Este texto foi publicado no Jus no endereço https://jus.com.br/artigos/10901
Para ver outras publicações como esta, acesse https://jus.com.br

Internação provisória e representação

Internação provisória e representação

Publicado em . Elaborado em .

O Estatuto da Criança e do Adolescente, ao tratar do procedimento para apuração da prática de atos infracionais, prevê o instituto da internação provisória, similar ao das prisões cautelares do processo penal.

O parentesco reside na semelhança da natureza jurídica dos institutos. Ambos seriam medidas cautelares em relação à pessoa. Essa assertiva encontra respaldo no Art. 108, parágrafo único da Lei 8069/90 (A decisão deverá ser fundamentada e basear-se em indícios suficientes de autoria e materialidade, demonstrada a necessidade imperiosa da medida).

Os indícios suficientes de autoria e materialidade corresponderiam ao fumus boni iuris, ou como preferem alguns processualistas, fumus comissi delicti, e a necessidade imperiosa da medida seria o periculum in mora ou, no processo penal, periculum in libertatis.

Como qualquer medida cautelar, a internação provisória também possui a característica da acessorialidade, que se traduz na subordinação do processo cautelar ao processo principal.

O processo principal seria aquele previsto nos Arts. 171 ao 190 da Lei 8069/90, ou seja, o procedimento para apuração de ato infracional atribuído a adolescente, processo inaugurado pela representação para aplicação das medida sócio-educativas.

Assim como a denúncia, a representação não depende de prova pré-constituída de autoria e materialidade, apenas deve estar presente a justa causa, ou seja, suporte probatório mínimo (art. 182, parágrafo segundo da Lei 8069/90).

Em razão das semelhanças da natureza jurídica da internação provisória e as prisões cautelares e entre o processo penal e a apuração de ato infracional, o Estatuto da Criança e do Adolescente, ao tratar das disposições gerais sobre os procedimentos prevê, em seu Art. 152 que aos procedimentos regulados nesta Lei aplicam-se subsidiariamente as normas gerais previstas na legislação processual pertinente.

Temos aqui, um dispositivo útil que possibilita a integração das normas do Estatuto em caso de omissões legislativas.

Visto isso, a questão que se impõe analisar é a necessidade (ou não) de oferecimento da representação simultaneamente com o pedido de busca e apreensão cumulado com internação provisória.

De início, deve-se ressaltar que a grande maioria da jurisprudência exige o oferecimento da representação para que haja a decretação da internação provisória. Nesse sentido, por exemplo:

HABEAS CORPUS. INTERNAÇÃO PROVISÓRIA. ATO INFRACIONAL ANÁLOGO À TENTATIVA DE FURTO. INTERVENÇÃO ESTATAL. NECESSIDADE. DENEGAÇÃO DA ORDEM. EMBORA O ATO INFRACIONAL TENHA SIDO PRATICADO SEM VIOLÊNCIA OU GRAVE AMEAÇA À PESSOA, MOSTRA-SE ADEQUADA E NECESSÁRIA A INTERNAÇÃO PROVISÓRIA DO MENOR INFRATOR, TENDO EM VISTA SUAS CONDIÇÕES PESSOAIS. COM APENAS QUINZE ANOS DE IDADE REGISTRA VÁRIAS OUTRAS PASSAGENS PELA VARA DA INFÂNCIA E NÃO CONTA COM O AMPARO FAMILIAR, EXIGINDO-SE A PRONTA INTERVENÇÃO ESTATAL PARA QUE SEJA INTERROMPIDA A REITERAÇÃO DE CONDUTAS INFRACIONAIS. HÁ INDÍCIOS SUFICIENTES DE PARTICIPAÇÃO DO ADOLESCENTE NO ATO APURADO E A REPRESENTAÇÃO FOI OFERECIDA, INEXISTINDO CONSTRANGIMENTO ILEGAL A SER SANADO PELA VIA DO WRIT. (TJ/DFT Registro do Acórdão Número : 291363 Publicação no DJU: 23/01/2008)

Entretanto, apesar de predominante, entendemos que tal posição, com a devida vênia, não encontra respaldo no Estatuto da Criança e do Adolescente nem na legislação processual integrativa (Art. 152 do ECA).

Com efeito, não há, nas disposições que regem o procedimento para apuração da prática de atos infracionais, qualquer regra que estabeleça a exigência do oferecimento de representação para decretação da medida cautelar em relação ao adolescente.

Conseqüentemente, face ao exposto, aplicam-se os atos normativos da legislação processual pertinente, qual seja, o Código de Processo Penal.

Em caso de prisão, existem dois dispositivos no Diploma Processual Penal que regulam o prazo para o término do inquérito e para o oferecimento da denúncia quando há uma medida cautelar em relação à pessoa decretada. O primeiro é o Art. 10:

Art. 10. O inquérito deverá terminar no prazo de 10 (dez) dias, se o indiciado tiver sido preso em flagrante, ou se estiver preso preventivamente, contado o prazo, nesta hipótese, a partir do dia em que se executar a ordem de prisão, ou no prazo de 30 (trinta), quando estiver solto, mediante fiança ou sem ela.

O segundo é o Art. 46:

Art. 46. O prazo para oferecimento da denúncia, estando o réu preso, será de 5 (cinco) dias, contado da data em que o órgão do Ministério Público receber os autos do inquérito policial...

Assim, de acordo com a legislação que se aplica subsidiariamente ao ECA em caso de omissão normativa, existe prazo, tanto para o término das investigações, quanto para o oferecimento da representação após a decretação da internação provisória.

Ainda nessa esteira, em caso de desnecessidade de novas diligência investigativas, o prazo para o oferecimento da representação é de 5 (cinco) dias.

Entretanto, deve-se fazer um alerta. O termo a quo do prazo para o órgão ministerial representar é o recebimento do procedimento administrativo. A concessão da medida cautelar (internação provisória) não tem o condão de suspender ou interromper o prazo processual, ante a falta de previsão legal.

Além disso, não se pode esquecer que o Art. 184 do ECA prevê que "Oferecida a representação a autoridade judiciária designará audiência de apresentação do adolescente, decidindo, desde logo, sobre a decretação ou manutenção da internação, observado o disposto no art. 108 e parágrafo único.". Ora, se o Magistrado, ao receber a representação decide sobre a manutenção da internação, é porque já houve uma decisão determinando a internação, sob pena de maltrato ao Art. 106 do ECA (Art. 106. Nenhum adolescente será privado de sua liberdade senão em flagrante de ato infracional ou por ordem escrita e fundamentada da autoridade judiciária competente.).

Sendo assim, apesar de não ser este o entendimento prevalente na jurisprudência, entendemos que é mais técnico sustentar que a decretação da internação provisória não está submetida e nem condicionada ao oferecimento da representação para apuração da prática de atos infracionais.


Autor


Informações sobre o texto

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

SANTAREM, Bruno Menezes. Internação provisória e representação. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 13, n. 1681, 7 fev. 2008. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/10901. Acesso em: 23 abr. 2024.