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A observância do princípio da anterioridade na revogação de uma isenção incondicionada

A observância do princípio da anterioridade na revogação de uma isenção incondicionada

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Apesar do entendimento contrário por parte da maioria doutrinária, prevalece a interpretação do Supremo Tribunal Federal, favorável ao fisco e em prejuízo do contribuinte.

RESUMO

Este trabalho tem origem no questionamento da exigência imediata do tributo quando a lei de isenção incondicionada é revogada, sem a observância do princípio da anterioridade. Apesar do entendimento nesse sentido por parte da maioria doutrinária, prevalece a interpretação do Supremo Tribunal Federal, favorável ao fisco e em prejuízo do contribuinte. Serão analisados os aspectos constitucionais, técnico-jurídicos e doutrinários referentes ao tema. Em seguida, a questão será abordada a partir das teorias da isenção e dos argumentos doutrinários e jurisprudenciais. Por fim, o artigo apresentará a conclusão acerca da interpretação que entende mais adequada à questão.

SUMÁRIO: 1. Introdução. 2. Desenvolvimento. 2.1. Aspectos constitucionais. 2.1.1. Abordagem constitucional da isenção. 2.1.2. O princípio constitucional da anterioridade tributária. 2.2. Abordagem Técnico-Jurídica da isenção. 2.2.1. Isenção, imunidade, incidência e não incidência. 2.2.2. Teorias sobre a isenção. 2.2.3. Exigência de lei específica. 2.2.4. Classificação das isenções. 2.2.5. Normas aplicáveis às isenções. 2.3. Anterioridade e revogação das isenções 2.3.1. Considerações gerais. 2.3.2. A posição do Supremo Tribunal Federal. 2.3.3. A posição da doutrina. 3. Considerações finais. Referências.


1.INTRODUÇÃO

Décadas atrás, especialmente durante o regime militar, houve uma simbiose entre o Estado brasileiro e parcela da burguesia e do empresariado, com o recrudescimento da política de concessão de privilégios. O desenvolvimento do País era questão de ordem e nesse contexto as isenções e os demais privilégios fiscais eram considerados essenciais para o crescimento econômico. Houve abusos na concessão de incentivos e isenções.

A Constituição de 1988 sinalizou em outra direção proibindo os privilégios odiosos. O Tribunal de Contas passou a fazer o controle da legitimidade e da economicidade, com o exame do real proveito das renúncias de receita para o crescimento do País e o orçamento passou a ter que ser acompanhado de demonstrativo dos efeitos de todas as renúncias e subvenções, entre elas as isenções, de forma a combater as renúncias de receita.

Sob a égide da atual Constituição, diversos institutos tributários são objeto de interpretações divergentes entre a doutrina e a jurisprudência, destacando-se entre eles a isenção, sendo que, na maioria das vezes, o entendimento prevalente é desfavorável ao contribuinte.

O presente trabalho tem por objetivo analisar a questão referente à observância ou não do princípio da anterioridade no caso da revogação das isenções incondicionadas e os efeitos para os beneficiários.

A pesquisa se justifica por enfocar tema polêmico que envolve relação jurídica tributária entre fisco e contribuinte. Trata-se de assunto importante e de relevância social. Serão buscadas respostas para o problema através de pesquisa bibliográfica na doutrina, na legislação e na jurisprudência. A pesquisa se caracteriza como descritiva, com o propósito de analisar, criticamente a polêmica existente entre a doutrina e a jurisprudência.

O estudo procurará mostrar que nem sempre a melhor doutrina predomina quando é favorável ao contribuinte, que muitas vezes tem que se render à jurisprudência dominante, especialmente quando se trata do entendimento do Supremo Tribunal Federal (STF).

Para alcançar o objetivo da pesquisa, o trabalho será dividido em três seções. A primeira abordará os aspectos constitucionais aplicáveis à isenção e o princípio da anterioridade tributária; a segunda destacará a discussão técnico-jurídica, destacando as diferentes teorias e controvérsias na doutrina e na jurisprudência; e, por último, será apresentada a conclusão considerando os fundamentos doutrinários e jurisprudenciais.


2.ABORDAGEM CONSTITUCIONAL, DOUTRINÁRIA, JURISPRUDENCIAL E TÉCNICO-JURÍDICA DA ISENÇÃO

2.1. ASPECTOS CONSTITUCIONAIS

2.1.1 – Abordagem constitucional da isenção

A isenção tributária subordina-se a princípios explícitos no texto constitucional e a outros revelados pela doutrina ou pela jurisprudência. As idéias básicas que fundamentam a isenção são a de justiça, à qual se vinculam os princípios da capacidade contributiva, economicidade e desenvolvimento econômico; e a de segurança jurídica, que informa os princípios da legalidade, anterioridade e transparência orçamentária [01].

Trata-se de privilégio representado por uma renúncia de receita fiscal. A Constituição proíbe os privilégios odiosos, ou seja, aqueles destituídos de razoabilidade e de apoio na capacidade contributiva ou no desenvolvimento econômico, na exegese do art. 150, II.

Por outro lado, o orçamento tem obrigatoriamente que ser acompanhado do demonstrativo dos efeitos de todas as renúncias e subvenções, entre elas as isenções, estabelecendo-se assim o combate às renúncias de receita outrora abusivas, conforme estabelece o art. 165, §6º, com a redação dada pela Emenda Constitucional nº 3/93.

A isenção deve também observar a transparência, devendo o orçamento ser acompanhado de demonstrativo regionalizado do efeito, sobre as receitas e despesas, decorrentes de isenções, anistias, remissões, subsídios e benefícios de natureza financeira, tributária e creditícia, não podendo a isenção ser concedida ocultamente, sem a mensuração dos seus efeitos sobre o Tesouro.

O art. 70 estabelece que Tribunal de Contas tem a atribuição de fazer o controle da legitimidade e da economicidade, com o exame do real proveito das renúncias de receita para o crescimento do País.

É certo que somente a lei formal da entidade tributante, votada pelo poder legislativo pode conceder isenção. O Código Tributário Nacional (CTN) refere-se ao princípio da legalidade no art. 97, explicitando o contido no art. 150, I da CRFB. Exceção a essa regra são os Convênios ICMS. O art. 150, §6º da CRFB impôs a concessão de isenção mediante lei específica, federal, estadual ou municipal, que regule exclusivamente tais matérias ou o correspondente tributo ou contribuição para evitar abusos legislativos.

Já a Constituição proibiu no art. 151, III a concessão pela União de isenções heterônomas, ou seja, de tributos estaduais e municipais.

2.1.2 – O Princípio constitucional da anterioridade tributária

O princípio da anterioridade do exercício financeiro está no texto constitucional desde a promulgação, mas as exceções ao princípio sofreram alterações pelo constituinte derivado.

Não se aplica a anterioridade à concessão das isenções, pois inexiste a obrigatoriedade da lei concessiva ser publicada antes do início do exercício [02].

A regra geral encontra-se no art. 150, III, ‘b’ da CRFB, que veda à União, aos Estados, ao Distrito Federal e aos Municípios cobrar tributos no mesmo exercício financeiro em que haja sido publicada a lei que os instituiu ou aumentou. Isso significa que para que uma lei que crie ou aumente tributo possa produzir efeitos em um ano é necessário que ela tenha sido publicada no ano anterior.

A emenda constitucional nº 42/2003 inseriu a alínea ‘c’ no art. 150, III da CRFB instituindo a regra geral da noventena, exigindo um prazo mínimo de 90 dias entre a publicação e o início de produção de efeitos da lei que cria ou aumenta tributo. Essa exigência, em regra, é cumulativa com a anterioridade do exercício financeiro [03].

O STF, na ADI nº 939/DF, de 15/12/1993, declarou que o princípio tributário da anterioridade constitui garantia individual do contribuinte e, portanto, cláusula pétrea, conforme art. 5º, §2º c/c art. 60, §4º, IV da CRFB, não podendo ser suprimido por meio de emenda constitucional.

2.2.– ABORDAGEM TÉCNICO-JURÍDICA DA ISENÇÃO

2.2.1 – Isenção, imunidade, incidência e não-incidência

Há incidência de tributo quando determinado fato, por enquadrar-se no modelo abstratamente previsto pela lei se juridiciza e irradia o efeito, também legalmente previsto, de dar nascimento a uma obrigação de recolher o tributo [04].

Além do fato gerador, outros fatos há que podem ser matizados por normas de legislação tributária, sem que haja incidência sobre eles. É o que se dá com as normas de imunidade ou de isenção, que juridicizam certos fatos, para o efeito de negar-lhes expressamente essa aptidão, ou excluí-los da aplicação de outras normas de incidência de tributos.

Quando se fala de incidência de tributo, deve-se ter em conta o campo ocupado pelos fatos que, por refletirem a hipótese de incidência do tributo legalmente definida, geram obrigações de recolher tributos. Fora desse campo, todos os fatos que não tem a aptidão de gerar tributos compõem o campo da não-incidência de tributo, em que se incluem as situações imunes e isentas, nas quais o tributo não incide.

Na imunidade, há situações nas quais a Constituição não reconhece a competência para criação de tributos. Outras situações existem em que a competência é autorizada, mas não é exercida, ou é exercida parcialmente. Surge daí o que a doutrina costuma designar como não-incidência (tout court) ou não-incidência pura e simples, por oposição à imunidade e à isenção.

No caso da isenção, há uma técnica utilizada no processo de definição do campo de incidência. Se o legislador ordinário não tributar todas as espécies tributáveis possíveis que não são imunes, total nem parcialmente, estaremos diante de não-incidência pura e simples. Pode ocorrer que o legislador, pretendendo tributar parte das espécies tributáveis possíveis, decida, em vez de relacionar as espécies que efetivamente queira gravar, optar pela técnica da isenção, que consiste em estabelecer, em regra, a tributação do universo, e, por exceção, as espécies que ficarão fora da incidência, ou seja, continuarão não tributáveis. Essas espécies excepcionadas dizem-se isentas.

A diferença entre a chamada não-incidência pura e simples e a isenção são apenas formais, dizendo respeito à técnica utilizada pelo legislador. A isenção atua no plano da definição da incidência do tributo, a ser implementada pela lei por meio da qual se exercite a competência tributária. A imunidade é técnica utilizada pelo constituinte no momento em que define o campo sobre o qual outorga competência revestindo hipótese excepcionada atuando no plano da definição da competência tributária.

As distinções entre as formas de não-incidência dizem respeito à técnica legislativa. Se o ordenamento jurídico declara a situação não tributável em preceito constitucional, temos a hipótese de imunidade tributária. Se a lei exclui a situação, subtraindo-a da regra de incidência estabelecida sobre o universo de que ela faz parte, temos a isenção. Se o fato não é referido na lei, diz-se que pertence ao campo da não-incidência pura e simples, ou da não-incidência tout court.

2.2.2 – Teorias sobre a isenção

O CTN aborda a exclusão do crédito tributário no Livro Segundo, capítulo IV do Título III, que trata do crédito tributário, abrangendo os institutos da isenção e da anistia.

O instituto da isenção foi objeto de várias construções teóricas que se propuseram a relatar a figura em todos os aspectos. Serão abordadas as três teorias de maior aceitação.

A teoria clássica tem como principal representante Rubens Gomes de Souza (Apud CARVALHO, Paulo de Barros, 2007), co-autor do Anteprojeto do Código Tributário Nacional, sustentando a tese de que a isenção é um favor legal consubstanciado na dispensa do pagamento do tributo devido. Toma-se como premissa que o fato jurídico ocorre normalmente, nascendo o vínculo obrigacional. Por força da norma isentante, opera-se a dispensa do débito tributário [05].

Becker (Apud CARVALHO, Paulo de Barros, 2007) insurgiu-se contra os fundamentos da postura clássica, procurando demonstrar a inconsistência da tese da isenção como favor legal que desobrigava o sujeito devedor do cumprimento da prestação tributária. Para ele, a lógica dessa definição estaria correta apenas no plano pré-jurídico da política fiscal, quando o legislador raciocina para criar a regra jurídica de isenção. Terminou por afirmar que o preceito isentante tem por fim justamente negar a existência da relação jurídica tributária, afirmando que a regra de isenção incide para que a de tributação não possa incidir.

Borges (Apud CARVALHO, Paulo de Barros, 2007) chegou à segunda teoria, ao aprofundar o estudo de Becker, enxergando nas isenções tributárias hipóteses de não-incidência legalmente qualificadas.

A terceira teoria vislumbrou o instituto da isenção como fato impeditivo, encartado normativamente na regra isencional, e que teria a virtude de impedir que certas situações fossem atingidas pelo impacto da norma que institui o tributo.

Na lição de Sacha Calmon Navarro Coêlho [06], é erro rotundo considerar a isenção como dispensa legal do pagamento de tributo devido, pois esse conceito é exatamente o que corresponde à remissão do pagamento de tributo devido, que é forma de extinção do crédito tributário. A isenção não exclui crédito algum, pois é fator impeditivo do nascimento da obrigação tributária, ao subtrair fato, ato ou pessoa da hipótese de incidência da norma impositiva.

Destarte, o suposto da norma jurídica de isenção tem estrutura mais complexa que a hipótese da norma jurídica tributária, porque, além de abranger todos os aspectos desta, encerra um fato impeditivo que elide a eficácia da norma do tributo.

A expressão exclusão do crédito tributário expressa no CTN é ambígua. Pode tanto significar que o crédito se constitui com a ocorrência do fato gerador e tem a cobrança excluída, como pode expressar que se exclui o próprio nascimento do crédito, pela suspensão da eficácia da norma impositiva [07].

Para a teoria clássica, na isenção ocorreria o fato gerador e surgiria a obrigação tributária, mas a obrigação não se tornaria exigível, pois a fazenda fica impedida de constituir o crédito tributário pelo lançamento, que fica, assim, excluído.

Nesse caso, isenção seria tão-somente a dispensa legal de pagamento de tributo devido. Essa dispensa se dá porque, embora ocorra o fato gerador e a obrigação tributária correspondente, ela não se tornará exigível, em razão de exclusão do crédito. A exclusão do crédito significaria vedação a que a fazenda pública constitua o crédito pelo lançamento.

Seguindo a lógica das teorias que se contrapõem ao posicionamento clássico, a expressão exclusão do crédito tributário deveria ser interpretada no sentido de impedimento de sua constituição [08], sendo que, na isenção, o crédito tributário não se constitui porque ficaria suspensa a eficácia da norma impositiva.

A doutrina clássica abraçou a tese da dispensa do pagamento do tributo devido com o entendimento de que, apesar da isenção, ocorre o fato gerador, nasce a obrigação tributária e há a dispensa, pela lei, do seu pagamento [09]. Em contraposição, a doutrina moderna defende que na isenção ocorre a derrogação da lei de incidência fiscal, suspendendo a eficácia da norma impositiva. A isenção opera no plano da norma e não no plano fático.

A expressão fato gerador pode se referir tanto à definição hipotética da lei, quanto ao fato que venha a ocorrer concretamente. Para que nasça a obrigação tributária é necessário que ocorra na realidade a circunstância hipoteticamente prevista na norma. Com a isenção, o fato abstrato deixa de existir e assim não pode nascer a obrigação tributária.

A jurisprudência do STF denota sustentar-se no firme alicerce que se apóia na tese defendida pela teoria clássica, apesar da quase unanimidade doutrinária contrária a esse posicionamento.

Carvalho [10], embora não alinhado à tese dos clássicos, critica as três citadas teorias contrapostas, aduzindo que o grande problema enfrentado por elas é saber se a regra-matriz de incidência chega primeiro ao fato, juridicizando-o (tese tradicional), ou se, antecipando-se a ela, a regra de isenção surte seus efeitos, de tal sorte que, à chegada da primeira, o fato já se encontrava isento (a regra de isenção incide para que a de tributação não possa incidir).

Novelli (Apud TORRES, Ricardo Lobo, 2006) criticou a tese tradicional dizendo que nasceria uma obrigação que não obriga nem produz qualquer efeito jurídico, o que seria uma demasia.

2.2.3 – Exigência de lei específica

Lei específica significa lei que deve tratar de um mesmo assunto. Poderá ser lei ordinária ou lei complementar, se o tributo a exigir sua instituição e regramento. O descumprimento dessa exigência acarreta a inconstitucionalidade formal do dispositivo legal que trate do benefício fiscal.

O art. 150, §6º da CRFB dispõe que qualquer subsídio ou isenção, redução de base de cálculo, concessão de crédito presumido, anistia ou remissão, relativas a impostos, taxas ou contribuições, só poderá ser concedido mediante lei específica federal, estadual ou municipal, que regule exclusivamente as matérias acima enumeradas ou o correspondente tributo ou contribuição, sem prejuízo do disposto no art. 155, §2º, XII, ‘g’, que diz respeito à concessão de isenção de ICMS, que é exceção à regra.

2.2.4 – Classificação das isenções

Ricardo Lobo Torres divide as isenções entre gratuitas, onerosas, subjetivas e objetivas [11].

Gratuitas ou incondicionadas são aquelas concedidas sem qualquer contraprestação por parte do contribuinte. São outorgadas em caráter geral e quase sempre se referem a impostos indiretos. Não exigem reconhecimento formal. Onerosas, contratuais ou contraprestacionais, previstas no art. 179 do CTN, são as concedidas por prazo determinado, sob a condição do contribuinte beneficiado praticar certas atividades ou realizar algum investimento. Implicam em verdadeiro contrato, pois estabelecem direitos e obrigações para o Fisco e para o contribuinte. Por esse motivo, não podem ser revogadas unilateralmente.

Subjetivas são aquelas que excluem a incidência sobre certas pessoas indicadas na lei e em geral se referem aos impostos pessoais e diretos, mas podem se estender a impostos sobre a produção ou a circulação de mercadorias. As objetivas são as que derrogam a incidência sobre coisas ou mercadorias, aplicando-se principalmente aos impostos reais ou indiretos.

As isenções outorgadas em caráter geral independem de reconhecimento expresso e a sua fruição é imediata, prescindindo de autorização. As isenções onerosas exigem procedimento específico de reconhecimento, regulado no art. 179 do CTN.

Quanto à forma de concessão, as isenções podem ser absolutas, ou de caráter geral (concedidas diretamente pela lei); e relativas, ou de caráter específico (concedidas por lei, mas efetivadas por despacho da autoridade administrativa) [12].

2.2.5 – Normas aplicáveis às isenções

As isenções estão sujeitas basicamente às regras da reserva legal (art. 97, CTN); da obrigatoriedade de utilização do método literal na interpretação de dispositivos que versem sobre exclusão do crédito tributário (art. 111, CTN); do cumprimento das obrigações acessórias dependentes da obrigação principal cujo crédito seja excluído, ou dela conseqüente (parágrafo único do art. 175, CTN); e de lei específica para a concessão (art. 150, §6º da CRFB) [13].

O art. 178 do CTN consagra o reconhecimento de que a isenção onerosa concedida por prazo certo gera direito adquirido à fruição do benefício pelo prazo estipulado para aqueles que cumpram as condições previstas na lei. Significa que as isenções podem ser revogadas, salvo se concedidas por prazo certo e em função de determinadas condições. Não quer dizer que a lei que conceda uma isenção não possa ser revogada.

A lei que conceda uma isenção sempre pode ser revogada. Se a isenção concedida por essa lei for onerosa e por prazo certo, aqueles sujeitos passivos que, antes da revogação da lei, tiverem cumprido os requisitos exigidos para a fruição do benefício terão direito de gozá-lo pelo prazo estabelecido, mesmo depois de a lei haver sido revogada.

Esse tipo de isenção funciona como se fosse uma contrapartida oferecida ao particular para incentivar realização de investimentos ou obras, o incremento de atividades de interesse regional ou nacional, etc. Em razão dessa característica, o beneficiário que haja cumprido as condições impostas (arcando com os custos correspondentes) possui direito adquirido à fruição da isenção durante o prazo certo de concessão do benefício.

Por outro lado, se houver revogação ou modificação de isenções incondicionadas, deve ser observado o disposto no inciso III do art. 104 do CTN, que estabelece que se a revogação for relativa a uma isenção de imposto sobre o patrimônio ou a renda, a lei revogadora só entrará em vigor em primeiro de janeiro do ano seguinte ao de sua publicação, salvo se ela mesma contiver disposição mais favorável aos sujeitos passivos.

2.2.- ANTERIORIDADE E REVOGAÇÃO DAS ISENÇÕES

2.3.1 – Considerações gerais

A regra geral é a isenção poder ser revogada por lei a qualquer tempo conforme dispõe o art. 178 do CTN.

Quando concedida de forma incondicionada, diretamente pela lei, independente de qualquer ato administrativo, desaparece com a revogação da lei que a concedeu. Se for concedida por prazo certo e em função de determinadas condições, não pode ser revogada, pois se incorpora ao patrimônio do contribuinte.

O STF, mesmo antes do advento do CTN, já firmara jurisprudência no sentido da irrevogabilidade de isenções concedidas sob condição onerosa [14].

Discute-se a respeito da isenção incondicionada e sua subordinação ou não ao princípio da anterioridade.

2.3.2 – A posição do Supremo Tribunal Federal

O STF vem decidindo que a revogação de isenção não corresponde à instituição de tributo novo, e, por isso, não caberia a observância do princípio da anterioridade da lei fiscal. Assim, segundo o Pretório Excelso, a revogação da isenção teria eficácia imediata, podendo o tributo ser cobrado no mesmo exercício em que ocorreu a revogação porque a lei que concede isenção suspende a eficácia da norma impositiva. Desse modo, revogada a norma isencional, a norma impositiva readquiriria imediatamente a sua eficácia.

Em vários julgados vem afirmando que a revogação da isenção não está sujeita ao princípio da anterioridade. Deve-se registrar que, nas decisões em que foi afirmada a inaplicabilidade da anterioridade, a hipótese de revogação de isenções versava, no caso concreto, sobre o antigo ICM (atual ICMS). Tal orientação encontra-se consolidada na Súmula 615 [15] do STF, de 17/10/1984. A despeito do posicionamento do STF, nada impede que se considere vigente o art. 104, III do CTN, que teria sido recepcionado.

O STF segue a doutrina clássica entendendo que a isenção constituiria dispensa legal do pagamento de tributo devido. Nesse caso, o crédito tributário não poderá ser constituído, por força de uma norma legal que exclui a possibilidade de que seja realizado o lançamento relativo àquela obrigação tributária.

Para a Suprema Corte, a revogação da isenção equivale a nova hipótese de incidência, uma vez que a norma isentiva não teria afastado a incidência, mas sim a constituição do crédito.

Sendo a isenção mera dispensa de pagamento de tributo devido, sem impedir o surgimento da obrigação tributária, nada obsta a imediata cobrança do tributo, uma vez revogada a lei que concedia a isenção. Não se trata, portanto, de nova hipótese de incidência, tampouco de majoração do tributo já existente.

Leandro Paulsen [16] em sua obra, com relação ao princípio da anterioridade, aponta que o STF pronunciou-se, em dezembro de 2000, por ocasião do julgamento da ADInMC 2.325/DF [17], deixando claro que a redução de benefício fiscal, implicando maior pagamento de tributos, submete-se à observância do princípio da anterioridade.

2.3.3 – A posição da doutrina

A doutrina mostra que a revogação de norma de isenção equivaleria à edição de norma de incidência. A diferença seria apenas de técnica legislativa.

Amaro [18] esclarece que se o fato estava fora do campo da incidência, porque, pura e simplesmente, não fora abrangido pela regra de incidência, ou porque, embora abrangido pelo gênero tributado, fora excepcionado da incidência por norma de isenção, tanto a edição de regra que o tribute como a revogação da norma que o isentava implica seu ingresso no rol dos fatos tributáveis.

Bauer Novelli, Souto Maior Borges, Sampaio Dória e Aliomar Baleeiro (Apud AMARO, Luciano, 2006) diziam que a submissão da regra revogadora de isenção ao princípio da anterioridade era antiga lição da doutrina brasileira.

Para Carvalho [19] é questão assente que os preceitos de leis que extinguem ou reduzam isenções só devam entrar em vigor no primeiro dia do exercício seguinte àquele em que forem publicados. Os dispositivos editados com esse fim equivalem, em tudo e por tudo, aos que instituem o tributo, inaugurando um tipo de incidência.

Ricardo Lobo Torres [20] ensina em sua lição que a isenção age no plano da norma e da definição da obrigação tributária e não no plano do fato. Faz forte crítica a doutrina clássica que não distingue claramente entre os dois níveis – o do fato gerador abstrato descrito na lei e o de sua ocorrência no mundo fático – concluiu que a isenção era dispensa do tributo devido.

Esclarece com propriedade que a revogação da isenção implicaria na reaquisição da eficácia da norma impositiva e que essa reaquisição subordinar-se-ia ao princípio da anterioridade. Seria caso de concorrência de normas e de reaquisição da eficácia qualificatória da norma impositiva.

Assinala ainda que a atual Constituição determina que todos os impostos, inclusive o ICMS, ressalvados apenas daqueles excepcionados pela própria Constituição, estão sujeitos ao princípio da anterioridade, transferindo-se a eficácia da norma que revoga a isenção para o dia primeiro de janeiro do ano seguinte.

Hugo Brito Machado [21] também sustenta que a revogação de uma lei que concede isenção geral equivale à criação de tributo e, por isso, deve ser observado o princípio da anterioridade da lei, assegurado pelo art. 150, inciso III, alínea ‘b’ da CRFB.

Alexandrino e Paulo [22] não vêem incompatibilidade entre o art. 104, III do CTN e a Súmula 615 do STF, pois o preceito traz uma regra de vigência, restrita aos impostos sobre o patrimônio e a renda, que não inclui o ICMS, ao passo que o princípio da anterioridade diz respeito à aplicação da lei que institua ou majore tributo, bastando, para que ela possa ser aplicada, que tenha sido publicada no ano anterior.

Emygdio [23] esclarece que na isenção não há incidência e, em conseqüência, não se instaura a relação jurídico-tributário, inexiste obrigação tributária e o tributo não é devido. A lei tributária contém uma norma impositiva se a situação abstrata prevista vier a ocorrer, e a lei que concede isenção contém norma que suspende a eficácia da norma tributante. Assim, se a lei isencional vier a ser revogada, a lei de incidência readquire a sua eficácia.

Pondera que o art. 104 do CTN aplica-se a qualquer tributo, com exceção apenas dos tributos ressalvados pela Constituição, pois o intérprete deve ler o dispositivo, fazendo uma interpretação com base nos arts. 150, III, ‘b’ e ‘c’ e §1º; art. 148, I, e art. 195, §6º.

Amaro rebate os fundamentos da jurisprudência do STF por partirem de premissas equivocadas e mesmo na hipótese de serem assumidas como corretas, não levariam às conclusões que foram firmadas. Isso porque, mesmo que se admita a consagração pelo CTN do conceito de isenção como dispensa de tributo devido, ainda assim o Código não teria propiciado oblíquo desrespeito ao princípio da anterioridade [24].

O art. 104, III do CTN cuidou adequadamente da matéria quando explicitou que a revogação de isenção de tributo (sujeito à anterioridade) só autoriza a tributação no exercício subseqüente. Mesmo que não o dissesse, não se poderia dar ao CTN interpretação que pudesse ferir, ainda que indiretamente, um princípio constitucional.

Ao proceder à definição dos efeitos da anterioridade, o preceito foi expresso ao estabelecer que a revogação das isenções se submete àquele princípio. Aquilo que, na época, era aplicável apenas aos tributos sobre renda e patrimônio, hoje deve ser entendido como abrangente de todos os tributos protegidos pelo princípio da anterioridade.

Destarte, mesmo a revogação de uma isenção de tributo não mencionado no art. 104 submete-se ao princípio da anterioridade, desde que esse tributo esteja sujeito a tal princípio.


3. CONSIDERAÇÕES FINAIS

A análise das teorias sobre isenção e a questão da aplicabilidade ou não do princípio da anterioridade às isenções incondicionadas traz entendimentos diferentes.

O posicionamento exteriorizado pelo STF, através da Súmula 615, é o de que se podem revogar as isenções incondicionadas a qualquer momento, produzindo as leis revogatórias efeito imediato.

Parte da doutrina sustenta que a Suprema Corte, com a mencionada súmula, refere-se a imposto sobre a circulação, estando, portanto, em consonância com o disposto no art. 104, caput e inciso III do CTN, que se refere aos impostos sobre o patrimônio e a renda. Para reforçar o argumento, apontam que por ocasião do julgamento da ADInMC 2.325/DF, o STF deixou claro que a redução de benefício fiscal, implicando maior pagamento de tributos, submete-se à observância do princípio da anterioridade.

Outros doutrinadores, no entanto, entendem que o princípio da anterioridade seria aplicável no caso da revogação de isenção incondicionada para qualquer tipo de imposto, fazendo-se uma interpretação conforme a constituição do art. 104, caput e inciso III do CTN.

A controvérsia deriva da teoria adotada para explicar a natureza da isenção. Para os clássicos, a isenção representa uma dispensa legal do pagamento, baseado no entendimento de que ocorre o fato gerador e surge a obrigação tributária, sendo que a lei que isenta afasta o lançamento. O STF teria se filiado a essa corrente de entendimento.

Para a doutrina moderna, a lei que isenta impediria a ocorrência do fato gerador e o conseqüente nascimento da obrigação tributária. Assim, a revogação da lei que concedeu a isenção incondicionada equivaleria ao surgimento de lei impositiva nova, impondo-se, em decorrência, a observância constitucional do princípio da anterioridade.

Ponderando os fundamentos apresentados pela novel corrente, conclui-se que sua adoção seria a mais adequada por estender aos beneficiários das isenções incondicionadas a aplicação do princípio da anterioridade, que é um direito fundamental, além de representar justiça fiscal, pois, num país onde a carga tributária é uma das maiores do planeta, no confronto entre a vontade do contribuinte em ver diminuída a carga tributária e a ânsia do Estado em maximizar a arrecadação de tributos, conduziria a uma maior segurança jurídica.


REFERÊNCIAS

TORRES, Ricardo Lobo. Curso de Direito Financeiro e Tributário. 13ª ed., Rio de Janeiro, São Paulo, Recife: Renovar, 2006.

TORRES, Ricardo Lobo. Tratado de Direito Constitucional Financeiro e Tributário. Vol. III, 3ª ed., Rio de Janeiro, São Paulo, Recife: Renovar, 2005.

MACHADO, Hugo de Brito. Curso de Direito Tributário. 28ª ed., São Paulo-SP: Malheiros, 2007.

PAULO, Vicente & ALEXANDRINO, Marcelo. Manual de Direito Tributário. 3ª ed., Niterói-RJ: Impetus, 2007.

PAULO, Vicente & ALEXANDRINO, Marcelo. Direito Tributário na Constituição e no STF. 12ª ed., Niterói-RJ: Impetus, 2007.

CARVALHO, Paulo de Barros. Curso de Direito Tributário. 18ª ed., São Paulo-SP: Saraiva, 2007.

COELHO, Sacha Calmon Navarro Coelho. Curso de Direito Tributário Brasileiro. 9ª ed., Rio de Janeiro-RJ:Forense, 2007.

PAULSEN, Leandro. Direito Tributário. Constituição e Código Tributário à Luz da Doutrina e da Jurisprudência. 9ª ed. rev. atual., Porto Alegre-RS, Livraria do Advogado: ESMAFE, 2007.

AMARO, Luciano. Direito Tributário Brasileiro. 12ª ed., São Paulo: Saraiva, 2006.

ROSA JÚNIOR, Luiz Emygdio F. da. Manual de Direito Financeiro & Direito Tributário. 19ª ed., Rio de Janeiro, São Paulo, Recife: Renovar, 2006.


NOTAS

01 TORRES, Ricardo Lobo. Curso de Direito Financeiro e Tributário. 13ª ed., Rio de Janeiro, São Paulo, Recife: Renovar, 2006, p. 308/309.

02 TORRES, Ricardo Lobo. Op. cit., p. 310.

03 PAULO, Vicente & ALEXANDRINO, Marcelo. Manual de Direito Tributário. 3ª ed., Niterói-RJ: Impetus, 2007, p. 28/29.

04 AMARO, Luciano. Direito Tributário Brasileiro. 12ª ed., São Paulo: Saraiva, 2006, p. 279/280.

05 CARVALHO, Paulo de Barros. Curso de Direito Tributário. 18ª ed., São Paulo-SP: Saraiva, 2007, p. 498/499.

06 COELHO, Sacha Calmon Navarro Coelho. Curso de Direito Tributário Brasileiro. 9ª ed., Rio de Janeiro-RJ:Forense, 2007, p. 849.

07 TORRES, Ricardo Lobo. Op. cit., p. 303.

08 ROSA JÚNIOR, Luiz Emygdio F. da. Manual de Direito Financeiro & Direito Tributário. 19ª ed., Rio de Janeiro, São Paulo, Recife: Renovar, 2006, p. 549/555.

09 TORRES, Ricardo Lobo. Op. cit., p. 314/316.

10 CARVALHO, Paulo de Barros. Op. cit., p. 510/511.

11 TORRES, Ricardo Lobo. Op. cit., p. 306/307.

12 MACHADO, Hugo de Brito. Curso de Direito Tributário. 28ª ed., São Paulo-SP: Malheiros, 2007, p. 256.

13 Ibid, p. 252/254.

14 Súmula 544 do STF: Isenções tributárias concedidas sob condição onerosa, não podem ser livremente suprimidas.

15 Súmula 615 STF: O princípio constitucional da anualidade (§29 do art. 153 da Constituição Federal) não se aplica à revogação de isenção do ICM.

16 PAULSEN, Leandro. Direito Tributário. Constituição e Código Tributário à Luz da Doutrina e da Jurisprudência. 9ª ed., Porto Alegre-RS, Livraria do Advogado:ESMAFE, 2007, p. 1135.

17 Informativo nº 212, STF: Plenário. Apuração de Crédito do ICMS. Iniciado o julgamento de medida liminar em ação direta ajuizada pela Confederação Nacional da Indústria - CNI contra dispositivos da LC 102, de 11.7.2000, que, alterando a LC 87/96, modificam o critério de apropriação dos créditos do ICMS decorrentes de aquisições de mercadorias para o ativo permanente, de energia elétrica e de serviços de telecomunicação (inserção do § 5º ao art. 20, alteração do inciso II do art. 33 e acréscimo do inciso IV). O Tribunal, apreciando a questão do princípio da anterioridade (CF, art. 150, III, b), emprestou interpretação conforme à Constituição e sem redução de texto, no sentido de afastar a eficácia do art. 7º da referida LC ("Esta Lei Complementar entra em vigor no primeiro dia do mês subseqüente ao da sua publicação") no tocante à inserção do § 5º do art. 20 da LC 87/96, e às inovações introduzidas no artigo 33, II, da referida Lei, bem como à inserção do inciso IV, vale dizer, esses dispositivos só terão eficácia a partir de 1º de janeiro de 2001. À primeira vista, o Tribunal entendeu que a modificação do sistema de creditamento pela Lei Complementar impugnada, quer consubstancie a redução de um benefício de natureza fiscal, quer configure a majoração de tributo, cria uma carga para o contribuinte e, portanto, sujeita-se ao princípio da anterioridade. Relativamente à alegada ofensa ao princípio da não-cumulatividade, após o voto do Min. Marco Aurélio, relator, deferindo a medida liminar, o julgamento foi adiado pelo pedido de vista do Min. Ilmar Galvão. ADInMC 2.325-DF, rel. Min. Marco Aurélio, 29.11.2000. (ADI-2325).

18 AMARO, Luciano. Op. cit., p. 285.

19 CARVALHO, Paulo de Barros. Op.cit., p. 514.

20 TORRES, Ricardo Lobo. Tratado de Direito Constitucional Financeiro e Tributário. Vol. III, 3ª ed., Rio de Janeiro, São Paulo, Recife: Renovar, 2005, p. 492/493.

21 MACHADO, Hugo de Brito. Op. cit., p. 254/255.

22 ALEXANDRINO, Marcelo e PAULO, Vicente. Op. cit., p. 110/111.

23 ROSA JÚNIOR, Luiz Emygdio F. da. Op. cit., p. 551/554.

24 AMARO, Luciano. Op. cit., p. 286/287.


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Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

CAMERA, José Augusto Vieira. A observância do princípio da anterioridade na revogação de uma isenção incondicionada. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 13, n. 1811, 16 jun. 2008. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/11357. Acesso em: 23 abr. 2024.