados não são os únicos aplicáveis à Administração Pública e, em especial, ao processo administrativo, porquanto existem outros pressupostos na legislação infraconstitucional. É o que se observa no art. 2º, da Lei nº 9.784/99, verbis: "A Administração Pública obedecerá, dentre outros, aos princípios da legalidade, finalidade, motivação, razoabilidade, proporcionalidade, moralidade, ampla defesa, contraditório, segurança jurídica, interesse público e eficiência" (BRASIL, 2005, p. 736).


2 A LEI FEDERAL Nº 9.784, DE 29 DE JANEIRO DE 1999

A Lei nº 9.784, editada em 29 de janeiro de 1999, foi introduzida no ordenamento jurídico pátrio justo para regular o processo administrativo na esfera da Administração Pública Federal direta e indireta. É o que se depreende da dicção do art. 1º, caput, no Capítulo I "Das Disposições Gerais", como a seguir se transcreve:

Esta Lei estabelece normas básicas sobre o processo administrativo no âmbito da Administração Federal direta e indireta, visando, em especial, à proteção dos direitos dos administrados e ao melhor cumprimento dos fins da Administração (BRASIL, 2005, p. 736).

É cediço que a Administração Pública, para edição de seus atos, controle da conduta de seus agentes e solução de controvérsias dos administrados em geral vale-se de diferentes procedimentos ou fases, disciplinados pelo ordenamento jurídico, comumente denominados de processo ou procedimento administrativo (MEIRELLES, 2003, p. 655).

Sobre a importância do processo administrativo no Estado Democrático de Direito, importante mencionar os ensinamentos de Ferreira (2004, p. 11-12):

A Constituição da República, atendendo aos anseios contemporâneos oriundos da vetusta e conflituosa relação entre Estado e indivíduo, entre interesse público e interesse privado, afirmou, logo no art. 1º, que nossa República constitui-se em Estado Democrático de Direito, no qual o poder emana do povo, tendo como um dos objetivos a construção de uma sociedade livre, justa e solidária. [...]

Assim, no Estado Democrático de Direito, o processo administrativo exsurge como um instrumento que se presta a duas finalidades, garantir, de um lado, a proteção dos direitos dos administrados e, portanto, sua participação na formação da vontade estatal, e, de outro, o melhor cumprimento dos fins da Administração [grifos nossos].

Apesar da importância do processo administrativo no Estado Democrático de Direito, Ferreira (2004, p. 13) alerta para o incompreensível desdém do legislador pátrio para com esse fundamental instrumento de garantia e de proteção dos direitos fundamentais dos administrados, haja vista que a Carta Magna foi promulgada em 1988, portanto, mais de uma década antes da edição da Lei nº 9.784/99. Nas palavras do autor:

A lei que regula o processo administrativo no âmbito da Administração Pública Federal foi editada somente em meados de 1999, o que mostra a patente falta de atenção de nossos legisladores acerca do instrumento hábil a garantir, de um lado, o eficiente exercício das finalidades da Administração e, de outro, os direitos dos administrados ante as prerrogativas públicas [grifos nossos].

De fato, em razão de o processo administrativo ser um importante instrumento de garantia de direitos dos administrados assegurados constitucionalmente, não se pode conceber que somente depois de onze anos da promulgação da Constituição de 1988, uma norma federal tenha sido editada para definir seus princípios e normas gerais de regência. Pior ainda é a falta de edição de uma norma nacional a esse respeito - idéia que se defende neste trabalho -, pois é inaceitável a existência de tratamento jurídico diverso, no âmbito das Administrações Públicas dos entes federados, como de fato existe, com relação a normas que se destinam, por meio do processo administrativo, a assegurar os pertinentes direitos e garantias fundamentais do cidadão e a observância de princípios constitucionais fundamentais.

Exemplo que corrobora a assertiva acima é o fato de que no Estado de Santa Catarina existem três normas estatutárias que regulam a vida funcional dos seus servidores públicos civis, dentro das quais estão inseridas regras relativas ao processo administrativo (em especial ao processo disciplinar), que possuem distinções e omissões entre si, sem contar a lei estatutária dos militares estaduais. Ora, se os direitos fundamentais dos cidadãos e os princípios constitucionais da Administração Pública das entidades federadas são comuns a todos, não é possível admitir a existência de tratamento jurídico diferenciado por parte do ordenamento jurídico, sob pena de referidos cânones constitucionais serem, na prática, ineficazes.

2.1 O Processo Administrativo. Conceito e distinção entre processo e procedimento.

Meirelles (2000, p. 628) apresenta, de forma explícita e concisa, os conceitos de processo e de procedimento no âmbito administrativo, assim como a distinção entre ambos. Nas palavras do autor:

Processo e ProcedimentoProcesso é o conjunto de atos coordenados para a obtenção de decisão sobre uma controvérsia no âmbito judicial ou administrativo; procedimento é o modo de realização do processo, ou seja, o rito processual.

O processo, portanto, pode realizar-se por diferentes procedimentos, consoante a natureza da questão a decidir e os objetivos da decisão. Observamos, ainda, que não há processo sem procedimento, mas há procedimentos administrativos que não constituem processo, como p. ex. os de licitação e concursos. O que caracteriza o processo é o ordenamento de atos para a solução de uma controvérsia; o que tipifica o procedimento de um processo é o modo específico do ordenamento desses atos. [grifos do autor].

Como mencionado, a distinção é incontroversa, ou seja, não exige maiores digressões a respeito. Basta enfatizar, no entanto, que na prática utiliza-se comumente o termo processo, tanto para fazer referência ao processo propriamente dito, como ao procedimento, inclusive, o ordenamento jurídico pátrio assim o admite.

Em rigor, dada a clareza da distinção entre ambos, entende-se que tal falha devesse ser evitada para não causar possíveis confusões de ordem teórica e prática quando da aplicação por parte dos juristas.

2.2 Distinção entre processo e procedimento no âmbito da competência constitucional para legislar.

A conceituação de processo e procedimento administrativo e a distinção respectiva, consoante as apresentadas, apesar de não serem cruciais, possuem importância para as conclusões da presente pesquisas, como adiante se demonstrará.

Não obstante, da mesma maneira como a doutrina reporta, a CRFB/88 também apresenta em seu contexto tal distinção terminológica. É o que se observa no Capítulo em que dispõe sobre as competências legislativas dos entes federados, mais especificamente, em seus artigos 22, I e 24, XI.

Nas transcrições desses preceitos nota-se a realidade jurídico-normativa, in verbis:

Art. 22. Compete privativamente à União legislar sobre

I – direito civil, comercial, penal, processual, eleitoral, agrário, marítimo, aeronáutico, espacial e do trabalho;

[...]

Art. 24. Compete à União, aos Estados e ao Distrito Federal legislar concorrentemente sobre:

[...]

XI – procedimentos em matéria processual [grifos nossos] (BRASIL, 2005, p. 24,26).

Na introdução deste estudo foram apresentados alguns dispositivos constitucionais que apontam, explicitamente, as expressões "processo" ou "processo administrativo". Bem a propósito, não se poderia deixar de citar os preceitos constitucionais nos quais se pode observar o emprego do termo "procedimento", como instrumento de garantia de direito fundamental individual, inclusive, tema a ser abordado na seção seguinte.

A título de exemplo, são as hipóteses dos seguintes artigos: 5º, XXIV [08]; 24, XI [09]; 41, III [10]; 93, II, "d" [11]; 98,I [12]; 184, § 3º [13].

Sobre essa questão terminológica que poderia, em tese, causar obstáculos para se encontrar o caminho mais adequado à nacionalização da legislação de regência do processo administrativo no Brasil, os doutrinadores pátrios já se manifestam.

Nesse sentido Ferreira (2004, p. 14), assim preleciona:

Ao que parece, a doutrina vem uniformizando o uso da terminologia processo administrativo para designar o fenômeno da sucessão lógica e encadeada de atos administrativos tendentes a um resultado final e conclusivo, bem como a de procedimento para identificar o iter que vai da instauração à decisão do processo, ou seja, o rito formal.

Nesse contexto, além de o processo não ser privativo da função jurisdicional, e sim extensivo ao campo das funções legislativa e administrativa por razões lógicas apontadas pela doutrina moderna, também razões de cunho positivista impostas pelos legisladores constituinte e originário nos levam a crer que a terminologia adequada para tratar o objeto da lei em questão é processo.

Não obstante, mesmo reconhecendo a distinção atual e defendendo o melhor uso do termo processo, o ínclito jurista Celso Antônio Bandeira de Mello acaba utilizando aludidas expressões como sinônimos fossem, em respeito à consagração histórica da nomenclatura procedimento no Direito Administrativo.

Nesse passo, é importante observar que não há processo sem procedimento, e que o processo pode realizar-se por diferentes procedimentos, dependendo da natureza da questão a decidir e os objetivos da decisão.

Logo, uma vez ausente qualquer efeito pragmático na presente discussão, compartilhamos da advertência feita pelo pré-citado mestre Celso Antônio Bandeira de Mello de que ’não é o caso de armar-se um cavalo de batalha em torno de rótulos’ [grifos nossos].

Com efeito, a discussão que ser quer provocar no presente trabalho monográfico, a par das distinções terminológicas existentes na doutrina e do emprego oportuno e com significados diversos na CRFB/88, não passa pela modificação pura e simples do texto de um ou de ambos preceitos constitucionais transcritos nesta seção 2.2 (artigos 22, I, e 24, XI), ou mesmo de outros nela inseridos.

Em rigor, é necessário buscar outra alternativa de modificação constitucional (como a inclusão de inciso de teor semelhante ao do art. 22, XXVII, da CRFB/88), obedecendo-se, sempre, o âmbito de competência constitucional para legislar dos entes federados, a fim de que se chegue, in concreto, à compilação, à uniformização e, via de conseqüência, à nacionalização dos princípios fundamentais e normais gerais que regem o processo administrativo.

2.3 A previsão constitucional do processo administrativo como instrumento de direito e garantia fundamental individual

Como já asseverado, o processo administrativo foi alçado à condição de norma constitucional e inserido no Título relativo aos "Direitos e Garantias Fundamentais", no Capítulo que trata dos "Direitos e Deveres Individuais e Coletivos".

Pelo que se observa, não há, no meio jurídico, quaisquer dúvidas sobre a importância e a relevância do atual status constitucional do processo administrativo para a Administração Pública e, em especial, para os administrados.

Moreira (2003, p. 63-64) demonstra, de forma bem precisa, que o processo administrativo é um indispensável instrumento garantidor dos direitos individuais dos administrados. É o que se depreende dos seguintes ensinamentos:

A existência e a celebração do processo administrativo fazem parte da busca por um Estado Democrático de Direito. È atividade pela qual o particular contribui com a formação da ‘vontade’ estatal, de forma direta e imediata. Como decidiu o Tribunal Regional Federal da 5ª Região: ‘A homenagem ao devido processo legal é um comportamento da Administração Pública que se insere no cultivo à democracia e respeito ao direito do cidadão’.

Talvez a atividade processual seja a maneira mais democrática de se chegar à prolatação de um ato administrativo. Então, o processo caracteriza-se como instrumento de garantia dos direitos individuais. Ao administrado não será apenas dado o dever de submeter-se aos atos estatais, pois o caminho processual prestar-se-á a proteger o direito material dos particulares.

Daí porque o processo não merece ser vislumbrado unicamente como ‘rito’ ou ’procedimento’. Ao serem utilizados tais termos, é imediata a conexão a idéias puramente formais. Através do processo administrativo não se pretende mera proteção a prazos, publicações, vistas, protocolos e demais perfis burocráticos da atividade estatal. O processo é instrumento de participação, proteção e garantia dos direitos individuais. Caso prestigiado, o cidadão terá convicção de que o ato administrativo é legítimo e perfeito. [...]

O processo administrativo pode ser encarado sob duas ópticas: (a) rito e seqüência de atos meramente formais, a serem obedecidos pelos agentes, sem qualquer finalidade substancial; e (b) instrumento de garantia e satisfação dos direitos individuais celebrados na Constituição e leis infraconstitucionais. Essa segunda visão – que não descarta, mas contém, a primeira – parece-nos a única que deve ser prestigiada pela ciência do Direito [grifos nossos].

Isso posto, é importante discorrer com mais atenção sobre os direitos e garantias fundamentais das pessoas, em especial, acerca dos direitos e deveres individuais e coletivos, digressão que emerge a seguir.

2.4 Direitos e garantias fundamentais e direitos e deveres individuais e coletivos. Breves considerações

Muito se pode discutir sobre a questão dos direitos e garantias fundamentais e direitos e deveres individuais e coletivos, sobretudo quando se analisam os bens da vida da sociedade contemporânea. No entanto, para o presente estudo, importam apenas breves considerações necessárias para demonstrar o nível de importância que assumiu o processo administrativo no ordenamento jurídico brasileiro, após a promulgação da CRFB/88.

Branco (2005, p. 40-41) realiza importante análise das dimensões subjetiva e objetiva dos direitos fundamentais e das conseqüências delas despontadas para o ordenamento jurídico e para os seus destinatários. O autor discorre, exaustivamente, da seguinte maneira:

A dimensão subjetiva dos direitos fundamentais corresponde à característica desses direitos de, em maior ou menor escala, ensejarem uma pretensão a que se adote um dado comportamento ou um poder da vontade de produzir efeitos sobre certas relações jurídicas.

Nessa perspectiva, os direitos fundamentais correspondem à exigência de uma ação negativa (em especial, de respeito ao espaço de liberdade do indivíduo) ou positiva de outrem, e, ainda, correspondem a competências – em que não se cogita de exigir comportamento ativo ou omissivo de outrem, mas do poder de modificar-lhes as posições jurídicas.

Conquanto essa seja a perspectiva de maior realce dos direitos fundamentais, ela convive com uma dimensão objetiva – ambas mantendo uma relação de remissão e de complemento recíproco.

A dimensão objetiva resulta do significado dos direitos fundamentais como princípios básicos da ordem constitucional. Os direitos fundamentais são da essência do Estado de Direito Democrático, operando como limite do poder e como diretriz para a sua ação. As constituições democráticas assumem um sistema de valores que os direitos fundamentais revelam e positivam. Esse fenômeno faz com que os direitos fundamentais influam sobre todo o ordenamento jurídico, servindo de norte para a ação de todos os poderes constituídos.

Os direitos fundamentais, assim, transcendem a perspectiva da garantia de posições individuais, para alcançar a estatura de normas que filtram os valores básicos da sociedade política e os expandem para todo o direito positivo. Formam, pois, a base do ordenamento jurídico de um Estado Democrático [grifos nossos].

Sobre as conseqüências da dimensão objetiva o mesmo autor ainda preleciona que:

Ela faz com que o direito fundamental não seja considerado exclusivamente sob perspectiva individualista, mas, igualmente, que o bem por ele tutelado seja visto como um valor em si, a ser preservado e fomentado.

A perspectiva objetiva, nesse sentido, legitima até restrições aos direitos subjetivos individuais, limitando o conteúdo e o alcance dos direitos fundamentais dos indivíduos em favor deles próprios. [...]

Outra importante conseqüência da dimensão objetiva dos direitos fundamentais está em ensejar um dever de proteção pelo Estado dos direitos fundamentais contra agressões dos próprios poderes públicos, provindas de particulares ou de outros Estados. [...]

Sob esse enfoque, os direitos de defesa apresentariam um aspecto de direito a prestação positiva, na medida em que a dimensão objetiva dos direitos fundamentais cobra a adoção de providências, quer materiais, quer jurídicas, de resguardo dos bens protegidos. Isso corrobora a assertiva de que a dimensão objetiva interfere na dimensão subjetiva dos direitos fundamentais, neste caso atribuindo-lhe reforço e efetividade.

Observe-se que esse mesmo propósito de reforço de posições jurídicas fundamentais pode exigir a elaboração de regulamentações restritivas de liberdades. [...]

Respeita-se, contudo, em princípio, a liberdade de conformação do legislador, a quem se reconhece discricionariedade na opção normativa tida como mais oportuna para a proteção dos direitos fundamentais. Cabe aos órgãos políticos, e não ao judiciário, indicar qual a medida a ser adotada para proteger os bens jurídicos abrangidos pelas normas definidoras de direitos fundamentais. A dimensão objetiva cria um direito a prestação associado a direito de defesa, e esse direito a prestação há de se sujeitar à liberdade de conformação dos órgãos políticos e ao condicionamento da reserva do possível. [...]

Além do dever de proteção dos direitos fundamentais, a sua dimensão objetiva desvenda, ainda, um sentido qualificativo [grifos do autor] das normas que os prevêem. Os enunciados normativos que proíbam ou dificultem a ação descrita na norma de direito fundamental são qualificados como inválidos, independentemente de chegarem a produzir, em concreto, constrangimento sobre algum indivíduo.

O aspecto objetivo dos direitos fundamentais leva, também, a que se lhes atribua uma eficácia irradiante, servindo de diretriz para a interpretação e aplicação das normas dos demais ramos do direito. Enseja, ainda, a discussão sobre a eficácia horizontal dos direitos fundamentais – a eficácia desses direitos na esfera privada, no âmbito das relações entre particulares [grifos nossos] (BRANCO, 2005, p.41-42).

Vê-se, pois, a predominância que a dimensão objetiva dos direitos fundamentais exerce sobre a subjetiva, dada a sua relevância e aplicação prática em prol das garantias constitucionais conferidas aos cidadãos, realidade que, em última análise, de fato é o que importa, tendo em vista que esses são os seus verdadeiros destinatários.

Com relação, ainda, aos direitos fundamentais, Branco (2005, 42-45) apresenta distinta classificação, considerada de grande importância para os propósitos do presente estudo, conforme segue:

9. DIREITOS FUNDAMENTAIS NA CONSTITUIÇÃO BRASILEIRA: CLASSIFICAÇÃO

Conquanto a distinção dos direitos fundamentais conforme se refiram a direito a prestação ou a direito de defesa apresente notável utilidade prática, não foi esse o critério taxinômico adotado pelo constituinte. Conforme noticia José Afonso da Silva, o agrupamento dessas posições fundamentais buscou respaldo no seu conteúdo, na natureza do bem protegido.

Assim, segundo o autor, considerou-se num primeiro grupo a condição do homem-indivíduo, independente dos demais e do próprio Estado, daí resultando os direitos individuais. A situação do homem como membro de uma coletividade inspirou os direitos coletivos. Uns e outros foram enumerados no art. 5º da Constituição.[...]

9.1 Direitos Individuais e Direitos Coletivos

A Constituição cogita, no art. 5º, de direitos individuais e coletivos. Distingui-los a partir dos critérios da Constituição em vigor não é tarefa tranqüila, mas pode produzir conseqüências relevantes, na medida em que o art. 60, § 4º, da Constituição fala apenas em direitos individuais como cláusulas pétreas.

Uma classificação lastreada apenas na distinção entre homem-indivíduo e o homem na coletividade, embora represente um ponto de partida, nem sempre gera resultados seguros.

A Constituição abre o Capítulo I do Titulo dos Direitos e Garantias fundamentais para cuidar dos direitos individuais e coletivos, que estariam, assim, dispersos nos setenta e sete incisos do art. 5º, No entanto, também em outros capítulos do mesmo Título da Constituição encontram-se direitos que respondem a essa característica de se referirem ao homem enquanto integrante da coletividade. [...]

O certo é que o constituinte não deu entrada a uma definição precisa do que sejam os direitos coletivos. Não parece que o constituinte tenha desejado se referir aos direitos de titularidade coletiva. Direitos de titularidade entregue à coletividade são os direitos fundamentais de terceira geração, como o direito à paz, ao desenvolvimento, à autodeterminação dos povos, que não constam do art. 5º da Carta. O que há, ali, são direitos individuais de expressão coletiva, direitos de que o indivíduo é o titular, ainda que não possam ser exercitados pelos indivíduos isoladamente, ‘pressupondo a atuação convergente ou concertada de uma pluralidade de sujeitos’, como as liberdades de reunião e de associação. [...]

9.2 Direitos e garantias

No âmbito das classificações dos direitos fundamentais que resultam dos termos utilizados no Título II da Constituição, intenta-se distanciar os direitos das garantias [grifos do autor].

Há, no Estatuto Político, direitos que têm como objeto imediato um bem específico da pessoa (vida, honra, liberdade física). Há também outras normas que protegem esses direitos indiretamente, ao limitarem, por vezes procedimentalmente, o exercício do poder. São estas normas que dão origem aos direitos-garantia, as chamadas garantias fundamentais [grifos do autor].

As garantias fundamentais asseguram aos indivíduos a possibilidade de exigir dos poderes públicos o respeito ao direito que instrumentalizam. Vários direitos previstos nos incisos do art. 5º da Constituição se ajustam a esse conceito. Vejam-se, por exemplo, as normas ali consignadas de direito processual penal.

Nem sempre, contudo, a fronteira entre uma e outra categoria se mostra límpida – o que, na realidade, apresenta maior importância prática, uma vez que a nossa ordem constitucional confere tratamento unívoco aos direitos e garantias fundamentais [grifos nossos].

A classificação apresentada por Branco (2005) demonstra bem a relevância dos direitos e garantias fundamentais na ordem constitucional vigente e, independentemente de se classificar o processo administrativo como um direito ou uma garantia, individual ou coletivo, o que impende destacar é que a CRFB/88 preocupou-se em dar-lhes o mesmo tratamento jurídico, pelo simples fato (obviamente dentre muitos outros), de inseri-los em um mesmo Título.

No mesmo diapasão é o magistério de Mendes (2005, p. 01-03):

Se se pretende atribuir aos direitos individuais eficácia superior à de normas meramente programáticas, então devem-se identificar precisamente os contornos e limites de cada direito, isto é, a exata definição do seu âmbito de proteção. Tal colocação já é suficiente para realçar o papel especial conferido ao legislador tanto na concretização de determinados direitos quanto no estabelecimento de eventuais limitações ou restrições. Evidentemente, não só o legislador, mas também os demais órgãos estatais com poderes normativos, judiciais ou administrativos cumprem uma importante tarefa na realização dos direitos fundamentais.

A Constituição brasileira de 1988 atribuiu significado ímpar aos direitos individuais. Já a colocação do catálogo dos direitos fundamentais no início do texto constitucional denota a intenção do constituinte de emprestar-lhes significado especial. A amplitude conferida ao texto, que se desdobra em setenta e sete incisos e dois parágrafos (art. 5º), reforça a impressão sobre a posição de destaque que o constituinte quis outorgar a esses direitos. A idéia de que os direitos individuais devem ter eficácia imediata ressalta a vinculação direta dos órgãos estatais a esses direitos e o seu dever de guardar-lhes estrita observância.

O constituinte reconheceu ainda que os direitos fundamentais são elementos integrantes da identidade e da continuidade da Constituição, considerando, por isso, ilegítima qualquer reforma constitucional tendente a suprimi-los (art. 60, § 4º).

A complexidade do sistema de direitos fundamentais recomenda que se envidem esforços no sentido de precisar os elementos essenciais dessa categoria de direitos, em especial no que concerne à identificação dos âmbitos de proteção e à imposição de restrições ou limitações legais.

Os direitos fundamentais são, a um só tempo, direitos subjetivos e elementos fundamentais da ordem constitucional objetiva. Enquanto direitos subjetivos, os direitos fundamentais outorgam aos titulares a possibilidade de impor os seus interesses em face dos órgãos obrigados. Na sua dimensão como elemento fundamental da ordem constitucional objetiva, os direitos fundamentais – tanto aqueles que não asseguram, primariamente, um direito subjetivo quanto aqueloutros, concebidos como garantias individuais – formam a base do ordenamento jurídico de um Estado de Direito Democrático.

É verdade consabida, desde que Jellinek desenvolveu a sua Teoria dos quatro ‘status’, que os direitos fundamentais cumprem diferentes funções na ordem jurídica.

Na sua concepção tradicional, os direitos fundamentais são direitos de defesa (Abwehrrechte), destinados a proteger determinadas posições subjetivas contra a intervenção do Poder Público, seja pelo (a) não-impedimento da prática de determinado ato, seja pela (b) não-intervenção em situações subjetivas ou pela não-eliminação de posições jurídicas.

Nessa dimensão, os direitos fundamentais contêm disposições definidoras de uma competência negativa do Poder Público (negative Kompetenzbestimmung), que fica obrigado, assim, a respeitar o núcleo de liberdade constitucionalmente assegurado.

Outras normas consagram direitos a prestações de índole positiva (Leistungsrechte), que tanto podem referir-se a prestações fáticas de índole positiva (faktische positive Handlungen), quanto a prestações normativas de índole positiva (normative Handlungen).

Tal como observado por Hesse, a garantia de liberdade do indivíduo, que os direitos fundamentais pretendem assegurar, somente, é exitosa no contexto de uma sociedade livre. Por outro lado, uma sociedade livre pressupõe a liberdade dos indivíduos e cidadãos, aptos a decidir sobre as questões de seu interesse e responsáveis pelas questões centrais de interesse da comunidade. Essas características condicionam e tipificam, segundo Hesse, a estrutura e a função dos direitos fundamentais. Estes asseguram não apenas direitos subjetivos, mas também os princípios objetivos da ordem constitucional democrática. [grifos nossos].

Apresentadas tais considerações, fica fácil inferir a importância e o destacado status que atualmente se atribui ao processo administrativo na ordem jurídica pátria.

No capítulo que segue discorre-se sobre a relação direta e intrínseca existente entre os princípios constitucionais da Administração Pública e as normas contidas na Lei Federal nº 9.784/99.


3 A RELAÇÃO ENTRE OS PRINCÍPIOS CONSTITUCIONAIS DA ADMINISTRAÇÃO PÚBLICA E A LEI FEDERAL Nº 9.784/99

Ao iniciar o presente capítulo entende-se necessário apresentar um resumo do conteúdo normativo da Lei Federal nº 9.784/99, de modo a possibilitar uma visão global, ainda que singela, da pré-citada lei.

3.1 Resumo do conteúdo normativo da Lei Federal nº 9.784/99

Conforme mencionado alhures, a Lei Federal nº 9.784/99 dispõe sobre normas atinentes ao processo administrativo na esfera da Administração Pública federal.

As disposições contidas em referida lei são assim resumidas por Meirelles (2000, p. 629-630):

a) suas regras aplicam-se às três esferas de administração – Executivo, Legislativo e Judiciário (cf. § 1º do art. 1º) – e, obviamente, também ao Ministério Público e aos Tribunais de Contas.

b) exigência da indicação dos pressupostos de fato e de direito da decisão; observância das formalidades essenciais à garantia dos direitos dos administrados; adoção de formas simples, suficientes para propiciar adequado grau de certeza, segurança e respeito aos direitos dos administrados; garantia dos direitos à comunicação, à apresentação de alegações finais, à produção de provas e à interposição de recursos, nos processos de que possam resultar sanções e nas situações de litígio; proibição de cobrança de despesas processuais, ressalvadas as previstas em lei; e impulsão, de ofício, do processo, sem prejuízo da atuação dos interessados (art. 2º, parágrafo único, VII, VIII, IX, X, XI e XII);

c) enumeração dos direitos e dos deveres dos administrados perante a Administração (arts. 3º e 4º);

d) indicação de regras sobre o início do processo, que ocorrer de ofício ou a pedido do interessado, bem como a previsão de vedação de recusa imotivada de documento, com o dever de o servidor orientar quanto ao suprimento de eventuais falhas, além da obrigatoriedade de se elaborarem ‘modelos ou formulários padronizados para assuntos que importem pretensões equivalentes’ (arts. 5º a 8º). Estas regras buscam facilitar a vida do administrado e aumentar a eficiência do serviço;

e) conceituação, para fins do processo administrativo, de quem é legitimado como ‘interessado’ e de quem é ‘capaz’ – no caso, os maiores de dezoito anos, salvo norma especial a respeito (arts. 9º e 10);

f) normas sobre competência e as hipóteses de impedimento e suspeição (arts. 11 a 19);

g) regras sobre a forma, o tempo, o lugar e a comunicação dos atos do processo (arts. 22 a 28);

h) normas sobre a instrução do processo, os prazos, o ‘dever de decidir’ e os recursos (arts. 29 a 49 e 56 a 67);

i) enumeração das hipóteses de desistência e de extinção do processo (arts. 51 e 52); e

j) a ressalva de que os processos administrativos específicos continuarão a reger-se por lei própria, aplicando-se-lhes, subsidiariamente, os preceitos dessa lei.

Como veremos adiante, diversas dessas normas representam o que chamamos de ‘princípios do processo administrativo’, pelo quê, na realidade, devem ser aplicadas em qualquer processo e não apenas em nível federal [grifos nossos].

O supratranscrito resumo da Lei Federal nº 9.784/99 é, pois, suficiente para demonstrar a sua excelência normativa e a preocupação do legislador federal em dar completude às principais normas de regência do processo administrativo. Não é por outra razão que Meirelles (2000) entende que várias de suas regras são princípios que devem ser aplicados a qualquer processo, em qualquer nível de Administração Pública e não apenas na esfera federal. Esse mesmo entendimento é propugnado no presente trabalho.

De fato, o que se procura demonstrar é a existência, no ordenamento jurídico brasileiro, da processualidade no âmbito administrativo, como resultado dos preceitos insculpidos na CRFB/88 e também na Lei nº 9.784, de 29 de janeiro de 1999, que veio disciplinar o processo administrativo para a Administração Pública Federal.

Na seção seguinte, abordam-se os princípios constitucionais próprios da Administração Pública, consoante referência do supramencionado autor.

3.2 Os princípios constitucionais da Administração Pública, latu sensu e strictu sensu, na Lei Federal nº 9.784/99

Após as análises realizadas nos capítulos precedentes sobre os institutos jurídicos relativos aos princípios; às normas gerais; à Administração Pública; ao processo administrativo; aos direitos e garantias fundamentais e aos direitos Individuais e coletivos, é necessário, agora, apreciar o direito materializado na ordem jurídica vigente, à luz da CRFB/88 e da Lei Federal nº 9.784/99, com instrumentos que norteiam a atividade administrativa do Estado.

Assim, nesta seção serão abordados os princípios constitucionais mais relevantes aplicáveis ao direito processual administrativo, em especial, na Lei em comento, com o intuito de apresentar a pertinência intrínseca existente entre tais princípios e a aludida lei federal. Nesse regramento, vale dizer, está inserida toda a principiologia que forma o arcabouço do "regime jurídico do processo administrativo".

Nesse norte, de início, destacam-se os princípios contidos na Lei Federal nº 9.784/99, que são aplicáveis a todas as atividades administrativas estatais. Tal abordagem é tomada em sentido mais geral, eis que, em seguida analisar-se-ão os princípios de maior destaque e relacionados ao presente trabalho, de índole meramente processual, sempre visando ao objetivo maior de tutelar o objeto central desta pesquisa.

Quanto aos princípios constitucionais latu sensu da Administração Pública, implícitos e explícitos na Lei Federal nº 9.784/99, podem ser destacados, com sustentáculo na doutrina aplicável e na ordem constitucional vigente, os seguintes:

a)do Estado Democrático de Direito;

b)da legalidade (proporcionalidade, razoabilidade);

c)da isonomia;

d)da moralidade (boa-fé e imparcialidade);

e)da publicidade;

f)da responsabilidade objetiva;

g)da eficiência.

Frisa-se que os princípios em relevo não são os únicos decorrentes, explícita ou implicitamente, do texto constitucional e da Lei Federal nº 9.784/99. Também, não são os únicos que possuem natureza prevalente de direito administrativo material em relação àqueles de natureza própria de direito administrativo processual. Como dito, vários outros princípios constitucionais aplicáveis à Administração Pública, de natureza material ou processual, podem ser encontrados na doutrina e na jurisprudência.

Quanto aos princípios de natureza processual, segundo o magistério de Bandeira de Mello (2003, p. 456-457), no ordenamento jurídico-positivo brasileiro existem onze princípios obrigatórios: da "audiência do interessado"; da "acessibilidade aos elementos do expediente"; da "ampla instrução probatória"; da "motivação"; da "revisibilidade"; da "representação e assessoramento"; da "lealdade e boa-fé"; da "verdade material"; da "oficialidade"; da "gratuidade" e do "informalismo". Os oito primeiros aplicam-se a todo e qualquer procedimento. Os princípios da "oficialidade" e da "gratuidade", por sua vez, não se aplicam necessariamente aos processos "ampliativos de direito" argüidos pelos interessados. Já o princípio do "informalismo" só não se aplica aos procedimentos "concorrenciais".

Apenas para relembrar a questão da distinção terminológica entre processo e procedimento administrativo apresentada neste trabalho, observa-se que Bandeira de Mello (2003) se refere a procedimento e não a processo, aplicando-os de forma sinônima.

Consoante os princípios constitucionais da Administração Pública acima apontados, cumpre dar relevo àqueles de maior destaque que se aplicam especificamente ao processo administrativo. Em rigor, como possuem índole meramente processual podem ingressar na categoria dos princípios constitucionais da Administração Pública strictu sensu. São princípios clássicos da Teoria Geral do Processo: o devido processo legal, o contraditório e a ampla defesa.

Destacam-se, portanto, os três princípios constitucionais, mencionados no parágrafo anterior, previstos expressamente no Capitulo I, do Título II (Dos Direitos e Garantias Fundamentais), da CRFB/88, relativo aos Direitos e Deveres Individuais e Coletivos, realidade jurídica que aumenta sobremaneira a sua importância para o presente estudo. De igual modo os dois últimos (contraditório e ampla defesa), aparecem no texto da Lei Federal nº 9.784/99, em seu art. 2º.

Na seção 2.4 deste trabalho ficou assentado que os direitos fundamentais são "direito de defesa", que se destinam à proteção de certas situações subjetivas contra a intervenção indevida ou abusiva do Poder Público.

Mendes (2005, p. 03-05), ensina que na condição de "direitos de defesa", os direitos fundamentais garantem as liberdades individuais contra intromissões ilegítimas do Poder Público. Se porventura ocorre a sua violação por parte do Estado, o indivíduo poderá socorrer-se de uma das seguintes pretensões: de abstenção, de revogação ou de anulação e, também a outras duas pretensões adicionais, ou seja, a pretensão que exige do Estado o dever de considerar a situação do eventual ofendido, fazendo as devidas ponderações, e a pretensão de defesa ou proteção, que impõe ao Estado, em casos extremos, o dever de agir contra atos de terceiras pessoas.

Mendes (2005) afirma ainda que, não raras vezes, a Lei Maior outorga garantia a certos institutos. Em outras oportunidades, direitos relevantes dependem da intervenção do legislador para a sua realização, ao menos parcialmente, uma vez que carecem da existência de normas disciplinadoras. O autor cita como exemplos o direito de defesa (art. 5º, LV) e o direito ao juiz natural (art. 5º, XXXVII), ambos ínsitos na CRFB/88, típicas garantias de caráter institucional, dotadas de âmbito de proteção eminentemente normativa.

Nesses casos a atuação do legislador é imprescindível para a concretização do direito, em razão de surgir para este um dever constitucional de legislar e expedir atos normativos que se conformem e concretizem tais direitos (MENDES, 2005).

Com efeito, a doutrina já vem utilizando o conceito de "direito à proteção e ao procedimento" para indicar todos os direitos fundamentais que dependem, para a sua realização, de medidas do Estado necessárias à criação e conformação de seus órgãos, setores ou repartições (Direito de Organização). No mesmo sentido são observadas outras providências normativas destinadas a ordenar a fruição de certos direitos e garantias, com no caso das tutelas denominadas de "processuais-constitucionais" (MENDES, 2005).

O significado do direito à organização e ao procedimento é reconhecido como elemento primordial da realização e garantia dos direitos fundamentais, realidade aplicada de imediato aos direitos fundamentais que têm como objeto a garantia de postulados da organização e do procedimento, como no caso, dentre outras, das garantias processuais-constitucionais da defesa e do contraditório (art. 5º, LV) e do direito ao juiz natural (MENDES, 2005).

Na projeção dos direitos fundamentais, enquanto normas de proteção de institutos jurídicos, como o direito à organização e ao procedimento, por estarem intimamente relacionados, acrescenta-se, aos exemplos oferecidos por Mendes (2005), o postulado do "devido processo legal" (art. 5º, LIV da CRFB/88).

Assim, passa-se a análise, ainda que sucinta, dos aspectos concebidos como mais relevantes para o presente estudo, relativos às definições e importância para o processo administrativo dos aludidos princípios constitucionais strictu sensu, em especial, na Lei Federal nº 9.784/99.

3.3 Princípios constitucionais strictu sensu. Definições e importância para o processo administrativo.

O princípio do devido processo legal é considerado o princípio fundamental do processo administrativo, eis que se configura a base sobre a qual os demais se sustentam. Representa, ainda, a garantia inerente ao Estado Democrático de Direito de que ninguém será condenado sem que lhe seja assegurado o direito de defesa (NEDER; LÓPEZ, 2004).

Não obstante, o princípio do devido processo legal é, dentre os demais, o que possui maior complexidade, inclusive, porque tal locução contém expressões abertas, com indefinição de significados de plano.

Com afirma Moreira (2005, p. 200, 222, 237-238), a doutrina brasileira é dissonante a respeito do devido processo legal, pois os estudiosos não alcançam unidade quanto a sua definição, conteúdo e limites, fato que demonstra sua amplitude e também aponta a impossibilidade de se chegar a uma definição. Para o autor, essa seria uma tarefa de pouca utilidade, pois poderia levar a uma limitação prática da grandeza da sua garantia. Assevera ainda que a definição dessa garantia, por ser difusa, só pode ser definida diante de uma situação fática, concreta, podendo-se, apenas, colacionar indícios e parâmetros que levem o intérprete ao alcance e sentido do mencionado princípio.

Por seu lado, a Lei Federal nº 9.784/99 não prevê expressamente o princípio do devido processo legal, pois tal já está consagrado na CRFB/88. A propósito, a prefalada lei, em sua integralidade, apesar de nela não se exaurir, traduz em normas infraconstitucionais o conteúdo dessa garantia constitucional (MOREIRA, 2005, p. 238).

Em rigor, o significado do devido processo legal, para o ordenamento jurídico pátrio, está na compreensão da sua magnitude. Primeiro, por estar previsto na Carta Política, não permitindo, assim, interpretações restritivas a seu respeito, ao contrário, deve ser compreendido em seu sentido mais lato, para que possa configurar garantia destinada em igualdade de condições aos direitos e interesses individuais e coletivos, gerais e individuais. Segundo, porque para a sua aplicação não é preciso nem se exige previsão textual, entendendo possível, em razão disso, negar-se validade a uma lei em sentido formal cujo conteúdo afronte o devido processo, nos termos especificados no art. 5º, LIV, da CRFB/88 (MOREIRA, 2005, p. 257).

Outra questão a destacar alude à exigência de que a atuação administrativa deve ser processualizada. É o que se depreende do preceito do inc. LV, art. 5º, da CRFB/88, que assim dispõe: "Aos litigantes, em processo judicial ou administrativo, e aos acusados em geral são assegurados o contraditório e a ampla defesa, com os meios e recursos a ela inerentes" (BRASIL, 2005, p. 17).

Nesses termos, ficou instituída no ordenamento jurídico pátrio a concepção de que para se solucionar um conflito de interesses no âmbito administrativo será necessário um processo legalmente disciplinado (MEDAUAR, 2003).

As razões acima mencionadas fundamentam a percepção de que o Direito pátrio acolhe os aspectos processual e substancial do devido processo legal. Por tal motivo, em situações nas quais, direta ou indiretamente, houver restrições à liberdade ou a bens dos cidadãos, esse cânone processual assegura submissão a prévios e determinados ritos processuais e limitações de cunho substancial, sendo, portanto, necessário se confrontar o interesse público e os direitos fundamentais protegidos constitucionalmente (MOREIRA, 2005, p. 257).

Outro importante fundamento constitucional de aplicação strictu sensu ao processo administrativo é o do princípio do contraditório, consoante previsão do inciso LV, art. 5º da CRFB/88, como anteriormente mencionado.

Esse princípio assegura a participação do administrado em todo o processo administrativo, oportunidade em que exerce o direito de influenciar ativamente em sua decisão final, haja vista a característica de atividade dialética que exige a definição das suas premissas de forma clara, desde o seu início, sem que seja possível modificação unilateral posterior. Em outras palavras, o "contraditório" configura uma garantia de que o interessado deva tomar conhecimento incontroverso da existência do processo e de todo o seu conteúdo para poder manifestar-se, formalmente, querendo, sobre todos os atos e fatos processuais, com a conseqüente obrigação do órgão julgador de levar em conta essas manifestações ao proferir sua decisão. É direito que pode ser titularizado pelo pólo passivo ou pelo pólo ativo da relação processual (MOREIRA, 2005, p. 276-277).

Na interpretação de Nery Junior (2002, p. 130):

O princípio do contraditório, além de fundamentalmente constituir-se em manifestação do princípio do Estado de direito, tem íntima relação com o da igualdade das partes e o do direito de ação, pois o texto constitucional, ao garantir aos litigantes o contraditório e a ampla defesa, quer significar que tanto o direito de ação quanto o direito de defesa são manifestações do princípio do contraditório.

Nesse mesmo diapasão, o vínculo existente nos princípios do Estado Democrático de Direito, como o do contraditório, no que alude ao processo administrativo é de grande evidência, pois este é uma das formas de "exteriorização do direito de participação dos particulares" diante do poder estatal constituído.

Como fundamento do Estado Democrático de Direito o princípio do contraditório garante a participação do cidadão na atividade pública, de acordo com as normas jurídicas correlativas, nesse caso, no decorrer do processo administrativo, pois os cidadãos possuem o direito de, especialmente, controlar a atividade da Administração Pública.

Nas palavras de Cintra, Grinover e Dinamarco (2004, p. 55) o princípio do contraditório é uma garantia fundamental à noção de processo. Para os autores:

[...] a bilateralidade da ação gera a bilateralidade do processo. Em todo processo contencioso há pelo menos duas partes: autor e réu. O autor (demandante) instaura a relação processual, invocando a tutela jurisdicional, mas a relação processual só se completa e põe-se em condições de preparar o provimento judicial com o chamamento do réu a juízo.

Nesse sentido, Moreira (2005, p. 278) transcreve decisão prolatada pelo Egrégio Tribunal Regional Federal da 4ª Região, em cujo excerto se extrai: "Em Estado Democrático de Direito não são aceitáveis decisões proferidas sem observância aos princípios constitucionais do contraditório e da ampla defesa" [grifos nossos].

O autor acima mencionado afirma ainda que é necessário modificar a antiga visão meramente burocrática acerca do processo administrativo para visualizar o contraditório como efetivo instrumento democrático, através do qual o cidadão pode participar e colaborar com a eficiência da atividade do Estado, cabendo a este, por outro lado, valorizar e analisar as manifestações processuais daquele, acolhendo-as ou rejeitando-as (MOREIRA, 2005, p. 279).

Prossegue-se com algumas precisas lições retiradas da doutrina no trato do princípio constitucional da ampla defesa, quiçá, o mais relevante de todos, concernente ao processo administrativo e aos processos em geral.

Não obstante o preceito insculpido na Constituição, o princípio garantidor da ampla de defesa está previsto na Lei 9.784/99, em seu art. 2º, inciso X, que assim prescreve, in verbis: "garantia dos direitos à comunicação, à apresentação de alegações finais, à produção de provas e à interposição de recursos, nos processos de que possam resultar sanções e nas situações de litígio" (BRASIL, 2005, p. 736).

De acordo com Moreira (2005, p. 295-297), o princípio da ampla defesa é consagrado constitucionalmente desde a promulgação da primeira Carta Política brasileira, razão pela qual, tratando-se de garantia clássica do cidadão, assumiu maior destaque, sobretudo, após a previsão do inc. LV, do art. 5º, da CRFB/88. Assim é que, em face da extrema abrangência que a Lei Maior lhe conferiu, esse princípio terá estrita observância em qualquer modalidade de processo, sempre que houver interesses em conflito ou imputações de fatos ilícitos. Mais ainda. Tal preceito é tratado pela ordem constitucional vigente como "direito subjetivo público", outorgado a todo e qualquer cidadão, e seu exercício funda-se na própria Constituição da República.

De acordo com a terminologia jurídica, a "defesa" dá-se com o exercício, pelo acusado, da sua pretensão à tutela jurídica. Assim, o pedido do autor e a defesa relacionam-se com o direito do cidadão de ver suas pretensões apreciadas pelo Estado, por meio de um processo idôneo e imparcial. A "ampla defesa", portanto, é garantia de legitimidade da atuação estatal, não se esgotando nos direitos subjetivos das partes envolvidas na relação processual, mas, acima de tudo, assegura o próprio processo, considerado como atividade de Estado voltada para determinado fim público (MOREIRA, 2003, p. 295).

Dito de outro modo, pela ampla defesa infere-se a necessidade de o réu, em uma lide processual, administrativa ou qualquer outra, apresentar as mesmas condições do autor. Essa é, pois, a exata medida para se garantir a igualdade entre as partes e a justiça que dela emana. Importante destacar, porém, que essa garantia de igualdade não há de ser absoluta em todos os casos, eis que em algum momento pode causar prejuízo e injustiça a uma das partes (BASTOS, 2004, p. 288).

Em relação ao processo administrativo e aos processos em geral, bem como sobre o fundamento do Estado Democrático de Direito, importante registrar, dada a excelência das suas colocações, o seguinte magistério de Moreira (2003, p. 298-299):

Importante também é destacar que o princípio da ampla defesa somente encontra sua real significação em um Estado Democrático de Direito. Melhor, trata-se de uma das manifestações dinâmicas desse cânone constitucional.

Ora, ao assegurar o respeito à cidadania e dignidade da pessoa humana (art. 1º, II e III), bem como a participação popular segundo um plexo de normas preestabelecidas (art. 1º, caput), a Constituição torna positiva a garantia de os administrados integrarem os processos decisórios estatais, especialmente aqueles que possam ter desdobramentos imediatos em face deles.

Assim deve ser compreendida a ampla defesa: garantia de poder defender-se e articular suas razões, garantia de que essas razões serão apreciadas e levadas em conta, garantia de um processo legítimo e garantia do respeito a um Estado Democrático de Direito. O princípio representa o todo dessa escala ascendente de direitos do particular em face da Administração Pública. Não apenas a prerrogativa de manifestação em processos que incidam sobre sua liberdade e/ou bens, mas garantia de participar ativamente na tomada de decisões estatais.

Essa imbricação entre a manifestação dos interessados, o processo administrativo e as decisões estatais resultam em prestígio ainda maior a idéia de democracia participativa. Conforme já decidiu o Tribunal Regional Federal da 1ª Região, em acórdão cuja ementa representa síntese dos princípios constitucionais do processo administrativo: ‘O princípio do devido processo legal (due process of law) é uma das vigas-mestras do Estado Democrático de Direito, quando assegura a todos os cidadãos o direito fundamental de não serem privados de sua liberdade ou de seus bens sem a observância do contraditório e da ampla defesa, seja na esfera judicial, seja na administrativa (CF/1988, art. 5º, LIV)’.

Aliás, Edgard Silveira Bueno Filho frisa a lição de Geraldo Ataliba no sentido de que ‘o direito de defesa, que se insere dentre os direitos individuais e coletivos, só pode ostentar o seu significado e se tornar efetivo num Estado de Direito’ [grifos nossos].

Consoante as considerações sobre os princípios constitucionais strictu sensu ora apresentadas, delas se pode inferir a importância para o processo administrativo.

Tal relevância, em rigor, está estribada no fato de que os respectivos preceitos não se aplicam somente ao processo administrativo, como dito alhures, mas a toda e qualquer modalidade de processo. São eles mais do que princípios comuns, eis que se apresentam como verdadeiros direitos fundamentais do cidadão, esteio do Estado Democrático de Direito, positivados no ordenamento jurídico-constitucional em vigor.

Vale frisar que desses três cânones constitucionais - o "devido processo legal", o "contraditório" e a "ampla defesa" - irradiam os demais princípios aplicáveis aos processos em geral, aí incluído o processo administrativo. Ainda, além de ‘princípios", fazem parte do rol de direitos e garantias fundamentais do cidadão (art. 5º, da CRFB/88).

Ante o exposto, afigura-se procedente outorgar-lhes o devido destaque nesta seção, a fim de que não pairem dúvidas a respeito da sua condição, in casu, de princípios maiores do processo administrativo e da necessidade da sua correta aplicação e estrita observância. Ademais, esses objetivos podem ser mais facilmente alcançados se tais princípios, em consonância com outros preceitos e normas gerais, estiverem compilados em única norma legal de âmbito nacional, aplicável, portanto, de maneira uniforme e igualitária pelos entes federados.

Bem a propósito, é nesse sentido que se vislumbram as vantagens em tal proposição, aplicável à Administração Pública em geral e aos administrados.

Dessarte, o detalhamento e a discussão da proposta passam a ser apresentados no capítulo seguinte, a título de alternativa e meios viáveis para os propósitos da presente pesquisa.


4.A NACIONALIZAÇÃO DA LEGISLAÇÃO DE REGÊNCIA DO PROCESSO ADMINISTRATIVO BRASILEIRO

De plano, cumpre-nos ressaltar que a abordagem da presente temática feita nos capítulos anteriores, escudada em abalizados entendimentos doutrinários e nas normas constitucionais e legais pertinentes, serviu como supedâneo para as manifestações em prol da nacionalização dos princípios e normas gerais de regência do processo administrativo brasileiro.

Com efeito, não se vislumbram muitas alternativas jurídicas, tampouco "fórmulas mágicas" para se atingir tal finalidade, como ficará demonstrado. Antes, porém, torna-se necessário trazer à colação manifestações de juristas renomados sobre o assunto, que defendem, há muito tempo, a nacionalização das normas fundamentais atinentes ao processo administrativo. Tais consensos visam convalidar e corroborar as inferências aqui exaradas, acerca dessa importante temática.

Em sua obra, Meirelles (2000, p. 642) procurou formular a "teoria geral do processo administrativo brasileiro". O objetivo do autor era demonstrar que todas as espécies de processos administrativos devem ser subordinadas a princípios gerais, nos quais se encontram inseridas, e enquadrarem-se nas "modalidades adequadas" às suas diversas finalidades, o que não tem ocorrido pela omissão da doutrina publicista e da deficiência da legislação administrativa.

Para o mencionado autor:

A verdade é que, entre nós, o processo administrativo não tem merecido os estudos teóricos necessários à sua compreensão doutrinária e à sistematização metodológica, que, naturalmente, informariam a legislação e aprimoraria os julgamentos internos da Administração. Certo é que o processo administrativo não pode ser unificado pela legislação federal para todas as entidades estatais, em respeito à autonomia dos seus serviços. Mas a teoria geral incumbir-se-á dessa unificação, com real vantagem para a jurisdição e para os jurisdicionados, sabido que tais processos sujeitam-se a princípios universais, desenvolvem-se por fases [grifo do autor] autônomas e diversificam-se em modalidades [grifo do autor] adequadas à consecução de seus objetivos [grifos nossos] (MEIRELLES, 2000, p. 630).

De outro lado, Gasparini (1995, p. 19-20) afirma que a discussão sobre a codificação do direito administrativo dividiu os estudiosos do tema entre aqueles que defendem a não-codificação, a codificação parcial e a codificação plena. Os primeiros são contrários porque o direito administrativo é um ramo jurídico novo e em constante elaboração, e se acaso codificado correria o risco de ficar imobilizado, comprometendo a sua evolução. Além disso, entendem ser impossível essa codificação em países federados em face da grande diversidade da legislação dos entes federativos que os compõem. Os segundos defendem a codificação parcial apenas de normas que disciplinam algumas matérias reguladas pelo direito administrativo, propugnando a reunião somente de normas que disciplinam algumas das matérias tratadas por esse ramo do direito. O terceiro grupo de estudiosos, ao qual se filia Gasparini, entende possível e defende a codificação plena, sobretudo, em razão das vantagens advindas para a Administração Pública e para os administrados. Ainda, alegam que facilita a compreensão e a aplicação das normas assim reunidas.

Gasparini (1995, p. 20) comenta ainda que os mais destacados doutrinadores brasileiros defendem a codificação do direito administrativo, pois já se teria superado o estágio da codificação parcial, com a edição de diversos códigos de conteúdo deste ramo do Direito. Sobre o tema, indica os trabalhos de José Cretella Júnior, editado em 1951, pela Revista dos Tribunais, "Da codificação do direito administrativo"; "A codificação do direito administrativo", de Carlos S. de Barros Júnior, RT, 179:5 e "Procedimento administrativo – proposta para uma codificação", de Ana Lúcia Amaral et al., RDP, 97:186. Referencia também o estudo sobre a codificação do processo administrativo de A. B. Cotrim Neto, "Código de processo administrativo", RDP, 80:34. Dada a sua pertinência com o presente tema, a seguir se fará uma abordagem parcial sobre o estudo desse último doutrinador.

Segundo Cotrim Neto (1986, p. 37-38), é anseio dos cultores do direito administrativo a edição de um código capaz de compilar as normas do processo administrativo, desde que Themistocles Cavalcanti tornou-se o patriarca dessa disciplina, a quem coube o encargo de elaborar um anteprojeto a respeito, em cuja exposição de motivos apresentou importantes considerações, consoante a seguinte transcrição:

Na Exposição de Motivos antecedente do seu trabalho, escreveu Cavalcanti, entre muitas eruditas considerações: ‘As manifestações da atividade da administração são multiformes, e daí a variedade (impossível de limitar e de classificar) dos processos administrativos. Ora ela tem por fim atender aos interesses dos funcionários, em suas relações com o Estado; ora se apresenta como reguladora dos direitos de terceiros, ora, finalmente, visa à proteção dos interesses fiscais, patrimoniais do Estado, em relação a todos quantos com ele se acham em situação de dependência. A codificação das normas do processo administrativo deve ter, por isso mesmo, uma generalidade que permita a sua aplicação aos casos especiais, por meio de disposições supletivas a serem criadas em leis, regulamentos e portarias. A técnica legislativa moderna, aliás, orienta-se neste sentido. A lei geral traça as grandes linhas, as normas fundamentais, os princípios que devem orientar a elaboração dos regulamentos. Na lei geral encontra o poder regulamentar apenas as diretivas, os tipos essenciais a que deve obedecer na elaboração dos regulamentos administrativos. Ao poder regulamentador cabe prover a maneira de executar a lei, de atender aos casos particulares, às peculiaridades das diferentes organizações administrativas. Como vimos acima, a preocupação máxima deve consistir em simplificar e uniformizar as normas de processo, não somente em benefício dos interessados e para o perfeito esclarecimento da verdade, mas ainda por uma razão de economia, que deve sempre ser levada em consideração’ [grifos do autor].

Cotrim Neto (1986, p. 43-44) conclui seu estudo com as seguintes palavras:

Vistas as considerações supradesenvolvidas sobre as leis algures promulgadas, para ordenar a Administração Pública no contemporâneo ‘Estado Social de Direito’ – uma Administração pletórica de encargos e funções – e organizá-la em condições de fazê-la segura no concernente ao resguardo do interesse público que lhe compete perseguir, mediante justa aplicação do Direito Objetivo, tanto quanto ao respeito dos interesses dos Administrados, pelo correto atendimento de seus Direito Subjetivos, cabe a nós concluir: no momento histórico que vive a Nação brasileira, empolgada de anseios democráticos e de culto aos Direitos do Homem, é oportuno que cuidemos da elaboração de uma Lei, um Código, ou que nome se lhe atribua, para coartar o exercício abusivo, autoritário ou arbitrário dos poderes administrativos [grifos nossos].

Portanto, como visto, uma parcela da doutrina defende a codificação parcial do direito administrativo. Em rigor, defende-se tal corrente pelas mesmas razões doutrinárias propugnadas. Porém, entende-se que no caso do processo administrativo, a codificação não é necessariamente o meio mais apropriado, tendo em vista que, em geral, reserva-se a edição dessa modalidade de norma legiferante para abordar matérias que por sua grande complexidade e extensão devem ser compiladas em uma única lei, "um código", cuja definição, de acordo com Gasparini (1995, p. 19) significa reunir em um conjunto metódico, sistemático e harmônico as normas legais que regem determinada matéria e institutos jurídicos de um ramo do direito.

A edição da Lei Federal nº 9.784/99 bem demonstra, por seu conteúdo e sua relativa concisão (setenta artigos), que não é preciso valer-se, a priori, de um código de processo administrativo. O que importa, pois, é a sua compilação, simplificação e padronização, em nível nacional, da respectiva legislação de regência, a fim de que os princípios constitucionais fundamentais e as normas gerais aplicáveis à espécie sejam justos, igualitários e efetivamente aplicados, e que seja possível assegurar o efetivo e pleno exercício dos correlatos direitos e garantias fundamentais do cidadão, quando este valer-se ou estiver envolvido com essa modalidade de processo.

Possibilidade de alteração constitucional para a nacionalização dos princípios e normas gerais de regência do processo administrativo brasileiro em substituição à Lei Federal nº 9.784/99

No segundo capítulo deste trabalho, demonstrou-se a distinção entre processo e procedimento, inclusive, sua previsão em artigos diversos da CRFB/88, em especial, com relação à competência para legislar dos entes federados. Também foi mencionado que não é esse tratamento heterogêneo que a doutrina e a ordem jurídico-constitucional vigente propugnam para o processo e para o procedimento, o que pode dificultar ou obstar a possibilidade de compilação, uniformização e nacionalização dos princípios e normas gerais norteadores do processo administrativo.

A par dessa heterogeneidade terminológica e de posição no texto constitucional, o que importa, em rigor, é o fato de que deve ser levada necessariamente em consideração, para se alcançar o objetivo proposto, a questão da competência constitucional para legislar da União, dos estados-membros, do Distrito Federal e dos municípios.

Dessarte, é fundamental indagar sobre a viabilidade para tal e quais alterações constitucionais devem ser efetivadas. Mais ainda. Se constitucionalmente possíveis tais mudanças, deverão elas ocorrer no âmbito da competência privativa da União, no âmbito da competência concorrente, e/ou, ainda, no da competência suplementar dos municípios?

Para responder a essas indagações, explicitar-se-á, inicialmente, de forma sucinta, a atual repartição da competência legislativa prevista em na CRFB/88, com estribo no preciso resumo elaborado por Alexandre Moraes, a saber:

Quadro geral de repartição de competência legislativa.

a)Competência privativa da União (CF, art. 2).

b)Possibilidade de delegação de competência da União para os Estados (CF, art. 22, parágrafo único).

c)Competência concorrente União/Estado/Distrito Federal (CF art. 24).

d)Competência remanescente (reservada) do Estado (CF, art. 25, § 1º).

e)Competência exclusiva do município (CF art. 30, I).

f)Competência suplementar do município (CF art. 30, II).

g)Competência reservada do Distrito Federal (CF art. 32, § 1º) (MORAES, 2003, p. 292).

Esse, portanto, é o plexo normativo que deve ser considerado para os propósitos desta pesquisa.

Uma vez que se pretende chegar à demonstração da possibilidade de nacionalização da legislação de regência do processo administrativo, tem-se que a alteração constitucional proposta não passa pelas regras constitucionais que tratam da competência dos estados-membros, do Distrito Federal e dos municípios para legislar. Portanto, tal alteração constitucional fica restrita ao âmbito da competência privativa da União, ou ao âmbito da competência concorrente, na qual a União define os princípios e normas gerais sobre determinada matéria e os demais entes federados as complementam ou suplementam, conforme o caso, sem, no entanto, poder contrariá-las.

A seguir se expõem algumas considerações acerca da competência privativa da União e da competência concorrente, seguidas das alternativas pelas quais se entende possível alcançar a finalidade proposta neste trabalho.

Segundo Moraes (2003), a CRFB/88, em seu art. 22, estabelece as matérias de competência privativa da União, que definem os preceitos declaratórios e autorizativos da competência geral na legislação federal, o que demonstra evidente posição de supremacia com relação aos demais entes federados, frente à relevância das suas disposições.

Para o mencionado autor, essa privatividade para legislar tem como característica a possibilidade de transferência de poder aos estados-membros para legislar mediante delegação expressa (parágrafo único do art. 22, da CRFB/88), desde que satisfeitos três requisitos: (i) delegação por meio de lei complementar (requisito formal); (ii) delegação que deve referir-se a um ponto específico de uma das matérias relacionadas no art. 22 da CRFB/88, em razão do caráter de especificidade da delegação (requisito material); e (iii) proibição de criação de preferências entre quaisquer dos entes federados por meio dessa delegação, em face das disposições do art. 19, do texto originário, sob pena de impactar o "princípio" da igualdade federativa (requisito implícito).

Afonso da Silva (2000, p. 504) ensina que toda matéria que compete à União é passível de ser regulamentada por meio de lei, com exceção do disposto nos artigos 49, 51 e 52, segundo prevê o art. 48, da CRFB/88. Por seu turno, os artigos 22 e 24 definem sua esfera de atuação legislativa, que considera em dois grupos: privativa e concorrente.

A competência privativa, por sua vez, é dividida em legislativa exclusiva sobre "direito administrativo", sobre "direito material não administrativo" e sobre "direito processual".

Quanto às regras constitucionais relativas à competência concorrente, a Carta Política em vigor adotou a "competência concorrente não-cumulativa ou vertical", pela qual à União fica reservada a definição de normas gerais, e aos estados-membros e Distrito Federal a competência para especificá-las, diante da "competência suplementar" que lhes confere o art. 24, § 2º (MORAES, 2003, p. 298).

A doutrina divide ainda a "competência suplementar" dos estados-membros e do Distrito Federal em "complementar", que depende da prévia existência de lei federal a ser especificada; e "suplementar", quando ocorrer a inércia legislativa da União, hipótese em que estados-membros e Distrito Federal, temporariamente, terão "competência plena" para editar normas de caráter geral, com normas específicas, a teor do disposto no art. 24, §§ 3º e 4º, da CRFB/88 (MORAES, 2003, p. 298).

Sobre as normas que tratam da competência concorrente para legislar, cumpre destacar o comentário de Afonso da Silva (2000), segundo o qual a atual Carta Magna foi, por vezes, redundante e até mesmo omissa, quando atribuiu à União competência privativa para legislar sobre "normas gerais" para certas matérias e não o fez com relação a outras. Aos estados-membros e ao Distrito Federal coube também legislar sobre as matérias que foram omitidas no art. 24, pois são da competência administrativa comum (art. 23) da União, dos estados-membros e do Distrito Federal. Já quanto à competência concorrente da União para legislar sobre "normas gerais" o autor afirma que não exclui, mas sim pressupõe, a competência "suplementar" dos demais entes federados.

Afonso da Silva (2000) observa ainda que a CRFB/88 não incluiu, em seu artigo 24, os municípios no âmbito da competência constitucional concorrente para legislar, porém, conferiu-lhes competência legiferante para "suplementar a legislação federal e a estadual no que couber". Dessa maneira, possibilitou-lhes dispor, especificamente, sobre as matérias contidas de forma taxativa no referido dispositivo constitucional, acerca das quais, como dito, reconheceu-se à União somente sua normatividade geral.

Sobre esse tema, é preciso tecer mais algumas considerações para melhor compreensão e definição da sua relação com os fins a que se propõe o presente trabalho.

Dessa feita, consoante definição de Moraes (2003), no quadro geral de repartição de competência legislativa prevista na CRFB/88, apresentado anteriormente, cabe aos estados-membros da federação a competência remanescente (reservada), estabelecida no art. 25, § 1º. Em outras palavras, os estados-membros poderão legislar sobre todas as matérias que não lhes sejam vedadas pela Lei Maior, de forma implícita ou explícita. As vedações implícitas são aquelas em que a competência para legislar pertence privativamente à União (art. 22) e aos municípios (art. 30), diferentemente das explícitas que são as normas que os estados-membros devem observar obrigatoriamente na organização e normatização próprias.

Quanto aos municípios, sua competência legislativa tem como principais características: (i) a possibilidade de auto-organização por meio da respectiva Lei Orgânica, o que não ocorria na ordem constitucional anterior; e (ii) o princípio da predominância do "interesse local" (art. 30, I, da CRFB/88).

Por outro lado, o art. 30, II, do texto constitucional preceitua que cabe aos municípios suplementar a legislação federal e estadual, no que couber. Essa realidade jurídica também não existia na Carta Magna anterior de 1967.

Assim, a CRFB/88 conferiu aos municípios, basicamente, competência para suplementar as normas legais da União e dos estados-membros, com o intuito de adequá-las às peculiaridades locais, sem, no entanto, poder contrariá-las e sem que se perca de vista o requisito formal que determina a sua competência constitucional para legislar, qual seja, o "interesse local" (MORAES, 2003, p. 303).

Ao Distrito Federal basta dizer que lhe foi atribuída, em especial, as competências legislativas reservadas aos estados-membros e aos municípios, a teor do disposto no art. 32, § 1º, da CRFB/88.

Convém asseverar que essas considerações sobre a repartição da competência constitucional para legislar (da União, dos estados-membros, do Distrito Federal e dos municípios) foram realizadas em respeito, também, ao princípio da autonomia dos entes federados, previsto no artigo 18 da Carta Política em vigor, de modo a se auto-organizarem política e administrativamente. Tal competência inclui, entre outras, a autonomia para editar a própria legislação, observadas tão-somente as ressalvas constitucionais a respeito, como apresentado alhures.

Por outro lado, não se deixou de considerar a hipótese de viabilidade de alteração da parte puramente administrativa da principiologia instrumental contida no Capítulo VII, "Da Administração Pública" (art. 37 e 39 e seguintes), do Título III, da CRFB/88, que se infere, não levaria à concretização da presente tese qual seja a de nacionalização da legislação de regência do processo administrativo.

Em suma, observa-se que o capítulo do disciplinamento normativo, para ensejar a viabilidade legislativa consubstanciada na cláusula do art. 5º, inc. LV, da CRFB/88, encontra-se no Título III, "Da Organização do Estado", isto é, no Capítulo II, mais precisamente, art. 22 ou art. 24.

Diante dessas considerações, a primeira alternativa de nacionalização da legislação que rege o processo administrativo, que se avalia como a mais adequada, consistente e com caráter de definitividade, requer necessariamente a alteração do conteúdo normativo da CRFB/88.

Não obstante a costumeira e própria demora na tramitação do processo de reforma do texto constitucional, tal alteração, como pretendida, pode ocorrer por duas vertentes, a saber: (i) modificação do texto do art. 22, inciso I, ou, então, (ii) acréscimo de um inciso a este mesmo art. 22, com teor semelhante ao inciso XXVII, em conjunto com a alteração da redação do art. 24, XI. Além disso, serão necessárias as correspondentes adaptações no corpo da Lei Federal nº 9.784/99, de acordo com a sistemática que se sugere a seguir.

A primeira vertente proposta, como dito, prevê nova redação ao inciso I do art. 22, da CRFB/88, dispositivo este que estabelece a "competência privativa" da União para legislar sobre:

"I – direito civil, comercial, penal, eleitoral, agrário, marítimo, aeronáutico, espacial, do trabalho e processual, inclusive, processual administrativo".

Em conseqüência, as alterações necessárias na Lei Federal nº 9.784/99 teriam que ocorrer em sua ementa e no art. 1º, da seguinte forma:

"Regula o processo administrativo no âmbito da Administração Pública da União, dos estados-Membros, do Distrito Federal e dos municípios [...]".

"Art. 1º Esta Lei regula o processo administrativo no âmbito da Administração Pública direta e indireta da União, dos estados-membros, do Distrito Federal e dos municípios, visando, em especial, à proteção dos direitos dos administrados e ao melhor cumprimento dos fins da Administração".

Além dessas alterações, necessária seria a revogação do art. 69, da Lei Federal nº 9.784/99, que trata da aplicação subsidiária aos processos específicos e, provavelmente, o acréscimo de outros artigos para maior abragência das normas processuais administrativas, em razão das particularidades das distintas espécies de processos administrativos.

Com as modificações propostas na primeira vertente, uma opção mais rígida e consistente, pode-se obter a nacionalização dos princípios e das normas gerais que tratam do processo administrativo, pois praticamente não se deixaria margem para os demais entes federados legislarem a respeito, salvo nas hipóteses de delegação prevista no art. 22, parágrafo único, aos estados-membros e ao Distrito Federal, por força do art. 32, § 1º, da CRFB/88, bem como da "competência genérica" dos municípios, observado o "princípio do interesse local".

Com efeito, esta seria, na prática, a opção mais viável para se elaborar um "Código de Processo Administrativo", como defendem alguns expertos doutrinadores do direito administrativo, a exemplo do caminho que resultou nas edições dos Códigos de Processo Civil e de Processo Penal.

A segunda vertente, por seu turno, defende o acréscimo do inciso XXX, ao art. 22, em combinação (para o reforço da sua mudança) com a alteração do inciso XI, do art. 24, que dispõe sobre a "competência concorrente" da União, dos estados-membros e do Distrito Federal, ambos da CRFB/88, com as seguintes redações:

"Art. 22 [...]

XXX – Princípios e normas gerais de direito processual administrativo, em todas as suas modalidades, para as Administrações Públicas diretas, autárquicas e fundacionais da União, estados-membros, Distrito Federal e municípios, observado o disposto no art. 37, "caput" e 39 a 41, no que couber, para o fim do disposto nos arts. 18 e 19. [...]

Art. 24 [...]

XI – procedimentos em matéria processual, inclusive, processual administrativa".

As alterações decorrentes na Lei Federal nº 9.784/99 se efetivariam em sua ementa e nos artigos 1º e 69, na forma seguinte:

"Regula os princípios e normas gerais do processo administrativo no âmbito da Administração Pública da União, dos estados-membros, do Distrito Federal e dos municípios. [...]

Art. 1º Esta lei estabelece princípios fundamentais e normas gerais sobre o processo administrativo no âmbito da Administração Pública direta e indireta da União, dos estados-membros, do Distrito Federal e dos municípios, visando, em especial, à proteção dos direitos dos administrados e ao melhor cumprimento dos fins da Administração. [...]

Art. 69 As normas específicas dos processos administrativos em geral dos entes federados continuam a reger-se, subsidiariamente, por lei própria, desde que não colidentes com as normas desta Lei, quando esta for omissa ou quando contiver disposições comuns com aquelas".

Em resumo, pode-se vislumbrar que essa vertente é mais flexível do que a anterior, pois a nacionalização das normas de regência do processo administrativo ocorreria apenas em relação aos seus princípios fundamentais e normas gerais. Entende-se, de outra banda, que tal opção é mais consentânea, na prática, com as particularidades existentes nas várias espécies de processos administrativos.

Dessa maneira, as normas específicas continuariam em pleno vigor, desde que não conflitantes com a norma hierarquicamente maior, decorrente da autonomia político-administrativa dos demais entes federados, dentre outras, para legislar sobre assuntos de interesse local. Ainda, devem ser obrigatoriamente observados, neste caso, por força constitucional, somente os princípios fundamentais e as normas gerais inseridos na legislação federal, a exemplo do que ocorre com a legislação acerca das licitações e contratos (Lei Federal nº 8.666, de 21 de junho de 1993), salvo exceções expressas quanto à sua aplicação a casos específicos, como ocorre na pré-citada lei, em seus arts. 115 a 124.

Na hipótese de aplicação da segunda vertente poder-se-ia indagar acerca da observância da nova realidade jurídica pelos municípios, uma vez que estes não foram abrangidos no âmbito da competência concorrente. No entanto, é importante asseverar, que a própria Carta Magna em vigor responde tal indagação ao fazer previsão expressa de que cabe aos municípios "legislar sobre assuntos de interesse local", bem como "suplementar a legislação federal e a estadual no que couber" (art. 30, incisos I e II da CRFB/88) (BRASIL, 2005, p. 29).

Com efeito, registra-se que não é tarefa deste estudo definir, de maneira incontroversa, qual das opções de modificação constitucional e legislativa, acima apresentadas, seria a mais viável para a nacionalização da legislação de regência do processo administrativo, pois somente a vontade popular, externada por meio de ampla discussão dos seus representantes no Congresso Nacional, própria de um Estado Democrático de Direito, poderá fazê-lo.

4.2 Aplicação subsidiária alternativa da Lei Federal nº 9.784/99 pela Administração Pública dos estados-membros, do Distrito Federal e dos municípios, na ausência de alteração constitucional.

A segunda alternativa para se poder alcançar a nacionalização das normas diretivas do processo administrativo, afigura-se paliativa, provisória e sem o alcance que se pretende obter; seria a aplicação subsidiária, pelos estados-membros, Distrito Federal e municípios em suas pertinentes legislações, das normas contidas na Lei Federal nº 9.784/99, ou até mesmo de forma principal, se essa for a vontade do legislador local.

Em outras palavras, significa dizer, por exemplo, que no regime jurídico dos servidores públicos de determinado estado-membro ou município, a lei local poderia ser alterada para prever a aplicação das normas gerais que regem o processo administrativo federal quando houver identidade entre a norma federal e a local, na omissão da legislação local, porém contida na federal e quando essa não for colidente com aquela.

Por outro lado, como dito, também pode haver a aplicação de forma integral e principal das normas da lei federal à legislação local de regência do processo administrativo para todas ou para algumas das suas espécies. Nesses casos sugere-se a seguinte redação:

"Art. Aplicam-se subsidiariamente às normas deste Capítulo (acerca do processo administrativo em gênero ou em espécie) as disposições da Lei Federal nº 9.784/99 e suas alterações posteriores, reconhecidamente comuns ou omissas".

Ou então:

"Art. Aplicam-se as disposições da Lei Federal nº 9.784/99, e suas alterações posteriores, aos processos administrativos em geral (e/ou apenas aos específicos), regidos por esta Lei. (inserir no capítulo que trata do processo administrativo em gênero ou em espécie)".

Na avaliação de Ferreira (2004, p. 16), o conteúdo principiológico da Lei Federal nº 9.784/99 "enseja a possibilidade de que, na ausência de elaboração normativa própria, Estados, Municípios e Distrito Federal sirvam-se de seus critérios gerais para colmatação das lacunas na solução de conflitos internos".

Na mesma linha de pensamento, Moreira (2003, p. 275), aduz que: "A aplicação subsidiária significa um âmbito de incidência limitado aos planos normativos não regulados pelas leis relativas a processos administrativos específicos".

De qualquer forma, no caso de adoção da lei federal que rege o processo administrativo pela legislação local, dado o elevado grau de discricionariedade que envolve tal medida, é preciso, antes de tudo, despertar a conscientização do legislador local para a sua importância, já que esta é uma maneira, muito mais célere do que aquela que envolve toda a complexidade do processo legislativo de tramitação tendente a uma alteração constitucional, conforme a alternativa prevista na seção anterior.


CONCLUSÃO

As considerações tecidas no presente trabalho, com suporte de abalizados ensinamentos de estudiosos de escol do direito administrativo e constitucional, serviram para respaldar e facilitar o desenvolvimento da presente monografia.

No contexto de referidas análises defendeu-se a tese de que o ordenamento jurídico pátrio necessita providenciar, no nível constitucional e, posteriormente, no infraconstitucional, as alternativas e os meios necessários para possibilitar a aprovação, pelo Congresso Nacional, de um Código de Processo Administrativo, ou de uma lei nacional de regência dos princípios fundamentais e das normas gerais do processo administrativo, em face de todos os motivos de direito e de fato apresentados neste trabalho.

A propósito, a questão dos princípios aplicáveis ao processo administrativo, por envolver princípios e normas de natureza ínsita consagrada como preceitos basilares, verdadeiros cânones constitucionais, possui elevado grau de abstração e de generalidade. Tais princípios são de vital importância para a organização da Administração do Estado brasileiro, haja vista que a efetiva concretização de direitos e garantias fundamentais, individuais e coletivos, dos administrados é a força necessária à uniformização da legislação relacionada ao processo administrativo. Do mesmo modo, é a estrita observância desses princípios e normas que possibilita à Administração Pública, em todas as suas esferas, bem gerir a res pública no interesse comum dos administrados.

Para tanto, como demonstrado, duas alternativas jurídicas podem ser trilhadas. A primeira passa, necessariamente, pela alteração do texto constitucional e correspondente adaptação da legislação infraconstitucional. A segunda alude à aplicação subsidiária, pelos estados-membros, Distrito Federal e municípios, das normas da Lei Federal nº 9.784/99, na ausência de mandamento constitucional.

O que importa, no entanto, em última análise da temática abordada, é a convicção de que ocorra, na prática, a iniciativa da mudança e conscientização, por parte dos legisladores pátrios, para que ela seja idealizada, de fato e de direito, no ordenamento jurídico pátrio, em decorrência dos inúmeros benefícios para a Administração Pública e para os administrados, como amplamente demonstrado neste trabalho monográfico, o qual, espera-se, auxilie de alguma maneira para a consecução desse objetivo, não obstante tratar-se de singela contribuição.


REFERÊNCIAS

ABREU FILHO, Nylson Paim de. Constituição Federal: promulgada em 05 de outubro de 1988. 10. ed. Porto Alegre: Verbo Jurídico, 2005.

BANDEIRA DE MELLO, Celso Antônio. Curso de Direito Administrativo. 16. ed. rev. ampl. e atual. São Paulo: Malheiros, 2003.

BASTOS, Celso Ribeiro. Comentários à Constituição do Brasil. 3. ed. São Paulo: Saraiva, 2004.

BRANCO, Paulo Gustavo Gonet. Aspectos de Teoria Geral dos Direitos Fundamentais. Curso de Especialização Telepresencial e Virtual em Direito Constitucional. Disciplina Direitos e Garantias Fundamentais [Texto de leitura obrigatória 1]. Florianópolis: Universidade do Sul de Santa Catarina – UNISUL, 2005.

CARVALHO, Paulo de Barros. Curso de direito tributário. 11. ed. rev. São Paulo: Saraiva, 1999.

CANOTILHO, J.J. Gomes. Direito Constitucional. 6. ed. Coimbra: Almedina, 1995.

CINTRA, Antônio Carlos de Araújo; GRINOVER, Ada Pellegrini; DINAMARCO, Cândido Rangel. Teoria Geral do Processo. 20. ed. rev. e atual. São Paulo: Malheiros, 2004.

COELHO, Inocêncio Mártires. Norma Constitucional. Espécies e características, princípios jurídicos e regras de direito. Curso de Especialização Telepresencial e Virtual em Direito Constitucional. Disciplina Teoria da Constituição e Hermenêutica Constitucional. [Texto de leitura obrigatória 2]. Florianópolis: Universidade do Sul de Santa Catarina – UNISUL, 2005.

CORREIA, Marcus Orione Gonçalves. Direito Processual Constitucional. 2. ed. São Paulo: Saraiva, 2002.

ESPÍNDOLA, Ruy Samuel. Conceito de Princípios Constitucionais. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2002.

FERREIRA, Luiz Tarcísio Teixeira. Princípios do Processo Administrativo e a Importância do Processo Administrativo no Estado de Direito (arts. 1º e 2º). In: FIGUEIREDO, Lúcia Valle (Coord.). Comentários à Lei Federal de Processo Administrativo (Lei nº 9.784/99). Belo Horizonte: Fórum, 2004, p. 11-36.

FIGUEIREDO, Lúcia Valle (Coord.). Comentários à Lei Federal de Processo Administrativo (Lei nº 9.784/99). Belo Horizonte: Fórum, 2004.

GASPARINI, Diógenes. Direito Administrativo. 4. ed. rev. e ampl. São Paulo: Saraiva: 1995.

MEDAUAR, Odete. Direito administrativo moderno. 7. ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2003.

MEIRELLES, Hely Lopes. Direito Administrativo Brasileiro. 25. ed. São Paulo: Malheiros, 2000.

______.______. 28. ed. São Paulo: Malheiros, 2003.

MENDES, Gilmar. Direitos Fundamentais. Curso de Especialização Telepresencial e Virtual em Direito Constitucional. Disciplina Direitos e Garantias Fundamentais [Texto de leitura obrigatória 2]. Florianópolis: Universidade do Sul de Santa Catarina – UNISUL, 2005.

MORAES, Alexandre de. Direito Constitucional. 13. ed. São Paulo: Atlas, 2003.

MOREIRA, Egon Bockmann. Processo Administrativo. Princípios Constitucionais e a Lei 9.784/1999. São Paulo: Malheiros, 2003.

NEDER, Marcos Vinícius; LÓPEZ, Maria Teresa Martinez. Processo administrativo fiscal federal comentado. 2. ed. São Paulo: Dialética, 2004.

NERY JR., Nelson. Princípios do processo civil na Constituição Federal. 7. ed., São Paulo: Revista dos Tribunais, 2002.

NETO, A. B. Cotrim. Código de Processo Administrativo: sua necessidade no Brasil. Revista de Direito Público. São Paulo. n, 80, ano XIX, p. 34-44, outubro-dezembro 1986.

SILVA, De Plácido e. Vocabulário jurídico. 18. ed. Rio de Janeiro: Forense, 2001.

SILVA, José Afonso da. Curso de Direito Constitucional Positivo. 18 ed. rev. e atual. São Paulo: Malheiros, 2000.


Notas

01 "Art. 5º [...] LV – aos litigantes, em processo judicial ou administrativo, e aos acusados em geral são assegurados o contraditório e ampla defesa, com os meios e recursos a ela inerentes;" (BRASIL, 2005, p. 17).

02 "Art. 5º [...] LXXII – conceder-se-á habeas-data: [...] b) para a retificação de dados, quando não se prefira fazê-lo por processo sigiloso, judicial ou administrativo;" (BRASIL, 2005, p. 18).

03 "Art. 5º [...] LXXVIII – a todos, no âmbito judicial e administrativo, são assegurados a razoável duração do processo e os meios que garantam a celeridade de sua tramitação." (BRASIL, 2005, p. 18).

04 "Art. 5º [...] LIV – ninguém será privado da liberdade ou de sues bens sem o devido processo legal;" (BRASIL, 2005, p. 17).

05 "Art. 5º [...] LVI – são inadmissíveis, no processo, as provas obtidas por meios ilícitos;" (BRASIL, 2005, p. 17).

06"Art. 41 [...] § 1º O servidor público só perderá o cargo: II – mediante processo administrativo em que lhe seja assegurada ampla defesa;" (BRASIL, 2005, p. 36).

07 "Art. 247 [...] Parágrafo único. Na hipótese de insuficiência de desempenho, a perda do cargo somente ocorrerá mediante processo administrativo em que lhe sejam assegurados o contraditório e a ampla defesa" (BRASIL, 2005, p. 96).

08 "Art. 5º [...] XXIV – a lei estabelecerá o procedimento para desapropriação por necessidade ou utilidade pública, ou por interesse social, mediante justa e prévia indenização em dinheiro, ressalvados os casos previstos nesta Constituição;" [grifo nosso] (BRASIL, 2005, p. 16).

09 "Art. 24 [...] XI – procedimentos em matéria processual;" [grifo nosso] (BRASIL, 2005, p. 26).

10 "Art. 41 [...] III – mediante procedimento de avaliação periódica de desempenho, na forma da lei complementar, assegurada ampla defesa" [grifo nosso] (BRASIL, 2005, p. 36).

11 "Art. 93 [...] II – [...]: d) na apuração de Antigüidade, o tribunal somente poderá recusar o juiz mais antigo pelo voto fundamentado de dois terços de seus membros, conforme procedimento próprio, e assegurada ampla defesa, repetindo-se a votação até fixar-se a indicação; " [grifo nosso] (BRASIL, 2005, p. 50).

12 "Art. 98 [...] I – juizados especiais, providos por juizes togados, ou togados e leigos, competentes para a conciliação, o julgamento e a execução de causas cíveis de menor complexidade e infrações penais de menor potencial ofensivo, mediante os procedimentos oral e sumaríssimo, permitidos, nas hipóteses previstas em lei, a tramitação e o julgamento de recursos por turmas de juízes de primeiro grau;" [grifo nosso] (BRASIL, 2005, p. 53).

13 "Art. 184 [...] § 3º Cabe à lei complementar estabelecer procedimento contraditório especial, de rito sumário, para o processo judicial de desapropriação" [grifo nosso] (BRASIL, 2005, p. 82).


Autor


Informações sobre o texto

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

LUZ, Adriano da. Princípios constitucionais da administração pública e a Lei nº 9.784/1999. A nacionalização da legislação de regência do processo administrativo brasileiro. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 13, n. 1663, 20 jan. 2008. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/10871. Acesso em: 23 abr. 2024.