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A dimensão social da preservação da empresa no contexto da nova legislação falimentar brasileira (Lei nº 11.101/05).

Uma abordagem zetética

A dimensão social da preservação da empresa no contexto da nova legislação falimentar brasileira (Lei nº 11.101/05). Uma abordagem zetética

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A essência deste ensaio numa abordagem zetética é a reflexão sobre a necessária mitigação da eficiência econômica com a humanização da tutela da empresa em estado crítico como forma de dignificação da pessoa humana, ou seja, deve haver uma desmistificação da eficiência neoliberal, no Estado contemporâneo.

Sumário:1. Introdução. 2. A dignidade da pessoa humana como núcleo da preservação da empresa e a aparente antinomia em relação à eficiência econômica. 3. A crise econômico-financeira da empresa: um componente permanente dos sistemas empresariais. 4. Da recuperação de empresa no Brasil. 5. Hipóteses concretas na novel legislação de estímulo à preservação da empresa e conseqüente dignificação da pessoa humana. 6. Da recuperação judicial. 7. Da recuperação extrajudicial. 8. Conclusão crítica. 9. Referências bibliográficas.


1. Introdução

A abordagem que se pretende dar a esta investigação científica consiste na apresentação da relevância objetiva e subjetiva da dimensão social na preservação da empresa como instrumento capaz de proporcionar a tutela da dignidade da pessoa humana em paralelo à busca pela eficiência econômica.

O nosso vetusto sistema legal (Dec.-Lei 7.661/45), bem como a recém sancionada legislação (Lei 11.101/05), tratam do lado negativo da economia contemporânea, baseados em um modelo iniciado com a revolução industrial no século XVIII, com um desenvolvimento político sobressaltado que cresceu e vingou como opção na sociedade atual.

A figura da empresa revela-se como um dos principais alicerces desse sistema, posto que é vista como agente econômico e sustentáculo imprescindível da sua própria sobrevivência. Por isso, a ineficiência ou inoperacionalidade da empresa deve ser resolvida, através de tratamento específico sujeito as regras judiciais, destinadas ou ao seu regresso produtivo ou à sua extinção como operador econômico.

No século passado, o tema da empresa insolvente, bem como sua abordagem, modificou-se. Desde o período romano o objetivo era "tutelar créditos" abandonando-se a devedora à venda, por via executiva. Com o passar do tempo, germinou em várias legislações, dentre outras, a legislação norte-americana, inglesa, francesa, belga, alemã, portuguesa, espanhola e, em certa medida a italiana, além de, mais recentemente, nossa legislação brasileira, a preocupação com a preservação da empresa, como forma de reabilitá-la.

Em nosso ordenamento, particularmente, busca-se absorver essa corrente do pensamento europeu e, ao lado do mecanismo falimentar, busca-se consagrar esquemas de viabilidade empresarial em harmonia com o princípio da preservação da empresa. Eis pois, a questão que se levanta. Será que a adoção indiscriminada do princípio da preservação da empresa associada ao processo de recuperação proporcionará a tão desejada simplificação, celeridade e redução de riscos, no processo falimentar, e consequentemente a diminuição do chamado spread bancário [02]? É essa a questão que pretendemos debater, no curso deste estudo.

Nesse sentido, focamos nossa análise nessa nova direção dada ao direito falimentar, em congruência com as mudanças inseridas pelo novo Código Civil que substituiu o sistema francês da teoria dos atos do comércio pela empresarialidade do sistema italiano, trazendo à discussão a maior intervenção dos credores nas lides, com uma atuação de caráter dúplice decorrente da defesa do crédito e da busca pela recuperação da devedora.

Esta dualidade aparente é, talvez, o maior dilema a ser enfrentado e a maior preocupação dos agentes econômicos envolvidos no processo recuperatório, pois haveria, senão ostensivamente, de forma sutil um conflito de interesses entre a busca pela eficiência econômica na recuperação do crédito e a busca da manutenção da fonte produtiva que conseqüentemente conserva o emprego e tutela a dignidade da pessoa humana. Esse aparente conflito, na filigrana jurídica, muitas vezes parece insuperável.

O elemento econômico do direito, segundo FRANCESCO CARNELUTTI [03], é o que caracteriza o conflito de interesses, portanto, inafastável sua compreensão. Segundo o autor, "l’elemento economico del diritto è il conflito di interessi. Dove il conflito di interessi non c’è, non ha ragione di esssere il diritto; non esiste um fenomeno giuridico alla radice del quale l’analisi non rintracci tale conflito."

Outrossim, os credores, reunidos em assembléia geral ou em comitê, auxiliados por um gestor ou administrador judicial, impulsionam, orientam, fiscalizam e decidem o processo, debaixo da fiscalização do juiz, no objetivo de dirimir o controverso e, com maior ou menor contraditório, atingir o consenso.

É nesse sentido que a recuperação judicial deve ser tratada, como forma de preservar o agente econômico empresarial viável, respeitada a função social da empresa. O direito falimentar, em seu sentido lato, deve, mais do que tudo, proporcionar uma convivência saudável entre os agentes econômicos, assegurando o crédito, o que é essencial para a preservação das relações empresariais e o desenvolvimento da economia.

A empresa age essencialmente através do mecanismo do crédito, o que por si só indica o sentido de seu interesse público, característico da atividade econômica empresarial.

O empresário, figura relevante no processo da distribuição da riqueza, não é simplesmente um agente econômico de interesses privados, mas, também, participa diretamente da atividade econômica da coletividade, o que denota também sua responsabilidade social [04].

Essa participação mais clara se fortalece quando ocorre a hipótese de falência, uma vez que se torna índice de desequilíbrio financeiro do empresário repercutindo com maior ou menor intensidade, na lesão dos credores.

O mecanismo da circulação de riquezas tem, pois, no crédito um dos elementos essenciais de sua propulsão. As organizações empresariais modernas, quaisquer que sejam, sem o crédito, não podem desenvolver com amplitude os seus negócios, atuar de forma eficiente em um mercado concorrencial acirrado.

Quando afirmamos que a lei falimentar deve assegurar o crédito [05], não fazemos referência ao crédito individualmente considerado, dos credores contra o devedor, mas sim ao meio ou o ambiente em que se praticam inter-relacionamentos de créditos privados. Protegido esse ambiente coletivo de concessão de crédito, cria-se uma atmosfera mais segura para a concessão do crédito privado, isto é, entre os agentes econômicos individualmente considerados.

Em outras palavras, ao assegurarmos instrumentos eficazes de recuperação de crédito, estamos protegendo, por via de conseqüência, esse ambiente propício que facilita a criação, bem como a manutenção de um sistema saudável de concessão de créditos privados aos empresários para o desenvolvimento das mais diversas atividades econômicas.

Sob o ponto de vista econômico, o crédito é, como dissemos, fator de crescente relevância para o desenvolvimento das atividades econômicas das mais diversas naturezas, correspondendo ao combustível indispensável para a geração de riquezas.

O capital, ainda sob a ótica econômica, apenas pode multiplicar-se pela sua disponibilização em favor da atividade produtiva, verdadeira renovadora e geradora de riquezas. O dinamismo da economia depende dessa disponibilização de capital, com o escopo de financiar os investimentos necessários à produção.

Deve-se, portanto, encontrar uma fórmula para que o crédito possa ser eficientemente disponibilizado com a necessária segurança, fazendo com que o detentor do capital seja seduzido a colocá-lo em circulação também com a certeza de contar com formas eficazes de recuperação em caso de inadimplência do tomador.

A segurança que favorece o credor da mesma forma beneficia o devedor de boa-fé, que, nesta circunstância, conta com mais oferta de crédito, numa espiral de virtuosidade econômica.

Não se pode, contudo, afirmar categoricamente que a segurança na recuperação do crédito seja fator determinante do custo de obtenção de recursos (dinheiro), uma vez que depende de uma complexidade de fatores econômicos, políticos e sociais, que não conseguiremos analisá-los integralmente nos limites deste trabalho.

Todavia, é inegável que a capacidade de recuperação de crédito compõe a chamada "taxa de risco", que é levada em consideração para a formação do preço da disponibilização do capital, os malfadados juros.

Para a teoria econômica, maiores chances na recuperação do crédito implicam menor risco, o que tende a fomentar a circulação do crédito a custos mais baixos. Quanto maior a disponibilização de capital, como mencionado, menores serão os juros, nessa espiral econômica virtuosa.

A redução dos juros é uma das componentes essenciais para o desenvolvimento econômico e viabiliza o investimento a um custo menor, num ciclo gerador de riquezas. O menor custo da produção implica baixa do preço do produto final em benefício do consumidor, desde que a atividade econômica como um todo esteja inserida num sistema concorrencial saudável, o que se procura obter através de leis antitruste [06] e órgãos governamentais de defesa da concorrência que, principalmente nos últimos anos, têm cumprido, com muito acerto e competência, sua função.

Portanto, pode-se afirmar que a livre iniciativa é um dos princípios constitucionais basilares para o atendimento dos fins reservados à ordem econômica e social.

Segundo MODESTO CARVALHOSA [07], "os limites impostos ao princípio da livre iniciativa, quer de ordem ‘positiva’, quando o Estado condiciona a atividade às vetorealizações propostas nos planos econômicos globais, setoriais ou regionais, visando o desenvolvimento nacional e à justiça social, ou ‘negativa’, quando o Estado exerce as funções de controle, colocando os limites à livre iniciativa, a fim de que não se desenvolva contrariamente aos interesses sociais também erigidos em princípios de ordem econômica (harmonia e solidariedade entre as categorias ecossociais de produção e a abstenção de abuso de poder econômico) devem ser entendidos restritivamente".

O produto cujo acesso ao mercado é facilitado é, inexoravelmente mais consumido, o que gera aumento de produção, de empregos, requerendo mais investimento e, novamente, mais crédito. A empresa, neste cenário, como atividade econômica, é elemento fundamental e a base sobre a qual se processa todo o ciclo virtuoso.

Dessa forma, nesse mesmo diapasão em que deve ser protegido o ambiente propício à concessão do crédito, deve ser preservada a empresa. Nesse sentido, no nosso pensar, essa talvez seja uma das grandes, complexas e paradoxais tarefas daqueles que se dedicam à aplicação do direito falimentar: encontrar uma fórmula capaz de proteger a possibilidade de concessão de crédito, eliminando agentes econômicos que colocam esta verdadeira instituição em risco, e, na mesma medida, buscar preservar a empresa, sob o ponto de vista de sua dimensão social.

Aproveitando a experiência francesa, a pretensão finalística é preservar a empresa, dissociada da figura do empresário, titular da empresa, que de alguma forma a controla, direta ou indiretamente, através de participação societária.

A empresa é, numa visão moderna e menos obtusa, muito mais social do que privada. Social no sentido de que ao mesmo tempo em que serve aos interesses do empresário, credores e acionistas em geral, serve também aos interesses da sociedade.

A empresa serve ao empresário e acionistas em geral como fonte de obtenção de lucros decorrentes do capital investido para sua constituição e desenvolvimento; aos credores, como garantia de venda de seus produtos, e por conseqüência, também a obtenção de lucros; à sociedade serve uma vez que gera empregos, recolhe tributos e produz ou circula bens ou serviços, exercendo desta forma, função social indispensável, que proporciona em sentido lato, a tutela da dignidade da pessoa humana.


2. A dignidade da pessoa humana como núcleo da preservação da empresa e a aparente antinomia em relação à eficiência econômica

Inicialmente, devemos observar a significação de dignidade da pessoa humana. O vocábulo dignidade possui múltiplos significados, daí poder-se afirmar que é dotado de amplitude conceitual que extravasa o campo do direito positivo, assumindo conotações de ordem subjetiva, moral, religiosa e social, dentre outras, como, aliás, todos os direitos fundamentais comportam.

Etimologicamente, dignidade, do latim dignitas, [08] significa valor, distinção, princípio ao qual está baseado o proceder que enseja respeito, e corresponde à tradução feita pelos escolásticos da palavra grega aksióma – axioma -, que segundo ARISTÓTELES significa a proposição primeira a qual parte qualquer demonstração.

Para NORBERTO BOBBIO [09] tanto a liberdade quanto a igualdade interagem sob o ponto de vista político e histórico e ambos "se enraízam na consideração do homem como pessoa. Ambos pertencem à determinação do conceito de pessoa humana, como ser que se distingue ou pretende se distinguir de todos os outros seres vivos. Liberdade, indica um estado; igualdade, uma relação. O homem como pessoa – ou para ser considerado como pessoa – deve ser, enquanto indivíduo em sua singularidade, livre; enquanto ser social, deve estar com os demais indivíduos numa relação de igualdade."

IMMANUEL KANT [10], em clássica obra, talvez traga o melhor conceito lógico-filosófico da dignidade da humana. Ele procura demonstrar que o ser humano possui um valor em si mesmo, uma dignidade, e constrói o famoso imperativo prático: "Age de tal maneira que uses a humanidade, tanto na tua pessoa como na pessoa de qualquer outro, sempre e simultaneamente como fim e nunca simplesmente como meio". Para que o ser humano identifique a limitação que esse imperativo prático impõe às suas ações, KANT propõe a seguinte reflexão: "Age sempre segundo aquela máxima cuja universalidade como lei possa querer ao mesmo tempo". E, essa seria a fórmula para extrair ou identificar uma vontade boa. Atualmente, esse imperativo prático kantiano é muito citado como significado da expressão "dignidade da pessoa humana".

Cumpre ainda mencionar que KANT emprega o termo para significar que a razão humana é livre em matéria de moral e que as leis que ela impõe à vontade são universais e absolutas. É neste ponto que se insere a tão conhecida distinção estabelecida pelo referido filósofo entre o uso público e o uso privado do entendimento - que irá servir de eixo para toda a sua argumentação. A moral kantiana se rege por três princípios: a universalidade da lei, a dignidade absoluta do indivíduo humano e a autonomia da vontade.

Dignidade, pois, apresenta-se como um conjunto de atributos inerentes à pessoa humana e dela indissociáveis, de conteúdo inegavelmente axiológico, pois retrata valores próprios do homem, mas que refletem no coletivo. Tais valores não são passíveis de substituição nem de alteração, nem se sujeitam a qualquer ordem de hierarquia ou classificação, pois não estão no campo da relatividade. São absolutos e embora formem um conjunto, são autônomos em sua individualidade.

Esses preceitos morais e religiosos transferiram-se com facilidade aos cânones jurídicos, ampliando a noção do que seja a dignidade da pessoa humana, no contexto em que tudo se volta para o homem, existe pelo homem e tem no homem sua finalidade essencial.

Pode-se, portanto, dizer que a dignidade é um estado, uma condição de todo ser humano, que deve ser tutelada pelo ordenamento positivo e assegurada pela ação efetiva do Estado. Nesse sentido é que entendemos o princípio da preservação da empresa no contexto da Lei 11.101/05, ou seja, como forma imperiosa de tutela da dignidade da pessoa humana [11]. O aspecto social é, pois, fundamental para a compreensão da dimensão do ser humano.

Por outro lado, uma questão que já foi trazida à baila no âmbito deste trabalho, diz respeito a busca da eficiência econômica, como forma de sustentabilidade da recuperação da empresa. Haveria um aparente paradoxo, entre a preservação da empresa, sob o ponto de vista da dignidade da pessoa humana e a busca pela eficiência econômica, o que desde já refutamos.

Nesse aspecto, entendemos que a eficiência econômica é mitigada com o princípio da preservação da empresa, uma vez que não se excluem, se complementam. Exatamente, porque não exortamos o discurso maniqueísta das virtudes da preservação da empresa sob o ponto de vista humano, em detrimento da implacável perseguição da eficiência econômica que poderia destruir a base da empregabilidade [12]. Não. Definitivamente, esta não é nossa intenção, como já pudemos salientar e ainda sustentaremos no capítulo seguinte, a empresa deve buscar, em uma análise criteriosa, sob o auspício do judiciário e de todos os atores envolvidos nesse processo reorganizatório, um equilíbrio entre a efetiva busca da eficiência econômica, com a redução de salários, transferência de ativos e do controle da empresa, fusões, cisões, etc.., e a manutenção da fonte produtiva, como forma de humanização das relações empresarias.

Esse ponto de equilíbrio é, talvez, a grande dificuldade na análise dos casos em concreto, contudo, se mostra essencial, diante da dimensão social que a preservação da empresa encerra.

Para os economistas defensores da ortodoxia, em uma economia capitalista e de mercado, é absolutamente natural esperar o encerramento da atividade econômica de empresas insolventes que se mostram incapazes de gerar e manter ativos necessários para a satisfação de seus compromissos com fornecedores, empregados, instituições financeiras, previdência e o fisco.

Da mesma forma, é também comum observar empresas em crise econômico-financeira demandando uma reestruturação de dívidas e/ou o suporte financeiro de seus credores e da comunidade para manter suas atividades em funcionamento.

Essas operações de reestruturação e salvamento de empresas devem ser colocadas e avaliadas de forma imediata, pois é sempre melhor dar solução a essas eventuais dificuldades em fase de gestação, quando ainda há solução, do que deixá-lo evoluir a caminho da irreversibilidade.

Contudo, nem sempre essa atitude é possível no campo prático das relações interempresariais, aliás, uma característica interessante, sob o ponto de vista psicológico, quando a empresa se vê diante da crise, é a refratária oposição dos dirigentes estatutários, à implementação de medidas alternativas radicalizando a condução dos negócios.

Em muitos casos, considerando-se o universo empresarial brasileiro [13], o empresário tenta de forma desesperada, reconduzir a empresa ao caminho da obtenção de lucro, retardando ainda mais, as medidas saneadoras que poderiam estancar a crise instalada, o que acaba definitivamente por inviabilizar sua atividade econômica, tornando a superação da crise econômico-financeira irreversível.

Retornando à questão da eficiência, sob o ponto de vista econômico, os defensores da chamada "utopia liberal" [14], consideravam-na uma medida para a verificação da capacidade dos agentes de melhor atingir seus objetivos, de produzir o efeito deles esperados, em função dos recursos utilizados.

Em 1989, FRANCIS FUKUYAMA [15] "escandalizou" o mundo ao afirmar que a queda do Muro de Berlim era a prova de que a utopia liberal, na iminência de se realizar, marcava o culminar da evolução histórica e ideológica da humanidade. Com a utopia liberal, a história, no sentido Hegeliano, teria chegado ao fim porque se teria alcançado a perfeição e a verdade humana teria, finalmente, sido reconhecida na realidade.

Segundo os utópicos do liberalismo econômico os atores sociais, no exercício de sua liberdade, possuem a missão de definir o espaço que o mercado deve ocupar na sociedade.

A expansão da importância do mercado, sob o ponto de vista do racionalismo econômico, tem como catalisador um argumento liberal poderoso, que defende que a única solução para resolver as eventuais imperfeições do mercado é exatamente a sua expansão, isto, é, parte do pressuposto de que se o mercado é imperfeito, só o alargamento da sua área de influência na sociedade poderia gerar o seu aperfeiçoamento.

Com o triunfo do racionalismo, surgiu o conceito de "eficiência econômica". Os liberais colocam o acento tônico no racionalismo como denominador comum das relações interpessoais, o que segundo seus defensores, é perfeitamente compatível com a visão individualista da natureza humana, visão essa em que se baseia a utopia liberal.

Contudo, ao deixar as relações humanas entregues ao calculismo frio das transações econômicas e ao defender a expansão do mercado até onde esse mercado puder chegar - sob a ótica da eficiência -, asfixiando a sociedade e condicionando a liberdade das relações interpessoais, cria as novas empresas "funcionais" que se baseiam no intercâmbio volátil dos seus atores e na despersonalização das suas relações pessoais, efêmeras, por definição.

E, aqui está o verdadeiro paradoxo e a incoerência do liberalismo, sob o ponto de vista da eficiência econômica, quando por um lado, pretende defender a felicidade humana reforçando o espaço privado do cidadão, ao mesmo tempo em que, com a defesa do crescimento sem restrições do mercado, ameaça de morte essa mesma área privada da sociedade.

Por outro lado, o conceito ortodoxo, expresso pelo ótimo de Pareto [16], vê como eficiente uma condição onde os agentes maximizam seus resultados econômicos, ou seja, segundo VILFREDO PARETO, é eficiente, para a empresa, maximizar o lucro ou minimizar os custos de produção e, para o consumidor, maximizar a satisfação ou minimizar as despesas.

JAIRO SADDI [17], abordando a questão do ótimo de pareto, faz a seguinte observação: "Daí porque muitos acabam entendendo que o objetivo do movimento de Direito & Economia é sobrepor a justiça pela eficiência. Isso é parcialmente falso. Quando uma mudança leva a uma situação Pareto superior, pelo menos uma pessoa ficou melhor, sem que ninguém tenha ficado pior. O conceito do ótimo de Pareto é exatamente este: melhorar a situação de A, sem piorar a de B. Claro que se trata de um conceito econômico que não leva em consideração quem tem ou não tem razão, se a decisão prolatada é justa, equânime ou mesmo correta. Porém, a constatação de que se obteve ganho de eficiência, do ponto de vista econômico, ainda que a nova situação possa ou não ser mais eqüitativa, depende da posição relativa de quem se beneficiou. Pelo princípio da eficiência, e sem considerações morais, mudanças de regras que levem a uma situação Pareto superior são sempre desejáveis. Entretanto, uma mudança que não seja eqüitativa, no longo prazo acarreta problemas de distribuição de renda, por exemplo. Assim, eficiência e eqüidade não são necessariamente divorciadas."

Contudo, insistimos que esse equilíbrio presente na proposição paretiana, deve ser mitigado com os benefícios sociais da manutenção da atividade econômica sob o ponto de vista da manutenção do emprego, da arrecadação de tributos e da circulação de bens ou serviços.

Em última análise, com o ideal da justiça social cresceu o número de normas imperativas, as quais entendemos enquadrar-se a nova lei falimentar, destinadas a proteger a situação da parte considerada social ou economicamente mais débil e a tutelar certos valores que passam a ser considerados fundamentais. Passaremos agora a abordar a questão da crise econômico-financeira, como componente permanente dos sistemas empresariais.


3. A crise econômico-financeira da empresa: um componente permanente dos sistemas empresariais

Não obstante, tenhamos até aqui abordado a necessária mitigação do conceito de eficiência econômica com o princípio da preservação da empresa como forma de dignificação da pessoa humana, devemos destacar que a partir dos anos 70, e em um ritmo crescente, as crises econômico-financeiras das empresas deixaram de ser um fenômeno episódico, ligadas à incapacidade dos empresários e seus administradores, especialmente vinculados a um comportamento culposo ou mesmo delituoso. Passam a ser um fenômeno, recorrente, diariamente veiculado na mídia.

Nessa realidade, percebe-se a entrada de inteiros setores, e não apenas específicas empresas; empresas que a um tempo eram prósperas e bem administradas, e agora passam por perigosa e rápida redução de sua capacidade de gerar lucro.

Percebe-se, pois, que a freqüência dos períodos de crise na vida da empresa se tornam constantes, caracterizando-se hoje como um fenômeno difuso, coligado ao dinamismo da instabilidade do ambiente empresarial. Este não é um fenômeno, apenas brasileiro, mas diz respeito a uma ampla gama de países economicamente desenvolvidos ou não.

Desta forma, procuraremos descrever uma série de circunstâncias e fatores que assumem particular relevância ao tema da crise, senão vejamos:

1) Devemos nos recordar, primeiramente, das variações espaciais dos níveis de custo do trabalho. Esse fenômeno anula para alguns países, vantagens concorrenciais, em decorrência dos baixos custos de trabalho (para não mencionarmos o chamado dumping social), que acreditavam alguns, teria uma dinâmica lenta de alteração. Contudo, a velocidade desse processo ocorreu rapidamente e com o desenvolvimento de países como a China, por exemplo, será cada vez mais célere;

2) Outro fator relevante diz respeito às correntes mundiais de exportação que são objeto de consideráveis e rápidas modificações em relação à entrada no mercado de novos países produtores, há um custo baixo de produção, em decorrência da mão-de-obra barata, os quais incluímos o Brasil, a China, a Coréia do Sul, Taiwan, etc..

3) Os preços do petróleo e de outras matérias primas fundamentais, nos últimos 15 anos, sofreram fortes aumentos, provocando acentuadas variações nos custos de produção e conseqüentemente amplos movimentos financeiros provocaram uma maior migração de recursos de alguns países a outros, em particular, aqueles que são demasiadamente dependentes de importação de fontes de energia e de matéria prima;

4) A instabilidade das correntes mundiais de importação e exportação acabam por refletir nos sistemas operacionais de câmbio. Essa variação constante abre e fecha mercados exportadores e modifica as barreiras alfandegárias de entrada de produtos estrangeiros. Desta forma, é comum acontecer que os mercados a um tempo acessíveis, em decorrência dos níveis favoráveis de câmbio, passam a ser inviáveis rapidamente, instalando-se a crise em determinados setores;

5) A aceleração da evolução técnica e dos rápidos processos inovativos relacionados aos processos produtivos (otimização de recursos para a maximização de resultados) são, em muitos setores, um fator extremamente relevante. A automatização ligada à computação, à robótica, à transformação do trabalho mecânico em eletrônico, são os aspectos essenciais desse fenômeno. Assim, o alto dinamismo que caracteriza os produtos (e via de regra os processos produtivos) se tornam insustentáveis para as empresas caracterizadas de uma escassa capacidade inovativa. O abreviamento do chamado "ciclo vital" dos produtos incide sobre chamado "portfoglio de produtos" de muitas empresas, impondo uma capacidade de substituição e dados de inventivos que nem sempre estão disponíveis;

6) Outro fator, não menos importante, diz respeito à constante elevação da carga tributária incidente sobre a atividade produtiva, o que asfixia a capacidade de concorrer em mercados já extremamente acirrados, proporcionando uma instabilidade econômica relevante, capaz de propiciar a quebra de empresas.

Portanto, nessas condições a empresa em crise econômico-financeira, em particular aquelas de pequeno porte, tendem a sofrer uma acentuada diminuição no mercado, podendo ocasionar uma crise de proporções ainda maiores, afetando diretamente o aspecto social.

Por outro lado, não podemos deixar de concordar que ocorrerá somente a manutenção de empresas mais eficientes sob o ponto de vista econômico, e em razão disso, com capacidade inovativa maior ou que pelo menos tenham compreendido quais são os mecanismos de proteção aos riscos.

Nessa medida, esse acaba sendo um processo natural de seleção, no qual o resultado é um melhoramento dos níveis médios de eficiência que pode gerar o estímulo à busca de inovações tecnológicas. A bem da verdade, isso significa endereçar de forma sustentável, recursos disponíveis, muitas vezes escassos, a fim de proporcionar uma maximização de resultados.

Em reforço dessa observação, fazemos referência à posição esposada por M. BIONE [18], que discorrendo sobre a subestimação da empresa no ordenamento italiano [19], expõe o seguinte: "il ruolo secondario dell’impresa (...) risponde tuttavia all’ideologia e all’assetto di uma economia liberale. Lo stato garantisce ai privati la più ampia liberta di intraprendere attività economiche e si astiene dall’intervenire nella organizzazione e nella direzione delle stesse. Il compito di discriminare le imprese in ragione della rispettiva efficienza e funzionalità è rimesso allá dinamica de mercato e alle leggi naturali della concorrenza; il fallimento consacra sul piano formale gli effetti relativi naturalmente prodotti; l’eliminazione dal mercato dell’operatore insolvente, evita la propagazione del dissesto (...)"

Partindo-se destas premissas, derivam algumas relevantes conseqüências. Se é certo que a razão social, possui enorme relevância na manutenção de empresas sanáveis, por outro lado, a política indiscriminada de proteção e de defesa a todo custo das empresas em estado de crise econômico-financeira, para superá-la e conservar os postos de trabalho é uma ilusão. O alto custo de similares interventos pode revelar-se totalmente despropositado em relação às vantagens efetivamente obtidas.

Em realidade deve-se observar atentamente e valorar-se os riscos caso a caso, para se verificar a conveniência ou não de uma intervenção de fato na empresa em crise. Isto porque, alguns interventos equivocados [20] de "salvamento" da empresa em crise, ineficiente e obsoleta, pode gerar custos sociais ainda maiores e desproporcionais que significarão a manutenção das condições de dificuldade econômico-financeira dessa empresa.

Desta forma, esses interventos, na inútil esperança de recuperar empresas de fato condenadas, podem por via oblíqua acabar colocando em risco, e contaminado empresas saudáveis, com vitalidade suficiente para competir no mercado.

Nesse sentido, NATALINO IRTI, discorrendo sobre, o que chama "luta entre competidores", descreve que toda empresa corre o risco do insucesso de sua atividade e que o próprio mercado deve acomodar situações de desequilíbrio, portanto a falência teria essa função sistêmica. Assim, nas palavras de IRTI [21], "L’istituto del fallimento acquista cosi la sua propria collocazione sistematica, come fase insopprimibile del circuito competitivo. Esso va riguardato nella regolare funzionalità del mercato, e non già tenuto per ecezione ed anomalia."

Ainda nesse mesmo sentido, dastacamos a posição de MARIA ISABEL CANDELARIO MACÍAS [22]: "No es necesario señalar que el ‘riesgo de quiebra’ constituye un elemento esencial en las relaciones comerciales junto con el conocimiento de las normas aplicables a las empresas, de ahí que tal riesgo quizás deba ser asumido por todo empresario sin necesidad de acudir a la intervención estatal perturbadora de la competencia. Creemos en la idea que el riesgo es consustancial con la economía de mercado, y por ello es necesario mantener un cierto grado de inseguridad que obligue a una dinámica competitiva en el sistema, ya que en caso contrario, el salvamento de una empresa en crisis podría favorecer las actuaciones irresponsables y de competencia desleal, y resultaría intolerable el derecho de quien abusa de la libertad para acogerse a la solidaridad de la sociedad y de los contribuyentes, puesto que deberá evitarse que el saneamiento de la empresa en crisis afecte al eficiente funcionamiento del sistema de mercado como asignador de recursos. Tampoco sería admisible si la empresa de grandes dimensiones está hasta tal punto arruinada y resultará insanable, y las ventajas consiguientes de la continuación del complejo empresarial se preanunciarán irrisorias. Sin embargo, se podría defender la conservación de la empresa siempre y cuando tal conservación cumpla su función sólo en presencia de determinados condicionantes, tales como que el sacrificio de ciertos acreedores no sea desproporcionado, o de su mantenimiento se deriven posibles beneficios para el pago de los acreedores. No obstante y en nuestra opinión, esta intervención debe constituir una solución última y desesperada en la medida en que, la solicitud de salvamento público se formule una vez desatendidas las solicitudes de salvamento privado o, lo que es lo más frecuente, a las entidades crediticias y financieras privadas y siempre que existan posibilidades reales de salvamento sin excesivos costes."

A decisão pela recuperação da empresa, portanto, em nossa opinião, deve estar fundada em uma prévia e profunda verificação das causas que levaram à crise, dos instrumentos idôneos para a reestruturação empresarial e respectivos custos, inclusive sociais, e por último, da avaliação da possibilidade de sucesso em relação aos resultados esperados na intervenção. A análise criteriosa da crise e o plano de recuperação são, pois dois momentos essenciais deste necessário processo de verificação.


4 Da recuperação de empresa no Brasil

Uma coisa é a empresa ter atingido uma irreversível inviabilidade econômica, outra, assaz diversa, é atravessar conjunturalmente uma crise passível de superação.

Tratar com a mesma panacéia as duas hipóteses é divórcio da realidade, ou seja, é incluir num único saco, realidades completamente distintas; é arredio do verdadeiro cerne da questão; é, em síntese, prejudicar gregos e troianos.

Todavia, o que a novel legislação bem separa, foi até pouco tempo, objeto de similar tratamento: passível ou não de recuperação, a falência constituía a vala comum da empresa cujo passivo superava seu ativo.

Percebe-se que esse status quo é superado com a promulgação da nova lei falimentar. O processo comum de execução, como o processo falimentar, deixaram de responder in totum à vida concreta do vigente universo empresarial.

Deve-se salientar que agora, para além do binário credor/devedor, surgem outros interessados: os dadores de trabalho, ou seja, aqueles que ao concederem ao trabalhador a possibilidade de emprego, executam função social importantíssima, capaz de gerar e manter a atividade econômica e, por conseqüência, o desenvolvimento econômico e social do país.

E mais: a empresa atual não constitui apenas o instrumento jurídico da atividade lucrativa dos sócios ou uma fonte abastecedora da remuneração dos trabalhadores. Com maior ou menor preponderância, a empresa passou a ser peça fundamental da atividade produtiva nacional e um decisivo elemento, quer de economia regional, quer da vida local. Desta forma, a eliminação judicial da empresa representa uma verdadeira agressão ao equilíbrio social, de que o Estado não poderá se desinteressar.

Por outro lado e ainda, a liquidação advinda de um processo de falência, não contempla a possibilidade de uma recuperação econômica mediante o recurso à utilização das mais diversas formas de auxílio financeiro e de assistência técnica.

Daí surge, a pertinência da introdução no nosso ordenamento jurídico, com caráter sistemático e coerente, de um direito pré-falimentar, intencionalizado à recuperação da empresa e à adequada proteção dos credores; com isso, obviamente, haverá a tutela dos interesses dos trabalhadores.

Resta, pois, a falência para as empresas com situação econômico-financeira irremediável, deixando o processo de recuperação reservado a todas quantas se encontrem em condições de sobreelevação de crise.

Contudo, vale ressaltar a observação de FÁBIO ULHOA COELHO [23], quanto à recuperação da empresa em crise "a questão (...) tem recebido respostas diferentes dos direitos que dela se ocuparam. Até o momento, por exemplo, não está em pauta na Comunidade Européia nenhuma proposta de harmonização da disciplina jurídica sobre a matéria. No tema relacionado à crise das empresas, a Europa limitou-se a aprovar regras de competência jurisdicional para os procedimentos falimentares [24], que entraram em vigor em 2002."

E, ainda, o autor conclui o raciocínio: "Como se vê, cada direito procura seus próprios caminhos no emaranhado da difícil questão da recuperação das empresas em crise. A grande diversidade das respostas dadas parece sugerir que ninguém tem a solução para o problema. E talvez não haja quem saiba mesmo o que fazer quando o assunto é a superação ‘fora do mercado’ do estado crítico de uma atividade empresarial."


5. Hipóteses concretas na novel legislação de estímulo à preservação da empresa e conseqüente dignificação da pessoa humana

Objetivamente, no que se refere à preservação da empresa cumpre destacar, como forma de contribuição à discussão doutrinária, dispositivos previstos na novel legislação que entendemos adequados à tese, ora guerreada, bem como alguns dispositivos que afrontam tal princípio.

1) O artigo 27, II, alínea "c", prevê uma atuação direta e objetiva do Comitê de Credores [25], que possui função fiscalizatória [26], primeiro na defesa dos seus interesses próprios e de seus pares, e segundo, numa perspectiva mais ampla e conseqüente, de preservação da unidade produtiva.

Isso ocorre, pois a lei determina que, na hipótese excepcional de nomeação de gestor judicial em decorrência do afastamento do devedor, autorizado pelo juiz, o Comitê poderá promover a alienação de bens do ativo permanente, constituição de ônus reais e outras garantias e a assunção de dívidas necessárias à continuação da atividade econômica, como medidas de urgência para o período que antecede a aprovação do plano recuperatório.

2) Depois, encontramos como principal mecanismo legal de preservação da empresa, o artigo 47 da LFRE que demonstra o espírito paradigmático da conservação da unidade produtiva, quando supera a idéia paternalista [27] da concordata, que previa a hipótese de concessão de um "favor legal" (pelo Estado) ao comerciante que, preenchidos determinados requisitos legais, obrigava, nas palavras do art. 147 do Dec.-Lei 7.661/45, todos os credores quirografários à sujeição das condições estabelecidas pelo concordatário e aprovadas pelo juízo competente.

Essa profunda alteração conceitual se percebe quando analisamos a redação do artigo em comento que dispõe que, o objetivo precípuo da recuperação judicial é "viabilizar a superação da situação de crise econômico-financeira do devedor, a fim de permitir a manutenção da fonte produtora, do emprego dos trabalhadores e dos interesses dos credores, promovendo, assim a preservação da empresa, sua função social e o estímulo à atividade econômica." (grifos nossos)

Nota-se que o Estado deixa de conceder um favor legal e passa a auxiliar o devedor propondo a viabilização da superação da crise, como forma de exercício do legítimo interesse social. Algo que nos parece, completamente distinto, pois deixa ao arbítrio dos credores em compasso com o devedor, ou seja, a quem possui legítimo interesse, a discussão quanto ao mérito da dívida global e a possibilidade de seu equacionamento.

3) O artigo 49, por sua vez, ampliou a gama de credores sujeitos à recuperação judicial, o que pode viabilizar a superação da crise econômico-financeira, uma vez que o devedor pode controlar melhor a negociação e o pagamento dos credores sujeitos aos efeitos do plano recuperatório. Algo que na legislação passada não era possível diante da concordata, pois, como já dissemos, lá apenas os credores quirografários se sujeitavam aos seus efeitos, o que engessava a recuperação da empresa.

4) O artigo 50 é outro exemplo importante de estímulo à preservação da empresa, pois apresenta um amplo rol exemplificativo (não exaustivo) de hipóteses de reorganização societária, sem limitá-lo a outras soluções possíveis [28]. O que nos parece acertado. Nesse sentido, houve um grande avanço em relação à legislação passada, pois o modelo na concordata era tão rígido, que na prática inviabilizava a condução da recuperação da empresa levando uma maioria esmagadora à falência.

5) Por sua vez, o artigo 57, revela uma flagrante antinomia da norma falimentar em relação ao princípio da preservação da empresa, pois quando trouxe a exigência da apresentação das certidões negativas de débitos tributários, sem a previsão de seu parcelamento regulamentada em lei especial, impôs uma condição para a concessão da recuperação judicial que inviabiliza, na prática, a possibilidade de recuperar a empresa, posto que um dos primeiros sintomas da crise econômico-financeira é justamente a insuperável satisfação dos compromissos tributários e previdenciários.

Em nossa opinião, a medida adequada caracterizadora da boa-fé do devedor, considerando a até então ausência de regulamentação do parcelamento, consiste na apresentação da quitação pelo menos das três últimas parcelas dos tributos incidentes à empresa, nas três esferas (Federal, Estadual e Municipal). Assim, estaria também preservada uma arrecadação mínima por parte do Estado [29].

6) O artigo 58, parágrafo 1º, como dissemos no âmbito desta investigação, prevê o mecanismo do cram down, que é uma forma de o juiz forçar a aprovação do plano de recuperação judicial, preenchidos determinados requisitos legais. Esse mecanismo copiado do sistema norte-americano outorga, em certa medida, discricionariedade ao juiz para decidir pela preservação da empresa, mesmo que não tenha sido aprovado em assembléia pela maioria dos credores [30]. Trata-se de uma exceção importante que reforça nossa tese.

7) O artigo 71, I, também, nosso ponto de vista, afronta na prática o princípio da preservação da empresa, pois como é cediço no direito falimentar brasileiro, as concordatas preventiva e suspensiva, eram considerados mecanismos obsoletos uma vez que não atingiam seu escopo precípuo, ou seja a recuperação da empresa.

A maioria esmagadora das empresas concordatárias convolavam em falência, em decorrência do âmbito de incidência da norma, pois somente os credores quirografários estavam sujeitos aos efeitos da concordata.

Portanto, quando o legislador determinou no dispositivo acima descrito que apenas os quirografários [31] estarão sujeitos aos efeitos da recuperação judicial para microempresas e empresas de pequeno porte, muito embora tenha ampliado o prazo de parcelamento (36 meses), engessou, ou melhor, diminuiu em muito, como no passado sua possibilidade de vir a recuperar-se.

8) O artigo 75, parágrafo único, em certa medida reforça o princípio da dignidade da pessoa humana, dentro da dimensão social da preservação da empresa, pois informa que o procedimento falimentar deverá atender aos princípios da celeridade e da economia processual, buscando, desta forma, minimizar os efeitos da falência em relação aos seus credores.

9) Fazemos ainda, referência ao artigo 83, I, da LFRE. Mencionado dispositivo, diante de sua redação precária que raia a ambigüidade, poderia em tese, demonstrar uma antinomia da norma falimentar aos princípios norteadores da preservação da empresa e da dignidade da pessoa humana. Isso porque em sua redação o legislador fixou a limitação de 150 salários mínimos ao crédito trabalhista, como classe privilegiada, remetendo o excedente, se existente, à condição de crédito quirografário. Acontece que, com a limitação determinada entre vírgulas, em aposto, poder-se-ia, em tese, suscitar que essa limitação seria extensiva aos acidentários do trabalho, pois se interpretássemos o dispositivo em ordem inversa, teríamos: "os créditos trabalhistas e os decorrentes de acidente do trabalho, limitados a 150 (cento e cinqüenta) salários mínimos".

Contudo, refutamos veementemente essa argumentação relacionada a aspectos sintáticos da linguagem jurídica, pois feririam de morte os aspectos principiológicos que permeiam a própria lei, em particular a dignidade da pessoa humana, caso pudéssemos interpretá-la como forma de imposição de limitação ao credor por acidente do trabalho.

10) Por sua vez, o artigo 94, I, ao abordar a hipótese de falência por impontualidade injustificada, quando, de acordo com a própria redação, "o devedor sem relevante razão de direito, não paga obrigação líquida materializada em título ou títulos executivos protestados", trouxe uma inovação caracterizadora da preservação da empresa, pois estabeleceu um limite mínimo [32] de salários para a realização do pedido de falência, o que desestimula a propositura de ações com valores irrisórios (como era possível na vigência da lei passada [33]). Muito embora o permissivo legal previsto no parágrafo 1º do mencionado dispositivo preveja a possibilidade de reunião de credores em litisconsórcio ativo para atingir o valor mínimo, entendemos que o princípio da preservação da empresa está mantido, pois dificilmente os credores conhecerão seus pares para buscarem a via judicial, pelo menos nos grandes centros econômicos.

11) O artigo 95 ao prever a hipótese inovadora de, em contestação, pleitear sua recuperação judicial, também caracteriza a preservação da unidade produtiva, pois dá ao devedor uma possibilidade alternativa ao depósito elisivo ou contestatório de requerer o processamento do pedido recuperatório.

12) Destacamos ainda, o artigo 98, em paralelo ao que dispõe o artigo 95, pois demonstra novamente a intenção do legislador em ampliar a possibilidade de superação da crise, quando altera o prazo para a apresentação da contestação. Na legislação passada, inúmeras empresas sofriam a quebra, pois existia na lei um prazo extremamente exíguo para que o devedor pudesse efetuar o depósito elisivo ou embargasse o pedido falimentar. Esse prazo era de 24 horas, da citação válida do devedor. Portanto, com a ampliação do prazo para 10 (dez) dias, da citação válida, e a possibilidade mencionada no item anterior, percebe-se o caráter preservacionista da novel legislação.

13) Mencionamos ainda, o disposto no artigo 99, XI, que mantém a hipótese, excepcional de continuação do negócio do falido, como fora previsto no artigo 74 do Dec.-Lei 7.661/45. Contudo, a diferença relevante consiste no fato de que cabe na novel legislação ao juiz pronunciar-se ex officio [34], se haverá a continuação ou não com a condução do administrador judicial.

Essa medida, muito embora não tenha o significado direto de manter a unidade produtiva, acaba por via oblíqua preservando os ativos do falido para futuro pagamento dos credores e, fundamentalmente, mantendo os empregos dos trabalhadores. Desta forma, proporcionaria, mesmo que indiretamente, a dignificação da pessoa humana, em decorrência da valorização do trabalho humano.

14) Finalmente, temos o artigo 161, que prevê a possibilidade de recuperação extrajudicial. Além de ser uma inovação, caracterizadora de um novo paradigma legal, pois na legislação passada qualquer hipótese de acordo extrajudicial, era considerado ato de falência [35] (também chamada de falência presumida), a nova legislação estimula a composição amigável através desse mecanismo homologatório. O que o insere como uma forma alternativa de preservação da unidade produtiva.

Desta forma, após reconhecermos hipóteses concretas de preservação da empresa e eventuais antinomias relacionadas a esse princípio, passaremos a abordar o tema da recuperação judicial, posto que é uma das espécies do gênero recuperação da empresa.


6 Da recuperação judicial

A Lei 11.101/05 inseriu no direito brasileiro a figura da recuperação da empresa a qual poderá ser realizada de forma judicial ou extrajudicial. Constitui-se em importante instrumento legal posto à disposição da sociedade. Não se trata de um substituto da concordata que é extirpada da lei de falência.

A Recuperação pretende estabelecer novos paradigmas para o tratamento da empresa que se encontrar com problemas. A crise econômico-financeira da atividade empresarial, que poderá levar à quebra, passa a ser vista não mais como um problema individual daquela empresa, mas sim, um problema coletivo em que estão inseridos - agrade ou não - todos aqueles que mantêm relações diretas ou indiretas - comerciais, trabalhistas ou mesmo institucionais - com aquela empresa.

A partir da assunção da problemática pela coletividade envolvida, é possível pensar até mesmo no afastamento do empresário ineficaz com a nomeação de um administrador (gestor), o qual terá a função de comandar a recuperação da empresa. Não se trata apenas de administrar os créditos ou garantir a satisfação dos credores, é muito mais do que isso.

O objetivo principal do instituto da recuperação é a manutenção da atividade empresarial, como fonte de alto interesse social (como já analisamos), o pagamento dos credores será apenas a conseqüência. Daí, também, uma mudança paradigmática.

Ao empresário é viabilizada a oportunidade de reunir seus credores, expor as dificuldades econômicas e propor uma composição sustentada por uma série de acordos para saneamento da empresa. Esta providência não mais se configurará em falência da empresa como acontecia no Dec.-Lei 7.661/45.

O interesse social na manutenção da empresa é evidente e já foi explorado no âmbito desta investigação. A atividade empresarial deve ser incentivada. Pequena, média ou grande empresa, todas contribuem para a manutenção e incremento de riquezas no país, gerando empregos, tributos, promovendo a circulação dessas riquezas, portanto devem estar protegidas pelo instituto em comento.

O instituto da recuperação, inserido na lei, busca trazer os instrumentos necessários para que o espírito da recuperação se concretize. A gestão compartilhada - empresário e gestor-credor - ou mesmo a gestão através dos credores, deverá ter como premissa a manutenção das atividades empresariais, criando recursos para sanear os pontos nevrálgicos em que se encontra a empresa, sejam esses financeiros, sejam produtivos ou mesmo administrativos.

O objetivo é salvar a empresa da falência, mantê-la ativa, preservando seus qualificativos alcançados e corrigindo as deficiências. Em suma, sanear a empresa financeiramente, porém mantendo a qualidade de seus produtos de forma a, no mínimo, conservar seu potencial de mercado, podendo ocorrer reformulações e adequações com vistas a melhorias e, assim, proporcionando, mesmo que indiretamente, a dignificação da pessoa humana, em decorrência da valorização do trabalho humano.

Diante disso, cumpre novamente destacar objetivamente o mecanismo fundamental da recuperação judicial e norteador desse novo paradigma do direito falimentar brasileiro. É ele, o artigo 47 da Lei 11.101/05 que traz uma definição do seu objetivo, com conteúdo ideológico extremamente relevante:

"A recuperação judicial tem por objetivo viabilizar a superação da situação de crise econômico-financeira do devedor, a fim de permitir a manutenção da fonte produtora, do emprego dos trabalhadores e dos interesses dos credores, promovendo, assim, a preservação da empresa, sua função social e o estímulo à atividade econômica." (grifos nossos)

Ao estabelecer que a recuperação judicial é o instrumento pelo qual objetiva-se a superação da situação de crise da empresa, o artigo 47 deixa claro a ratio legis do legislador no interesse de preservação da empresa, por seu valor social como fonte produtora, como fonte de empregos, fonte arrecadatória de tributos, fonte de fomento da circulação de bens ou serviços, pelo interesse dos credores.

Outrossim, o objetivo econômico genérico da recuperação judicial é permitir às empresas em dificuldades financeiras sérias que elas voltem a se tornar participantes competitivas e produtivas da economia.

Os beneficiados, sob esse ponto de vista, serão não somente os atores econômicos diretamente envolvidos (controladores, credores e empregados), mas principalmente, a sociedade como um todo.

Cumpre novamente destacar as brilhantes palavras de ROGER HOUIN [36], jurista francês que na década de 60 trouxe uma contribuição angular às letras jurídicas, quanto aos chamados procedimentos concursais, senão vejamos: "Numa economia de grandes empresas, tomando geralmente a forma de sociedades, ela interessa também aos assalariados, que a liquidação do negócio dispersa; interessa também aos sócios, especialmente aos acionistas, que não cometeram outra imprudência senão a de deixar dirigentes incapazes ou desonestos tomar o poder e exercê-lo. Enfim, ela pode concernir à economia do país, que sofrerá a desaparição de uma unidade econômica em estado de funcionamento que, melhor gerida, teria sido viável e produtiva."

O autor, conclui seu pensamento com a seguinte colocação: "De nossa parte, consideramos que uma legislação moderna da falência deveria dar lugar à necessidade econômica da permanência da empresa. A vida econômica tem imperativos e dependências que o Direito não pode, nem deve, desconhecer. A continuidade e a permanência das empresas são um desses imperativos, por motivos de interesse tanto social, quanto econômico. Eles deveriam ser assegurados pelo direito da falência todas as vezes que fosse útil. Assim contribuir-se-á para fazer aparecer melhor a noção de empresa na vida jurídica."

Para FÁBIO ULHOA COELHO [37], um dos vetores que viabilizam a recuperação da empresa e que devem ser analisados pelo Judiciário, diz respeito à relevância social da mesma. Pondera o autor que "a viabilidade da empresa a recuperar não é questão meramente técnica, que possa ser resolvida apenas pelos economistas e administradores de empresa. Quer dizer, o exame da viabilidade deve compatibilizar necessariamente dois aspectos da questão: não pode ignorar nem as condições econômicas a partir das quais é possível programar-se o re-erguimento do negócio, nem a relevância que a empresa tem para a economia local, regional ou nacional. Assim, para merecer a recuperação judicial, a sociedade empresária deve reunir dois atributos: ter potencial econômico para reerguer-se e importância social. Não basta que os especialistas se ponham de acordo quanto à consciência e factibilidade do plano de reorganização do ponto de vista técnico. É necessário seja importante para a economia local, regional ou nacional que aquela empresa se reorganize e volte a funcionar com regularidade; em outros termos, que valha a pena para a sociedade brasileira arcar com os ônus associados a qualquer medida de recuperação de empresa não derivada de solução de mercado".

Por outro lado, como já discorremos ao longo deste trabalho, um sistema concursal, que se pretende, exercente de uma filosofia preservacionista da unidade produtiva não pode ficar refém de mecanismos indiscriminados de conservação de qualquer empresa.

O direito moderno não pode desprezar a questão fundamental de se saber em que casos, concretos, as empresas devem desaparecer, e quando devem ser preservadas.

A manutenção de empresas ineficientes, como já sustentamos, pode contaminar empresas saudáveis, em um mercado potencialmente concorrencial, assim o impacto social de sua preservação artificial atingiria em escala imensurável o interesse público.

Nesse sentido, nem sob o auspício do interesse exclusivo dos empregados pode prevalecer a manutenção da empresa em crise insuperável, pois os contribuintes, desta forma, pagariam as subvenções que artificiosamente mantenham essas empresas vivas.

FRANCISCO CABRILLO [38], como nos informa PAULO PENALVA SANTOS, em brilhante análise econômica do direito concursal espanhol, anterior à recente modificação de seu sistema concursal, alerta para o fato de que dentre os custos com a preservação de uma empresa ineficiente, destaca-se o da baixa produtividade dos fatores de produção nela empregados.

Desta forma, segundo o autor espanhol, seria temerário elaborar uma lei que "facilitasse indiscriminadamente a preservação de empresas em momento de crise, sem considerar o custo com a sua manutenção. Seria, por exemplo, um erro grave decidir pela manutenção de empresas ineficientes apenas para evitar o desemprego, pois o resultado final dessa política dificultaria ainda mais a criação de empresas eficientes".

Interessante, neste sentido, como pudemos notar anteriormente, as legislações existentes no mundo que inseriram, em suas disposições, a idéia de que um procedimento adequado de reestruturação das empresas em crise deveria, em maior ou menor grau, concorrer com a preocupação pura e simples de liquidar os seus ativos para quitar, na medida do possível, os seus passivos, realizando-se o direito dos credores segundo o princípio da "par conditio creditorum".


7 Da recuperação extrajudicial

A recuperação extrajudicial, procedimento de composição de interesses preliminar da recuperação, previsto nos artigos 161 a 167, da Lei 11.101/05, como já dissemos, era na vigência do Dec.-Lei 7.661/45, considerado "ato de falência" [39] (artigo 2º, III), caracterizador da decretação da quebra.

O empresário que convocasse seus credores para tentar uma composição extrajudicial poderia ter a falência decretada, em face de algum credor descontente com tal procedimento.

Diante disso, pode-se perceber que a Lei 11.101/05, nesse novo espírito de preservação da unidade produtiva, estimula por meio da recuperação extrajudicial, uma composição que proporcione a superação da crise econômico-financeira da empresa.

A recuperação extrajudicial é importante, também, por dar maior amparo e proteção jurídica aos acordos informais que são cada vez mais comuns entre grandes empresas e instituições financeiras, proporcionando a redução dos custos de transação e, por conseqüência, conferindo maior transparência (disclosure) e segurança com a possibilidade de homologação judicial do plano de recuperação que resulte dessas negociações.

Instaura-se, como salienta WALDO FAZZIO JÚNIOR [40], "o império da realidade: os acordos preventivos extrajudiciais são objeto de homologação judicial e aptos a detonar o procedimento de recuperação do agente econômico devedor, pela composição com parte ou a totalidade de seus credores".

Contudo, observa FÁBIO ULHOA COELHO [41] que uma vez "alcançado o acordo com os credores, o instrumento contratual firmado entre eles e a sociedade devedora é já suficiente para a produção de todos os efeitos pretendidos pela iniciativa de recuperação. Quer dizer, se a sociedade imagina que pode superar a crise com a dilação dos prazos de pagamento de determinadas obrigações, procura os credores destas e obtém deles a concordância para a prorrogação, o instrumento de aditamento ao contrato ou contratos que formalizar a nova condição de pagamento será suficiente para alcançar o objetivo pretendido (ou seja, a dilação daqueles prazos)".

Ainda, segundo o autor, não seria necessário, que a empresa devedora propusesse o pedido de homologação judicial. O requerimento de homologação judicial, no caso da medida contratada ter sido eficaz para a recuperação da empresa, seria facultativo.

Mais adiante, FÁBIO ULHOA COELHO [42], discorre sobre o tema observando que ao lado da homologação facultativa do plano de recuperação extrajudicial ao qual aderiram todos os credores, nos termos do artigo 162, da LFRE, há a possibilidade também da homologação obrigatória, conforme artigo 163, da LFRE. Neste último caso, o devedor conseguiu a adesão substancial dos seus credores ao plano de recuperação, mas uma pequena minoria ainda resiste a suportar suas conseqüências.

Desta forma, a principal vantagem da homologação judicial de um acordo, aprovado pela maioria dos credores, é a de poder obrigar seu cumprimento por credores minoritários, o que tende a aumentar a participação destes e dos demais, nas negociações do acordo. Outra vantagem importante é a de poder realizar a venda judicial de subsidiárias ou filiais de empresa sem o ônus da sucessão tributária.

Cumpre ressaltar que nas discussões do Congresso Nacional sobre a nova legislação, houve quem defendesse a manutenção do instituto da concordata em harmonia com as novas modalidades recuperatórias (judicial e extrajudicial), sob o argumento de que ela seria útil nos processos de renegociação de dívidas, mormente por parte de empresas de pequeno porte em situação de crise.

A novel legislação ao substituir as concordatas preventiva e suspensiva, não albergou ao falido a possibilidade de, depois de decretada a quebra, tentar como última medida a recuperação através da suspensão da falência, com era possível no Dec.-Lei 7.661/45, nos artigos 177 e seguintes. Portanto, em tese, houve uma supressão de direitos atinentes ao devedor. A justificativa residiu no fato de que, na prática, a concordata suspensiva só afastava os credores da efetiva satisfação de seus créditos, pois, comumente essa se convolava em falência.

Finalmente, o que de fato prevaleceu foi o entendimento de que os benefícios da concordata são muito contidos, em face dos novos institutos recuperatórios. Uma mera renegociação de dívidas pode ser realizada por qualquer empresa em dificuldade, seja na forma de composição extrajudicial, seja na forma de acordo homologado judicialmente (recuperação judicial), com a vantagem de flexibilizar as negociações entre devedor e credores e, poder por conseqüência, incluir outras questões que a legislação passada da concordata não contemplava.


8. Conclusão crítica

O tênue e precário desenvolvimento do mercado de crédito e as recentes pesquisas do Banco Mundial, que situam o Brasil dentre os piores países para recuperação de crédito, têm como contra partida os elevados "spreads" cobrados pelo setor bancário que se sobrepõe às já elevada taxa de juros básica.

Boa parte desses problemas é originada pela vetusta Lei de Falências, que regeu nosso sistema legal de crédito desde 1945. O Dec.-Lei 7.661/45, além de desenhado para um ambiente empresarial simples, para não dizer rudimentar, é de uma época em que sequer tínhamos empresas a nível nacional.

Sem dúvida um dos objetivos precípuos de qualquer processo falimentar, mas não único, é a satisfação, pela forma mais eficiente possível, dos direitos dos credores. Quem intervém no tráfego jurídico, e especialmente quando aí exerce uma atividade empresarial, assume, por esse motivo, indeclináveis deveres, sobretudo, o de honrar os compromissos assumidos.

Do ponto de vista econômico, uma legislação falimentar, considerada moderna, tem como objetivo criar condições para que situações de crise econômico-financeira tenham soluções razoavelmente previsíveis, céleres e, fundamentalmente, transparentes, de modo que os ativos mobilizados e imobilizados, tangíveis e intangíveis, sejam preservados no intuito de cumprirem sua função social, gerando emprego, renda e circulação de bens ou serviços.

A vida econômica e empresarial é vida de interdependência, pelo que o descumprimento por parte de certos agentes repercute necessariamente na situação econômica e financeira dos demais. Urge, portanto, numa dimensão econômica, dotar estes, dos meios idôneos para fazer face à insolvência dos seus devedores, enquanto impossibilidade de pontualmente cumprir obrigações vencidas.

Na dimensão econômica da preservação da empresa, a garantia comum de todos os credores é o patrimônio do devedor e, é a eles que cumpre decidir quanto à melhor efetivação dessa garantia, e é por essa via que, seguramente, melhor se satisfaz o interesse público da preservação do bom funcionamento do mercado.

Não podemos nos olvidar que quando na massa falida esteja compreendida uma empresa que não gerou os rendimentos necessários ao cumprimento das suas obrigações, a melhor satisfação dos credores pode passar tanto pelo encerramento da empresa, como também pela manutenção de sua unidade produtiva.

Nessa dimensão econômica, é sempre da estimativa dos credores que deve depender, em última análise, a decisão de recuperar a empresa, e em que termos, nomeadamente quanto à sua manutenção na titularidade do devedor insolvente ou na de outrem. E, repise-se, essa estimativa será sempre a melhor forma de realização do interesse público de regulação do mercado, mantendo em funcionamento as empresas viáveis e expurgando dele as que o não sejam (ainda que, nesta última hipótese, a inviabilidade possa resultar apenas do fato de os credores não verem interesse na continuação).

Entende-se que a situação não corresponde necessariamente a uma falha de mercado (market failure) e que os mecanismos próprios deste conduzem a melhores resultados do que intervenções autoritárias, como aquelas preconizadas pelas concordatas preventiva ou suspensiva em que não era dado aos credores sujeitos a elas, a possibilidade de opinarem sobre a concessão das mesmas. O favor legal era do devedor, que impunha as regras previstas em lei a todos os credores quirografários.

Ao direito falimentar (de caráter eminentemente recuperatório) moderno compete, em um primeiro momento, a tarefa de regular juridicamente a eliminação ou a reorganização econômico-financeira de uma empresa segundo uma lógica de mercado, devolvendo o papel central aos credores, convertidos, por força da insolvência, em seus proprietários econômicos, e, mais importante, a busca da superação deste estado de desequilíbrio por sua humanização.

Contudo, vale relembrar ainda que, uma das causas de insucesso de muitos processos de recuperação ou de falência nas legislações alienígenas, residiu no seu tardio início, seja porque o devedor não era suficientemente penalizado, seja porque os credores eram negligentes no requerimento de providências de recuperação ou de declaração de falência, por falta dos convenientes estímulos, ou até mesmo, pelo aspecto psicológico que mencionamos anteriormente.

Uma lei falimentar, como nossa novel legislação, para ser considerada eficaz e atingir efetivamente aos fins a que se destina, deve contribuir para maximizar o valor do patrimônio do devedor sem por essa via constituir um estímulo para um comportamento negligente.

Fundamental para mudança de paradigma é a promoção da celeridade do processo, como é preconizada na própria lei [43], tornando-se também necessária a adoção de medidas no plano da organização judiciária, que complementam o regime contido na novel legislação recuperatória.

Não basta modernizar a legislação se não tivermos um Poder Judiciário preparado para essa ruptura que enseja um preparo profissional dotado de capacitação não só na área jurídica, mas também na área econômica.

E, ainda, pelas razões expostas, somos absolutamente favoráveis à criação de varas e câmaras especializadas na área empresarial, como timidamente já ocorre em alguns estados, diante das particularidades envolvidas, tanto nas questões falimentares, como também nas questões societárias de maior complexidade.

Insistimos que para realizar-se uma eficaz salvaguarda das empresas viáveis economicamente, deve-se ter em mente que há nítida distinção entre empresas que devem ser socorridas e salvas e empresas que devem encerrar suas atividades econômicas. E, mais além, o sistema legal para ser considerado eficaz deve diferenciar a aplicação de rígidas sanções ao empresário e não à empresa.

Contudo, no âmbito da dimensão social da preservação da empresa os argumentos acima expostos, não se sustentam livremente, ou seja, há uma necessária simbiose entre a busca pela eficiência econômica e a superação da crise sob o impacto humano.

Portanto, parece-nos claro, - e é essa a tese de nossa investigação -, que os argumentos supramencionados da eficiência de mercado, com a decisão de recuperar sempre depender de estimativa dos credores, não supera, como já sustentamos, as questões sociais diretamente envolvidas na manutenção ou não da fonte produtiva, como forma de preservação da empresa.

A essência deste ensaio numa abordagem zetética é a reflexão sobre a necessária mitigação da eficiência econômica com a humanização da tutela da empresa em estado crítico como forma de dignificação da pessoa humana, ou seja, deve haver uma desmistificação da eficiência neoliberal, no Estado contemporâneo.

O perigo da utilização irrestrita da eficiência como justificativa de conduta pode significar mais que um risco para a legalidade, pode significar um perigo a própria democracia.

Para que seja possível admitir uma interpretação diferenciada da eficiência econômica como princípio do Estado de Direito, mitigado com a razão humana, torna-se necessário um rompimento com o paradigma cultural em ascensão.

O viés pragmático, característica da nova racionalidade, volta-se contra o intervencionismo principiológico do Estado de bem estar social. Em realidade, o mito neoliberal busca encobrir a concreta ineficiência do Estado Liberal, no atendimento das reais necessidades do cidadão, notadamente as de cunho social.

Nesse diapasão, a crise da empresa é tomada como justificativa para o fetichismo econômico neoliberal, que privilegia a crença em uma eficiência autônoma à justiça, especialmente no seu fundamento maior: a igualdade material.

A compatibilidade entre a chamada eficiência econômica e o princípio da dignidade da pessoa humana é uma decorrência necessária do constitucionalismo social imposto pela Constituição Federal de 1988.

Desta forma, torna-se premente o advento de uma nova mentalidade que desmistifique os preconceitos e falsas percepções da contemporaneidade que contrapõem eficiência e segurança jurídica.

A origem da eficiência como símbolo, valor e princípio, está intimamente vinculada ao advento da modernidade, com sua crença na capacidade do homem de forjar o seu destino, no âmbito do Estado Social, em razão de sua preocupação ética com a dignidade da pessoa humana, por conta de sua concreta capacidade de conter as falhas do setor privado e responsabilizar-se pelo atendimento das necessidades mínimas coletivas.

Parece-nos evidente que a empresa hoje não é simplesmente um repositório especulativo de acionistas ou sócios controladores que promovem políticas de desenvolvimento de suas atividades econômicas, de forma autônoma e irresponsável, sem sopesar as conseqüências da má gestão empresarial.

A empresa, muito mais do que estritamente econômica deve ser socialmente responsável, posto que o encerramento de suas atividades gera a extinção de empregos formais, informais e pode ocasionar o efeito "cascata" no encerramento de atividades de fornecedores diretamente vinculados a ela.

Além disso, com sua extinção, o Estado deixa de arrecadar tributos e fundamentalmente a economia e os consumidores sofrem com a falta de circulação de bens ou serviços, gerando conseqüências também na esfera concorrencial.

Como já dissemos, a doutrina clássica tem considerado a falência como um fenômeno patológico da sociedade que urge combater e nas últimas décadas, seguindo uma tendência mundial, percebeu-se a importância da adoção de um procedimento de reorganização empresarial com o escopo de promover a recuperação da empresa em crise, diferente dos modelos até então existentes, capaz de evitar o seu desaparecimento quando houvesse interesse social considerado relevante.

Para finalmente encerrar essas observações críticas, apenas por amor à argumentação, cumpre esclarecer que essa investigação está longe de ter a pretensão exaustiva de tema tão profundo e fecundo como a preservação da empresa em crise econômico-financeira.

Nem se pense, de forma maniqueísta, que os pontos de vista sustentados no âmbito deste trabalho, teriam uma tendência interpretativa da proteção dos interesses do devedor.

Em realidade, buscar incessantemente a sobrevivência da empresa considerada economicamente viável e socialmente relevante, proporciona na mesma medida, a preservação dos interesses dos credores, posto que o encerramento da atividade econômica implica, via de regra, na perda de seus créditos.


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Notas

02 Segundo definição do Banco Central do Brasil, spread bancário é a diferença entre a taxa de empréstimo e a taxa de captação de Certificado de Depósito Bancário (CDB). Cfr. LUNDBERG, Eduardo. Economia Bancária e Crédito: avaliação de 3 anos do Projeto Juros e Spread Bancário, 2002, p. 50, (capturado: http://www.bcb.gov.br, em 29/01/2005, às 12:10 hrs.).

03 CARNELUTTI, Francesco. Teoria generale del diritto, Roma: Società editrice del "Foro Italiano", 1951, p. 25.

04 Através de práticas de boa governança corporativa, tais como: a) As assembléias-gerais devem ser realizadas em data e hora que não dificultem o acesso dos acionistas. O edital de convocação deve conter descrição precisa dos assuntos a serem tratados. O Conselho de Administração deve incluir na pauta matérias relevantes e oportunas, sugeridas por acionistas minoritários, independentemente do percentual exigido em lei para convocação de assembléia geral. b) Quando os assuntos objeto da pauta forem complexos, a Cia. deve convocar a Assembléia com antecedência mínima de 30 dias. 3. A Cia. deve tornar plenamente acessíveis a todos os acionistas quaisquer acordos de seus acionistas de que tenha conhecimento, bem como aqueles em que a Cia. seja interveniente. c) A Cia. deve adotar e dar publicidade a procedimento padrão que facilite ao acionista obter a relação dos acionistas com suas respectivas quantidades de ações, e, no caso de acionista detentor de pelo menos 0,5% de seu capital social, de seus endereços para correspondência. d) O estatuto da Cia. deve estabelecer que as divergências entre acionistas e Cia. ou entre acionistas controladores e acionistas minoritários serão solucionadas por arbitragem.

05 Hodiernamente se destaca o significado econômico da empresa, em uma realidade distinta daquela que vigorava no momento da criação da legislação falimentar (1945), não podendo vislumbrar-se nesse procedimento, uma finalidade meramente coercitiva ou um fim último privatista, direcionado ao simples pagamento dos direitos creditícios. A expansão do crédito privado, possibilitando a ampliação do espectro das operações empresariais de compra e venda, vinculam intensamente os interesses da coletividade com a vida da empresa. Desta forma, como resultado dessa interação, a falência da empresa tem um efeito de repercussões amplas, que exigem do poder disciplinador do Estado a criação de mecanismos legais capazes de possibilitar a recuperação e sobrevivência das empresas em momentos críticos de sua vida econômica.

06 A repressão civil decorre da atribuição genérica de responsabilidade pela indenização dos danos derivados de ilícitos (art. 159 do Código Civil de 1916). Da responsabilidade administrativa cuida a Lei 8.884/94. A repressão penal concentra-se no art. 178 do Dec.-lei 7.903/45, que define os crimes de concorrência desleal, e nos artigos 4.o a 7.o da Lei 8.137/90, que tipificam os crimes contra a ordem econômica e as relações de consumo.

07 Cfr. CARVALHOSA, Modesto. A Ordem econômica na Constituição de 1969, São Paulo: Revista dos Tribunais, 1972, p. 140.

08 UNHA, Antônio Geraldo da. Dicionário etimológico nova fronteira da língua portuguesa, Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 2ª edição, revista e acrescida de um suplemento, 14ª impressão, abril de 2001, p. 265.

09 BOBBIO, Norberto. Igualdade e liberdade, Rio de Janeiro: Ediouro, tradução de Carlos Nelson Coutinho, 1996, p. 07.

10 KANT, Immanuel. Fundamentos da metafísica dos costumes, Rio de Janeiro: Edições de Ouro, tradução Lourival de Queiroz Henkel, 1975, p. 109.

11 Nesse sentido, a dignidade da pessoa humana é um dado ôntico; está no mundo do ser e opera como um valor fundante, ou valor fonte, que paira sobre todas as Ciências e inspira o ordenamento jurídico, nele se enraizando através dos preceitos objetivados.

11 Uma das críticas que se desenvolve a respeito da busca incessante pela eficiência econômica consiste no seguinte fato: Se a empresa estiver em profunda crise econômico-financeira e tiver que optar, por exemplo, pela substituição de 100 empregados por tecnologia robótica capaz de maximizar seus resultados econômicos e assim tentar superar a crise, deverá adotar tal procedimento, independentemente do impacto social que a perda desses empregos possa acarretar.

12 Característica peculiar das sociedades empresariais brasileiras é a quantidade expressiva de empresas de cunho familiar.

13 Na utopia liberal, a economia se beneficia de um grau de autonomia extremamente amplo. Em realidade, na esfera social, os laços entre membros da sociedade são limitados a trocas comerciais governadas pelos mecanismos do marketing. Depois do homo sovieticus e do homo sistemicus, surge o homo economicus.

14 Francis Fukuyama, cientista político nipo-americano, ex-funcionário da Rand Corporation (empresa que presta serviços ao Pentágono), ficou famoso há mais de uma década atrás com a tese do "fim da história" (com o colapso do comunismo a democracia liberal não tinha mais inimigos pela frente, encerrando-se assim a concepção hegeliana-marxista da história que entendia tudo como resultante do conflito dos contrários).

15 Na obra Manuale d''economia politica (1906), considerada a mais importante, analisou a natureza e os objetos da teoria nas ciências sociais, desenvolveu a teoria geral do equilíbrio econômico e discutiu os três fatores de produção: capital, trabalho e recursos naturais. Pareto é conhecido pelo conceito de Ótimo de Pareto. O produto é um ótimo de Pareto se, somente se, nenhum agente ou situação pode estar em uma posição melhor sem fazer com que outro agente ou situação assuma uma posição pior. Outrossim, uma situação econômica é "ótima" no sentido de Pareto, se não for possível melhorar a situação, ou mais genericamente a utilidade, de um agente sem degradar a situação ou utilidade de qualquer outro agente econômico. Numa estrutura ou modelo econômico podem coexistir diversos "ótimos de Pareto". Um "ótimo de Pareto" não tem necessariamente um aspecto socialmente benéfico ou aceitável. Por exemplo, a concentração de rendimento ou recursos num único agente pode ser ótima no sentido de Pareto.

16 SADDI, Jairo. Eficiência ou equidade? In: Artigo publicado no jornal O valor econômico, de 29 de novembro de 2005.

17 BIONE, M. Della dichiarazione di fallimento. In: Commentario Scialoja-Branca alla legge fallimentare, sub art. 5, Bologna-Roma, 1974, p. 221.

18 No âmbito deste trabalho, já nos havíamos manifestado anteriormente sobre a subestimação do fenômeno da empresa no ordenamento italiano.

19 Em alguns casos, por vezes, as dificuldades econômicas decorrem do chamado "excesso de capacidade", do mercado, ou seja, há uma oferta infinitamente superior à demanda necessária, o que acaba inviabilizando a manutenção de uma empresa, nessas condições. A crise, pode ser resultado da própria necessidade de, como dizem os italianos, "alleggerimenti dell’offerta".

20 IRTI, Natalino. L’ordine giuridico del mercato, Roma-Bari: Editori Laterza, 3ª ed. 2004, p. 142.

21 MACÍAS, Maria Isabel Candelario. Algunas consideraciones sobre la intervención estatal en el derecho concursal, Dataveni@, João Pessoa, Publicação da Universidade Estadual da Paraíba, ano III, nº 18, agosto de 1998. Disponível em: http://www.datavenia.net/artigos/artigos_1998.htm. Acesso em: 03 de maio de 2006, às 18:45h.

22 COELHO, Fábio Ulhoa. Comentários à nova lei de falências e de recuperação de empresas (Lei n. 11.101, de 9-2-2005), São Paulo: Saraiva, 2005, pp. 113-115.

23 Trata-se do Regulamento (CE) nº 1346/2000, que trata dos procedimentos de insolvência.

24 Não nos esqueçamos que a constituição do Comitê de Credores é facultativa.

25 O Comitê de Credores é órgão previsto na LFRE para, dentre outras atribuições, fiscalizar os atos do administrador judicial. Percebe-se pois, o duplo crivo fiscalizatório que a empresa sofre, para a manutenção e conservação da atividade produtiva. Há também diante dessa fiscalização a diminuição das possibilidades de fraude.

26 Já mencionado no âmbito deste trabalho.

27 Poderíamos mencionar, à título de ilustração, como forma alternativa não prevista nesse rol exemplificativo, a possibilidade da constituição de um FIP. Os Fundos de Investimento em Participações (FIP) foram regulamentados pela Instrução Normativa CVM 391 de 16 de julho de 2003. Mencionados fundos são condomínios fechados cujos recursos destinam-se a compra de ações, debêntures, bônus de subscrição ou outros títulos e valores mobiliários conversíveis ou permutáveis em ações de emissão de companhias abertas ou fechadas. Os FIPs devem participar do processo decisório das companhias onde investem, definindo políticas estratégicas e atuando na gestão, portanto se coadunam com a ratio legis da novel legislação falimentar, particularmente no que se refere às hipóteses de recuperação judicial previstas no art. 50, incisos II, III, VI, X, XIII, XIV, XV e XVI da Lei 11.101/05 (LFRE). Desta forma, nos chamados FIPs, somente investidores qualificados podem investir. O valor mínimo da subscrição é de R$ 100.000 (cem mil reais). É um fundo fechado, sem direito a resgate de cotas antes do prazo de encerramento – portanto seu regulamento deve definir prazos para subscrição, prazo de duração e formas de desinvestimento.

28 Interessante notar, a título de ilustração, a decisão proferida nos autos do processo nº 390/2005, da 1ª Vara Cível de Ponta Grossa, Estado do Paraná, em que o juiz, Luiz Henrique Miranda, discorre sobre a necessária interpretação do artigo 57 da Lei 11.101/05 à luz do princípio da dignidade da pessoa humana, como sustentamos nessa tese: "(...) Enfim, aprovado o plano de recuperação, pelos credores, reta verificar se a Autora merece ver deferido seu pedido, uma vez que ela não cumpriu com a exigência ditada pelo artigo 57 da Lei que rege a matéria. (...) Trata-se de norma cogente: aprovado o plano, de forma tácita ou em assembléia, cabe ao devedor, para ver deferido o pedido de recuperação, apresentar prova de estar quite com o fisco. E, como a Autora não satisfaz essa exigência, a conseqüência lógica seria o indeferimento de seu pleito, com a conseqüente extinção do processo. A solução, contudo, não pode ser tão simplista. Como é sabido, o instituto da recuperação judicial foi inspirado no princípio constitucional da função social da empresa, que, por sua vez, se coliga com o princípio da dignidade da pessoa humana. A empresa, na ordem constitucional vigente, tem – ou deve ter – uma função social, não podendo se prestar apenas à satisfação dos interesses do empresário. Acima destes, estão os postulados básicos da sociedade pretendida pelo constituinte, onde a empresa se encaixa como veículo para a livre iniciativa e livre concorrência, para a produção de riquezas compartilháveis (mercê da tributação dos resultados positivos obtidos, e para, sobretudo, a dignificação do ser humano, através da geração de empregos que permitam às pessoas valorizar-se pelo trabalho e pela renda por meio dele obtida. E uma empresa que cumpre com essa função não poderia ficar desprotegida no cenário econômico e sujeita, indefesa, à inconstância do mercado, notadamente nestes tempos de economia globalizada, sob pena de, em algum momento, o interesse de um ou de poucos credores sobrepor-se ao interesse maior da coletividade, como, aliás, vinha sistematicamente ocorrendo durante a vigência do Dec-Lei 7.661/45 (...) Enfim, a exigência de apresentação de certidões negativas – que, na prática, equivale a impor ao empresário estar em dia com as obrigações fiscais e previdenciárias – inviabiliza a recuperação judicial. Fazendo-o, conflita com o princípio constitucional da função social da empresa e com os outros que a ele se ligam, entre os quais o da dignidade da pessoa humana. E, na colisão de princípio e norma, prevalece aquele, devendo ser dispensada a Autora, destarte, da apresentação das certidões." (grifos nossos)

29 Nos termos do que dispõe o artigo 45, da LFRE.

30 Inclusive trazendo exceções, como por exemplo: credores quirografários decorrentes de repasses de recursos oficiais; os créditos decorrentes da propriedade móvel e imóvel, nos termos do artigo 49, § 3; e os chamados ACC (adiantamentos de contrato de câmbio), nos termos do 86, II.

31 Estabeleceu que o título ou os títulos deverão em sua soma ultrapassar o equivalente a 40 (quarenta) salários mínimos na data do pedido.

32 Não havia dispositivo legal impedindo tal fato, muito embora a jurisprudência já tivesse sedimentado a o indeferimento do prosseguimento de pedidos de falência de caráter meramente executório.

33 O que na legislação passada era de incumbência do falido. Era ele quem requeria a continuação do seu negócio.

34 Basta verificarmos o artigo 2º, III, do Dec.-Lei 7.661/45. Era inclusive denominada nos meios jurídicos de "concordata branca", caracterizadora de uma fraude.

35 HOUIN, Roger. Aspects économiques de la faillite et du règlement judiciaire. Rapport de l’Inspection Générale des Finances, Paris: Librairie Sirey, 1970, p. 138.

36 COELHO, Fábio Ulhoa. Curso de direito Comercial, São Paulo: Saraiva, 5ª ed., revista e atualizada de acordo com o novo Código Civil e a nova Lei de Falências, vol. 3, 2005, p 383.

37 CABRILLO, Francisco. Quiebra y liquidación de empresas, Madri: Unión Editorial, 1989, p 39, apud SANTOS, Paulo Penalva. O novo projeto de recuperação da empresa. In: Revista de Direito Mercantil, São Paulo: Malheiros, vol. 117, janeiro-março/2000, p. 129.

38 Comumente chamado, como já dissemos anteriormente, de "concordata branca", onde a composição amigável através da convocação de credores para lhes propor a dilação, remissão ou cessão de bens, poderia determinar a falência da empresa em estado de crise econômico-financeira.

39 Cfr. FAZZIO JÚNIOR, Waldo. Nova lei de falências e recuperação de empresas, São Paulo: Atlas, 2005, p. 115.

40 Cfr. COELHO, Fábio Ulhoa. Curso de direito comercial. De acordo com a nova lei de falências, São Paulo: Saraiva, vol. 3, 2005, p. 433.

41 Cfr. COELHO, Fábio Ulhoa. Curso de direito comercial. De acordo com a nova lei de falências, São Paulo: Saraiva, vol. 3, 2005, p. 436.

42 Artigo 75, § único da Lei 11.101/05 (LFRE).


Autor

  • Ecio Perin Junior

    Ecio Perin Junior

    Head of the Business Reorganization Team; Felsberg, Pedretti, Mannrich e Aidar, Advogados e Consultores Legais; Doutor e Mestre em Direito Comercial pela PUC/SP; Especialista em Direito Empresarial pela Università degli Studi di Bologna; Presidente e sócio fundador do Instituto Brasileiro de Direito Empresarial – IBRADEMP; Membro Efetivo da Comissão de Fiscalização e Defesa do Exercício da Advocacia da OAB/SP

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Informações sobre o texto

Estudo resumido, extraído da tese de doutoramento, defendida em julho de 2006 na Pontifícia Universidade Católica de São Paulo.

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

PERIN JUNIOR, Ecio. A dimensão social da preservação da empresa no contexto da nova legislação falimentar brasileira (Lei nº 11.101/05). Uma abordagem zetética. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 13, n. 1682, 8 fev. 2008. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/10922. Acesso em: 24 abr. 2024.