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Suspensão condicional do processo e concurso de crimes

Suspensão condicional do processo e concurso de crimes

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Parâmetro objetivo para a concessão do sursis processual é a pena mínima abstrata, que não pode ser superior a 1 ano. Como levar em conta esse limite legal no concurso de crimes?

O legislador, na edição da Lei n. 9.099, de 26 de setembro de 1995 (Lei dos Juizados Especiais Criminais), aproveitou-se da ocasião para introduzir nela um novo instituto em nosso sistema criminal. De acordo com o seu art. 89, caput, nos delitos em que a pena mínima abstrata for igual ou inferior a 1 ano, a ação penal pode ser condicionalmente suspensa por 2 a 4 anos, se atendidos determinados requisitos objetivos e pessoais.

Aplicável a todos os delitos, desde que enquadráveis em suas exigências, e não só aos crimes da Lei n. 9.099, com a natureza de direito penal público subjetivo de liberdade e de despenalização criminal, o dispositivo disciplina o denominado sursis processual, instrumento diverso da suspensão condicional da pena (sursis comum; art. 77 e ss. do CP) e da suspensão do processo (art. 366 do CPP). Elemento de um novo sistema criminal, trata-se de uma alternativa à jurisdição penal, por intermédio da qual, sem exclusão da antijuridicidade da conduta, procura-se impedir o encarceramento do autor do fato, extinguindo-se a pretensão punitiva ao término do período de prova sem revogação [1].

Parâmetro objetivo para a concessão da medida é a pena mínima abstrata, que não pode ser superior a 1 ano. Como levar em conta esse limite legal no concurso de crimes?

Apresentam-se como espécies o concurso material, o formal e o crime continuado, regidos pelos sistemas do cúmulo material e da exasperação, empregados em nosso Código Penal [2]. Na aplicação da pena [3], verifica-se que, no concurso material, quando existe o cúmulo material, há pluralidade de condutas e de crimes, incidindo a soma das sanções (art. 69, caput, do CP); no formal, em que foi adotado o sistema da exasperação, existem unidade de conduta e pluralidade de crimes, levando-se em conta uma das penas, ou a mais grave, com agravação (art. 70, caput) [4]; no crime continuado, nele também recaindo a exasperação, temos, na verdade, um concurso material abrandado, limitando-se a consideração da lei, por razões de política criminal e unicamente para efeito de aplicação da pena, a apenas um delito e uma só resposta penal detentiva, embora com acréscimo (art. 71, caput). Nos três casos, para efeito de admissão do sursis processual, considera-se isoladamente a pena abstrata mínima de cada um dos delitos ou os princípios do cúmulo material e da exasperação?

No concurso material, há duas posições:

1.ª) As penas mínimas abstratas não podem ser somadas para o fim de impedimento da medida. As infrações penais devem ser consideradas isoladamente [5]. Nesse sentido, na doutrina: GRINOVER, Ada Pellegrini et al. Juizados Especiais Criminais. 3. ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 1999. p. 254, n. 4.5; TOURINHO FILHO, Fernando da Costa. Comentários à Lei dos Juizados Especiais Criminais. 3. ed. São Paulo: Saraiva, 2003. p. 159-163; GIACOMOLLI, Nereu José. Juizados Especiais Criminais: Lei 9.099/95. 2. ed. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2002. p. 44, n. 3.4; GIACOMOLLI, Nereu José. Legalidade, oportunidade e consenso no processo penal. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2006. p. 378; RAMOS, Josiane Hybner Rodrigues. Suspensão condicional do processo penal na Lei n. 9.099/95. Revista Jurídica, São Paulo, n. 342, p. 95 e 102, n. 3.1, abr. 2006; LAGRASTA NETO, Caetano (Coord.). A Lei dos Juizados Especiais Criminais na jurisprudência. São Paulo: Oliveira Mendes, 1999. p. 399. Na jurisprudência: STF, 2.ª T., HC n. 76.717, j. em 18.9.1998, DJU de 30.10.1998; STJ, 5.ª T., RHC n. 7.583, rel. Min. Edson Vidigal, j. em 23.6.1998, DJU de 31.8.1998, p. 110; STJ, 6.ª T., RHC n. 7.809, rel. Min. Vicente Cernicchiaro, DJU de 9.11.1998, p. 172-173; Revista dos Juizados Especiais Criminais, São Paulo, 3/359, 5/391 e 397 e 7/301.

2.ª) É inadmissível a medida se a soma das penas mínimas ultrapassa o limite legal. Na doutrina, nesse sentido: DOTTI, René Ariel. Conceitos e distorções da Lei n. 9.099/95: temas de direito e processo penal. In: PITOMBO, Antônio Sérgio A. de Moraes (Org.). Juizados Especiais Criminais. São Paulo: Malheiros, 1997. p. 45 e ss.; MIRABETE, Julio Fabbrini. Juizados Especiais Criminais. São Paulo: Atlas, 1997. p. 149; BATISTA, Weber Martins; FUX, Luiz. Juizados Especiais Cíveis e Criminais e suspensão condicional do processo penal. Rio de Janeiro: Forense, 1996. p. 364, n. 1.2; GONÇALVES, Victor Eduardo Rios. Juizados Especiais Criminais: doutrina e jurisprudência atualizadas. 2. ed. São Paulo: Saraiva, 2002. p. 67. No mesmo sentido, na jurisprudência [6]: STJ, 6.ª T., HC n. 7.560, rel. Min. Vicente Leal, DJU de 12.4.1999, p. 196; STJ, 5.ª T., RHC n. 8.093, rel. Min. Gilson Dipp, DJU de 17.5.1999, p. 219-220; TJRN, Plenário, Conflito Negativo de Competência (CNC) n. 391, rel. Des. Armando da Costa Ferreira, j. em 5.3.1997, RT 748/702; extinto TACrimSP, 1.ª Câm., ACrim n. 1.142.949, j. em 15.7.1999, RT 771/610. Com a mesma orientação: RT 771/563, 772/574, 776/675, 782/661.

De ver-se, nesse último sentido, a Súmula n. 243 do Superior Tribunal de Justiça, adotando o princípio repressivo e não o despenalizador: "O benefício da suspensão do processo não é aplicável em relação às infrações penais cometidas em concurso material, concurso formal ou continuidade delitiva, quando a pena mínima cominada, seja pelo somatório, seja pela incidência da majorante, ultrapassar o limite de um (01) ano" (grifo nosso).

Em relação ao concurso formal de crimes, existem três orientações:

1.ª) As infrações devem ser consideradas isoladamente. Nesse sentido, na doutrina: GRINOVER, Ada Pellegrini et al. Juizados Especiais Criminais. 3. ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 1999. p. 254; TOURINHO FILHO, Fernando da Costa. Comentários à Lei dos Juizados Especiais Criminais. 3. ed. São Paulo: Saraiva, 2003. p. 159-163; GIACOMOLLI, Nereu José. Juizados Especiais Criminais: Lei 9.099/95. 2. ed. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2002. p. 44, n. 3.4; RAMOS, Josiane Hybner Rodrigues. Suspensão condicional do processo penal na Lei n. 9.099/95. Revista Jurídica, São Paulo, n. 342, p. 95 e 102, n. 3.1, abr. 2006; LAGRASTA NETO, Caetano (Coord.). A Lei dos Juizados Especiais Criminais na jurisprudência. São Paulo: Oliveira Mendes, 1999. p. 399. No mesmo sentido, na jurisprudência: STF, 2.ª T., HC n. 76.717, rel. Min. Maurício Corrêa, DJU de 30.10.1998, p. 3, RT 760/533; STJ, 6.ª T., RHC n. 7.809, rel. Min. Vicente Cernicchiaro, DJU de 9.11.1998, p. 172-173; Revista dos Juizados Especiais Criminais, São Paulo, 3/359, 5/391 e 397 e 7/301 [7]. Para essa posição, as penas mínimas abstratas não podem ser somadas (STF, 2.ª T., HC n. 76.717, rel. Min. Maurício Corrêa, RT 760/533).

2.ª) Se, somada a causa de aumento (art. 70, caput, do CP), a pena mínima abstrata ultrapassa o limite legal, é inadmissível a medida. Nesse sentido: BATISTA, Weber Martins; FUX, Luiz. Juizados Especiais Cíveis e Criminais e suspensão condicional do processo penal. Rio de Janeiro: Forense, 1996. p. 365, n. 1.2. No mesmo sentido, na jurisprudência: STF, 2.ª T., HC n. 78.876, rel. Min. Maurício Corrêa, DJU de 28.5.1999, p. 6-7; STJ, 5.ª T., RHC n. 8.093, rel. Min. Gilson Dipp, DJU de 17.5.1999, p. 219; STJ, 5.ª T., RHC n. 8.331, rel. Min. Gilson Dipp, DJU de 17.5.1999, p. 220; TJSP, 4.ª Câm. de Férias, HC n. 247.643, rel. Des. Hélio de Freitas, j. em 29.1.1998, RT 752/591; extinto TAMG, 1.ª Câm. Crim., Apel. Crim. n. 244.282, rel. Juiz Audebert Delage, j. em 26.11.1997, RT 756/662.

3.ª) Não se admite o sursis processual ou antecipado se a soma das penas mínimas abstratas ultrapassa o limite legal. Na doutrina, nesse sentido: DOTTI, René Ariel. Conceitos e distorções da Lei n. 9.099/95: temas de direito e processo penal. In: PITOMBO, Antônio Sérgio A. de Moraes (Org.). Juizados Especiais Criminais. São Paulo: Malheiros, 1997. p. 46; MIRABETE, Julio Fabbrini. Juizados Especiais Criminais. São Paulo: Atlas, 1997. p. 149; GONÇALVES, Victor Eduardo Rios. Juizados Especiais Criminais: doutrina e jurisprudência atualizadas. 2. ed. São Paulo: Saraiva, 2002. p. 67. No mesmo sentido, na jurisprudência: TJRN, Plenário, CNC n. 391, rel. Des. Armando da Costa Ferreira, j. em 5.3.1997, RT 748/702; TJPA, Câms. Crims. Reunidas, HC n. 33.452, rel. Des. Benedito de Miranda Alvarenga, j. em 30.3.1998, RT 759/683; extinto TAMG, 1.ª Câm., ACrim n. 244.282, rel. Juiz Audebert Delage, RT 756/662; extinto TACrimSP, 1.ª Câm., ACrim n. 1.142.949, j. em 15.7.1999, RT 771/610. Com a mesma orientação: RT 771/563, 772/574, 776/675 e 782/661.

Não se olvidar da Súmula n. 243 do Superior Tribunal de Justiça, adotando o princípio prejudicial ao acusado: "O benefício da suspensão do processo não é aplicável em relação às infrações penais cometidas em concurso material, concurso formal ou continuidade delitiva, quando a pena mínima cominada, seja pelo somatório, seja pela incidência da majorante, ultrapassar o limite de um (01) ano" (grifo nosso).

No tocante ao crime continuado, há três orientações:

1.ª) As infrações devem ser consideradas isoladamente. Na doutrina, nesse sentido: GRINOVER, Ada Pellegrini et al. Juizados Especiais Criminais. 3. ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 1999. p. 254; TOURINHO FILHO, Fernando da Costa. Comentários à Lei dos Juizados Especiais Criminais. 3. ed. São Paulo: Saraiva, 2003. p. 159-163; GIACOMOLLI, Nereu José. Juizados Especiais Criminais: Lei 9.099/95. 2. ed. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2002. p. 44, n. 3.4; RAMOS, Josiane Hybner Rodrigues. Suspensão condicional do processo penal na Lei n. 9.099/95. Revista Jurídica, São Paulo, n. 342, p. 95 e 102, n. 3.1, abr. 2006; LAGRASTA NETO, Caetano (Coord.). A Lei dos Juizados Especiais Criminais na jurisprudência. São Paulo: Oliveira Mendes, 1999. p. 399. Na jurisprudência [8]: STF, 2.ª T., HC n. 76.717, j. em 18.9.1998, DJU de 30.10.1998; STJ, 6.ª T., RHC n. 7.809, rel. Min. Vicente Cernicchiaro, DJU de 9.5.1998, p. 172-173; TJRS, RT 766/707; Revista dos Juizados Especiais Criminais, São Paulo, 3/359, 5/391 e 397 e 7/301.

2.ª) Se, acrescida a causa de aumento, a pena mínima abstrata ultrapassa o limite legal, é inadmissível a medida. Nesse sentido: BATISTA, Weber Martins; FUX, Luiz. Juizados Especiais Cíveis e Criminais e suspensão condicional do processo penal. Rio de Janeiro: Forense, 1996. p. 365, n. 1.2. Orientando-se no mesmo sentido, na jurisprudência: Súmula n. 243 do STJ; STF, 2.ª T., HC n. 78.876, rel. Min. Maurício Corrêa, DJU de 25.5.1999, p. 6-7; STF, 1.ª T., RHC n. 80.143, rel. Min. Sydney Sanches, j. em 13.6.2000, Informativo STF 193/2, 21.6.2000; STJ, 5.ª T., RHC n. 8.093, rel. Min. Gilson Dipp, DJU de 17.5.1999, p. 219; TJSP, 4.ª Câm. de Férias, HC n. 247.643, rel. Des. Hélio de Freitas, j. em 29.1.1998, RT 752/591; extinto TACrimSP, 1.ª Câm., ACrim n. 1.100.629, rel. Juiz Pires Neto, j. em 5.11.1998, RT 761/618.

3.ª) Não se permite a suspensão condicional do processo se a soma das penas mínimas abstratas ultrapassa o limite legal. Com essa orientação, na doutrina: DOTTI, René Ariel. Conceitos e distorções da Lei n. 9.099/95: temas de direito e processo penal. In: PITOMBO, Antônio Sérgio A. de Moraes (Org.). Juizados Especiais Criminais. São Paulo: Malheiros, 1997. p. 47; MIRABETE, Julio Fabbrini. Juizados Especiais Criminais. São Paulo: Atlas, 1997. p. 149; GONÇALVES, Victor Eduardo Rios. Juizados Especiais Criminais: doutrina e jurisprudência atualizadas. 2. ed. São Paulo: Saraiva, 2002. p. 67. No mesmo sentido, na jurisprudência: extinto TACrimSP, 1.ª Câm., ACrim n. 1.142.949, j. em 15.7.1999, RT 771/610. Com a mesma orientação: RT 771/563, 772/574, 776/675, 782/661.

O mesmo conteúdo se encontra na Súmula n. 243 do STJ: "O benefício da suspensão do processo não é aplicável em relação às infrações penais cometidas em concurso material, concurso formal ou continuidade delitiva, quando a pena mínima cominada, seja pelo somatório, seja pela incidência da majorante, ultrapassar o limite de 01 (um) ano" (grifo nosso).

Essa corrente também se assenta na Súmula n. 723 do Supremo Tribunal Federal: "Não se admite a suspensão condicional do processo por crime continuado se a soma da pena mínima da infração mais grave com o aumento mínimo de um sexto for superior a um ano".

No STF, diante da nova composição da Corte, o tema foi submetido ao Plenário no julgamento do HC n. 83.163, de São Paulo, em 21 de agosto de 2003, relator o Min. Sepúlveda Pertence, que votou nos termos da posição por ele adotada no HC n. 77.242: no concurso de crimes, cada infração deve ser apreciada isoladamente, considerando a pena mínima abstrata, e não a soma delas, afastada a medida quando a um dos delitos for cominada pena superior a 1 ano, levando-se também em consideração o número de fatos praticados (Plenário, DJU de 25.1.2001). Naquela oportunidade, em 21 de agosto de 2003, o julgamento do Pleno foi adiado devido ao pedido de vista do Min. Nelson Jobim (Informativo STF n. 317, 18 a 22 ago. 2003).

Retomado o julgamento em 23 de fevereiro de 2006, o Min. Nelson Jobim, Presidente, em voto-vista, adotou a tese severa, de acordo com a decisão acatada pelo Plenário da Corte no referido HC n. 77.242, segundo a qual, no concurso de crimes, há de se computar a soma das penas mínimas abstratas cominadas aos delitos. Para ele, acompanhado pelos Ministros Joaquim Barbosa e Carlos Britto, no concurso material, há um crime com pena que equivale à soma das penas cominadas aos demais delitos; no concurso formal e no crime continuado, existe o delito mais grave com acréscimo. O Min. Eros Grau adotou a tese do relator (consideração de cada crime isoladamente). Depois, o julgamento foi adiado em face de pedido de vista do Min. Cezar Peluso (Informativo STF n. 417, 8 mar. 2006; Revista Jurídica, São Paulo, n. 341, p. 158, mar. 2006).

A tese da inadmissibilidade da suspensão condicional do processo nas três questões debatidas, quais sejam do concurso material, formal e do crime continuado, não encontra respaldo legal, uma vez que a lei, para tal fim, não impõe a soma das penas nem a consideração de uma delas com acréscimo. Como afirmam ADA PELLEGRINI GRINOVER e outros, "não importa qual seja a natureza do concurso: material, formal ou crime continuado. A concessão da suspensão, em qualquer hipótese, deve ser regida pelo critério bifásico individual-global. No primeiro momento, pensamos que de modo algum podem ser somadas as penas mínimas de cada delito para o efeito de excluir, ab initio, a suspensão. Quanto à pena (requisito objetivo), o critério de valoração é o individual (CP, art. 119 e Súmula 497 do STF). Cada crime deve ser considerado isoladamente, com sua sanção mínima abstrata respectiva. Se temos, por exemplo, cinco crimes em concurso (cinco estelionatos, ad exemplum) e cada um deles, no mínimo abstrato, não excede o limite de um ano, em tese, pela pena cominada, todos admitem a suspensão" [9].

No concurso de crimes, as sanções detentivas não são somadas até para fins de prescrição da pretensão punitiva ou executória, incidindo o prazo extintivo da punibilidade sobre o quantum de privação da liberdade imposto a cada delito considerado isoladamente (art. 119 do CP). Assim, no crime continuado, criado para beneficiar o agente, até o acréscimo deve ser desprezado na contagem do prazo prescricional da pretensão executória, princípio assumido na Súmula n. 497 do STF: "Quando se tratar de crime continuado, a prescrição regula-se pela pena imposta na sentença, não se computando o acréscimo decorrente da continuação".

Verifica-se, pois, que, mesmo existindo decisão condenatória com trânsito em julgado afirmando a culpabilidade do agente e assentada no reconhecimento da prática de fatos continuados típicos e ilícitos, para fins de prescrição da pretensão executória, considera-se isoladamente a pena de cada crime (art. 119 do CP), não se levando em conta o acréscimo (art. 71, caput, do CP e Súmula n. 497 do STF).

É o que ocorre, em termos semelhantes, na decadência do direito de queixa e de representação, em que, tratando-se de crime continuado, o prazo extintivo da punibilidade deve ser contado em relação a cada delito, considerado isoladamente [10], não se admitindo a tese mais gravosa, qual seja a da contagem do lapso temporal em relação ao primeiro delito. Como se nota, cuida-se de uma forma atenuada de concurso material. Nesse último sentido: NUCCI, Guilherme de Souza. Código Penal comentado. 4. ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2003. p. 297, n. 113; COSTA, Álvaro Mayrink da. Direito penal: parte geral. 7. ed. Rio de Janeiro: Forense, 2005. v. II, p. 1577- 1578. Na jurisprudência: STJ, 6.ª T., REsp n. 27.028, rel. Min. Vicente Cernicchiaro, DJU de 15.2.1993, p. 1703.

No que tange ao crime continuado, nota-se que o Código Penal adotou a teoria da ficção jurídica: o legislador presume a existência de um só crime. Essa presunção, entretanto, é relativa e só tem relevância na aplicação da pena. Para outros efeitos, o delito continuado é considerado forma de concurso de crimes.

Com o advento da CF de 1988, passaram a ser admitidos em nosso ordenamento jurídico institutos de consenso na esfera penal, como o acordo civil, a transação penal com aplicação de pena alternativa e a suspensão condicional do processo. Na questão genérica enfrentada neste trabalho, estamos em face de dois institutos: o do sursis antecipado e o das regras gerais do CP a respeito da aplicação da pena no concurso de crimes. A suspensão condicional do processo é um instrumento despenalizador do Direito Penal Mínimo, procurando evitar ao máximo a submissão do autor da infração a um processo estigmatizante e à imposição da sanção penal clássica [11]. Na aferição do valor maior, deve prevalecer o espírito da lei nova, inegavelmente tendente às modernas teorias do processo e da pena. De maneira que a novel medida de prevenção especial não deve ser proibida pela adoção de critério meramente quantitativo, convindo ao Juiz de Direito verificar a viabilidade da permissão nas hipóteses em que o agente, nos casos de potencialidade lesiva mínima e média, não obstante o concurso de fatos delituosos, demonstrando um comportamento ocasional, não rompeu os laços com a sociedade [12].


NOTAS

[1] Art. 89, § 5.º, da Lei n. 9.099/95.

[2] BITENCOURT, Cezar Roberto. Juizados Especiais Criminais. 1. ed. São Paulo: Saraiva, 2003. p. 35.

[3] Os dispositivos do concurso de crimes encontram-se no Capítulo III do Título V da Parte Geral do CP (arts. 69 a 72), que regula a "aplicação da pena".

[4] Nota-se que o sistema do cúmulo material também se aplica ao concurso formal impróprio (art. 70, caput, 2.ª parte do CP).

[5] No caso de unidade de processo com vários crimes, não existe obstáculo a que a medida alcance só um deles (GIACOMOLLI, Nereu José. Legalidade, oportunidade e consenso no processo penal. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2006. p. 378).

[6] Confira farta jurisprudência a respeito do tema em LAGRASTA NETO, Caetano (Coord.). A Lei dos Juizados Especiais Criminais na jurisprudência. São Paulo: Oliveira Mendes, 1999. p. 198 e ss.; NEGRÃO, Perseu Gentil. Juizados Especiais Criminais: doutrina e jurisprudência dos Tribunais Superiores. São Paulo: Juarez de Oliveira, 2001. p. 108 e ss.; FRIGINI, Ronaldo. Juizados Especiais Criminais: ementário de jurisprudência dos Colégios Recursais. São Paulo: J. H. Mizuno, 2006.

[7] Confira farta jurisprudência a respeito do tema em LAGRASTA NETO, Caetano (Coord.). Loc. cit.; NEGRÃO, Perseu Gentil. Loc. cit.; FRIGINI, Ronaldo. Op. cit.

[8] Confira farta jurisprudência a respeito do tema em LAGRASTA NETO, Caetano (Coord.). Loc. cit.; NEGRÃO, Perseu Gentil. Loc. cit.; FRIGINI, Ronaldo. Op. cit.

[9] Juizados Especiais Criminais. 3. ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 1999. p. 254.

[10] JESUS, Damásio de. Código de Processo Penal anotado. 22. ed. São Paulo: Saraiva, 2005. p. 46.

[11] GIACOMOLLI, Nereu José. Op. cit. p. 146.

[12] DÍEZ, Luis Alfredo de Diego. Justicia criminal consensuada. Valencia: Tirant lo Blanch, 1999. p. 187.


Autor

  • Damásio E. de Jesus

    Damásio E. de Jesus

    advogado em São Paulo, autor de diversas obras, presidente do Complexo Jurídico Damásio de Jesus

    atuou durante 26 anos no Ministério Público do Estado de São Paulo, tendo se aposentado em 1988 como Procurador de Justiça. Teve papel significativo em trabalhos importantes realizados para o Ministério da Justiça, a Prefeitura da Cidade de São Paulo, a Câmara dos Deputados, o Conselho Nacional de Política Criminal e Penitenciária e a Secretaria da Administração Penitenciária do Estado de São Paulo. Com vasto reconhecimento internacional, atuou também como representante brasileiro nas várias sessões organizadas pela Organização das Nações Unidas (ONU) em todo o mundo, onde já discutiu variados temas, a maioria abordando a prevenção ao crime e a justiça penal, os crimes de corrupção nas transações comerciais internacionais, o controle de porte e uso de armas de fogo, entre outros.

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Texto originalmente publicado no </b> <a HREF="http://www.damasio.com.br/"><b>www.damasio.com.br</b></a><b>, reproduzido mediante permissão.

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

JESUS, Damásio E. de. Suspensão condicional do processo e concurso de crimes. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 13, n. 1685, 11 fev. 2008. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/10909. Acesso em: 16 abr. 2024.