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ITCMD paulista: análise, interpretação e crítica das regras de isenção nas transmissões "causa mortis"

ITCMD paulista: análise, interpretação e crítica das regras de isenção nas transmissões "causa mortis"

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Sumário: Introdução. Capítulo I - O ITCMD no Direito Positivo. 1.1 - O ITCMD na Constituição Federal . 1.2 - O ITCMD no Código Tributário Nacional. 1.3 - O ITCMD na Legislação Paulista. Capítulo II - Análise da lei paulista do ITCMD. 2.1 - A Regra Matriz de Incidência do ITCMD na transmissão."causa mortis". 2.1.1 - O critério material na regra matriz de incidência do. ITCMD - ""causa mortis".. 2.2 - As regras de isenção do ITCMD na transmissão "causa mortis"... 2.2.1 - Ótica do Espólio (universalidade dos bens) versus Ótica do Contribuinte (quinhão adquirido).2.2.2 - Ótica do herdeiro e ótica do donatário. 2.2.3 - Isenção na legislação pretérita. 2.3 - - Análise e interpretação das hipóteses de isenção. 2.3.1 - Extinção de usufruto - hipótese de não incidência do imposto, que exclui a possibilidade de isenção. Capítulo III- Interpretação das regras de isenção pela Administração Tributária Paulista. 3.1 – Exposição. 3.2 – Crítica. 3.2.1 - Inconstitucionalidade da interpretação adotada pela Secretaria da Fazenda. Capítulo IV - A escolha da melhor interpretação. 4.1 - Efeitos das diferentes interpretações. 4.2 - A escolha conforme as regras. Conclusão. Bibliografia. Anexo I. Anexo II. Anexo III


INTRODUÇÃO

O presente texto foi elaborado como Trabalho de Conclusão de Curso para o Curso de Especialização em Direito Tributário promovido pelo IBET em Ribeirão Preto, SP.

Tem como objeto de estudo as normas de isenção tributária do ITCMD - Imposto Sobre Transmissão Causa Mortis e Doação - vigente do Estado de São Paulo, aplicáveis especificamente às transmissões "causa mortis".

Retoma trabalho anterior do mesmo autor (Jardim, 2003), para novo desenvolvimento, desta feita com a utilização das técnicas de estudo analítico do direito tributário, adquiridas no Curso, aplicadas no exame da gênese do imposto, com ênfase no estudo da regra matriz de incidência tributária e seu reflexo nas regras de isenção, técnicas que se revelaram extremamente adequadas, tanto para o estudo das normas e sua interpretação como para a identificação dos equívocos em que incorre a Administração Pública na sua aplicação.

A escolha do tema deveu-se à interpretação dada pela Administração Fazendária do Estado às normas de isenção do imposto, que na visão do autor está em desacordo com a própria lei e conduz a resultados que afrontam os princípios constitucionais tributários da isonomia e da capacidade contributiva e normas complementares relativas à instituição do tributo, constantes do Código Tributário Nacional.

Como objetivo final, buscou-se oferecer uma interpretação dessas normas que seja coerente com a estrutura jurídica do tributo, fundamentada no direito positivo, a partir da Constituição Federal, com suporte no Código Tributário Nacional e na própria lei paulista de instituição do imposto, a Lei nº 10.705, de 28 de dezembro de 2000, e que atenda àqueles princípios constitucionais que se reputam feridos.

O resultado final, caso venha a prevalecer a análise e interpretação aqui defendida, será o tratamento justo e igualitário que será dado aos herdeiros e legatários, contribuintes do imposto, realizando-se mais uma vez a razão de ser e o objetivo máximo do Estado de Direito.


Capítulo I - O ITCMD NO DIREITO POSITIVO

A instituição do ITCMD está prevista no artigo 155 da Constituição Federal e tem sua competência atribuída aos Estados e ao Distrito Federal, como se vê:

"Art. 155. Compete aos Estados e ao Distrito Federal instituir impostos sobre: (Redação dada pela Emenda Constitucional nº 3, de 1993)

I - transmissão "causa mortis" e doação, de quaisquer bens ou direitos; (Redação dada pela Emenda Constitucional nº 3, de 1993)

(...)

§ 1.º O imposto previsto no inciso I: (Redação dada pela Emenda Constitucional nº 3, de 1993)

I - relativamente a bens imóveis e respectivos direitos, compete ao Estado da situação do bem, ou ao Distrito Federal;

II - relativamente a bens móveis, títulos e créditos, compete ao Estado onde se processar o inventário ou arrolamento, ou tiver domicílio o doador, ou ao Distrito Federal;

III - terá competência para sua instituição regulada por lei complementar:

a) se o doador tiver domicílio ou residência no exterior;

b) se o de cujus possuía bens, era residente ou domiciliado ou teve o seu inventário processado no exterior;

IV - terá suas alíquotas máximas fixadas pelo Senado Federal; ".

A Constituição Federal, percebe-se, tratou desse tributo de forma bastante sumária, limitando-se a indicar dois dos critérios formadores da regra matriz de incidência do imposto, através da designação do sujeito ativo, ente competente para sua instituição (Os Estados e o Distrito Federal) e da descrição de sua materialidade (transmissão "causa mortis" e doação, de quaisquer bens ou direitos). Paralelamente, outorgou ao Senado Federal a atribuição de fixar as alíquotas máximas do imposto e reservou para a Lei Complementar a definição da estrutura básica da regra de incidência, conforme previu em seu Art. 146:

"Art. 146. Cabe à lei complementar:

(...)

III - estabelecer normas gerais em matéria de legislação tributária, especialmente sobre:

a) definição de tributos e de suas espécies, bem como, em relação aos impostos discriminados nesta Constituição, a dos respectivos fatos geradores, bases de cálculo e contribuintes;"

1.2 - O ITCMD no Código Tributário Nacional

Dentro dos limites atribuídos pela Constituição Federal, o Código Tributário Nacional então vigor, positivado que fora desde 1966, com status de Lei Complementar, já dispunha em relação à transmissão "causa mortis", então uma das materialidades do antigo "ITBI", de competência dos Estados e Distrito Federal:

"Art. 35. O imposto, de competência dos Estados, sobre a transmissão de bens imóveis e de direitos a eles relativos tem como fato gerador:

I - a transmissão, a qualquer título, da propriedade ou do domínio útil de bens imóveis por natureza ou por acessão física, como definidos na lei civil;

II - a transmissão, a qualquer título, de direitos reais sobre imóveis, exceto os direitos reais de garantia;

III - a cessão de direitos relativos às transmissões referidas nos incisos I e II.

Parágrafo único. Nas transmissões "causa mortis", ocorrem tantos fatos geradores distintos quantos sejam os herdeiros ou legatários."

"Art. 38. A base de cálculo do imposto é o valor venal dos bens ou direitos transmitidos."

(...)

"Art. 39. A alíquota do imposto não excederá os limites fixados em resolução do Senado Federal, que distinguirá, para efeito de aplicação de alíquota mais baixa, as transmissões que atendam à política nacional de habitação."

Com tais disposições, preenchiam-se também os critérios do sujeito passivo - os herdeiros ou legatários - e parte do critério quantitativo, pela designação da base de cálculo, os quais deveriam ser observados pela lei de instituição do imposto, à qual cumpriria também a complementação do critério quantitativo com a fixação da alíquota incidente, dentro dos limites fixados pelo Senado.

1.3 - O ITCMD na Legislação Paulista

Vinculado às disposições da Constituição Federal e do Código Tributário Nacional, o Estado de São Paulo veio a instituir o Imposto sobre Transmissão "Causa Mortis" e Doação de Quaisquer Bens ou Direitos - ITCMD, através da Lei nº 10.705, de 28 de dezembro de 2000, depois alterada pela Lei 10.992, de 21.12.2001, ambas elaboradas de acordo com os parâmetros estabelecidos nas normas superiores.


Capítulo II - ANÁLISE DA LEI PAULISTA DO ITCMD

Para que se alcance a finalidade deste trabalho faz-se necessário, em primeiro lugar, o estudo das normas de incidência e de isenção do imposto nas transmissões "causa mortis", com especial atenção para seus critérios pessoais e materiais; a análise desses critérios e sua conjugação, no âmbito de uma interpretação sistemática, fornecerão os elementos necessários para a análise crítica da interpretação estatal, que se quer realizar.

2.1 - A Regra Matriz de Incidência do ITCMD na transmissão "causa mortis"

Do texto da lei paulista - Lei nº 10.705, de 28 de dezembro de 2000, alterada pela Lei 10.992, de 21.12.2001, podemos extrair todos os enunciados necessários à identificação das circunstâncias materiais, temporais, espaciais e pessoais em que o ITCMD se torna devido, especificamente nas hipóteses de transmissão "causa mortis", os quais, na proposta de Barros Carvalho (2004), dão consistência à denominada regra matriz de incidência do imposto, instrumento de análise estruturado na forma de critérios:

a) Critérios do antecedente (descritor):

- Critério material: (comportamento humano = verbo + complemento) o verbo "transmitir" e o complemento "qualquer bem ou direito havido por sucessão legítima ou testamentária", adicionado da explicação de que nessas transmissões "ocorrem tantos fatos geradores distintos quantos forem os herdeiros, legatários ou donatários" (art. 2º, caput, inciso I e parágrafo 1º);

- Critério temporal (relativo ao tempo em que ocorre o fato tributável), "a data da abertura da sucessão" (art. 9º, §1º e art. 15);

- Critério espacial (relativo ao espaço, território onde será cobrado o tributo), o território do Estado de São Paulo, ente instituidor do imposto (introdução e art. 1º da Lei), conjugado ora com a localização do imóvel (art. 3º, §1º) ora com o local de processamento do inventário ou arrolamento, quando se tratar de bem móvel, o título e o direito em geral, inclusive os que se encontrem em outro Estado ou no Distrito Federal (art.3º, §2º).

b) Critérios do conseqüente (prescritor):

- Critérios pessoais:

- Como sujeito ativo (com direito de cobrar o imposto), o Estado de São Paulo, ente que promulgou a lei instituidora do imposto (Lei 10.705, introdução e art. 1º) e

- Como sujeito passivo (aquele que deve pagar o imposto), na condição de contribuinte, o herdeiro ou o legatário (art. 7º, inciso I);

- Critério quantitativo:

- Como base de cálculo (valor escolhido para expressar a grandeza econômica da materialidade escolhida para imposição do tributo), o valor venal do bem ou direito transmitido (Art. 9º e §1º, e os art. 10 e 13);

- Como alíquota (porcentagem que incide sobre o valor apreciado), o percentual de 4 % (quatro por cento) (Art. 16);

- Critério temporal (o tempo do cumprimento da obrigação), o prazo de 30 (trinta) dias após a decisão homologatória do cálculo ou do despacho que determinar seu pagamento (Art. 17).

De posse dos critérios enunciados, é possível identificar a natureza do tributo, quando é devido, a forma como deve ser calculado, quem tem direito de cobrá-lo e quem é obrigado ao seu pagamento, e quando. E tais critérios, aparentemente, não guardam qualquer dificuldade ao intérprete. Aparentemente, como se verá.

2.1.1 - O critério material na regra matriz de incidência do ITCMD - "causa mortis"

A utilização, pelo legislador, do termo "transmissão" para descrever o critério material de incidência do imposto, embora coerente com a tradição jurídica, com a Constituição Federal e também com a legislação civil que trata das sucessões hereditárias, tem o condão de induzir a erro o intérprete.

Tal indução decorre de se tratar de termo largamente utilizado na linguagem comum, em razão das transmissões de rádio, televisão e telefonia ou mesmo de doenças, casos em que seu significado assume sentido diverso e oposto.

É que, quando se trata de doenças, ou de Internet, rádio ou televisão, o termo ganha um sentido muito específico, de processo originado a partir do transmitente, algo ou alguém, que transmite para outros as bactérias e vírus que se manifestarão como doenças, ou os sinais eletromagnéticos que serão decodificados em som e imagem através dos aparelhos adequados. Transmissão, nesses dois casos, é fenômeno interligado sempre com a origem daquilo que é transmitido, não com seu destino, nem sempre determinado. O verbo "transmitir" tem um sujeito - a fonte, aquele que transmite -, um objeto direto - aquilo que é transmitido -, e eventualmente um objeto indireto, quando se identifica o destinatário da transmissão.

E de tal forma onipresentes se fazem tais transmissões, que, intuitivamente, o intérprete é levado a associar o fenômeno transmissão "causa mortis"" como ato praticado por um sujeito que dá início ao processo de "transmissão" ou "transferência", identificando o destinatário da herança ou legado como objeto indireto do verbo.

Percebe-se, desde logo, a impropriedade dessa associação; se os bens de propriedade de alguém somente se transferem, na transmissão "causa mortis", com o seu falecimento, não há como conceituar essa transmissão como fenômeno originado pelo "de cujus". Este, pelo simples fato de não mais existir, não pode dar origem a nada.

Embora não se possa olvidar que, por ficção legal, a transferência dos bens do falecido para seus herdeiros ou legatários ocorre desde logo, é necessário lembrar que ela somente se perfaz com a "aceitação" da herança ou legado pelos seus destinatários legais.

Tem-se, em conclusão, que na transmissão "causa mortis" o verbo transmitir não tem como sujeito a fonte, a origem do que é transmitido; o fenômeno da transmissão da herança ou legado somente ocorre pela vontade de seus destinatários, de acordo com as normas legais que regulamentam a transferência da propriedade dos bens que subitamente tornam-se desvinculados de um proprietário, em razão de seu falecimento. A transmissão, no caso, ocorre pela iniciativa e vontade dos destinatários da herança ou legado.

Apresenta-se, então, uma situação que inverte totalmente o sentido comum de "transmissão", de fenômeno que depende de ato ou fato originário da "fonte" da transmissão: a transmissão "causa mortis" depende de ato originário do destinatário daquilo que é transmitido; se o herdeiro ou legatário não aceitam a herança ou legado, a transmissão não ocorre. O sujeito do verbo, aquele que pratica a ação de "transmitir", na transmissão "causa mortis", que constitui o núcleo do fato gerador do imposto, não é o "de cujus", nem seu espólio; são os destinatários, quando decidem pela aceitação da herança ou legado.

Evidentemente, não se está aqui a discutir gramática. Trata-se, no caso, de identificar a figura do contribuinte, ou seja, daquele que pratica o ato tributável da "transmissão" e, por conseqüência, sujeita-se ao ônus da incidência do imposto.

Essas breves considerações conduzem a uma definição mais precisa do fenômeno da transmissão "causa mortis" como critério material de incidência do imposto, revelando-o como decorrente da vontade, manifesta ou presumida, daquele que adquire a propriedade da herança ou de parte dela; e se é decorrente dessa vontade, sua expressão material vincula-se, obviamente, àquela parte do patrimônio que é alcançada por essa mesma vontade. Daí que, para fins de imposição de tributos, que leva em conta, sempre, a capacidade contributiva manifestada, não se pode tratar de transmissão de herança ou legado como um fenômeno único, abrangedor da totalidade do patrimônio deixado pelo de cujus, havendo que se considerá-la de forma individualizada em relação a cada adquirente de herança ou legado. Em outras palavras, devem se considerar como havidas tantas transmissões quantos forem os beneficiários.

O quanto é precisa essa definição, afere-se da própria estruturação jurídica da incidência do imposto, moldada de forma com ela coerente. Confira-se, para tanto, o que dispõe o parágrafo único do artigo 35 do Código Tributário Nacional, reproduzido também no § 1º do Art. 2º da Lei Nº 10.705 de 28 de dezembro de 2000, que instituiu o ITCMD no Estado de São Paulo:

"Art. 35. (...)

Parágrafo único. Nas transmissões "causa mortis", ocorrem tantos fatos geradores distintos quantos sejam os herdeiros ou legatários."

Ora, se o fato gerador é a transmissão de bens, e se ocorrem tantos fatos geradores distintos - entenda-se, tantas transmissões - quantos sejam os herdeiros ou legatários, é de se concluir que, na sucessão "causa mortis", a transmissão é fenômeno vinculado à pessoa que adquire os bens; ocorrem transmissões distintas, uma para cada herdeiro ou legatário.

Além da disposição explícita constante dos textos legais acima referidos, uma outra deve ser considerada, ainda na própria lei de instituição do imposto, Lei 10.705, a qual enuncia com clareza o vínculo do fato com a pessoa do adquirente, ao dispor, no caput do artigo 2º, que o imposto incide sobre a transmissão de qualquer bem ou direito "havido", ou seja, obtido, adquirido, recebido; dito de outra forma, se não houver aquisição, obtenção ou recebimento de bens, não se configura a transmissão que é objeto de incidência do imposto:

"Artigo 2º - O imposto incide sobre a transmissão de qualquer bem ou direito havido:

I - por sucessão legítima ou testamentária, inclusive a sucessão provisória;

II - por doação."

Cumpre observar que o tema, agora objeto de interpretação, era resolvido de forma explícita no Código Civil de 1916, que considerava a transmissão causa mortis como forma de aquisição de propriedade, conforme dispunha o artigo 530, inciso IV, do Código Civil de 1916; o dispositivo mereceu observação de NERY JUNIOR (2002), que citou jurisprudência do STJ:

"Aquisição da propriedade imóvel pela abertura da sucessão. O direito hereditário é modalidade de aquisição da propriedade imóvel, que, como a posse, se transfere aos herdeiros com a abertura da sucessão (STJ, 4ª. T, Resp 48199-MG, rel. M. Sálvio de Figueiredo Teixeira, v.u., j.30.5.1994, DJU 27.6.1994, P.16990)

E se dúvida restasse quanto à qualidade da interpretação defendida, haveria ainda o respaldo de um dos mais completos dicionários da língua portuguesa, o prestigiado Dicionário Contemporâneo da Língua Portuguesa Caldas Aulete (5a. edição, 1970, Editora Delta S.A.), que registra, sob o verbete "transmissão", para a expressão jurídica "transmissão de herança", o sentido de "aquisição dela por doação ou por direito de sucessão", ou seja, ato do adquirente.

A transmissão "causa mortis", portanto, quando menos para fins tributários, em nenhuma hipótese estará vinculada à unicidade do patrimônio deixado pelo "de cujus", individualizando-se sempre em função da pessoa do adquirente dos bens, na condição de herdeiro ou legatário; a única situação em que ocorrerá uma única transmissão, que incluirá a totalidade do patrimônio deixado, é aquela em que houver um único herdeiro.

A exaustiva argumentação em torno do critério material de incidência, será visto adiante, não é vã, pois se relaciona diretamente com o principal ponto de conflito na interpretação de algumas das normas de isenção do imposto.

2.2 - As regras de isenção do ITCMD na transmissão "causa mortis"

Conforme a melhor doutrina, as normas de isenção tributária são construídas tendo-se em conta as normas de incidência. Os critérios materiais ou pessoais utilizados para a concessão de isenções são os mesmos utilizados para a configuração do fato gerador do imposto, aos quais se acrescentam atributos que os diferenciam e, aos olhos do legislador, justificam a exclusão da incidência tributária.

Nesse sentido encontra-se, em Paulo de Barros Carvalho, que "a regra de isenção investe contra um ou mais dos critérios da norma-padrão de incidência, mutilando-os parcialmente", e "o que o preceito de isenção faz é subtrair parcela do campo de abrangência do critério do antecedente ou do conseqüente" (Curso de Direito Tributário, 17ª edição, Editora Saraiva, 2005). Em Hugo de Brito Machado, que "A norma geral descreve a situação que constitui o fato gerador do tributo. Define a hipótese de incidência tributária. A norma específica define a hipótese de isenção tributária, que será caracterizada por uma particularidade que faz essa hipótese diversa daquela definida como fato gerador do tributo" e "tem-se que a norma de isenção pressupõe a norma de tributação, à qual faz exceção" (Comentários ao Código Tributário Nacional, volume III, Editora Atlas, 2005)

A forma como são construídas as normas de isenção, a partir da especificação, dentre os fatos inseridos no campo de incidência, de certas características que determinam a não-cobrança do tributo, independe do viés doutrinário adotado pelo intérprete, seja o que considere a isenção como um fenômeno posterior no tempo, que sucede ao da incidência e exclui os efeitos desta, como entendem aqueles que abraçam a definição legal do instituto, seja o que, atento à natureza da isenção e seus efeitos no mundo jurídico, reconheça nela um fenômeno precedente ou concomitante ao da incidência e que a limita desde o início, através de restrições adicionadas aos mesmos critérios utilizados na regra matriz de incidência para a instituição do tributo.

Na legislação paulista, as isenções de ITCMD nas transmissões "causa mortis" encontram-se previstas no Capítulo II, art. 6º da Lei nº 10.705, de 28 de dezembro de 2000, com as alterações da Lei 10.992, de 21.12.2001:

"CAPÍTULO II

Das Isenções

Artigo 6º - Fica isenta do imposto: (Redação dada ao artigo 6º pelo inciso I do art. 1º da Lei 10.992 de 21-12-2001; DOE 22-12-2001; efeitos a partir de 01-01-2002)

I - a transmissão "causa mortis":

a) de imóvel de residência, urbano ou rural, cujo valor não ultrapassar 5.000 (cinco mil) Unidades Fiscais do Estado de São Paulo - UFESPs e os familiares beneficiados nele residam e não tenham outro imóvel;

b) de imóvel cujo valor não ultrapassar 2.500 (duas mil e quinhentas) UFESPs, desde que seja o único transmitido;

c) de ferramenta e equipamento agrícola de uso manual, roupas, aparelho de uso doméstico e demais bens móveis de pequeno valor que guarneçam os imóveis referidos nas alíneas anteriores, cujo valor total não ultrapassar 1.500 (mil e quinhentas) UFESPs;

d) de depósitos bancários e aplicações financeiras, cujo valor total não ultrapassar 1.000 (mil) UFESPs;

e) de quantia devida pelo empregador ao empregado, por Institutos de Seguro Social e Previdência, oficiais ou privados, verbas e prestações de caráter alimentar decorrentes de decisão judicial em processo próprio e o montante de contas individuais do Fundo de Garantia do Tempo de Serviço e do Fundo de Participações PIS-PASEP, não recebido em vida pelo respectivo titular;

f) na extinção do usufruto, quando o nu-proprietário tiver sido o instituidor;

2.2.1 - Ótica do Espólio (universalidade dos bens) versus Ótica do Contribuinte (quinhão adquirido)

Ao se iniciar o estudo dos dispositivos isencionais transcritos, é imprescindível que se tenha em mente o disposto no §1º do art. 2º da lei paulista (Lei 10705), previamente mencionado no item deste trabalho:

§ 1º - Nas transmissões referidas neste artigo, ocorrem tantos fatos geradores distintos quantos forem os herdeiros, legatários ou donatários.

A conjugação do dispositivo que determina a ocorrência de tantos fatos geradores - "transmissões "causa mortis"" ou "doações", conforme a própria definição legal do fato gerador - quantos forem os herdeiros ou legatários ou "donatários", com as regras de isenção transcritas, as quais se referem sempre ao fato gerador, modulando seus efeitos conforme determinadas características do fato concreto, relativas aos critérios material ou pessoal utilizados na conformação legal daquele fato, mostra-se agora essencial para a interpretação dos dispositivos isencionais.

Cumpre, antes de se analisarem cada uma das hipóteses de isenção, examinar o que diz o art. 6º. e seu inciso I: "Fica isenta de imposto", a "transmissão" "causa mortis". Qual o significado dessa expressão "transmissão"? Seria a totalidade dos bens do espólio, ou cada parte em que este se divide, para configurar "transmissão" sujeita à incidência do imposto? A resposta a esta pergunta é fundamental para a continuidade do processo de interpretação, pois conforme a resposta, os dispositivos serão interpretados a partir da posição que se poderia denominar de "ótica do espólio" ou do "patrimônio universal", que vê a totalidade dos bens da herança, ou da "ótica do herdeiro (ou legatário)", que vê a "transmissão "causa mortis"" individualizada, a parcela da herança atribuída a cada um deles.

Dado que a isenção é fenômeno que somente ocorre quando presente um fato que determine a incidência de um tributo - o denominado "fato gerador", e que ela irá influir justamente na forma como se darão tal incidência ou seus efeitos, através da fixação de atributos específicos a esses fatos, atributos que quando presentes determinam a exclusão dessa incidência ou de seus efeitos, parece razoável interpretar que a expressão "transmissão "causa mortis"", no inciso I do art. 6º, refere-se especificamente à "transmissão" como "fato gerador"; e se assim se interpreta, conclui-se que o significado da expressão inserida no inciso I corresponde ao de cada parcela do espólio que irá configurar "transmissão" individualizada, o que corresponde à "ótica do herdeiro".

A resposta escolhida, além de se mostrar coerente com as premissas que a ela conduziram, atende a uma característica óbvia do ITCMD: como qualquer imposto, incide sobre riqueza auferida, e quem a aufere são os herdeiros ou legatários, que justamente por isso são designados contribuintes; logo, o patrimônio a ser objeto de transmissão, sob o ângulo do espólio, nada significa em termos de incidência do imposto; essa significação somente se manifesta no mundo jurídico quando uma parcela, ou cada parcela do espólio, transfere-se para o patrimônio do herdeiro ou legatário; e somente neste momento ganha sentido qualquer consideração relativa a eventuais isenções.

2.2.2 - Ótica do herdeiro e ótica do donatário

Conquanto o objeto do presente estudo cinja-se às transmissões "causa mortis", mostra-se oportuna uma breve incursão à tributação das doações, porque também elas, para efeito de tributação, devem ser individualizadas por destinatário, no caso o donatário, conforme dispõe o mesmo § 1º, art. 2º, da Lei 10705, já mencionado no item 2.1, na identificação do critério material do imposto na transmissão "causa mortis":

"Artigo 2º - O imposto incide sobre a transmissão de qualquer bem ou direito havido:

(...)

§ 1º - Nas transmissões referidas neste artigo, ocorrem tantos fatos geradores distintos quantos forem os herdeiros, legatários ou donatários."

Também o limite de valor de imóvel para concessão de isenção, no caso de transmissão "causa mortis", de até 2500 UFESPs que se encontra no art. 6º, inciso I, alínea b, encontra-se reproduzido no inciso II do mesmo artigo, alínea a, para quaisquer isenções concedidas a doações:

"Artigo 6º - Fica isenta do imposto:

(...)

II - a transmissão por doação:

a) cujo valor não ultrapassar 2.500 (duas mil e quinhentas) UFESPs;"

A coincidência de condições de individualização dos fatos geradores e de limites de isenção, nas duas espécies de transmissão, a "causa mortis" e a doação, conduz à assertiva de que a mesma interpretação defendida para a concessão das isenções nas transmissões "causa mortis" - a ótica do herdeiro, deveria ser também aplicada para as isenções sobre doações. Seria a "ótica do donatário".

E de fato, assim é. Com uma ressalva: no caso das doações, não é necessário o trabalho do interprete, pois existe uma "interpretação oficial" que declara o mesmo entendimento, conforme disposto no Regulamento do ITCMD, aprovado pelo

Decreto nº 46.655, de 1º de abril de 2002, em dispositivo que cuida da dispensa de cumprimento de obrigações acessórias, art. 25, parágrafo único, item 1:

"Artigo 25 - Na hipótese de doação, o contribuinte fica obrigado a apresentar, até o último dia útil do mês de maio do ano subseqüente, uma declaração anual relativa ao exercício anterior, onde deverá relacionar e descrever todos os bens transmitidos a esse título e respectivos valores venais, identificando os doadores e donatários, conforme disciplina estabelecida pela Secretaria da Fazenda.

Parágrafo único - Fica o contribuinte dispensado de cumprir a obrigação prevista no "caput", quando:

1 - a soma das doações realizadas entre o mesmo doador e donatário, no período de 1º de janeiro a 31 de dezembro de cada exercício, não ultrapassar o valor correspondente a 2.500 UFESPs e desde que se refiram apenas aos bens relacionados no inciso II do artigo 2º ou aos de pequeno valor, descritos na alínea "c" do inciso I do artigo 6º."

Conforme se depreende do dispositivo, ao ITCMD não interessa quantas doações, a quantos donatários, fez o doador, e sim, que o mesmo donatário, para fins de isenção, não tenha recebido de um mesmo doador valor superior a 2.500 UFESPs. É uma clara manifestação da "ótica do donatário", que leva em conta a capacidade contributiva manifestada pelo beneficiário da transmissão.

2.2.3 - Isenção na legislação pretérita.

Finalmente, não custa lembrar, para consolidação do entendimento exposto, que o próprio Estado, até que viesse a lume a lei 10.705, sempre reconheceu, explicitamente, que os casos de isenções em transmissões "causa mortis" vinculavam-se à capacidade contributiva do herdeiro. Tal reconhecimento se comprova pelo exame do texto da Lei nº 9.591, de 30 de novembro de 1966, em cujo art. 5º se fazia referência expressa ao montante recebido pelo herdeiro como limite de valor para que não fosse cobrado o imposto:

"Lei nº 9.591, de 30 de dezembro de 1966.

Dispõe a respeito do imposto sobre transmissão de bens imóveis e direitos a eles relativos

(...)

Artigo 5.º - Não é devido o imposto:

(...)

VI - nas heranças, consideradas a parte de cada herdeiro, até o valor de Cr$ 500.000,00 (quinhentos mil cruzeiros);"

2.3 - Análise e interpretação das hipóteses de isenção

Pelo que se viu até agora, o entendimento de que as normas de isenção nas transmissões "causa mortis" devem ser interpretadas a partir da "ótica do herdeiro", que também leva em conta a capacidade contributiva manifestada pelo beneficiário, encontra paradigma tanto na própria lei de instituição do ITCMD atualmente em vigor quanto na lei que a antecedeu, a de nº 9.591, de 30 de dezembro de 1966, circunstância que mais o fortalece e determina sua escolha para o desenvolvimento deste estudo.

Definido o ângulo sob o qual serão analisados os dispositivos isencionais - o da ótica do contribuinte, pode-se passar ao exame de cada um deles, anotando-se, sempre, quais os critérios conformadores da hipótese de incidência que são restringidos pelo dispositivo.

"a) de imóvel de residência, urbano ou rural, cujo valor não ultrapassar 5.000 (cinco mil) Unidades Fiscais do Estado de São Paulo - UFESPs e os familiares beneficiados nele residam e não tenham outro imóvel;"

O dispositivo transcrito - letra a do art. 6º, inciso I retro mencionado, interfere nos critérios da regra de incidência do imposto, restringindo a tributação em face de atributos do critério material - imóvel de residência, de valor limitado, e do critério pessoal - herdeiros residentes no próprio imóvel e que não tenham outro imóvel.

A redação do texto é sofrível. Primeiro, atribui um limite pouco preciso para a concessão do benefício, o de "familiares beneficiados"; depois, porque acrescenta uma condição descrita em termos não-jurídicos, com a utilização de um verbo - "desde que não tenham" - desconhecido no âmbito da jurisdicização da propriedades imobiliárias e das relações a ela vinculadas. A imprecisão do texto desperta várias indagações:

1 - A expressão "imóvel de residência" abrange tanto o imóvel total ou as frações ideais em que o mesmo se divida, para efeito de pagamento da parte de cada herdeiro?

2 - Qual o significado da expressão "não tenham outro imóvel"? Refere-se à propriedade plena, à posse, ao usufruto, à nua-propriedade, à fração ideal, ou a qualquer uma delas?

3 - A expressão "familiares" refere-se a familiares do "de cujus"? Em caso positivo, até que grau de parentesco?

4 - Deve-se entender que a lei exige que mais de um familiar resida no imóvel, para que seja concedido o benefício?

5 - Se houver um único familiar, que receba sozinho a integralidade do imóvel, no valor de 5.000 UFESPs, será ele beneficiado com a isenção?

6 - Se houver um único imóvel com dois herdeiros, um deles residente nesse imóvel, o outro não, a isenção beneficiará a ambos, ou será aplicada apenas sobre a fração ideal recebida por um deles?

7 - Se um único imóvel componente do espólio tiver sua propriedade dividida ao meio, para atender a meação de cônjuge sobrevivente e a herança de um descendente, sendo cada parte ideal no valor de 5.000 UFESPs, de um imóvel cujo valor total seja de 10.000 UFESPs, será o herdeiro beneficiado com a isenção?

8 - Se houver cinco familiares, e cada um deles receber uma fração ideal de imóvel no valor de 5.000 UFESPs, de um imóvel cujo valor total seja de 25.000 UFESPs, cada um deles será beneficiado com a isenção prevista no dispositivo?

9 - Se houver cinco familiares e cinco imóveis no espólio, e cada um deles receber de herança um imóvel que atenda aos critérios material e pessoal da isenção - imóvel residencial, de valor limitado a 5.000 UFESPs, herdeiro nele residente que não tenha outro imóvel, cada um desses familiares será beneficiado com a isenção prevista?

Na busca de coerência com a definição do fato gerador do imposto e da vinculação das isenções a esse fato, parece razoável adotarem-se as seguintes respostas:

R1 - A expressão "imóvel de residência" abrange tanto a propriedade total quanto suas frações ideais, em caso de divisão. Sob o ângulo da lei civil, a fração ideal de imóvel constitui-se também em imóvel, sujeitando-se às mesmas regras de transmissão de propriedade. Embora tal abrangência não esteja declarada expressamente no dispositivo isencional, resulta implícita do próprio texto, que se reporta a múltiplos herdeiros - "familiares que nele residam"-, pois a única forma de se identificar um fatogerador em relação a cada herdeiro, como exigido pela lei tributária, é atribuir a ele uma fração ideal daquele imóvel, aliás, de forma coerente com as próprias disposições da lei civil, relativas às sucessões.

R2 - A expressão "não tenham" é de fato dúbia, porque se utiliza de um vocábulo carente de conteúdo jurídico específico. Entretanto, a lei privilegia os familiares que se utilizem do imóvel como residência, indicando que o critério "utilização" é determinante; daí, pode-se inferir que a expressão "não tenham outro imóvel" tem o sentido de "não tenham outro imóvel de que possam se utilizar"; e sob essa interpretação, estariam excluídos os familiares que tivessem a propriedade plena ou o domínio útil de outro imóvel residencial, ou seu usufruto; e seriam beneficiados os que tivessem apenas a nua-propriedade de outro imóvel.

R3 - A expressão "familiares" deve referir-se a "familiares" do autor da herança ou do legado; quanto ao grau de parentesco, à falta de especificação, é razoável entender que qualquer grau de parentesco que permita a aquisição de herança deve ser aceito como suficiente para reconhecimento da isenção.

R4 - Não. O fato de o imóvel ser atribuído a um único herdeiro, mesmo que haja outros, contemplados com outros bens do espólio, não pode impedir a aplicação de isenção, desde que presentes os atributos exigidos, relativos ao critério pessoal: residente no imóvel e não proprietário ou usufrutuário de outro. O fato de o texto utilizar a expressão "familiares" no plural não pode ter o significado de "mais de um" como requisito, em razão de as transmissões "causa mortis", como fatos geradores de imposto, serem consideradas, por força de lei, como individualizadas em relação a cada herdeiro ou legatário, conforme disposto no art. 2º, § 1º da Lei 10.705, retro transcrito.

R5 - Sim. O fundamento da resposta encontra-se na resposta R4, acima.

R6 - Se, de dois herdeiros do imóvel, apenas um nele reside, apenas este será beneficiado pela isenção. Justifica-se essa solução a partir do critério de interpretação adotado, o do ponto de vista do contribuinte, que leva a identificar, no caso, dois fatos geradores "transmissão causa mortis", um praticado pelo herdeiro residente, beneficiado com a isenção, e outro, praticado pelo herdeiro não residente, sujeito, no caso, à incidência plena do imposto.

R7 - Sim. A fração ideal incluída na meação do cônjuge supérstite não configura transmissão "causa mortis", porque não ocorre, no caso, "transmissão", mas apenas a separação, do monte, daquela parte que pertence, como sempre pertenceu, ao próprio cônjuge. Logo, se o imóvel, ou sua fração ideal, recebidos pelo herdeiro atende os requisitos materiais - imóvel residencial no valor de até 5.000 UFESPs, e a pessoa do herdeiro atende aos requisitos pessoais, deve ser atribuída a isenção.

R8 - "Fração ideal de imóvel" e "imóvel" têm, para efeitos tributários, o mesmo significado, como exposto na R1 acima. No caso, cada um dos cinco herdeiros, que receber uma fração ideal de imóvel residencial de valor até 5.000 UFESPs, deve ser beneficiado com a isenção, uma vez que a regra de isenção refere-se sempre ao fato gerador ocorrido, que, no caso, é individualizado por herdeiro, por determinação de lei. (Lei 10705, art. 2º, §1º, já mencionado).

R9 - Cada um dos herdeiros deve ser beneficiado com a isenção, relativamente ao imóvel que recebeu. O fundamento é o mesmo da R8, acima.

A isenção prevista na alínea b seguinte apresenta-se com requisitos menos complexos, reduzindo-se por isso a quantidade de indagações a ela referentes:

"b) de imóvel cujo valor não ultrapassar 2.500 (duas mil e quinhentas) UFESPs, desde que seja o único transmitido;"

Encontra-se aqui a previsão de dois atributos, um relativo ao critério material - que o valor do imóvel não ultrapasse 2.500 UFESPs, e outro pertinente ao critério pessoal - que o contribuinte tenha recebido como herança um único imóvel.

As poucas dúvidas que poderiam ser suscitadas seriam relativas ao sentido da expressão "desde que seja o único transmitido", daí se derivando as seguintes perguntas:

10 - A expressão "desde que seja o único transmitido" refere-se ao total de imóveis existentes no espólio, ou aos disponíveis para transmissão, ou ao total de imóveis transmitidos (adquiridos) por cada um dos herdeiros?

11 - O benefício é concedido ao herdeiro que recebe apenas uma fração ideal de imóvel, fração cujo valor esteja dentro do limite de até 2.500 UFESPs, embora o valor do imóvel inteiro seja superior a esse limite?

Para esclarecê-las, torna-se mais uma vez necessário o recurso a duas premissas adotadas no desenvolvimento deste estudo:

- primeira, a de que o verbo "transmitir", no âmbito da transmissão "causa mortis", tem o sentido de "adquirir", ponto discutido quando se tratou do critério material a regra matriz de incidência do imposto, no capítulo II, item 2.1;

- segunda, a de que as regras de isenção devem ser interpretadas sob a "ótica do contribuinte", que vê a "transmissão "causa mortis"" como fato gerador do imposto - individualizada por herdeiro ou legatário, e não sob a ótica do espólio, irrelevante para incidência do tributo, discutida no capítulo II, item 2.2.1.

Assumidas tais premissas, surge de pronto a primeira resposta, que não inspira indagações complementares:

R10 - A expressão "desde que seja o único transmitido" refere-se à quantidade de imóveis adquiridos por cada um dos contribuintes, em razão da segunda premissa mencionada. Não importa, no caso, se há mais de um imóvel no monte, a ser distribuído aos herdeiros, mas apenas se o herdeiro recebeu, no seu quinhão, um único imóvel.

Quanto à questão 11, partindo-se, mais uma vez, das duas premissas acima e considerando-se também a igualdade de significado dos termos "imóvel" e "fração ideal de imóvel", para efeitos tributários, já discutida na resposta R1, é razoável entender-se que o benefício aplica-se tanto à aquisição de imóveis na sua integralidade quanto na aquisição de frações ideais, num e noutro caso observado o valor limite estabelecido no dispositivo. A resposta, então seria:

R11 - A fração ideal de imóvel recebida pelo herdeiro ou legatário deve ser objeto de isenção, desde que seu valor não ultrapasse 2.500 UFESPs, sendo irrelevante o valor total do imóvel, porque sua propriedade, e conseqüentemente seu valor, foi dividida em partes e cada uma dessas partes, que por si corresponde a um imóvel, foi objeto de transmissão para um diferente herdeiro ou legatário, configurando-se várias "transmissões "causa mortis"", em conseqüência da previsão legal que individualiza os fatos geradores em relação aos herdeiros ou legatários.

Quanto às hipóteses de isenção previstas nas alíneas c e d, não se vislumbram indagações que não sejam aquelas relacionadas com a interpretação das isenções pela "ótica do espólio" ou pela "ótica do contribuinte":

"c) de ferramenta e equipamento agrícola de uso manual, roupas, aparelho de uso doméstico e demais bens móveis de pequeno valor que guarneçam os imóveis referidos nas alíneas anteriores, cujo valor total não ultrapassar 1.500 (mil e quinhentas) UFESPs;

d) de depósitos bancários e aplicações financeiras, cujo valor total não ultrapassar 1.000 (mil) UFESPs";

Objetivamente, a indagação cabível é se os valores totais estabelecidos nas duas alíneas referem-se ao valor total das espécies de bens existentes no monte ou ao valor de cada uma das transmissões efetuadas, por cada um dos herdeiros. A resposta deve seguir, por coerência, a mesma linha de entendimento já discutida nas respostas às perguntas R1 e R8 a R11, e seria redundância repeti-la aqui.

Na alínea seguinte, sob a letra e, o texto do dispositivo não parece exigir mais que a simples leitura para o entendimento completo de seu significado:

"e) de quantia devida pelo empregador ao empregado, por Institutos de Seguro Social e Previdência, oficiais ou privados, verbas e prestações de caráter alimentar decorrentes de decisão judicial em processo próprio e o montante de contas individuais do Fundo de Garantia do Tempo de Serviço e do Fundo de Participações PIS-PASEP, não recebido em vida pelo respectivo titular;"

Finalmente, sob a alínea f, encontra-se a última hipótese de isenção relacionada com a transmissão "causa mortis", que prevê o benefício fiscal na extinção de usufruto, condicionando-o, porém, a que tal usufruto tenha sido instituído pelo nu-proprietário:

"f) na extinção do usufruto, quando o nu-proprietário tiver sido o instituidor;"

2.3.1 - Extinção de usufruto - hipótese de não incidência do imposto, que exclui a possibilidade de isenção.

O estudioso e o aplicador do direito, diante da isenção outorgada "na extinção do usufruto, quando o nu-proprietário tiver sido o instituidor" prevista na alínea "f" do art. 6º, podem ser tomados de compreensível perplexidade, pois tal dispositivo revela-se logicamente inaplicável.

Conforme discutido no Capítulo II, item 2.2, para que um determinado fato seja contemplado com isenção de imposto é necessário, como decorrência lógica, que esse fato, não fosse a isenção concedida, constituísse fato gerador do imposto, determinando seu pagamento. Ao isentar de imposto um fato diante de uma certa condição específica, diz a lei, indiretamente, que o mesmo fato, sem aquela condição, é determinante da obrigação de pagar o tributo.

A extinção de usufruto pela morte do usufrutuário, entretanto, de acordo com as normas gerais de instituição do ITCMD, estabelecidas no Código Tributário Nacional e incorporadas na lei paulista, não pode determinar o pagamento do imposto.

Para que haja incidência do imposto sobre "transmissão "causa mortis"", como já foi visto no Capítulo II, item 2.1, o legislador, ao formular a regra matriz de incidência do tributo, exigiu o atendimento a dois critérios essenciais: o material, configurado pela ocorrência de "transmissão "causa mortis" de quaisquer bens e direitos", individualizada por herdeiro ou legatário, e o pessoal, limitando o alcance da obrigação fiscal às pessoas dos herdeiros e legatários.

Em face desses dois critérios - e aqui o legislador tributário encontra-se vinculado às disposições do direito privado, por força do art. 110 do Código Tributário Nacional (Fernandes, 2002) - somente os bens e direitos que integram o espólio permitem atender ao critério material - quaisquer bens ou direitos - e ao critério pessoal - herdeiros e legatários - exigidos para configuração do fato gerador, porque apenas tais bens compõem a herança e são portanto passíveis de transmissão a herdeiros ou legatários, dado o vinculo existente entre "herança", "herdeiros" e "legatários", no âmbito do instituto jurídico da sucessão, regulamentado pelo direito privado.

Entretanto, no caso da extinção de usufruto, não remanesce direito algum que venha a compor a herança; não há qualquer bem ou direito que em decorrência dela venha a ser somado aos demais bens e direitos do espólio, para posterior "transmissão "causa mortis". O fenômeno patrimonial decorrente da extinção do usufruto, que é a consolidação da propriedade plena na pessoa do nu-proprietário, não é conseqüente de uma "transmissão", e sim de uma simples "extinção", cumprindo também aqui se respeitar as disposições do direito privado, agora as relativas ao instituto jurídico do usufruto.

Como na extinção do usufruto não há bens a inventariar, não há herança a ser objeto de transmissão "causa mortis" e nem herdeiros ou legatários beneficiados, não há fato gerador do imposto, por absoluta inexistência dos critérios exigidos para sua incidência. Ainda que, por casualidade, o nu-proprietário compareça também como herdeiro dos bens do espólio, não será "herdeiro" em relação à extinção do usufruto, permanecendo válido o argumento.

Sobre a inexistência de fato gerador de ITCMD na extinção de usufruto em decorrência da morte do usufrutuário, vale a leitura de sentença da lavra do MM Juiz de Direito da Vara de Família e Sucessões da Comarca de Varginha - MG, Antonio Carlos Parreira, nos Autos nº:0707 06 127.914-7 - MS - (Parreira, 2006), de onde se transcreve o seguinte trecho:

"11.Para encerrar esse tópico relativo a não incidência de imposto de transmissão na extinção do usufruto, é de se lembrar que tal matéria já foi objeto de apreciação pelo SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL quando da vigência da Carta Política anterior, ocasião na qual ficou assentado o seguinte:

"USUFRUTO DECORRENTE DE DOAÇÃO A TERCEIRO.

Com a morte da donatária, extingue-se o usufruto e consolida-se a propriedade na pessoa do nu-proprietário, não sendo devido o imposto de transmissão causa mortis."

Colhe-se do voto do eminente MINISTRO CUNHA PEIXOTO, Relator:

"Na verdade, a nosso ver, ocorreu clara e indubitavelmente a negativa de vigência da lei federal. Houve indiscutível oposição à vigência, não só do Código Tributário Nacional, como da própria Constituição.

Com efeito, estabelece o art. 110 do Código Tributário Nacional não ser possível a lei tributária alterar a definição, o conteúdo e o alcance, conceitos e formas do direito privado. Portanto, se a Constituição instituiu um tributo, elegendo para fato gerador dele um instituto de direito privado, o legislador tributário federal ou estadual não pode dilatá-lo a outras situações.

Ora, não só a Constituição – art. 23, nº I -, como o art. 35 do Código Tributário Nacional, estabelecem, como fato gerador do imposto de transmissão, a transferência de bens imóveis ou de direitos reais.

Ora, com a morte da usufrutuária, de conformidade com o art. 739 do Código Civil, extingue-se o usufruto, qualquer que seja a causa, o gênero, ou a época em que se verificou.

Não se pode equiparar a extinção do usufruto com sua transferência, principalmente para efeito de tributo, pois as leis fiscais devem ser aplicadas em sentido rigoroso, estrito, de sorte a não se lhe restringir ou dilatar o sentido".

Em conclusão, deve-se afirmar que a isenção prevista na alínea "e" do inciso I do art. 6º da LC 10705/2000 constitui apenas a manifestação de um equívoco do legislador, o qual estabeleceu uma hipótese de isenção sobre um fato não incluído na esfera de incidência do imposto; e deve-se reconhecer também que não há base legal para que seja cobrado o ITCMD sobre extinção de usufruto; não apenas na hipótese descrita no dispositivo de isenção, mas em qualquer caso, pelo simples fato de que a extinção de usufruto não se subsume ao modelo estabelecido pelo legislador como determinante da incidência do imposto. Ainda que o nu-proprietário compareça para receber um quinhão da herança na condição de herdeiro ou legatário, não será "herdeiro" e, conseqüentemente, "contribuinte" em relação à extinção do usufruto, porque esta, como visto, não compõe a herança.

Não obstante, alerte-se, não é esse o entendimento da Administração Fazendária Paulista. Conforme exposto na Resposta a Consulta nº 296/2004, de 26 de agosto de 2004, item 6, - anexo III deste estudo - na transmissão "causa mortis" deve ser recolhido o imposto:

"6. Quando há a morte do doador original e usufrutuário, consolida-se a propriedade plena nas pessoas dos nu-proprietários (donatários), sendo que, nessa oportunidade, o ITCMD, para esse bem, deve ter como base de cálculo o valor correspondente ao usufruto: 1/3 (um terço) do seu valor de mercado na data da transmissão (também atualizado conforme o artigo 15 da Lei 10.705/2000), de acordo com os artigos 9º, § 2º, item 3, da Lei 10.705/2000, e 31, II, "c" e § 3º, 2, do Decreto 46.655/2002."


Capítulo III - INTERPRETAÇÃO DAS REGRAS DE ISENÇÃO PELA ADMINISTRAÇÃO TRIBUTÁRIA PAULISTA

As questões relacionadas no Capítulo II, item 2.3, têm sido submetidas à Secretaria da Fazenda do Estado de São Paulo, e encontram-se respondidas, de forma direta ou indireta, em duas Respostas a Consultas que aqui se analisam e que podem ser tomadas como paradigma do entendimento daquele órgão quanto ao tema aqui discutido.

Na primeira delas, RC 468/2002, de 23 de agosto de 2002, que constitui o anexo I deste estudo, o consulente indagou sobre a aplicação da isenção prevista no art. 6º, inciso I, alínea "b", isenção na transmissão "causa mortis" de imóvel no valor de até 2.500 UFESPs, desde que seja o único transmitido, apresentando como paradigma matéria relativa a doações e perguntando, em síntese, se "a tributação ou não dos bens e direitos deve ser definida em função do quinhão de cada um dos herdeiros, determinando fatos geradores distintos, tal como definido no parágrafo 1º do art. 1º Decreto 46.655"; e respondeu a Consultoria Tributária que "a questão apresentada pelo consulente é referente à transmissão ""causa mortis"", enquanto que o material referente à jurisprudência anexado trata somente de doação, ato "inter vivos" e, portanto, não aplicável à hipótese sob análise."(item 3), que"na base de cálculo deverá ser computado o valor total dos bens e direitos transmitidos pelo falecido (herança"),(item 5 da resposta) e que "para efeito da isenção do ITCMD, deve ser considerado o valor e as características de cada bem ou direito transmitido e não a parcela correspondente ao quinhão de cada herdeiro ou legatário." (item 6.1 da resposta), acrescentando, no item 6.2, um exemplo:

"6.2 Isso significa que, na hipótese de imóvel de residência a que se refere a alínea "a" do inciso I do artigo 6º, por exemplo, se o valor total do imóvel corresponder a 5.000 UFESPs, a isenção não é cabível e, neste caso, a parcela transmitida desse imóvel fará parte da base de cálculo do ITCMD, sofrendo a incidência do imposto à alíquota de 4%, que será devido pelos herdeiros e/ou legatários, na proporção que lhes couber."

Na segunda Consulta, RC 697/2002, de 18 de novembro de 2002, que constitui o anexo II, onde a suposta consulente indagou de isenção relativa a imóvel rural utilizado como residência de alguns dos herdeiros, o Órgão Consultor sintetizou sua resposta nos seguintes pontos:

"10. A lei estabelece, portanto, requisitos relativos ao imóvel e relativos aos beneficiários para que a transmissão seja considerada isenta. Sobre esses requisitos, cabem as seguintes considerações:

a) o limite de 5.000 UFESPs estabelecido refere-se ao valor integral do imóvel;

b )somente o imóvel próprio que é utilizado para a residência da entidade familiar pode gozar da isenção;

c) cumpridos os requisitos acima, para se aferir se a transmissão é isenta ou tributada deve ser analisada a situação individual de cada herdeiro: a transmissão é isenta para os que residirem no imóvel e é tributada normalmente para aqueles que nele não residirem;

d) finalmente é necessário, ainda, que os herdeiros que residam no imóvel em questão não sejam proprietários ou possuidores de outro imóvel ou de parte ideal de outro imóvel."

3.2 - Crítica

Verifica-se, das duas respostas examinadas no item anterior, que a Secretaria da Fazenda do Estado adota a tese de que nas transmissões "causa mortis" há uma única base de cálculo, "na qual deverá ser computado o valor total dos bens e direitos transmitidos pelo falecido (herança)", como se o fato gerador fosse praticado "pelo falecido", adotando portanto a "ótica do espólio" e deixando de considerar que a "base de cálculo" está diretamente relacionada com o "fato gerador" do imposto, do qual é a expressão valorativa, constituindo o "critério quantitativo" da regra matriz de incidência do imposto, e deixando de considerar também que, por expressa disposição da lei paulista, que encontra sua gênese no Código Tributário Nacional, na transmissão "causa mortis", da mesma forma que nas doações inter vivos, há tantos fatos geradores - portanto tantas bases de cálculo - quantos forem os herdeiros, legatários ou donatários.

Afora o ponto de se atribuir a prática de um fato gerador de tributo a pessoa inexistente - o falecido - cumpre observar que, na resposta à consulta, embora o tema fosse questionado pelo consulente, o Órgão Consultor não fez qualquer menção à previsão legal que manda dividir as heranças e doações em tantos fatos geradores quantos forem os herdeiros, legatários ou donatários. E para não se afirmar que o Órgão

Consultor desconhece a legislação que constitui matéria de seu trabalho, impõe-se a conclusão de que o dispositivo não foi mencionado porque destruiria a frágil sustentação da tese da "base de cálculo única, que corresponde ao valor total dos bens transmitidos pela "pessoa inexistente".

Estivesse o Órgão Consultor atento à existência da multiplicidade de fatos geradores, individualizados em relação aos destinatários dos bens e direitos e imposta por lei de forma idêntica e sob um único dispositivo legal, tanto para as transmissões "causa mortis" como para as doações, e não teria, com certeza, recusado a análise de jurisprudência solicitada pelo consulente da RC 468/2002 sob alegação de que "a questão apresentada pelo consulente é referente à transmissão "causa mortis", enquanto que o material referente à jurisprudência anexado trata somente de doação, ato "inter vivos" e, portanto, não aplicável à hipótese sob análise."

Na seqüência da análise, verifica-se também que, de acordo com um método de interpretação personalíssimo, o Órgão Consultor, dentro de um mesmo artigo de lei, ora diz que imóvel significa "imóvel na sua integridade", não admitindo a extensão do termo às frações ideais recebidas pelos herdeiros - RC 468/2002, itens 6.1 e 6.2, retro citados -, e ora iguala "imóvel" a "fração ideal de imóvel", afirmando que esta fração ideal tem o significado de imóvel, para impedir a concessão da isenção - RC 697/2002, item 10.d, idem. É interessante observar que, nos dois casos, a interpretação favorece o que seria o interesse do fisco; no primeiro caso, considera-se o imóvel na sua integralidade, para negar isenção às frações ideais; no segundo caso, iguala-se "fração ideal de imóvel" a "imóvel" para, desta forma, restringir a concessão de isenção destinada àquele que não "tenha" outro imóvel.

Não escapa também ao estudo que se faz sobre as respostas da Consultoria Tributária da Fazenda Estadual a transformação de sentido operada pelo Órgão Consultor quanto ao teor da alínea "a" do art. 6º, inciso I, que atribui isenção à transmissão "causa mortis" "de imóvel de residência, urbano ou rural, cujo valor não ultrapassar 5.000 (cinco mil) Unidades Fiscais do Estado de São Paulo - UFESPs e os familiares beneficiados nele residam e não tenham outro imóvel;", transformação através da qual um dispositivo de caráter plural, dirigido a uma multiplicidade de herdeiros, adquire um conotação de singularidade, com a substituição da expressão plural "os familiares" por "entidade familiar", como constou no item 10.b, com o evidente intuito de impedir, aos herdeiros, o pleno gozo da isenção concedida, exigindo que no tal imóvel resida a "entidade familiar", sabe-se lá o que seria isso, para que o alcance do dispositivo se restrinja a um único imóvel. Impedir sim, porque de acordo com o dispositivo isencional, que não sofre nem mesmo aquela restrição de ser o único imóvel transmitido, qualquer familiar beneficiado que receba um imóvel residencial de valor até 5.000 UFESPs teria direito à isenção e se cinco familiares diferentes fossem beneficiados cada um deles com um imóvel residencial, e cada um deles atendessem às condições da lei, de residir no próprio imóvel e não "ter" outro imóvel, cada um deles teria direito à isenção.

A crítica que se faz à interpretação da autoridade fazendária quanto aos dispositivos de isenção do ITCMD tem um objetivo definido. Em princípio, espera-se dos órgãos públicos encarregados de exigir o cumprimento de leis, sejam elas tributárias ou de outra espécie, que exerçam seu mister com atenção e respeito ao direito dos cidadãos; e essa expectativa gera, de alguma forma, da parte dos cidadãos em geral e do próprio Judiciário, uma presunção de que o Estado buscará sempre a interpretação mais isenta e justa, presunção que, de alguma forma, ajuda a validar todas as suas manifestações. Mas tal justiça e isenção não se pode concretizar quando a interpretação oferecida por órgãos públicos adquire um caráter tendencioso, claramente identificado na análise encetada e que revela uma interpretação governada por um viés, que permite classificá-la como "interpretação pró-fisco". E quando esse vício se manifesta, é preciso desnudá-lo com veemência, tanto para impedir que a injustiça se propague como para dizer ao próprio órgão que suas obrigações vão além de simplesmente drenar recursos de particulares para os cofres do Estado, e que seu primeiro e maior compromisso é com a justiça, no caso particular, com a justiça tributária.

3.2.1 - Inconstitucionalidade da interpretação adotada pela Secretaria da Fazenda.

A instituição e cobrança de tributos vincula-se, no ordenamento jurídico pátrio, a diversos princípios constitucionais, cuja razão de ser é proteger o cidadão contra o arbítrio do Estado e a imposição de carga tributária de forma desigual ou injusta.

Dois desses princípios dizem de perto ao questionamento levantado neste estudo, o da igualdade e o da capacidade contributiva (Carrazza, 2001).

O princípio da igualdade, instituído pelo art. 150, inciso II, da Constituição Federal, veda à União, aos Estados, ao Distrito Federal e aos Municípios instituírem tratamento desigual entre contribuintes que se encontrem em situação equivalente, proibida qualquer distinção em razão de ocupação profissional ou função por eles exercida, independentemente da denominação jurídica dos rendimentos, títulos ou direitos.

O princípio da capacidade contributiva, insculpido no § 1º do art. 145, determina que, sempre que possível, os impostos terão caráter pessoal e serão graduados segundo a capacidade econômica do contribuinte, facultado à administração tributária, especialmente para conferir efetividade a esses objetivos, identificar, respeitados os direitos individuais e nos termos da lei, o patrimônio, os rendimentos e as atividades econômicas do contribuinte.

A Atribuição da pecha de inconstitucional, à interpretação das regras de isenção do ITCMD adotada pela Fazenda do Estado, exige a apresentação de elementos objetivos, sob pena de se desqualificar.

A inconstitucionalidade decorre de a Fazenda Pública desconsiderar a capacidade contributiva manifestada por cada um dos contribuintes - herdeiros ou legatários, para efeito de cobrança do imposto, de forma que resulta em tratamento desigual para contribuintes que se encontram em condições exatamente iguais.

Vimos nos capítulos anteriores que, de acordo com a interpretação da Fazenda, se cinco herdeiros que dividem uma mesma herança receberem quinhões idênticos, cada um deles incluindo um único imóvel de 2.000 UFESPs, mais 1.200 UFESPs em bens de pequeno valor e 800 UFESPS em depósitos bancários, manifestando capacidade contributiva de 4.000 UFESPs, equivalente ao total do quinhão, não haverá qualquer isenção a ser concedida.

Entretanto, se um herdeiro universal receber um único imóvel no valor de 2.000 UFESPs, mais 1.200 UFESPs em bens de pequeno valor e 800 UFESPs em depósitos bancários, manifestando a mesma capacidade contributiva de 4.000 UFESPs, estará totalmente isento do imposto, em razão dos bens que compõem o espólio.

Temos ai um primeiro caso que ilustra a desobediência aos princípios constitucionais supra mencionados, diante de contribuintes que manifestam idêntica capacidade contributiva e recebem tratamento desigual.

Mas a injustiça pode se apresentar de outras formas: imagine-se uma situação em que dez herdeiros dividem entre si dois imóveis de valor individual equivalente a 1.000 UFESPs; de acordo com a interpretação da Fazenda, como não se trata de único imóvel, não haverá isenção, embora cada herdeiro venha a manifestar capacidade contributiva de 200 UFESPs, correspondente ao valor do quinhão que lhe será atribuído. Compare-se este caso com aquele da isenção do único herdeiro de uma herança no valor de 4.000 UFESPs, mencionado em parágrafo anterior, e restará patente, mais uma vez, e de forma mais grave, o desrespeito aos princípios da igualdade e da capacidade contributiva.

Outro caso em que a interpretação fazendária se mostra desastrosa para a justiça fiscal ocorre quando do patrimônio inventariado consta um único imóvel residencial de valor equivalente a 8.000 UFESPs, habitado pelo cônjuge supérstite e um único filho. Separada a meação do cônjuge, dado que esta não configura fato gerador do imposto, o valor total da herança, a ser objeto de "transmissão "causa mortis", seria de 4.000 UFESPs, na forma de fração ideal do imóvel, utilizado como residência pelo herdeiro. Entretanto, embora o dispositivo da alínea a do inciso I do art. 6º atribua isenção na transmissão "causa mortis" de imóvel de residência no valor de até 5.000 UFESPs, o filho único herdeiro, contemplado com o valor de 4.000 UFESPs, segundo a Fazenda Pública, não faz jus à isenção, porque o valor do imóvel é de 8.000 UFESPs, valor, note-se, que nem mesmo compõe a herança a ser transmitida. Essa interpretação encontra-se detalhada na Resposta à Consulta nº 697/2002, itens 9 e 10.a.

A lista de casos possíveis, que demonstrariam o despropósito da interpretação fazendária, tornaria exaustiva a leitura. Acredita-se, porém, que os poucos casos examinados demonstram, de forma cabal, a impropriedade dessa interpretação.


Capítulo IV - A ESCOLHA DA MELHOR INTERPRETAÇÃO

As diferentes interpretações das regras de isenção do ITCMD paulista, decorrentes da aplicação da ótica do espólio ou da ótica do contribuinte, projetam sobre os fatos tributáveis e os respectivos contribuintes efeitos substancialmente diferentes para cada uma das hipóteses de isenção.

Com relação à isenção do Art. 6º, I, a:

- A adoção da ótica do contribuinte leva à possibilidade de reconhecimento da isenção do ITCMD para mais de um imóvel residencial de valor até 5.000 UFESPs, dentre os componentes do espólio, desde que atendidas as condições do dispositivo: que os respectivos herdeiros sejam familiares do "de cujus", residam no imóvel transmitido e não "tenham" outro imóvel. Assim, no caso em que constem da herança vários imóveis de valor até 5.000 UFESPs, e que cada um destes imóveis seja herdado por diferente familiar do morto, que preencha as condições exigidas na lei, cada um dos imóveis transmitidos estará amparado pela não isenção.

- A adoção da ótica do espólio determina que, qualquer que seja a quantidade de imóveis existentes no espólio, somente os contribuintes residentes em um único imóvel, dentre todos, poderão ser beneficiados com a isenção, devendo os demais ser submetidos à tributação normal. No caso proposto, diversos imóveis transmitidos para diferentes herdeiros, cada um deles habitado pelo respectivo herdeiro, somente um desses imóveis, o habitado pela "entidade familiar", como quer a Fazenda do Estado, será objeto de isenção, atribuída ao respectivo contribuinte (herdeiro).

Com relação às isenções do Art. 6º, I, alíneas "b" a "e", os efeitos se desdobrariam de modo uniforme:

- Adotada a ótica do contribuinte, se houvesse cinco herdeiros e no espólio houvesse cinco imóveis de valor até 2.000 UFESPs; ferramenta e equipamento agrícola de uso manual, roupas, aparelho de uso doméstico e demais bens móveis de pequeno valor no valor total de 6.000 UFESPs e depósitos bancários no valor total de 4.000 UFESPs, e tais bens fossem distribuídos em quinhões iguais, de tal forma que coubesse a cada herdeiro um imóvel, mais 1200 UFESPs em bens de pequeno valor e 800 UFESPS em depósitos bancários, cada um desses herdeiros teria isenção sobre a totalidade do quinhão recebido, no montante de 4.000 UFESPs.

- Adotada a ótica do espólio, não haveria qualquer isenção, pois haveria mais de um imóvel transmitido, mais de 1.500 UFESPs em objetos de pequeno valor e mais de 1.000 UFESPs em depósitos bancários, ultrapassando os limites isencionais.

4.2 - A escolha conforme as regras

Em que pesem todos os argumentos desenvolvidos até agora, a escolha de uma interpretação de norma tributária, para que se mostre válida, não dispensa o exame de sua adequação às regras específicas que a vinculam, pertinentes, no caso, as constantes dos arts. 108 e 111 do Código Tributário Nacional:

"Art. 108. Na ausência de disposição expressa, a autoridade competente para aplicar a legislação tributária utilizará sucessivamente, na ordem indicada:

I - a analogia;

II - os princípios gerais de direito tributário;

III - os princípios gerais de direito público;

IV - a eqüidade.

§ 1º O emprego da analogia não poderá resultar na exigência de tributo não previsto em lei.

§ 2º O emprego da eqüidade não poderá resultar na dispensa do pagamento de tributo devido."

(...)

"Art. 111. Interpreta-se literalmente a legislação tributária que disponha sobre:

I - suspensão ou exclusão do crédito tributário;

II - outorga de isenção;"

Como se trata, neste estudo, de normas de isenção, seria de se aplicar inicialmente a interpretação literal, como previsto do art. 111, inciso II.

O aspecto da literalidade envolvida no dispositivo isencional, a partir do sentido do próprio termo "transmissão", foi objeto de consideração no Capítulo II, subitem 2.1.1, conduzindo, no entendimento do autor, a interpretação contrária à da Fazenda Pública.

Caso se admita, porém, que o sentido comum "transmissão", adotado pela Fazenda Pública, constitua também alternativa válida, apresentar-se-ia um impasse, a ser resolvido conforme as regras do art. 108, aplicadas sucessivamente.

Dentre as regras do art. 108, a primeira a ser observada seria a analogia. Esta já foi também utilizada, quando se tomaram como parâmetros, no capítulo II, itens 2.2.2 e 22.3, primeiro, as isenções relativas a doações, existentes na Lei 10.705, atualmente em vigor; depois, a isenção concedida especificamente aos herdeiros, na Lei nº 9.591, de 30 de dezembro de 1966, no art. 5º, inciso VI, sob cuja égide vigorou o imposto até que fosse revogada pela lei atual, revelando-se também um resultado contrário à interpretação fazendária.

Mas, em se admitindo que a analogia no âmbito da lei atual não servisse à finalidade, porque, embora construída a partir de fatos geradores e dispositivos isencionais pertinentes ao mesmo imposto, tratados nos mesmos artigos de lei e relativos a transmissões não-onerosas, tratar-se-ia de situações diferentes, como quer a Fazenda, e que a lei anterior não se prestasse à análise por se tratar de lei revogada, seria o intérprete obrigado a recorrer aos princípios gerais de direito constitucional tributário, com ênfase nos princípios da igualdade e da capacidade contributiva, exercício desenvolvido no Capítulo III, item 3.2.1, com a apresentação de exemplos inquestionáveis.

E, mais uma vez, a interpretação seria oposta à da Fazenda Pública; e contestá-la exigiria, mais que palavras, a negação, pela Fazenda, dos próprios termos de suas respostas a consultas, parecendo razoável dar-se por encerrado o trabalho do intérprete.


CONCLUSÃO

Na introdução deste estudo alertou-se o leitor quanto à finalidade que conduziu à sua elaboração, a de criticar a interpretação das normas de isenção do ITCMD adotadas pela administração fazendária do Estado de São Paulo e oferecer uma outra, que se considera mais adequada para se alcançar a realização prática de princípios constitucionais essenciais à justiça e à harmonização de interesses no âmbito social.

No seu desenrolar, deparou-se mesmo com um caso de não-incidência de imposto, o da extinção de usufrutos, logicamente fundamentado, também ele não admitido pela Fazenda Pública, e que pode gerar grandes repercussões, em razão da cobrança indevida que vem se perpetuando no tempo.

Ressalvado o desenvolvimento de novos estudos e a demonstração da falsidade ou inconsistência dos argumentos apresentados neste trabalho, parece razoável concluir pela procedência da linha de entendimento nele defendida.

Definida uma linha de entendimento, o passo seguinte seria o de estabelecer uma estratégia para vê-la aplicada a casos práticos, de forma a ver realizada a justiça pretendida, tanto no presente e futuro quanto na reparação de fatos pretéritos.

De certa forma, a elaboração e divulgação do presente estudo representa um primeiro passo, na medida em que oferece aos operadores uma alternativa à interpretação fazendária e argumentos que a sustentam.

O resultado prático que se seguir a este estudo demonstrará ou não sua consistência e utilidade.


REFERÊNCIA BIBLIOGRÁFICA

CARRAZZA, Roque Antonio. Curso de Direito Constitucional Tributário, 16ª. edição, Malheiros Editores, 2001.

CARVALHO, Paulo de Barros; Fundamentos Jurídicos da Incidência Tributária, 3ª edição, São Paulo, Saraiva, 2004.

CARVALHO, Paulo de Barros. Curso de Direito Tributário, 17ª edição, Editora Saraiva, 2005.

CASSONE, Vitório. Direito Tributário, Ed. Atlas, 10ª. edição, 1997.

Dicionário Contemporâneo da Língua Portuguesa Caldas Aulete (Volume V, 5a. edição, 1970, Editora Delta S.A.),

FERNANDES, Regina Celi Pedrotti Vespero. Imposto sobre Transmissão causa mortis e Doação – ITCMD, Editora Revista dos Tribunais, 2002

JARDIM FILHO, Manoel Ferreira. As isenções tributárias e o ITCMD Paulista, Jus Navigandi, 2003, disponível em: http://jus.com.br/artigos/4024

MACHADO, Hugo de Brito. Comentários ao Código Tributário Nacional, volume III, Editora Atlas, 2005

NERY JUNIOR, Nelson; NERY, Rosa Maria de Andrade. Novo Código Civil e Legislação Extravagante Anotados, Ed. Revista dos Tribunais, SP, 2002.

PARREIRA, Antonio Carlos. Não incide imposto de transmissão sobre a extinção do usufruto, Jus Navigandi, 12/2006, disponível em: http://jus.com.br/artigos/16759. - Acesso em 20/fev/2008.


ANEXO I

Transmissão "causa mortis" – O imposto incide sobre o total dos bens e direitos transmitidos – Para efeito de isenção, cada bem ou direito deve ser considerado individualmente, na sua integridade, na forma prevista pelo artigo 6º, inciso I, da Lei 10705/2000 (alterada pela Lei 10922/2001).

Resposta de Consulta nº 468/2002 de 23 de agosto de 2002.

1. O consulente relata que com o falecimento de sua genitora, em 02.04.2002, apresentou ao Posto Fiscal de sua localidade "a declaração de arrolamento e o demonstrativo de cálculos do ITCMD".

1.1 Com base no §1º do artigo 1º do Decreto 46655, registra que classificou "o bem imóvel como ‘Bem não tributado’" e deixou de relacionar "os saldos bancários e as ações, cuja alienação fora requerida judicialmente para cobertura de gastos com funeral e custas processuais". "Ato contínuo", por meio de notificação anexada à consulta, foi orientado "a refazer a documentação, incluindo tudo (imóvel, ações e saldos bancários) como bens tributados".

1.2 "Atendendo ao pedido", refez a documentação e a apresentou ao Posto Fiscal, "com correspondência de 20.05.02, (...), encarecendo a revisão da orientação" (anexa à consulta).

1.3 "Diante, então, da divergência de entendimentos", consulta:

"a) a tributação ou não dos bens e direitos deve ser definida em função do quinhão de cada um dos herdeiros, determinando fatos geradores distintos, tal como definido no parágrafo 1º do Decreto 46.655?

b) ou a tributação ou não dos bens e direitos deve ser definida pelo valor efetivo dos bens e direitos (Art. 6º, b)?

c) nessa hipótese, o valor do bem, superior a 2.500 UFESPs, mas cujo quinhão ficasse muito aquém daquele valor, se sobreporia ao ditame do parágrafo 1º do Art. 1º?

d) no caso concreto em discussão, se tributados os herdeiros pelo valor total dos bens ou direitos, cujo valor ultrapassa o limite de isenção (Art. 6º, b), ocorreriam fatos geradores distintos para valores abaixo daquele limite (Art. 1º, parágrafo 1º), consumando tributação sobre bens isentos?"

1.4 O consulente destaca, por fim, ter juntado à consulta jurisprudência sobre a matéria que poderá "contribuir para a elucidação da dúvida".

2. Registre-se, de início, que o consulente já apresentou consulta anterior, protocolizada sob o n.º 343/2002, considerada ineficaz por este órgão consultivo por não conter declaração quanto à existência ou não de procedimento fiscal contra o consulente (inciso III do artigo 513 do Regulamento do ICMS, aprovado pelo Decreto 45490/2000, combinado com os artigos 31-A da Lei 10705/2000, e 47 do Decreto 46655/2002), deficiência sanada na presente consulta.

3. Assinale-se, ainda, que a questão apresentada pelo consulente é referente à transmissão "causa mortis", enquanto que o material referente à jurisprudência anexado trata somente de doação, ato "inter vivos" e, portanto, não aplicável à hipótese sob análise.

4. É necessário esclarecer que, para fins da incidência do imposto sobre a transmissão "causa mortis", por herança, se entende a parte dos bens do falecido que é transmitida aos sucessores legítimos ou testamentários, compreendendo todos os bens (móveis e imóveis) ou direitos transmitidos em razão da morte do titular.

4.1 Dessa forma, na hipótese de haver cônjuge ou companheiro sobrevivente, com direito à meação, em virtude do regime de bens no casamento ou união estável, essa parcela do patrimônio não estará sujeita à incidência do ITCMD, pois não se configura como herança - transmissão por via hereditária ou testamentária.

5. Na base de cálculo deverá ser computado o valor total dos bens e direitos transmitidos pelo falecido (herança), devendo cada bem ou direito ser considerado na data da abertura da sucessão e atualizado segundo a variação da Unidade Fiscal do Estado de São Paulo – UFESP, até a data prevista na legislação para recolhimento do imposto (artigo 13 do Decreto 46655/2002).

6. Para efeito de determinar a base de cálculo tributável não se incluem os bens e direitos que, considerados individualmente, se configurem isentos do ITCMD conforme estabelecido no inciso I do artigo 6º da Lei 10705/2000:

"Artigo 6º - Fica isenta do imposto: (Redação dada ao artigo 6º pelo inciso I do art. 1º da Lei 10.992 de 21-12-2001; DOE 22-12-2001; efeitos a partir de 01-01-2002)

I – a transmissão ‘causa mortis’:

a) de imóvel de residência, urbano ou rural, cujo valor não ultrapassar 5.000 (cinco mil) Unidades Fiscais do Estado de São Paulo – UFESPs e os familiares beneficiados nele residam e não tenham outro imóvel;

b) de imóvel cujo valor não ultrapassar 2.500 (duas mil e quinhentas) UFESPs, desde que seja o único transmitido;

c) de ferramenta e equipamento agrícola de uso manual, roupas, aparelhos de uso doméstico e demais bens móveis de pequeno valor que guarneçam os imóveis referidos nas alíneas anteriores, cujo valor total não ultrapassar 1.500 (mil e quinhentas) UFESPs;

d) de depósitos bancários e aplicações financeiras, cujo valor total não ultrapassar 1.000 (mil) UFESPs;

e) de quantia devida pelo empregador ao empregado, por Institutos de Seguro Social e Previdência, oficiais ou privados, verbas e prestações de caráter alimentar decorrentes de decisão judicial em processo próprio e o montante de contas individuais do Fundo de Garantia do Tempo de Serviço e do Fundo de Participações PIS-PASEP, não recebido em vida pelo respectivo titular;

f) na extinção do usufruto, quando o nu-proprietário tiver sido o instituidor;

II -. .."

6.1 Tem-se, assim, que, para efeito da isenção do ITCMD, deve ser considerado o valor e as características de cada bem ou direito transmitido e não a parcela correspondente ao quinhão de cada herdeiro ou legatário.

6.2 Isso significa que, na hipótese de imóvel de residência a que se refere a alínea "a" do inciso I do artigo 6º, por exemplo, se o valor total do imóvel corresponder a 5.001 UFESPs, a isenção não é cabível e, neste caso, a parcela transmitida desse imóvel fará parte da base de cálculo do ITCMD, sofrendo a incidência do imposto à alíquota de 4%, que será devido pelos herdeiros e/ou legatários, na proporção que lhes couber.

6.3 Nesse ponto, deve-se salientar que para fins de informação, apuração da base de cálculo e, se for o caso, reconhecimento de isenção, na transmissão "causa mortis", o contribuinte deverá preencher a Declaração do ITCMD, com os dados referentes às primeiras declarações prestadas em juízo, disponibilizada na página do Posto Fiscal Eletrônico – HYPERLINK http://pfe.fazenda.sp.gov.br http://pfe.fazenda.sp.gov.br.

6.3.1 A partir daí, o sistema informatizado da Secretaria da Fazenda disponibilizará ao interessado o Demonstrativo de Cálculo, o Resumo do ITCMD, conforme o caso, calculará o imposto, se devido, e emitirá a respectiva Guia de Recolhimento que, juntamente com os demais documentos previstos no artigo 9º da Portaria CAT 72/2001, deverão ser entregues ao Posto Fiscal competente (artigo 21 do Decreto 46655/2002).

7. Por fim, vale registrar a correção do entendimento adotado pela fiscalização, na presente questão, ao determinar a inclusão na base de cálculo do imposto dos saldos bancários e ações transmitidas pelo titular falecido juntamente com os demais bens e direitos transmitidos.

Elaise Ellen Leopoldi. Consultora Tributária. Célia Barcia Paiva da Silva. Consultora Tributária Chefe – 3ª ACT. De acordo. Cirineu do Nascimento Rodrigues. Diretor da Consultoria Tributária.

http://www.pfe.fazenda.sp.gov.br/››Legislação› Respostas da Consultoria Tributária › ITCMD, em 06/02/2008.

ANEXO II

Transmissão "causa mortis" de imóvel de residência - Isenção - condições.

Resposta a consulta nº 697/2002, de 18 de novembro de 2002.

1.A Consulente, viúva meeira, é inventariante dos bens e direitos de seu marido, cujo arrolamento tramita no Foro competente.

2.Declara, por seu advogado, que a partilha contempla um imóvel rural, avaliado em R$ 38.853,60, onde residem ela e três de seus filhos, todos solteiros. Os outros três filhos, casados, não residem na propriedade.

3.Entende que os herdeiros citados na consulta têm direito à isenção do imposto sobre a transmissão "causa mortis" da citada propriedade, nos termos do artigo 6o, inciso I, alínea "a" da Lei n? 10.992, uma vez que nela residem e que a mesma não atinge o valor de 5.000 UFESPs.

4.Em primeiro lugar, alerte-se que na situação trazida para exame, conforme se observa na petição inicial de arrolamento e partilha, sob o título "pagamentos" e subtítulo "primeiro pagamento" (cópia inclusa à consulta), a viúva meeira renunciou à sua meação em favor do monte-mor, com reserva de usufruto dos imóveis para si. Este ato configura hipótese de doação, cujo fato gerador é distinto do da transmissão "causa mortis". Nesse caso, os contribuintes do imposto são os filhos (donatários).

5.Ao mesmo tempo, os respectivos filhos instituíram em favor da viúva meeira o usufruto dos imóveis inventariados. Também, neste caso, ocorre nova hipótese de doação, tendo como contribuinte do imposto incidente a viúva meeira (donatária).

6.No que se refere à questão específica do benefício previsto no artigo 6º, inciso I, alínea "a", da Lei 10.705/2000, cabe esclarecer que a isenção, quando não concedida em caráter geral, é efetivada, em cada caso, por despacho da autoridade administrativa, em requerimento com o qual o interessado faça prova do preenchimento das condições e do cumprimento dos requisitos previstos em lei para sua concessão (artigo 6º, §1º, da Lei 10.705/2000, combinado com os artigos 8º, §1º, e 21 a 28, do Decreto 46.655/2002).

7.O reconhecimento da isenção referente ao ITCMD, bem como, a verificação da correção dos valores informados e do cálculo referente ao imposto devido, não se inserem na competência deste órgão consultivo (artigo 104 da Lei 6.374/89 combinado com o artigo 31 do Decreto 44.566/99). Por esse motivo, a presente resposta irá se ater à análise dos critérios estabelecidos na legislação para que determinada transmissão possa ou não ser considerada isenta do referido imposto.

8.Isso considerado, diz a citada norma legal:

"Artigo 6º - Fica isenta do imposto: (Redação dada ao artigo 6º pelo inciso I do art. 1º da Lei 10.992 de 21-12-2001; DOE 22-12-2001; efeitos a partir de 01-01-2002)

I - a transmissão ‘causa mortis’:

a) de imóvel de residência, urbano ou rural, cujo valor não ultrapassar 5.000 (cinco mil) Unidades Fiscais do Estado de São Paulo - UFESPs e os familiares beneficiados nele residam e não tenham outro imóvel;

.........................................................................................................................."

9.Assim, a isenção prevista nesta norma legal é condicionada aos seguintes requisitos:

a)o imóvel deve ser utilizado para residência da entidade familiar, podendo ser urbano ou rural;

b)o seu valor não pode ultrapassar a 5.000 (cinco mil) Unidades Fiscais do Estado de São Paulo – UFESPs;

c)os beneficiados devem residir no imóvel;

d)os beneficiados não podem possuir outro imóvel.

10.A lei estabelece, portanto, requisitos relativos ao imóvel e relativos aos beneficiários para que a transmissão seja considerada isenta. Sobre esses requisitos, cabem as seguintes considerações:

a)o limite de 5.000 UFESPs estabelecido refere-se ao valor integral do imóvel;

b)somente o imóvel próprio que é utilizado para a residência da entidade familiar pode gozar da isenção;

c)cumpridos os requisitos acima, para se aferir se a transmissão é isenta ou tributada deve ser analisada a situação individual de cada herdeiro: a transmissão é isenta para os que residirem no imóvel e é tributada normalmente para aqueles que nele não residirem;

d)finalmente é necessário, ainda, que os herdeiros que residam no imóvel em questão não sejam proprietários ou possuidores de outro imóvel ou de parte ideal de outro imóvel;

e)mas a isenção não deixa de ser aplicada pelo fato de estarem sendo transmitidos outros imóveis no arrolamento ou no inventário, uma vez a Lei 10.705 não impõe tal requisito na alínea "a" do inciso I do artigo 6o, como o faz logo em seguida na alínea "b".

Elaise Ellen Leopoldi. Consultora Tributária.De acordo. Célia Barcia Paiva Da Silva. Consultora Tributária Chefe – 3ª ACT. Cirineu Do Nascimento Rodrigues. Diretor da Consultoria Tributária

http://www.pfe.fazenda.sp.gov.br/››Legislação› Respostas da Consultoria Tributária › ITCMD, em 06/02/2008.

ANEXO III

Doação com reserva de usufruto realizada em 2002 – Consolidação da propriedade plena efetivada no ano seguinte (2003) – Cálculo do Imposto – Base de Cálculo – Pagamento por compensação – Considerações.

Resposta à Consulta n.º 296/2004, de 26 de agosto de 2.004.

1. O Consulente relata que, no ano de 2002, sua mãe doou, "a título de adiantamento de legítima, dois imóveis a seus seis filhos, em partes iguais, mantendo o usufruto. As doações foram a valor de mercado, superiores ao valor da sua declaração de bens, perfazendo o valor de R$ 1.000.000,00."

1.1. Cada donatário recolheu o respectivo ITCMD, calculado conforme abaixo, "sendo desconsiderado o valor do usufruto na base de cálculo", e sua mãe, como doadora, recolheu o imposto de renda – IR – sobre o ganho de capital:

"valor dos imóveis x 2/3 = valor da nua propriedade = R$ 666.666,67 valor total do ITCMD = 4% de R$ 666.666,67 = R$ 26.666,67 valor individual por donatário = R$ 26.666,67/6 = R$ 4.444,44"

2. Com o falecimento de sua mãe, em 2003, houve a transferência do usufruto aos herdeiros, momento em que foi recolhido o ITCMD, calculado da seguinte forma: "valor dos imóveis x 1/3 = valor do usufruto = R$ 333.333,33 valor total do ITCMD = 4% de R$ 333.333,33 = R$ 13.333,33 valor individual por donatário = R$ 13.333,33/6 = R$ 2.222,22"

3. Diante disso, indaga:

3.1 se tais cálculos estão corretos;

3.2 se "poderia ter sido feita uma compensação do valor de IR pago com o valor a pagar do ITCMD", ou vice-versa, uma vez que foi informado de casos em que há a possibilidade legal de haver uma compensação entre impostos no caso de transmissão de bens.

4. Em primeiro lugar, observamos que a competência deste órgão consultivo é a interpretação e aplicação da legislação tributária estadual, não se inserindo entre suas atribuições a elaboração ou revisão de cálculos. Assim sendo, esta resposta irá se ater aos critérios a serem adotados para o cálculo do imposto devido, na hipótese trazida para exame.

5. Nessa esteira, conforme o artigo 16 da Lei 10.705/2000 (alterada pela Lei 10.992/2001), a alíquota aplicável é de 4% e, por se tratar de doação com reserva de usufruto, aplica-se a base de cálculo prevista no artigo 9º, § 2º, item 4, dessa Lei, que equivale a 2/3 (dois terços) do valor de mercado do bem na data da realização do ato ou contrato de doação (transmissão não onerosa da nua - propriedade) atualizado conforme o artigo 15 da mesma Lei.

6. Quando há a morte do doador original e usufrutuário, consolida-se a propriedade plena nas pessoas dos nu-proprietários (donatários), sendo que, nessa oportunidade, o ITCMD, para esse bem, deve ter como base de cálculo o valor correspondente ao usufruto: 1/3 (um terço) do seu valor de mercado na data da transmissão (também atualizado conforme o artigo 15 da Lei 10.705/2000), de acordo com os artigos 9º, § 2º, item 3, da Lei 10.705/2000, e 31, II, "c" e § 3º, 2, do Decreto 46.655/2002.

7. Quanto à compensação, o Código Tributário Nacional – CTN, que disciplina o sistema tributário nacional, a prevê, em seu artigo 156, inciso II, como uma modalidade que extingue o crédito tributário e o seu artigo 170 dispõe que a lei pode autorizar a compensação de créditos tributários, isto é, débitos que o contribuinte (sujeito passivo) tenha com determinada Fazenda Pública, com créditos líquidos e certos vencidos ou a vencer que a mesma Fazenda Pública deva a esse sujeito passivo.

8. Desse modo, a suposta compensação aventada pelo Consulente não é aplicável porque, entre outros impeditivos legais, o imposto de renda (IR) é tributo da esfera federal (Fazenda Pública Federal), nada tendo a ver com a esfera estadual, que é a quem compete o ITCMD.

Denise Maria de Sousa Cirumbolo, Consultora Tributária. De acordo. Elaise Ellen Leopoldi, Consultora Tributária Chefe – 3ª ACT. Guilherme Alvarenga Pacheco, Diretor Adjunto da Consultoria Tributária. CCCT de 24/08/2004.

http://www.pfe.fazenda.sp.gov.br/››Legislação› Respostas da Consultoria Tributária › ITCMD, em 06/02/2008.



Informações sobre o texto

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

JARDIM FILHO, Manoel Ferreira. ITCMD paulista: análise, interpretação e crítica das regras de isenção nas transmissões "causa mortis". Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 13, n. 1769, 5 maio 2008. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/11232. Acesso em: 24 abr. 2024.