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Reflexões acerca da distribuição gratuita de bens, valores ou benefícios em ano eleitoral

Reflexões acerca da distribuição gratuita de bens, valores ou benefícios em ano eleitoral

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O objetivo do legislador foi afastar o uso da máquina pública como instrumento capaz de comprometer a igualdade de oportunidades entre os candidatos ao pleito eleitoral.

Sumário: 1. Apresentação do tema - 2. Breves noções acerca das chamadas "condutas vedadas" - 3. A distribuição gratuita de bens, valores ou benefícios - 4. Exceções previstas na lei eleitoral - 5. Análise da jurisprudência dos Tribunais Eleitorais - 6. Sanção pelo descumprimento da conduta vedada - 7. Conclusões finais


1. Apresentação do tema

A Lei nº 11.300, de 10 de maio de 2006, conhecida como "minirreforma eleitoral", introduziu no ordenamento jurídico o § 10 ao artigo 73 da Lei nº 9.504 (Lei das Eleições), de 30 de setembro de 1997, aumentando o rol das condutas vedadas aos agentes públicos em ano eleitoral. Transcreve-se a norma eleitoral em referência:

Art. 73. São proibidas aos agentes públicos, servidores ou não, as seguintes condutas tendentes a afetar a igualdade de oportunidades entre candidatos nos pleitos eleitorais:

§ 10. No ano em que se realizar eleição, fica proibida a distribuição gratuita de bens, valores ou benefícios por parte da Administração Pública, exceto nos casos de calamidade pública, de estado de emergência ou de programas sociais autorizados em lei e já em execução orçamentária no exercício anterior, casos em que o Ministério Público poderá promover o acompanhamento de sua execução financeira e administrativa.

Conforme Resolução nº 22.205 do Tribunal Superior Eleitoral, a norma em apreço teria aplicação imediata já a partir da sua publicação, com eficácia para as eleições de 2006. Para o calendário eleitoral de 2008, a Superior Corte Eleitoral expediu a Resolução nº 22.579, de 30 de agosto de 2007, definindo:

1º de janeiro - Data a partir da qual fica proibida a distribuição gratuita de bens, valores ou benefícios por parte da Administração Pública, exceto nos casos de calamidade pública, de estado de emergência ou de programas sociais autorizados em lei e já em execução orçamentária no exercício anterior, casos em que o Ministério Público poderá promover o acompanhamento de sua execução financeira e administrativa (Lei nº 9.504/97, art. 73, § 10).

Tem-se, portanto, que a partir de 1º de janeiro de 2008 está vedada a distribuição gratuita de bens, valores ou benefícios pela Administração Pública, salvo nas situações de calamidade pública, estado de emergência ou de programas sociais autorizados em lei e já em execução orçamentária no exercício anterior, oportunidade na qual o Ministério Público poderá acompanhar a legalidade de sua execução.

O objetivo do legislador ao acrescentar o § 10 ao artigo 73 da Lei das Eleições não foi outro senão afastar o uso da máquina pública como instrumento capaz de ensejar o comprometimento da igualdade de oportunidades entre os candidatos ao pleito eleitoral (art. 73, caput, da LE). Para Olivar Coneglian [01], "com este dispositivo, tiveram os legisladores a intenção de impedir que a assistência social dos vários níveis de governo servisse de propulsão a candidaturas."

Certamente o instituto da reeleição agravou - e ainda agrava - o uso dos bens e serviços públicos para fins eleitorais, ensejando nítido privilégio aos atuais gestores públicos e futuros candidatos à reeleição. Inúmeras irregularidades antes presenciadas (compra de votos, uso da máquina pública, abuso do poder político, criação de programas sociais às vésperas das eleições, etc) potencializaram-se após a Emenda Constitucional nº 16, de 4 de junho de 1997, que permitiu a reeleição para cargos do Poder Executivo.

Pois bem, em que pese o caráter moral da norma inserida pela Lei nº 11.300/06, esta regra eleitoral (art. 73, § 10, da LE) possui conceitos vagos e indeterminados, provocando grave e perturbadora insegurança jurídica aos operadores do Direito Eleitoral. Este é o objetivo do presente estudo, aclarar os principais pontos do § 10 do artigo 73 da Lei das Eleições, com o propósito de fomentar uma discussão ainda incipiente na doutrina e jurisprudência pátria.


2. Breves noções acerca das chamadas "condutas vedadas"

As condutas vedadas aos agentes públicos em campanha eleitoral encontram-se disciplinadas na Lei nº 9.504/97, em seus artigos 73 a 78. Essas regras impõem aos gestores públicos condutas negativas (non facere) em determinados períodos do ano em que se realizam eleições, no intuito de manter a igualdade de oportunidades entre os candidatos em disputa eleitoral (art. 73, caput, da LE).

Pedro Roberto Decomain[02], em artigo publicado no site do Tribunal Regional Eleitoral de Santa Catarina, ressalta que "essas proibições também possuem o propósito de coibir abusos do poder de administração, por parte dos agentes públicos, em período de campanhas eleitorais, em benefício de determinados candidatos ou partidos, ou em prejuízo de outros."

A doutrina de Djalma Pinto[03] resume de maneira clara as chamadas condutas vedadas no Direito Eleitoral:

Por condutas vedadas, em campanhas eleitorais, deve-se entender as ações praticadas por agentes públicos, servidores ou não, tipificadas na lei, que consistem na colocação da máquina administrativa a serviço de candidatura, desequilibrando a igualdade exigida, entre os candidatos, devendo ser imediatamente sustadas e punidos os infratores por comprometerem a normalidade da disputa pelo mandato.

Enfim, as condutas vedadas previstas nos artigos 73 a 78 da Lei das Eleições representam comandos negativos criados pela lei para proteger o período que antecede o pleito eleitoral, evitando o uso da máquina pública para beneficiar candidatos, partidos políticos ou coligações.

Algumas condutas vedadas somente são direcionadas para os agentes públicos da circunscrição do pleito. Outras são de obediência de todos os gestores públicos, independentemente de tratar-se de eleições para os cargos eletivos da União, Estados, Distrito Federal ou Municípios, cujos pleitos eleitorais ocorrerem em épocas distintas. Quando a lei quis restringir a conduta vedada à circunscrição do pleito (federal, estadual ou municipal), assim o fez expressamente, a exemplo do que ocorre com os incisos V e VI, "b" e "c", ambos do artigo 73 da Lei das Eleições. No silêncio da norma, em ano eleitoral aplica-se a conduta vedada aos agentes públicos de todos os entes federativos, a exemplo do que ocorre com a distribuição gratuita de bens, valores ou benefícios (art. 73, § 10, da LE).

Questão polêmica é a necessidade – ou não – da comprovação do desequilíbrio de oportunidades entre os candidatos para a caracterização da conduta vedada. A atual jurisprudência do Tribunal Superior Eleitoral [04] tem evoluído para condicionar a aplicação das condutas vedadas do artigo 73 ao efetivo comprometimento da disputa eleitoral (igualdade de oportunidades entre os candidatos), como exposto em acórdão lavrado pelo Ministro Cezar Peluso:

RECURSO. ESPECIAL. REEXAME DE PROVAS. INVIABILIDADE. SÚMULA 279 DO STF. SE O TRIBUNAL REGIONAL CONCLUIU PELA INEXISTÊNCIA DE PROVAS DA AUTORIA E INOCORRÊNCIA DE PROPAGANDA INSTITUCIONAL, SERIA INDISPENSÁVEL REAPRECIAR A MATÉRIA FÁTICO-PROBATÓRIA PARA SE CONCLUIR DE MODO DIVERSO, COISA INVIÁVEL EM RECURSO ESPECIAL. REPRESENTAÇÃO. CONDUTA VEDADA. CASSAÇÃO DE REGISTRO OU DIPLOMA. INELEGIBILIDADE. MULTA. POTENCIALIDADE DE A CONDUTA INTERFERIR NO RESULTADO DO PLEITO. IMPRESCINDIBILIDADE. AGRAVO DESPROVIDO. HOJE É FIRME O ENTENDIMENTO JURISPRUDENCIAL NO SENTIDO DE QUE A EXISTÊNCIA DE POTENCIALIDADE PARA DESEQUILIBRAR O RESULTADO DO PLEITO É REQUISITO INDISPENSÁVEL PARA O RECONHECIMENTO DA PRÁTICA DE CONDUTA VEDADA.

(...)

Na verdade, a partir do ano de 2006, com a nova composição da Corte, consolidou-se o entendimento de que a condenação ao pagamento de multa, a cassação do registro ou do diploma e a decretação de inelegibilidade, em razão da prática de conduta vedada, demandam a comprovação da efetiva potencialidade de o ato irregular influir no resultado da eleição, o que não ficou caracterizado no caso. (TSE, Acórdão nº 25.075, rel. Min. Cezar Peluso, julgado em 27/11/2007)

É neste cenário jurídico que se insere a norma a seguir analisada (art. 73, § 10, da LE), trazida ao ordenamento jurídico pela Lei nº 11.300/06 (minirreforma eleitoral), e que merece acurada atenção dos operadores do Direito Eleitoral.


3. A distribuição gratuita de bens, valores ou benefícios

A norma objeto deste estudo veda em ano eleitoral a distribuição gratuita de bens, valores ou benefícios pela Administração Pública. Consoante Resolução nº 22.579/07, do Tribunal Superior Eleitoral, para as próximas eleições (5 de outubro) a proibição vigora desde 1º de janeiro de 2008.

Inicialmente, necessário ponderar-se acerca do conceito jurídico para a expressão "distribuição gratuita". Parece-nos que a hermenêutica mais apropriada para o presente caso é a que leva em consideração o termo "distribuição gratuita" como qualquer forma desonerada de benefícios a terceiros, tal como ocorre com as doações sem encargo, subvenções sociais, contribuições, entre outras. Ou seja, a distribuição gratuita de bens, valores ou benefícios pressupõe benevolência por parte da Administração Pública.

Mas não é qualquer distribuição gratuita de bens, valores ou benefícios que enseja o descumprimento da regra eleitoral. Há que influenciar na disputa eleitoral, a teor do disposto no caput do artigo 73 da Lei das Eleições [05]. Em outras palavras, a conduta vedada deve ser de tal intensidade que possa comprometer a isonomia de chances entre os candidatos, como já ressaltado pelo Tribunal Superior Eleitoral (Acórdão nº 25.075, rel. Min. Cezar Peluso, julgado em 27/11/2007)

Irretocáveis as considerações de José Jairo Gomes [06] em relação às condutas vedadas:

O que se impõe para a perfeição da conduta vedada é que o evento considerado tenha aptidão para lesionar o bem jurídico protegido pelo tipo em foco, no caso, a igualdade na disputa, e não propriamente as eleições como um todo. Assim, não chega a configurar o ilícito em tela hipóteses cerebrinas de lesão, bem como condutas absolutamente irrelevantes ou inócuas relativamente ao ferimento do bem jurídico salvaguardado. Não se pode olvidar que o Direito Eleitoral tem em vista a expressão da soberania popular, o exercício do sufrágio, a higidez do processo eleitoral, de sorte que somente condutas lesivas aos bens por ele protegidos merecem sua atenção e severa reprimenda. Nesse sentido, não chegam a ser ações típicas o envio de um único documento por aparelho de fac-símile instalado em repartição pública, o uso de um clipe, de uma caneta, de um envelope de correspondência. É que nestes casos nenhuma lesão poderia ocorrer ao bem jurídico tutelado. Se tais exemplos patenteiam ou não ilícitos administrativos, isso deve ser considerado em outra seara.

Portanto, não é qualquer distribuição gratuita de bens, valores ou benefícios apta a afrontar o § 10 do artigo 73, mas somente aquelas capazes de ofenderem o bem jurídico tutelado pela lei eleitoral: a igualdade de oportunidades entre os candidatos ao pleito eleitoral. Deverá a conduta impugnada comprometer a disputa eleitoral, como muito bem analisado por José Jairo Gomes, na passagem antes colacionada. Os atos que não afetam essa igualdade não são aptos a afrontar o bem jurídico tutelada pela lei eleitoral.

Exemplifica-se: determinado município, após 1º de janeiro de 2008, realiza doação de um micro-computador à entidade filantrópica de recuperação de dependentes químicos. A conduta enquadra-se no conceito de distribuição gratuita de bens, para fins de aplicação do artigo 73, § 10, da Lei das Eleições. Todavia, tal conduta em nada afeta a "igualdade de oportunidades entre os candidatos", não merecendo a reprimenda da lei eleitoral.

Em suma, os atos e ações do Poder Público, incapazes de desequilibrar a disputa eleitoral ou de influenciarem no resultado das eleições (art. 73, caput, da LE), não devem sofrer limitação pelo Direito Eleitoral, pois o bem jurídico protegido pela lei eleitoral encontra-se salvaguardado. O Direito Eleitoral não possui o condão de impor injustificadas barreiras às atividades normalmente desenvolvidas pela Administração Pública, salvo aquelas inseridas na própria Constituição da República (art. 14, § 9º), sob pena de afrontar outros princípios constitucionais.

Da mesma forma, é preciso diferenciar as situações onde há contraprestação por parte do beneficiado com os valores, bens ou serviços públicos. Todas as situações que envolvem contraprestação por parte do beneficiado não se enquadram no comando legal do § 10 do artigo 73, por não se caracterizarem como "distribuição gratuita".

É o caso dos convênios firmados pela Administração Pública. Disciplinado pelo artigo 116 da Lei nº 8.666/93, o convênio pressupõe a existência de obrigações de ambas as partes convenentes, com o intuito de atingir objetivo comum. Precisos os ensinamentos de Diógenes Gasparini [07], para quem o convênio é "ajuste administrativo, celebrado por pessoas públicas de qualquer espécie ou realizado por essas pessoas e outras de natureza privada, para a consecução de objetivos de interesse comum dos convenentes."

Nos convênios celebrados pelo Estado não há que se falar em "distribuição gratuita", pois é da sua própria essência a mútua obrigação das partes. Enfim, inexiste a figura da gratuidade estampada no texto do § 10 do artigo 73 da Lei das Eleições, uma vez ser característica desses instrumentos a colaboração de ambas as partes, que, como esclarece Maria Sylvia Zanella Di Pietro [08], "pode assumir várias formas, como repasse de verbas, uso de equipamentos, de recursos humanos e materiais, de imóveis, de kwow-how e outros".

O Tribunal Regional Eleitoral de Santa Catarina, em consulta formulada pelo Prefeito Municipal de Concórdia, manifestou-se sobre o assunto:

CONSULTA - CONVÊNIO - ART. 73, § 10 DA LEI N. 9.504/1997 - CONHECIMENTO.

Tomando por base os conceitos doutrinários acerca de convênio administrativo - o qual decorre de um ajuste em que há mútua colaboração entre seus participantes para atingir objetivo comum -, bem como as regras prescritas na Lei n. 8.666/1993 para sua formalização, tem-se que não se enquadra no disposto no § 10 do art. 73, que pressupõe distribuição gratuita de bens, valores ou benefícios por parte da Administração Pública, ou seja, repasse sem qualquer contraprestação ou atuação conjunta.

Não obstante, a ocorrência de doação dissimulada sob a forma jurídica de convênio poderá configurar infringência ao supracitado dispositivo da Lei das Eleições. (TRE/SC, Resolução nº 7560, rel. Juiz Volnei Celso Tomazini, julgado em 12/12/2007)

Assim, numa primeira leitura do artigo 73, § 10, da Lei das Eleições, conclui-se que a "distribuição gratuita de bens, valores ou benefícios" pode ser compreendida como qualquer forma desonerada de benefícios concedidos pela Administração Pública a terceiros (doação sem encargo, subvenção social, contribuição etc), tendentes a comprometer a igualdade de oportunidades entre os candidatos ao pleito eleitoral (art. 73, caput). Quando acompanhada pela contraprestação da parte beneficiada, a exemplo do que ocorre nos convênios, a distribuição de bens, valores ou benefícios em ano eleitoral não encontra proibição na lei eleitoral, em decorrência da gratuidade não restar caracterizada.


4. Exceções previstas na lei eleitoral

A vedação da distribuição gratuita de bens, valores ou benefícios em ano eleitoral (art. 73, § 10, da LE) comporta três exceções: calamidade pública, estado de emergência e programas sociais autorizados em lei e já em execução orçamentária no exercício anterior.

Com relação à calamidade pública e ao estado de emergência, não surgem dúvidas quanto ao alcance da norma, pois são conceitos já utilizados pela Administração Pública, diferenciando-se principalmente pela gravidade da situação vivenciada [09]. Na calamidade pública e no estado de emergência a intervenção do Poder Público é emergencial e imediata, tal como recentemente presenciou-se no Nordeste do Brasil, onde cidades foram inundadas pelas chuvas torrenciais. Vislumbrada a situação de sérios danos à população, faz-se devida a atuação dos órgãos públicos em favor dos afetados pelos desastres, sendo lícita a distribuição gratuita de alimentos, remédios, colchões, roupas, enfim, todas as medidas necessárias para assegurar as condições mínimas para a dignidade da pessoa humana (art. 1º, III, da CRFB).

Entretanto, muitos questionamentos têm surgido quanto à terceira exceção, relativa aos programas sociais autorizados em lei e já em execução orçamentária no exercício anterior. A lei eleitoral e os atos normativos do Tribunal Superior Eleitoral são omissos quanto ao conceito a ser empregado para a expressão "programas sociais". Entretanto, pode-se buscar guarida nas normas da Constituição da República:

Art. 6º São direitos sociais a educação, a saúde, o trabalho, a moradia, o lazer, a segurança, a previdência social, a proteção à maternidade e à infância, a assistência aos desamparados, na forma desta Constituição.

O insigne jurista José Afonso da Silva [10] arrazoa sobre os direitos sociais na Constituição Cidadã:

Assim, podemos dizer que os direitos sociais, como dimensão dos direitos fundamentais do homem, são prestações positivas proporcionadas pelo Estado direta e indiretamente, enunciadas em normas constitucionais, que possibilitam melhores condições de vida aos mais fracos, direitos que tendem a realizar a igualização de situações sociais desiguais. São, portanto, direitos que se ligam ao direito de igualdade. Valem como pressupostos do gozo dos direitos individuais na medida em que criam condições materiais mais propícias ao auferimento da igualdade real, o que, por sua vez, proporciona condição mais compatível com o exercício efetivo da liberdade.

Partindo-se do rol de direitos sociais elaborado pelo Poder Constituinte de 1988, classificam-se os programas sociais como os atos e as ações voltados à proteção ou efetivação dos direitos à educação, à saúde, ao trabalho, à moradia, ao lazer, à segurança, à previdência social, à proteção à maternidade e à infância e à assistência aos desamparados, entre outros. O rol é exemplificativo e não esgota outros direitos sociais previstos no corpo da Constituição da República [11].

Além de o programa calcar-se em atividades de cunho social, é preciso que seja "autorizado em lei". Aqui compreendemos não ser necessária lei específica disciplinando o programa social, pois a norma eleitoral assim não o fez. Basta que lei orçamentária autorize a realização da despesa. Quanto à natureza jurídica das leis orçamentárias, Kiyoshi Harada[12] consigna que, das várias definições existentes acerca das peças orçamentárias, no Brasil a discussão perde força "visto que a própria Constituição Federal confere ao orçamento a natureza de lei (art. 165, III e §§ 5º, 6º e 8º)".

Outro parece ser o entendimento de Olivar Coneglian[13] [14], ao tecer comentários ao artigo 73, § 10, da Lei das Eleições:

A proibição é radical.

A distribuição gratuita desses bens só se torna possível em três circunstâncias:

- no caso de calamidade pública;

- no caso de estado de emergência;

- quando o programa social está estabelecido em lei e já em execução orçamentária no ano anterior ao da eleição.

Para o último caso, deve-se observar que a lei e o orçamento, preexistentes ao programa, devem ter nascido no penúltimo ano anterior à eleição. Assim, na eleição de 2006, a lei criadora ou autorizadora do programa deve ser de 2004, pois o ano de 2005 é o ano da execução que permite que o programa exista em 2006.

Concordamos com o ilustre jurista no tocante ao radicalismo da norma. Todavia, não nos parece certa a necessidade de prévia lei específica disciplinando os programas sociais. A lei eleitoral tão-somente utiliza-se da expressão "programas sociais autorizados em lei", de modo a permitir a leitura da norma no sentido da necessidade de lei orçamentária autorizativa da despesa com os atos e ações sociais.

Ganha importância a doutrina de José Jairo Gomes [15]:

São as denominadas condutas vedadas, cujo rol encontra-se nos artigos 73 a 78 da Lei n. 9.504/97. Trata-se de numerus clausus, não se admitindo acréscimo no elenco legal. Sobretudo em razão de seu caráter sancionatório, as regras em apreço não podem ser interpretadas extensivamente ou ampliativamente, de modo a abarcar situações não normatizadas.

Somada a própria impossibilidade de imporem-se condicionantes não existentes nas normas de comando negativo (non facere), a exemplo do que ocorre com as condutas vedadas inseridas no artigo 73 da Lei das Eleições, a realidade social e cultural deve ser considerada na aplicação da norma proibitiva. Em todos os entes federativos, e principalmente nos municípios, são comuns as doações, subvenções sociais e contribuições destinadas às entidades assistencialistas, educacionais, desportivas e culturais, sem estarem inseridas em programas sociais definidos em lei específica. Em suma, são ajudas promovidas pelo Poder Público para entidades sem fins lucrativos que necessitam de recursos públicos para a execução das atividades de interesse público, a exemplo de inúmeras creches, asilos, orfanatos, escolas de educação especial, entre tantas outras.

Certamente a melhor técnica jurídica e administrativa impõe que os gastos do Poder Público sejam definidos em programas previamente elaborados e discutidos com os setores da sociedade civil, evitando-se ações desconectadas e isoladas. Mas isto não repercute na esfera do Direito Eleitoral, cujos objetivos são outros (proteção do processo eleitoral, preservação da democracia, regulamentação dos direitos políticos etc).

Em abordagem acerca dos conceitos indeterminados nas normas eleitorais, novamente transcreve-se excerto da excelente obra de José Jairo Gomes [16]:

Note-se, porém, que, a despeito da vagueza, esses conceitos são sempre passíveis de determinação. Isto ocorrerá toda vez que forem reclamados em determinado caso prático. Portanto, é o intérprete, diante das circunstâncias fáticas, do contexto do evento e dos valores em jogo, que estará encarregado de explicitar e precisar seus conteúdos.

Para tanto, deverá o intérprete apoiar-se em parâmetros objetivos, claros, presentes na realidade sociocultural, como os preceitos ético-morais já cristalizados, os usos, as chamadas regras de experiência, os costumes, a finalidade, as conseqüências. Desta sorte, o poder do juiz é ampliado, uma vez que lhe é outorgada maior liberdade no processo de determinação do direito ao apreciar os casos submetidos a julgamento. Permite-se-lhe, à luz do mesmo preceito legal, valorar diferentemente a situação e chegar a resultados diversos. Fácil, então, constatar a grave responsabilidade social do magistrado ao deparar com conceitos indeterminados.

A lição acima transcrita revela, com acerto, a necessidade da interpretação da norma eleitoral calcar-se na realidade social e cultural, nos costumes, na experiência e na finalidade, possibilitando ao magistrado a correta aplicação da regra jurídica diante do fato concreto. Aliás, como já enfatizado anteriormente, a finalidade das condutas vedadas é assegurar a igualdade de oportunidades na disputa eleitoral, afastando o uso da máquina pública em prol de candidatos, partidos políticos ou coligações. Não possuem como destinação primária assegurar a legalidade ou moralidade do ato administrativo, mas, sim, fazer com que este ato não influa no processo de escolha dos representantes do povo.

Preciosa a análise do Ministro Gilmar Mendes acerca da aplicação das condutas vedadas no Direito Eleitoral:

Ademais, conforme assinalado em diversos julgamentos desta Corte, penso que a regra do art. 73 comporta uma exegese que atenua seu rigor literal. Tais proibições, previstas na Lei nº 9.504/97, no meu entendimento, devem ser entendidas no contexto de uma reserva legal proporcional, sob pena de violação a outros princípios constitucionais.

Não há dúvida de que o regime legal de repressão a condutas abusivas por parte de candidatos possui clara autorização constitucional. Mas essa autorização não direciona a um regime punitivo inflexível, sob pena de vulneração a outros princípios constitucionais. (...) (TSE, Acórdão nº 5.282, rel. Min. Gilmar Mendes, julgado em 16/12/2004.) (grifos no original)

Em outras palavras, resta evidenciada a necessidade das regras eleitorais serem analisadas no "contexto de uma reserva legal proporcional", nos exatos termos utilizados pelo eminente Ministro Gilmar Mendes, ou seja, sem o demasiado rigor, levando o magistrado a ponderar o fato concreto diante dos princípios que regem o Direito Eleitoral e o Direito Constitucional.

Por fim, a regra eleitoral exige que o programa social já esteja em "execução orçamentária no exercício anterior". Em suma, em ano eleitoral não é permitida a criação de novos programas sociais; a Administração Pública tão-somente poderá prosseguir com os atos e as ações sociais já realizados em outros anos, salvo nos casos em que ficar caracterizada a calamidade pública ou o estado de emergência.

Parece clara a intenção do legislador em impedir o uso da máquina pública em ano eleitoral, especialmente pela utilização de programas sociais para beneficiar – direta ou indiretamente – candidatos, partidos políticos ou coligações. Tanto é verdade que a lei permite o acompanhamento pelo Ministério Público da execução financeira e administrativa dos programas sociais já existentes no ano eleitoral, no intuito de preservar a igualdade de oportunidades entre os candidatos na disputa eleitoral e afastar o abuso do poder político.

Não restam dúvidas que o órgão do Ministério Público exercerá singular papel no controle dos atos do Poder Público neste ano eleitoral, no exercício de seu papel constitucional de fiscal da lei. Em vésperas de início das campanhas eleitorais, o uso da máquina pública torna-se tentadora, situação que se agrava pelo instituto da reeleição, fato que certamente será analisado com desvelo pelo Ministério Público e pela Justiça Eleitoral.


5. Análise da jurisprudência dos Tribunais Eleitorais

Como anteriormente já exposto, a norma do § 10 do artigo 73 da Lei das Eleições possui conceitos indeterminados, que exigem do operador da lei a devida cautela em sua aplicação.

Em pesquisa no sítio de jurisprudência do Tribunal Superior Eleitoral junto à internet [17], poucos foram os julgados encontrados acerca da aplicação do artigo 73, § 10, da Lei das Eleições, o que agrava a incerteza dos contornos jurídicos a serem utilizados na aplicação desta conduta vedada.

A situação agrava-se em decorrência da doutrina especializada ainda não se dedicar no estudo da norma em comento, com exceção dos autores já citados neste trabalho, que possuem rápidas passagens acerca dos contornos jurídicos da distribuição gratuita em ano eleitoral. Essa insegurança jurídica tem provocado apreensão nos gestores públicos de todos os entes federativos, destinatários imediatos das condutas vedadas, na medida em que se verifica verdadeiro abismo de incertezas quanto à interpretação da regra eleitoral (art. 73, § 10) pelos Tribunais Regionais Eleitorais e, especialmente, pelo Tribunal Superior Eleitoral.

São questões polêmicas, como a levada em consulta perante o Tribunal Regional Eleitoral de Santa Catarina, referente à possibilidade, em ano eleitoral, do prosseguimento de programa municipal (com previsão em lei específica) de incentivo fiscal para a instalação de novas empresas no município. Apesar da grande importância da consulta, que vem gerando divergentes posições no meio jurídico, a Corte Eleitoral catarinense não apresentou posição clara e firme sobre a continuidade do programa de incentivo fiscal à instalação de novas empresas. Cita-se passagem da consulta:

CONSULTA - INCENTIVOS À IMPLANTAÇÃO DE INDÚSTRIA - FORMULAÇÃO EM TERMOS AMPLOS - NÃO-CONHECIMENTO.

Não se conhece de consulta formulada em termos amplos, passível de diversas interpretações.

(...)

Não obstante, tenho que a concessão de benesses a empresas no ano da eleição sem estar devidamente amparada em lei específica, e, ainda, sem obedecer aos requisitos e às exigências da Lei Complementar n. 101/2000, bem como, da Lei n. 8.666/93, poderá subsumir-se na regra insculpida no § 10 do art. 73, caracterizando distribuição gratuita de bens, valores ou benefícios por parte da Administração Pública. (TRE/SC, Resolução nº 7.560, rel. Juiz Volnei Celso Tomazini, julgado em 12/12/2007)

Deveras, poucas são as decisões que subsidiam os profissionais para a correta orientação aos gestores públicos acerca da conduta vedada inserida no artigo 73, § 10, da Lei das Eleições. A insegurança jurídica agrava-se em decorrência da norma estar em sua plena eficácia desde o dia 1º de janeiro de 2008, consoante calendário eleitoral elaborado pelo Tribunal Superior Eleitoral (Resolução nº 22.579/07). Em que pese tal fato, têm-se alguns poucos julgados prolatados pelos Tribunais Eleitorais no país que possibilitam interessantes ponderações.

Em importante precedente do Tribunal Superior Eleitoral a respeito da aplicação da distribuição gratuita de bens, valores ou benefícios em ano eleitoral, considerou-se lícita a doação realizada pelo Banco do Brasil em favor do Projeto Criança-Esperança da Rede Globo de Televisão, manifestando-se a Corte Superior no seguinte sentido:

CONSULTA. BANCO DO BRASIL. PROJETO CRIANÇA ESPERANÇA. APOIO E DOAÇÃO. NATUREZA DE PROCESSO ADMINISTRATIVO. PRIORIDADE CONSTITUCIONAL ABSOLUTA À CRIANÇA. DEVER DO ESTADO. INEXISTÊNCIA DE OBJETIVO ELEITORAL. POSSIBILIDADE.

(...)

Tudo medido e contado, não há motivos que impeçam o Banco do Brasil de apoiar o projeto "Criança-Esperança", se assim entender, visto que:

a) trata-se de iniciativa compatível com o caráter de absoluta prioridade constitucional à criança, a ser concretizado mediante a atuação do Estado, dentre outros atores sociais, de sorte a revelar até mesmo o cumprimento de uma obrigação tão permanente quanto grave e urgente;

b) a inexistência de qualquer viés eleitoral no ato em apreço. (TSE, Res. 22.323, rel Min. Carlos Augusto Ayres de Freitas Britto, julgado em 03/08/2006)

Na mesma linha caminhou o Tribunal Regional Eleitoral de Santa Catarina, ao analisar doações realizadas pelo então Governador do Estado em benefício de diversas instituições:

REPRESENTAÇÃO - CONDUTA VEDADA - DOAÇÃO DE BENS EM ANO ELEITORAL - ART. 73, § 10, DA LEI N. 9.504/1997, ACRESCIDO PELA LEI 11.300/2006 - CHEFE DO EXECUTIVO - AUSÊNCIA DE RESPONSABILIDADE POR ATO LEGISLATIVO - POSSIBILIDADE DE DOAÇÕES DE CARÁTER CLARAMENTE ASSISTENCIAL E SEM CONOTAÇÃO ELEITORAL - IMPROCEDÊNCIA.

A legislação eleitoral há de ser interpretada sob o influxo axiológico do zelo pelo equilíbrio no pleito. O administrador público não poder (sic) ser apenado por doação autorizada por ato do parlamento, durante o período eleitoral.

Embora a Lei Eleitoral vede, desde a Lei n. 11.300, a distribuição de bens, valores ou benefícios, no ano eleitoral, devem ser decotadas da proibição legal aquelas feitas com nítido propósito assistencial e sem conotação eleitoral. As doações que não contenham essa característica e nem base em outra exceção legal, atraem a incidência da sanção pecuniária que recomenda fixação, à mingua de motivo em sentido contrário, do mínimo legal. (TRE/SC, Acórdão nº 21.707, rel. Juiz Márcio Luiz Fogaça Vicari, julgado em 11/06/2007)

Do corpo do julgado acima transcrito, extrai-se:

Resta saber se isto se encaixa no molde da exceção legal "programas sociais já autorizados em lei e já em execução orçamentária". Como anotado antes, o Tribunal Superior Eleitoral já assentou considerável flexibilidade na interpretação dessa locução, admitindo mesmo que nela se insira projeto específico, não orçamentário, e se legitime a receber doações pelas suas elevadas finalidades. (TRE/SC, Acórdão nº 21.707, rel. Juiz Márcio Luiz Fogaça Vicari, julgado em 11/06/2007)

Precisas as conclusões do ilustre Relator do acórdão da Corte Eleitoral catarinense, Juiz Márcio Luiz Fogaça Vicari, na medida em que se faz necessária certa flexibilidade na aplicação da norma inserida no artigo 73, § 10, da Lei das Eleições, sob pena de inviabilizar-se grande parte das atividades desempenhadas rotineiramente pela Administração Pública.

Outra importante decisão consta do repertório jurisprudencial do Tribunal Regional Eleitoral do Tocantins, oportunidade na qual se julgou a legalidade de programa desenvolvido pelo Governo Estadual, caracterizado pela implantação de postos fixos e itinerantes para realização de serviços de assistência jurídica e fornecimento de documentação civil (RG, CPF e CTPS). Cita-se ementa do julgado:

INVESTIGAÇÃO JUDICIAL. PESSOAS JURÍDICAS. ILEGITIMIDADE PASSIVA. RECONHECIMENTO. CONDUTA VEDADA DO § 10, ART. 73, LEI Nº 9.504/97. LEGALIDADE DO PROGRAMA IMPUGNADO. OUTRAS CONDUTAS VEDADAS. AUSÊNCIA DE PROVAS. REPRESENTAÇÃO. DISTRIBUIÇÃO DE ÓCULOS. NÃO CARACTERIZAÇÃO. IMPROCEDÊNCIA.

Preliminares

1. As sanções de inelegibilidade e cassação do registro previstas na Lei Complementar nº 64/90 não podem ser cominadas às pessoas jurídicas.

Mérito

2. O programa impugnado era desenvolvido pelo governo do Estado do Tocantins desde o ano de 2004, conforme se verificada do termo de convênio, dos termos de parceria e dos extratos de programação e execução orçamentárias.

3. Não houve violação aos incisos I, II, III e IV do art. 73 da Lei nº 9.504/97, pois não há provas que o investigado fez uso dos bens móveis e imóveis, materiais, serviços e servidores públicos utilizados no programa Balcão da Cidadania. Ademais, não fez ou permitiu uso promocional em seu favor da distribuição gratuita de bens e serviços de caráter social custeados ou subvencionados pelo Poder Público:

4. A interpretação teleológica do art. 73, §10, da Lei 9.504/97 leva a concluir que os bens, valores e benefícios nele referidos são apenas aqueles que fogem à normalidade e não se encontram diretamente ligados a um serviço público típico, necessitando, para tanto, de autorização legislativa específica.

5. A concentração de atividades inerentes à prestação de serviços públicos típicos com o objetivo de aumentar sua eficiência, ainda que aliada a atrativos destinados a maximizar sua abrangência (p. ex.: alimentação, entretenimento etc.), não se qualifica como distribuição gratuita de bens, valores ou benefícios por parte da Administração Pública vedada em ano eleitoral. (TRE/TO, Acórdão nº 5.657, rel. Des. Antônio Félix, julgado em 28/11/2007)

Por sua vez, o Tribunal Regional Eleitoral de Goiás, em representação contra distribuição de cestas básicas em ano eleitoral, compreendeu:

REPRESENTAÇÃO. CONDUTAS DESCRITAS NOS ARTS. 41-A E 73, IV, E SEU § 10, AMBOS DA LEI 9.504/97. COMPETÊNCIA DO JUIZ AUXILIAR. FALTA DE INSCRIÇÃO SUPLEMENTAR EM CONSELHOS SECCIONAIS DA ORDEM DOS ADVOGADOS DO BRASIL. INEXISTÊNCIA DE NULIDADE PROCESSUAL. PRELIMINARES REJEITADAS. DISTRIBUIÇÃO GRATUITA DE CESTA BÁSICA POR INTERMÉDIO DA ADMINISTRAÇÃO PÚBLICA MUNICIPAL DURANTE AS ELEIÇÕES FEDERAIS E ESTADUAIS. NÃO CONFIGURAÇÃO DE CAPTAÇÃO ILÍCITA DE SUFRÁGIO OU CONDUTA VEDADA A AGENTE PÚBLICO EM CAMPANHA ELEITORAL.

1) O Juiz Auxiliar é competente para atuar na Representação Eleitoral que apura, cumulativamente, infração aos arts. 41-A e 73 da Lei 9.504/97, especialmente na hipótese de ausência de prejuízo concreto na adoção do rito do art. 22 da LC 64/90, mais solene, para apurar as referidas infrações.

2) A simples falta de inscrição nos Conselhos Seccionais na hipótese do § 2º do art. 10 da Lei 8.906/94 (Estatuto da Ordem dos Advogados do Brasil) não implica nulidade dos atos praticados pelo advogado nos processos eleitorais.

3) Ausência de violação aos art. 41-A e 73, IV e seu § 10 da Lei 9.504/97, pela falta de prova de uso promocional da distribuição gratuita de cestas básicas, no ano das eleições, por entidade assistencial, portadora de dotação orçamentária específica para a distribuição gratuita de materiais gratuitos e respaldada por previsão legislativa suficiente.

4) Falta de demonstração de litigância de má-fé.

5) Representação julgada improcedente. (TRE/GO, Acórdão nº 1002, rel. Juiz Euler de Almeida Silva Júnior, julgado em 03/05/2007)

Da decisão prolatada pela Corte Eleitoral de Goiás, destacam-se as seguintes conclusões:

Da análise do conjunto probatório, conclui-se que não houve violação aos dispositivos legais em referência pelos seguintes motivos:

1) é permitida à Administração Pública continuar a execução de seus programas sociais de distribuição gratuita de bens, valores ou benefícios, desde que autorizados por lei e já em execução orçamentária no exercício anterior, no caso, o ano de 2005 (a vedação, portanto, refere-se à distribuição desses benefícios se a lei que os criou for editada no ano da eleição);

2) consta dos autos documento de declaração da Câmara Municipal de Catalão (fl. 382), cuja idoneidade não foi contestada pela representante, atestando a existência anterior de programa social de distribuição de cestas básicas desenvolvido pela Prefeitura Municipal, através da Fundação Legionários do Bem Estar Social de Catalão, Instituição criada pela Lei Municipal nº 326, de 04/01/1984 (fls. 376-381);

3) foram juntadas cópias das Leis da Câmara Municipal de Catalão nº 1.884/2000, 2.084/2002, 2.169/2003, 2.240/2004 e 2.348/2005, que estimam a receita e fixam as despesas do Município de Catalão para os exercícios financeiros de 2001, 2003, 2004 e 2006, respectivamente (fls. 383-401), indicando habitualidade e constância na distribuição gratuita do benefício, já que as provas carreadas aos autos indicam que tal serviço social vinha sendo anteriormente realizado (não se tratou de um programa novo que ainda não estava em execução orçamentária no exercício anterior);

4) não houve verificação de aumento exagerado do montante das despesas referentes a material de distribuição destinados à Fundação Legionários do Bem Estar Social – FLBES, fixados nas Leis de Orçamento Geral do Município de Catalão, tendo em vista que os valores previstos para os exercícios financeiros de 2003, 2004, 2005 e 2006 foram, respectivamente, os correspondentes a R$ 800.000,00; R$ 1.000.000,00, R$ 1.100.000,00 e finalmente R$ 1.300.000,00 em 2006 (fls. 387-401);

(...)

15) O Presidente da Comissão de Controle Interno do Município de Catalão esclareceu, mediante declaração, que, no Município de Catalão, a doação de cestas básicas é "um serviço habitual" desde o início do atual mandato, sendo a distribuição realizada mensalmente, de acordo com o cadastro das pessoas carentes (fl. 402);

(...)

18) a distribuição das cestas básicas atendeu o disposto no § 10 do art. 73 da Lei 9.504/97, porque pode ser enquadrada como "programas sociais autorizados em lei e já em execução orçamentária no exercício anterior";

19) embora desejável o aperfeiçoamento do programa, inclusive com regulamentação mais clara, com critérios seguros e predefinidos, como sustenta o MPE, não se pode afirmar que as omissões normativas municipais atingiam intensidade suficiente para ferir a norma do § 10 do art. 73 da Lei 9.504/97. (TRE/GO, Acórdão nº 1002, rel. Juiz Euler de Almeida Silva Júnior, julgado em 03/05/2007)

Por fim, cita-se julgado do Tribunal Regional Eleitoral de Rondônia, onde se analisou a legalidade da criação de novo programa social em ano eleitoral:

INVESTIGAÇÃO JUDICIAL. GOVERNADOR. CANDIDATO À REELEIÇÃO. ABUSO DE PODER POLÍTICO. NOTÍCIAS EM JORNAIS. INÉPCIA DA INICIAL. INDÍCIOS DE ILICITUDE. REJEIÇÃO. PROGRAMA SOCIAL. DISTRIBUIÇÃO GRATUITA DE BENS. AUTORIZAÇÃO EM ANO ANTERIOR. NECESSIDADE. CONDUTA VEDADA. OCORRÊNCIA. IMPLEMENTAÇÃO SUSPENSA. ABUSO NÃO CONFIGURADO.

Matérias veiculadas em jornais noticiando fatos que, em tese, possam caracterizar abuso de poder bastam para permitir a abertura de investigação judicial eleitoral.

É vedada a implementação de projetos sociais que envolvam a distribuição gratuita de bens, valores e benefícios quando autorizados por lei editada no mesmo ano em que são realizadas eleições.

Suspensa a execução do programa, ainda que em sede de liminar, resta inviabilizada a caracterização do abuso de poder político, o que obsta a aplicação das sanções previstas em lei. (TRE/RO, Acórdão nº 497, rel. Min. Roosevelt Queiroz Costa, julgado em 27/09/2006)

Todos os julgados acima colacionados revelam duas vertentes interpretativas importantes na aplicação da regra eleitoral: o caráter assistencial do ato ou ação desenvolvida pela Administração Pública; e a inexistência de conotação eleitoral.

Ainda, os Juízes componentes do Tribunal Regional Eleitoral do Tocantins diferenciaram, com muita propriedade, a distribuição de bens e serviços típicos da atuação do Poder Público, daqueles não obrigatórios por lei. É o caso da distribuição de medicamentos nos postos de saúde. Neste caso, a conduta vedada de distribuir gratuitamente bens, valores ou benefícios (art. 73, § 10, da LE) não abrange a atividade da Administração Pública de disposição gratuita de remédios à população, sob pena de violação do artigo 196 da Constituição da República.

Por fim, da Corte Eleitoral de Goiás constata-se a possibilidade dos programas sociais serem compreendidos numa dimensão mais abrangente, englobando também os atos e ações não disciplinadas em leis específicas, ou seja, que não se encontram inseridos em programas propriamente ditos. Compreenderam os eméritos Juízes do Tribunal Regional Eleitoral de Goiás bastar, para tanto, que as atividades sociais desenvolvidas tenham previsão em lei orçamentária e já estejam em execução em anos anteriores, caracterizando a habitualidade das ações do Poder Público.

Com inteira razão as decisões antes colacionadas. Cita-se como exemplo subvenção social destinada a vários anos em benefício da Associação de Pais e Amigos dos Excepcionais - APAE, no intuito de contribuir para a manutenção desta respeitada entidade assistencial. É evidente que esta despesa pública preenche os requisitos antes elencados pelos Tribunais Eleitorais (caráter assistencial, inexistência de conotação eleitoral, lei orçamentária autorizativa e execução orçamentária em anos anteriores). Além do mais, em nada prejudicará a igualdade de oportunidades na disputa eleitoral (art. 73, caput, da LE), carecendo de reprimenda da lei eleitoral.

Portanto, da leitura dos julgados selecionados, surgem importantes balizas jurídicas na aplicação do artigo 73, § 10, da Lei das Eleições:

a)não encontra obstáculo pela lei eleitoral a distribuição gratuita de bens e serviços típicos da função de Estado (TRE/TO, Acórdão nº 5.657);

b)os atos e as ações de caráter assistencialista encontram respaldo na exceção à regra da conduta vedada (programas sociais autorizados em lei), mesmo que não inseridos em programas disciplinados em lei específica, bastando para tanto lei orçamentária autorizativa da despesa (TJSC, Acórdão nº 21.707; e TRE/GO, Acórdão nº 1002)

c)necessidade dos atos e ações sociais realizados no ano da eleição estarem em execução orçamentária já no exercício anterior, demonstrando a continuidade das atividades do Poder Público (TRE/GO, Acórdão nº 1002; e TRE/RO, Acórdão nº 497); e

d)inexistência de conotação eleitoral nas medidas efetivadas pela Administração Pública (TSE, Res. 22.323; TJSC, Acórdão nº 21.707; TRE/TO, Acórdão nº 5.657; e TRE/GO, Acórdão nº 1002).

As conclusões retiradas dos julgados prolatados pelos Tribunais Eleitorais contribuem para a melhor interpretação da conduta vedada advinda com a Lei nº 11.300/06. Entretanto, não bastam para a solução dos casuísmos presentes nas Administrações Públicas federal, estadual e municipal. Muitas ainda são as dúvidas existentes, que, mesmo diante dos julgados acima colacionados, provocam insegurança jurídica dos operadores da norma, em especial dos gestores públicos, principais destinatários das sanções por descumprimento da lei eleitoral.


6. Sanção pelo descumprimento da conduta vedada

Outro ponto aparentemente obscuro relaciona-se à sanção cabível pelo descumprimento da conduta vedada, em decorrência de inexistir expressa menção no § 10 do artigo 73 acerca da penalidade cabível pela não observância do preceito legal.

Certamente o legislador, ao elaborar a Lei nº 11.300/06, pecou, como já de costume, pela falta de técnica legislativa, pois inseriu a conduta vedada (distribuição gratuita de bens, valores ou benefícios) em parágrafo completamente destoante do corpo do artigo 73. Ou seja, na leitura do artigo 73 da Lei das Eleições, seu § 10 encontra-se em descompasso com os outros parágrafos da norma.

Mesmo diante desta balbúrdia jurídica, resta evidente que pela afronta ao § 10 do artigo 73 aplica-se a multa prevista no § 4º do mesmo artigo da lei, que assim dispõe:

Art. 73 (caput)

§ 4º O descumprimento do disposto neste artigo acarretará a suspensão imediata da conduta vedada, quando for o caso, e sujeitará os responsáveis a multa no valor de cinco a cem mil UFIR.

É bem verdade que a simples leitura do artigo 73 da Lei das Eleições levaria a conclusão de que o § 4º somente se aplicaria às condutas arroladas nos incisos I a VIII do caput, não englobando a vedação contida no § 10 da norma. Como já exposto, isto decorre da má técnica dos legisladores brasileiros, sendo incabível outra conclusão que não a aplicação da sanção prevista no § 4º do artigo 73.

Outra é a conclusão de Olivar Coneglian[18]:

Qual a sanção para o descumprimento da norma expressa nesse § 10?

Não há sanção prevista.

Caso o agente do Executivo desobedeça ao comando do § 10 do art. 73, poderá eventualmente ser acionado por abuso de autoridade, no caso eleitoral, ou por improbidade administrativa por ferir norma legal.

Parece-nos não ser esta a melhor interpretação da legislação eleitoral. Não há como subsistir norma proibitiva (non facere) sem a respectiva sanção pelo seu descumprimento, fato que tornaria teratológica a norma do § 10 do artigo 73, da Lei das Eleições. Deveras, falhou o legislador ao não disciplinar de melhor maneira a inserção desta nova conduta vedada, através da inserção de outro inciso junto ao caput do artigo 73. Enfim, o atual § 10 deveria ser o inciso IX do caput do artigo 73 da Lei das Eleições.

Assim, o descumprimento da regra que veda em ano eleitoral a distribuição gratuita de bens, valores ou benefícios sujeitará os infratores à multa de cinco a cem mil UFIR, nos termos do § 4º do artigo 73 da Lei das Eleições, que, consoante Resolução nº 22.718/08 [19] do Tribunal Superior Eleitoral, fica estabelecida em R$ 5.320,50 a 106.410,00 para este pleito eleitoral [20].

Este também foi o entendimento do Tribunal Regional Eleitoral de Santa Catarina, ao aplicar multa, em seu mínimo legal, ao então Governador do Estado por descumprimento do artigo 73, § 10, da Lei nº 9.504/97 (TRE/SC, Acórdão nº 21.707, rel. Juiz Márcio Luiz Fogaça Vicari, julgado em 11/06/2007).

Portanto, pela ofensa ao artigo 73, § 10, da Lei das Eleições, aplica-se o § 4º do mesmo artigo de lei, que impõe multa de R$ 5.320,50 a 106.410,00 aos responsáveis pela conduta vedada.


7. Conclusões finais

Pelas considerações tecidas, verifica-se que a vedação da distribuição gratuita de bens, valores ou benefícios em ano eleitoral (art. 73, § 10, da LE), apesar do seu evidente propósito moralista, ainda não se encontra devidamente analisada pela doutrina e jurisprudência, fato que provoca grave insegurança jurídica à sociedade.

A distribuição gratuita de bens, valores ou benefícios pode ser compreendida como todo ato ou ação do Poder Público que beneficiar desoneradamente terceiros, a exemplo das doações sem encargo, subvenções sociais e contribuições. A regra inserida pela Lei nº 11.300/06 é severa e impõe graves limites às atividades desenvolvidas rotineiramente pela Administração Pública, devendo ser decotadas da proibição eleitoral aquelas que não tenderem a afetar a igualdade de oportunidades entre os candidatos na disputa eleitoral (art. 73, caput, da LE).

Não se enquadram na restrição eleitoral os atos e as ações necessários a suprir situações de calamidade pública e estado de emergência, bem como para dar prosseguimento aos programas sociais autorizados em lei e já em execução orçamentária no exercício anterior. Esta última exceção deve ser analisada de modo a compreender o maior número de situações possíveis, desde que presentes os seguintes requisitos:

a) caráter assistencial do ato ou ação desenvolvida pela Administração Pública, no intuito de proteger ou alcançar os direitos sociais elencados pela Constituição da República (educação, saúde, trabalho, moradia, lazer, segurança, previdência social, proteção à maternidade e à infância e assistência aos desamparados, dentre outros);

b) inexistência de conotação eleitoral na distribuição gratuita de bens, valores ou benefícios;

c) lei orçamentária autorizando as despesas decorrentes das atividades de cunho social;

d) realização de despesas com o ato ou ação social em anos anteriores, de modo a representar a continuidade das políticas públicas já desenvolvidas pelo Estado.

Apesar destas considerações por si só já amenizarem o rigor da restrição eleitoral constante do § 10 do artigo 73, ainda assim têm-se situações concretas que merecerão atenção especial dos Tribunais Eleitorais. Citam-se como exemplos as subvenções sociais para escolas de samba, clubes esportivos, grupos folclóricos, rádios comunitárias, clube de mães, dentre tantas outras que geram dúvidas quanto ao interesse público envolvido e ao caráter social das atividades desenvolvidas por estas entidades.

Nestes casos, pensamos que a solução passa pela análise dos critérios acima destacados (letras "a", "b", "c" e "d"), ponderando-se acerca da realidade social e cultural da região. Todavia, no caso da situação em concreto comprometer a igualdade de oportunidades dos candidatos ao pleito eleitoral, a Justiça Eleitoral deve tomar as providências prevista em lei, para o fim de preservar a legalidade e harmonia do processo eleitoral.

Muito bem expôs o Ministro Caputo Bastos a respeito da necessidade de cautela na aplicação das condutas vedadas, em julgado prolatado no âmbito do Tribunal Superior Eleitoral:

Conforme venho defendendo nesta Corte Superior, afirmo que a intervenção da Justiça Eleitoral há que se fazer com o devido cuidado no que concerne ao tema das condutas vedadas, a fim de não se impor, sem prudencial critério, severas restrições ao administrador público no exercício de suas funções.(TSE, Acórdão nº 24.989, rel. Min. Caputo Bastos, julgado em 31/05/2005)

Justamente é este o cuidado que a Justiça Eleitoral deverá possuir neste pleito eleitoral, pois a regra estabelecida pela Lei nº 11.300/06, que acrescentou o § 10 ao artigo 73 da Lei nº 9.504/97 (Lei das Eleições), abarca, numa interpretação literal da norma, inúmeros atos e ações que não merecem reprimenda da lei eleitoral, pois visam a efetivação dos direitos sociais e o fomento de importantes setores da sociedade civil organizada, não comprometendo igualdade de condições entre os candidatos na disputa eleitoral.

A cautela na aplicação das condutas vedadas, ilustrada pelo Ministro Caputo Bastos, deverá servir de norte aos Juízes Eleitorais nesta difícil tarefa de julgar os atos dos gestores públicos e dos demais candidatos aos cargos eletivos. As irregularidades – e certamente serão várias - deverão ser exemplarmente punidas. Mas as restrições eleitorais merecem a devida ponderação, para não se inviabilizar a salutar e necessária continuidade das políticas públicas desenvolvidas pelo Estado.


Notas

01 in Direito Eleitoral. 4ª ed. rev. e atual. São Paulo: Atlas, 2008. p. 358.

02 in Condutas Vedadas aos Agentes Públicos em Campanha Eleitoral. Resenha Eleitoral. Disponível em: , Acesso em: 18 abr. 2008.

03 in Direito Eleitoral. 4ª ed. rev. e atual. São Paulo: Atlas, 2008. p. 233.

04 No mesmo sentido: TSE, Acórdão nº 25.758, rel. Min. Cezar Peluso, julgado em 22/03/2007. Em sentido contrário: TSE, RESPE nº 27.737, rel. Min. José Augusto Delgado, julgado em 04/12/2007; e TSE, Acórdão nº 21.536, rel. Min. Fernando Neves da Silva, julgado em 15/06/2004.

05 Lei nº 9.504/97, art. 73, caput: São proibidas aos agentes públicos, servidores ou não, as seguintes condutas tendentes a afetar a igualdade de oportunidades entre candidatos nos pleitos eleitorais: (...)

06 Ibidem, p. 412.

07 in Direito Administrativo. 12ª ed. São Paulo: Saraiva, 2007. p. 734

08 in Parcerias na Administração Pública. 4ª ed. rev. e ampl. São Paulo: Atlas, 2002. p. 190.

09 Decreto federal nº 5.376/2005, art. 3º: Para fins deste Decreto, considera-se:
III - situação de emergência: o reconhecimento pelo poder público de situação anormal, provocada por desastres, causando danos superáveis pela comunidade afetada;

IV - estado de calamidade pública: o reconhecimento pelo poder público de situação anormal, provocada por desastres, causando sérios danos à comunidade afetada, inclusive à incolumidade ou à vida de seus integrantes.

10 in Curso de Direito Constitucional Positivo. 19ª ed. rev. e atual. São Paulo: Malheiros, 2001. p. 289-290.

11 MORAIS, Alexandre. Direito Constitucional. 8ª ed. São Paulo: Atlas, 2000. p. 193.

12 in Direito Financeiro e Tributário. 12ª ed. São Paulo: Atlas, 2004. p. 79.

13 Ibidem, p. 359.

14 Oportunos os ensinamentos de José Jairo Gomes sobre o art. 73, § 10, da Lei das Eleições: "A regra é a proibição da distribuição. Assim, em ano eleitoral, a Administração Pública só pode distribuir gratuitamente bens, valores ou benefícios se ocorrer alguma das hipóteses legais especificadas, a saber: calamidade pública, estado de emergência ou existência de programas sociais autorizados em lei e já em execução orçamentária no exercício anterior. As duas primeiras devem ser demonstradas. A última, pressupõe a existência de política pública específica, em execução desde o exercício anterior, ou seja, já antes do ano eleitoral. Quer-se evitar a manipulação dos eleitores pelo uso de programas oportunistas, que, apenas para atender circunstâncias políticas do momento, lançam mão do infortúnio alheio como tática deplorável para obtenção de sucesso nas urnas.

Para a configuração da hipótese inscrita no inciso IV, é preciso que o agente use ‘a distribuição gratuita de bens e valores’ em prol de candidato. Não se exige que durante o período eleitoral o programa social antes implantado seja abolido, ou tenha interrompida ou suspensa sua execução. O que se proíbe é tão-só o seu desvirtuamento, a sua colocação a serviço de candidatura, enfim, o seu uso promocional." (Ibidem, p. 418)

15 Ibidem, p. 410.

16 Ibidem, p. 17.

17 A pesquisa foi realizada no site do Tribunal Superior Eleitoral (www.tse.gov.br), em 18 de abril de 2008, e sintetiza a jurisprudência de todos os Tribunais Regionais Eleitorais do país. Muito provavelmente existam outras decisões não inseridas no banco de dados do Tribunal Superior Eleitoral, fato que fragiliza a presente pesquisa jurisprudencial.

18 Ibidem., p. 359.

19 Resolução nº 22.718/08, art. 42, § 4º: O descumprimento do disposto neste artigo acarretará a suspensão imediata da conduta vedada, quando for o caso, e sujeitará os agentes responsáveis à multa no valor de R$ 5.320,50 (cinco mil trezentos e vinte reais e cinqüenta centavos) a R$ 106.410,00 (cento e seis mil quatrocentos e dez reais), sem prejuízo de outras sanções de caráter constitucional, administrativo ou disciplinar fixadas pelas demais leis vigentes (Lei nº 9.504/97, art. 73, § 4º, c.c. o art. 78).

20 O próprio Tribunal Superior Eleitoral, na própria Resolução nº 22.718/08, poderia ter aclarado a sanção cabível pelo descumprimento do artigo 73, § 10, da Lei nº 9.504/97, afastando dúvidas quanto à aplicação ou não da multa como penalidade à mencionada conduta vedada


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Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

PROBST, Marcos Fey. Reflexões acerca da distribuição gratuita de bens, valores ou benefícios em ano eleitoral. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 13, n. 1759, 25 abr. 2008. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/11194. Acesso em: 26 abr. 2024.