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Licitação em caso de parentesco

Licitação em caso de parentesco

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Não raro, os editais de licitação proíbem a concorrência de pessoas físicas de quaisquer órgãos ou entidades ligadas àqueles que promovem licitações, incluindo-se aí os sócios ou responsáveis técnicos.

"O emprego de meios pervesos priva [...] os fins de sua bondade originária e os prostitui" (Luis Recaséns Siches [01])

1.Colocação da matéria

Encontramos, nos acervos de jurisprudência, o registro da problemática da licitação em caso de parentesco.

Não há, até o momento, pauta jurídica de conduta, elaborada pelo Poder Legislativo Federal, para disciplinar o ponto, nada obstante algumas tentativas, de lege ferenda, formuladas a esse respeito [02].

Embora o assunto não logre uma delimitação legislativa minudente, o certo é que os próprios editais licitatórios consagram provisões genéricas, algumas até mal formuladas.

O resultado de tudo isso é o predomínio de exegeses absurdas, ensejando entendimentos estapafúrdios, e, até mesmo, decisões judiciais desconexas, sem qualquer preocupação de se proceder um exame mais demorado da matéria.

Não basta, por exemplo, mencionar princípios nodulares da Administração Pública, como a moralidade e a impessoalidade, nem, tampouco, transcrever sentenças, proferidas num dado contexto, para se chegar à presunção de que o parentesco, sponte propria, invalida o certame licitatório.

Nas linhas seguintes, lançaremos algumas idéias para a análise e discussão da temática, com base no pressuposto de que a interpretação das normas jurídicas, como ato de vontade e de conhecimento, não é um absoluto dentro de uma linha reta, e, por isso mesmo, sujeita-se ao bom senso. Daí a sempre lembrada advertência de Carlos Maximiliano, primus inter pares dos nossos hermeneutas:

"Deve o Direito ser interpretado inteligentemente, não de modo a que a ordem legal envolva um aburdo, prescreva inconveniências, vá ter a conclusões inconsistentes ou impossíveis" [03].


2.Provisões editalícias e princípios constitucionais

Não raro, os editais de licitação proclamam a impossibilidade de se concorrer, de modo direto ou indireto, ao certame licitatório pessoas físicas de quaisquer órgãos ou entidades ligadas àqueles que promovem licitações, incluindo-se aí os sócios ou responsáveis técnicos.

Como é sabido, edital de licitação é o ato pelo qual realiza-se a publicidade do concurso licitatório, fixando-se os requisitos para a sua efetivação.

É chamado, no jargão popular, de "lei interna da licitação". Hely Lopes Meirelles chegou a chamá-lo de "matriz da licitação" [04], enquanto Celso Antônio Bandeira de Mello "documento fundamental da licitação" [05].

Para nós, o edital é o coração da licitação, e, por este motivo, não pode ter as suas artérias entumpidas por exegeses absurdas ou ilações traumatizantes.

Se, por força de lei, tudo aquilo que consta no edital deve ser levado às últimas conseqüências, haja vista que a Administração fica estritamente vinculada aos preceitos e exigências nele contidos [06], mais exato ainda é que nenhuma norma editalícia existe dissociada das demais pautas de comportamento da ordem jurídica.

Todas essas considerações vêm a propósito da problemática da licitação em caso de parentesco.

Interpretando-se editais de licitação, forçadamente, muitos alegam que o vínculo de parentesco entre pessoas físicas invalida o certame licitatório, alegando fraude direta aos vetores da moralidade, impessoalidade e isonomia etc.

Sem embargo, o vínculo de parentesco, tomado de per si, não constitui pressuposto objetivo para já se detectar favorecimento no processo de escolha da melhor proposta apresentada à Administração Pública.

O impedimento de pessoas físicas concorrerem, direta ou indiretamente, a certames licitatórios não pode ser concebido de modo tacanho e contraprodutivo, tomando-se, como base, relações de parentesco.

Quer dizer, o fato de alguém ser parente de outrem não serve de estribo para se invocar, em toda e qualquer situação, ofensa aos primados da legalidade, da impessoalidade, da moralidade, da igualdade, da publicidade, da probidade administrativa, da vinculação ao instrumento convocatório, do julgamento objetivo e de tantos outros que lhes são correlatos (Lei 8.666/1993, art.3º).

É que os vetores aí referidos, assim como toda e qualquer disposição editalícia, somente poderá ser interpretada à luz do que está contido na Constituição da República Federativa do Brasil.

Somente é possível se detectar qualquer fraude, qualquer favoritismo, qualquer discriminação impertinente, se, somente se, a incidência de quaisquer uma dessas contumélias passar de antemão pelo filtro da supremacia constitucional.

Não basta, exempli gratia, se alegar o liame de parentesco para se sustentar a existência de favorecimento. É preciso que se demonstre, com provas contundentes e sólidas, que o referido vínculo esteja, cabalmente, prejudicando o dever de absoluta neutralidade do procedimento licitatório.

Em suma, somente se pode falar em ofensa à moralidade, à impessoalidade e quejandos, submetendo-se, previamente, a matéria à lente da Constituição Federal, amiúde, dos seguintes princípios constitucionais:

a)princípio da razoabilidade (CF, art.5º, LIV);

b)princípio da dignidade da pessoa humana (CF, art.1º, III);

c)princípio da liberdade de trabalho (CF, art.5º, XIII);

d)princípio da livre iniciativa (CF, art.1º, IV);

e)princípio da função social da empresa (CF, art.5º, XXIII); e

f)princípio da economicidade (CF, art.70, caput).

Todos esses princípios devem ser, necessariamente, auscultados em toda e qualquer alegação de fraude ao mister licitatório.

Óbvio que eles não são específicos ao munus licitatório.

São pautas de observância genérica, que funcionam como componentes balizadores da própria aplicação dos ditames cardeais da licitação.

Dito de outro modo, os seis princípios aí listados equivalem a parâmetros para se aferir a incidência dos pórticos peculiares e comuns a todo e qualquer iter licitatório, a saber:

(i) competitividade;

(ii) igualdade;

(iii) publicidade;

(iv) vinculação ao edital;

(v) julgamento objetivo;

(vi) legalidade;

(vii) moralidade; e

(viii) impessoalidade.

Todos os cânones aí colacionados encontram-se numa enunciação exemplificativa, sem prejuízo de outros que demandam pesquisa legislativa ou formulação teórica [07].

A seguir, veremos como a razoabilidade, a liberdade de trabalho, a livre iniciativa, a função social da empresa e a economicidade funcionam frente ao assunto em comento.

Mostraremos que a leitura isolada de disposições editalícias não é o bastante para se aferir a própria aplicabilidade dos princípios nodulares à licitação, a exemplo da moralidade, da igualdade, da impessoalidade etc.

O mesmo se diga quanto ao art.9º, da Lei 8.666/1993. Seguramente, sua exegese restritiva é um imperativo de bom senso, sob pena de se conspurcar o escopo do art.37, XXI, da Constituição da República, que não tolera, nem admite, alargamentos inconstitucionais, burlando-se o significado e o alcance de hipóteses legais, consagradas em enunciações numerus clausus, a exemplo daquelas prescritas no indigitado art.9º.


3. Parentesco e razoabilidade

Seria prudente, razoável, lógico, invalidar certames licitatórios, provocando o Poder Judiciário, com base na alegação de que o elo de parentesco, por si só, caracteriza discriminação, conluio, parcialidade?

Certamente, o mero parentesco não se afigura argumento idôneo para se firmar a presunção de que a moralidade, a impessoalidade, a isonomia etc., foram, necessariamente, malsinadas.

Isto porque, o vínculo de parentesco, tomado de per si, não pode ser encarado sob o influxo do subjetivismo, dos sentimentos, das impressões, dos objetivos, confessáveis ou inconfessáveis, que brotam da mente humana.

O contrário disso ensejaria a conclusão equivocada de que o parentesco é, de ante mão, um atestado de má conduta. Se assim fosse, pais e filhos, tios e sobrinhos, primos e irmãos, apresentariam, desde o nascimento, o cancro da fraude, do favorecimento, da corrupção – um grande e inusitado absurdo.

Essas conclusões não partiram de um átimo, de uma noite para o dia. Estriba-se em formulações científicas acerca do princípio da razoabilidade, as quais se assentam, nos nossos dias, em bases sólidas [08].

Vejamos, pois, o sumo do que seja razoabilidade, enquanto pauta de comportamento a ser seguida, obedecida e acatada pelos órgãos jurisdicionais.

O princípio da razoabilidade, proporcionalidade ou proibição de excesso é o vetor por meio do qual o intérprete busca a adequação, a racionalidade, a idoneidade, a logicidade, o bom senso, a prudência e a moderação no ato de compreender os textos normativos e as lides forenses, eliminando o arbítrio e o abuso de poder.

Os americanos usam o qualificativo razoabilidade; os alemães, proporcionalidade; os europeus, proibição de excesso.

Todos esses termos são apropriados para adjetivar o princípio, pois computam idéia de prudência, sensatez, equilíbrio [09].

Tal princípio consigna um mecanismo de controle da discricionariedade administrativa, legislativa e judicial, permitindo ao próprio Poder Judiciário invalidar as ações abusivas ou destemperadas dos Poderes Públicos, inclusive aquelas praticadas pelas diversas instâncias da Justiça. Numa palavra, a razoabilidade permite que o Judiciário fiscalize os atos do próprio Judiciário.

A idéia de razoabilidade é muito mais fácil de ser entendida do que, propriamente, definida [10].

Não se trata de uma categoria inserida num abstracionismo infundado, até porque funciona como instância de limitação do poder estatal, servindo para barrar o abuso de poder, com moderação, equilíbrio e prudência.

O princípio implícito da razoabilidade é, na verdade um princípio geral de Direito – lídimo postulado normativo, revelado na fase pós-positivista de análise do fenômeno jurídico, cuja aplicabilidade é universal, podendo ser invocado em qualquer setor da experiência jurídica.

Ele integra o Direito Constitucional brasileiro, dessumindo-se da cláusula do devido processo legal material (art. 5° , LIV) [11] e do vetor que assegura o Estado de Direito (art. 1° , caput).

Durante os trabalhos da Assembléia Nacional Constituinte, o princípio da razoabilidade chegou a constar em diferentes projetos, notadamente aquele aprovado pela Comissão de Sistematização:

"Art. 44. A administração pública, direta ou indireta, de qualquer dos Poderes, obedecerá aos princípios da legalidade, impessoalidade, moralidade e publicidade, exigindo-se, como condição de validade dos atos administrativos, a motivação suficiente e, como requisito de sua legitimidade, a razoabilidade".

Quando da redação definitiva do Texto de 1988, os constituintes excluíram a alusão expressa à diretriz da razoabilidade. Contudo, juízes e tribunais a têm invocado. Registre-se que a Carta do Estado de São Paulo a previu expressamente (art. 11). A Lei n. 9.784, de 29-1-1999, também a consagrou (art. 2° , parágrafo único, VI). Em Portugal a proibição de excesso é mandamento constitucional explícito (art. 18° , 2).

O princípio da razoabilidade permite ao Judiciário invalidar atos legislativos, administrativos e judiciais, desde que se observe o seguinte:

adequabilidade dos meios aos fins — há que se verificar se os atos praticados pelo Poder Público foram capazes de atingir os objetivos pretendidos, dentro das balizas constitucionais, legais e, sobretudo, morais;

proibição de excessos — deve-se perquirir se as condutas públicas afiguraram-se gravosas ou benéficas aos direitos humanos fundamentais, evitando, pois, excessos ou exageros que descambem para o arbítrio;

proporcionalidade em sentido estrito — há que se ponderar o ônus imposto e o benefício resultante dos atos praticados pelo Poder Público; só assim será possível adentrar nas áreas ligadas às liberdades públicas, que, em regra, não são absolutas, mas relativas, devendo ser interpretadas à luz das exigências do fato social; e

necessidade de graduação normativa — impende que se sopesem os bens jurídicos conflitantes, envolvidos na disputa de interesses, de modo a dar preponderância à norma que melhor produzir o resultado justo e desejado para as partes.

Como se pode observar, a aplicabilidade do princípio da razoabilidade jamais significa um abandono aos limites impostos pelo ordenamento jurídico [12].

Apenas permite ao Poder Judiciário invalidar exigências injustificadas, mediante uma exegese aberta e construtiva da lei, proporcionando às partes o melhor resultado possível.

É nesse sentido que a jurisprudência do Supremo Tribunal Federal tem aplicado o princípio nos mais diversos quadrantes da experiência jurídica, liberando o excessivo apego ao dogmatismo para ceder lugar ao equilíbrio e à ponderação, empreendendo, assim, o controle judicial da discricionariedade dos atos do Poder Público.

O Supremo Tribunal Federal tem invocado, com bastante vigor, o princípio da razoabilidade em seus julgados.

Em mais de 200 (duzentos) acórdãos, mais de 600 (seiscentas) decisões monocráticas, mais de 60 (sessenta) decisões da Presidência da Corte e em, pelo menos, 4 (quatro) Questões de Ordem, encontramos o ditame no acervo de jurisprudência do Pretório Excelso [13].

Na realidade, é impossível detalhar todas as situações em que o Supremo Tribunal vem invocando o pórtico da razoabilidade em seus julgados. Apenas a título ilustrativo, poderíamos dizer que em quase todos os setores da experiência jurídica, envolvendo matéria constitucional, o princípio encontra registro na casuística da Corte [14].

A primeira vez que a diretriz da razoabilidade foi mencionada no Pretório Excelso foi em 1953, quando o Ministro Orozimbo Nonato, ao relatar matéria pertinente ao direito de propriedade, consignou-a em termos válidos ainda hoje [15].

Na vigência da Constituição de 1988, o uso do princípio da razoabilidade intensificou-se.

Além do Supremo Tribunal Federal, juízes e tribunais passaram a invocá-lo, pois, como concluiu o Superior Tribunal de Justiça, "o Poder Judiciário não se poderia furtar à declaração de nulidade de absurdos evidentes" [16].

Um desses "absurdos evidentes", por assim nos valer do contundente jargão jurisprudencial, são as ilações desarazoadas daqueles que vislumbram as relações de parentesco com fator de pressunção de fraude, conluio, favorecimento, colocando-se em xeque a dignidade humana (CF, art. 1° , III), o valor social do trabalho (CF, art. 1° , IV) e a função social da empresa (CF, art.5° ,XXII, c./c, art.170, III), diretrizes de inestimável destaque nos ordenamentos democráticos (CF, art.1° , parágrafo único).


4.Parentesco e dignidade da pessoa humana (CF, art.1º, III)

Imputar fatos inverídicos a alguém, inclusive na seara das licitações, sem qualquer comprovação segura e induvidosa, com suporte no evasivo argumento de que o parentesco, por si só, é motivo ensejador de fraudes e favorecimentos, é um seriíssimo atentado contra o princípio constitucional da dignidade humana (CF, art.1º, III).

O princípio da dignidade é de uma riqueza extraordinária, comportando múltiplos enfoques, cuja definição depende das concepções políticas, filosóficas, ideológicas e religiosas do intérprete [17].

De nossa parte, partimos do pressuposto de que o primado agrega em torno de si a unanimidade dos direitos e garantias fundamentais do homem, expressos na Constituição de 1988.

Quando o Texto Maior proclama a dignidade da pessoa humana, está consagrando um imperativo de justiça, um valor constitucional supremo. Por isso, o primado consubstancia o espaço de integridade moral do ser humano, independentemente de credo, raça, cor, origem, parentesco ou status social.

O conteúdo do vetor é amplo e pujante, envolvendo valores espirituais (liberdade de ser, pensar e criar etc.) e materiais (renda mínima, saúde, alimentação, lazer, moradia, educação etc.).

Seu acatamento representa a vitória contra a intolerância, o preconceito, a exclusão social, a ignorância e a opressão.

A dignidade humana reflete, portanto, um conjunto de valores civilizatórios incorporados ao patrimônio do homem. Seu conteúdo jurídico interliga-se às liberdades públicas, em sentido amplo, abarcando aspectos individuais, coletivos, políticos e sociais do direito à vida, dos direitos pessoais tradicionais, dos direitos metaindividuais (difusos, coletivos e individuais homogêneos), dos direitos econômicos, dos direitos educacionais, dos direitos culturais etc. Reúne uma variedade de bens, sem os quais o homem não subsistiria.

A força jurídica do pórtico da dignidade começa a espargir efeitos desde o ventre materno, perdurando até a morte, sendo inata ao homem.

Notório é o caráter instrumental do princípio, afinal ele propicia o acesso à justiça de quem se sentir prejudicado pela sua inobservância.

Entrementes, o princípio constitucional da dignidade da pessoa humana apresenta-se em três dimensões [18]:

dimensão fundamentadora — núcleo basilar e informativo de todo o sistema jurídico-positivo;

dimensão orientadora — estabelece metas ou finalidades predeterminadas, que fazem ilegítima qualquer disposição normativa que persiga fins distintos, ou que obstaculize a consecução daqueles fins enunciados pelo sistema axiológico-constitucional; e

dimensão crítica — serve de critério para aferir a legitimidade das diversas manifestações legislativas.

A dignidade da pessoa humana, enquanto vetor determinante da atividade exegética da Constituição de 1988, consigna um sobreprincípio, ombreando os demais pórticos constitucionais, como o da legalidade (art. 5° , II), o da liberdade de profissão (art. 5° , XIII), o da moralidade administrativa (art. 37, caput) etc.

Sua observância é, pois, obrigatória para a exegese de qualquer norma jurídica, devido à força centrípeta que engendra.

Assim, a dignidade da pessoa humana é o carro-chefe dos direitos fundamentais na Carta Magna. Esse princípio conferiu ao texto uma tônica especial, porque impregnou-lhe com a intensidade de sua força. Nesse passo, condicionou a atividade do intérprete.

A constitucionalização do vetor da dignidade da pessoa humana vem plasmada em diversos ordenamentos mundiais, o que comprova que o homem é o centro, fundamento das sociedades modernas.

Daí a Lei Fundamental de Bonn de 1949, diploma que muito influenciou a Constituição espanhola de 1978, ter enfatizado, logo no art. 1° :

"A dignidade do homem é intangível. Respeitá-la e protegê-la é obrigação de todo poder público".

O mesmo aconteceu com a Constituição portuguesa de 1978, que também assegurou o princípio (art. 1° ).

E em tema de licitação, como funciona o vetor da dignidade humana?

Funciona como um freio impeditivo de teses inconcebíveis, impedindo que disposições editalícias, e da própria Lei 8.633/1993, sofram deturpações, lastreadas em conjecturas desprovidas de qualquer suporte probatório.

Mas, além da dignidade humana, existem outros princípios de envergadura constitucional, que funcionam como princípios informativos da atividade licitatória.

Reportamo-nos ao pórtico constitucional da liberdade de trabalho.


5.Parentesco e liberdade de trabalho

O trabalho dignifica a existência terrena, e, quando livre e criativo, liga o homem a Deus. Daí a Constituição enfatizá-lo em diversas passagens (arts. 5° , XIII; 6° , 7° etc.), para dizer que a sua garantia é ampla, pois engloba, além de empregados, autônomos e assalariados, os empregadores, isto é, a classe empresarial que propicia empregos e recolhe tributos.

Pois bem.

Empresas vencedoras de certames licitatórios, que apresentaram a melhor proposta para a Administração Pública, podem ter as suas atividades interrompidas, em virtude de alegações desarrazoadas, verdadeiras "cascas de banana", jogadas ao largo do Poder Judiciário do Estado.

Nesse contexto, o labor do empresariado deixa de ser livre, deixando à míngua um dos fundamentos da República Federativa do Brasil (CF, art.1º, IV).

E, ao prescrever os valores sociais do trabalho, a Lex Mater aduziu que a ordem econômica se funda neste primado (CF, art.170, caput).

No objeto específico do nosso estudo, podemos dizer que quaisquer alegações contra legem, sem nenhum respaldo probatório, ferem, diretamente, o princípio constitucional da liberdade de trabalho (CF, art.5º, XIII).

Façamos um parêntese para examinarmos o porquê de tudo isso.

5.1 Impedimento do art.9º, da Lei 8.666/1993

Ao longo desse estudo referimo-nos ao art.9º, da Lei 8.666/1993, preceito que contempla impedimentos à participação em certames licitatórios.

Mas, afinal, qual o alcance do art.9º, da Lei 8.666/1993?

Conforme dissemos, tal preceptivo, lista, taxativamente, as hipóteses em que pessoas físicas ou jurídicas não podem participar de licitações.

Acontece, porém, que o ato interpretativo não possui o condão de alargar as hipóteses legais enunciadas no art.9º, da Lei 8.666/1993, sob pena de o intérprete substituir o próprio Poder Legislativo do Estado brasileiro.

Dito de outro modo, compete, privativamente, a União legislar sobre normas gerais de licitação, observado o disposto no art.37, XXI, da Carta de Outubro (CF, art.22, XXVII).

Significa dizer que existe uma reserva de lei em sentido formal, pois só ao Poder Legislativo, e a mais ninguém, compete regular a matéria (CF, art.22, XXVII).

A mera vontade, desejo, intenção do intérprete não é o bastante para se dilargar as palavras escritas no art.9º, da Lei 8.666/1993, a ponto de se chegar à ilação de que o vínculo de parentesco representa um obstáculo intransponível à lisura do certame licitatório.

Dês que satisfeitos os pressupostos da licitação, não há que se cogitar quanto a uma "suposta" fraude, um "provável" favorecimento, tomando-se como arrimo a questão do parentesco.

Assim, presentes os presupostos lógico – pluralidade de objetos e de ofertantes; jurídico – atendimento ao interesse público; e fático – presença de vários interessados em disputar o certame, nada poderá invalidar, do ponto de vista jurídico, a licitude e a legitimidade do certame licitatório.

O contrário disso seria empreender o que denominamos de interpretação inconstitucional de leis constitucionais [19].

Expliquemos. O exegeta alarga o campo sintático, semântico e pragmático de disposições legais e editalícias ao arrepio do art.37, XXI, da Carta Maior.

Realmente, muitas vezes, os comportamentos dos administrados estão de acordo com a Constituição.

Mesmo assim, o intérprete confere às normas constitucionais um entendimento que cria situações de inconstitucionalidade.

Estamos diante da exegese inconstitucional de preceitos constitucionais. Ou seja, a lei ou ato normativo está em absoluta correspondência com a constituição, e, nada obstante, o exegeta confere-lhe um significado que a torna inconstitucional.

No Brasil, é corriqueira a praxe de interpretar de modo inconstitucional as leis e atos normativos.

Embora muitas leis estejam em absoluta consonância com o Texto Magno, recebem uma exegese distorcida, equivocada, ensejando uma interpretação que lhes acaba subvertendo o sentido originário.

Essas leis passam a ser atacadas pelos operadores do Direito mediante suposições de todo gênero, que parecem ser verdadeiras, quando, na realidade, não o são.

As exegeses inconstitucionais de preceitos constitucionais fulminam a vida das constituições.

Os efeitos provocados por essas deformações variam em grau e em profundidade e podem vulnerar a Carta Suprema, em maior ou menor extensão.

Vários são os exemplos de exegeses inconstitucionais de preceitos constitucionais.

Impossível seria enumerá-los exaustivamente, pois é incomensurável a pletora de casos que chegam, todos os anos, ao Supremo Tribunal Federal.

Tais violações, mais ou menos intencionais, derivadas de uma interpretação maliciosa ou sub-reptícia, podem provocar mudanças eventuais ou, até, permanentes, suspendendo, por algum tempo, a produção de efeitos da norma constitucional, a exemplo do art.37, XXI, de nossa Lex Mater, cuja finalidade não é o de admitir exegeses forçadas de disposições editalícias e legais.

Mas as interpretações contra legem também podem atentar contra o princípio da livre iniciativa, até mesmo na díade licitação-parentesco.


6.Parentesco e livre iniciativa

Quando se invoca o elo de parentesco, mediante exegese dilargada de preceitos editalícios e legais, comete-se uma afronta à livre iniciativa, pelo cerceamento da liberdade de comércio, levando à insolvência empresas, geradoras de empregos e receitas.

Ora bem.

A livre iniciativa constitui-se num dos princípios fundamentais de nossa República (CF, art.1° , IV).

Princípios fundamentais são diretrizes imprescindíveis à configuração do Estado, porque determinam-lhe o modo e a forma de ser.

Refletem os valores abrigados pelo ordenamento jurídico, espelhando a ideologia do constituinte, os postulados básicos e os fins da sociedade [20].

São qualificados de fundamentais, porquanto constituem o alicerce, a base, o suporte, a pedra de toque do suntuoso edifício constitucional.

Tais princípios possuem força expansiva, agregando, em torno de si, direitos inalienáveis, básicos e imprescritíveis, como a dignidade humana, a cidadania, o pluralismo político etc.

Dessa forma, buscam:

• garantir a unidade da Constituição brasileira;

• orientar a ação do intérprete, balizando a tomada de decisões, tanto dos particulares como dos órgãos legislativo, executivo e judiciário; e

• preservar o Estado de Direito.

Como proclamou a jurisprudência, "A livre iniciativa está consagrada na ordem econômica constitucional e como fundamento da própria República Federativa do Brasil, podendo atuar o particular com total liberdade, ressalvadas apenas as proibições legais. Não se tolera restrição a tal liberdade, sem o devido respaldo legal" [21].


7.Parentesco e

Nessa mesma ordem de idéias, esflora o princípio constitucional da função social da empresa, vetor de inestimável importância para estrutura capitalista do Estado de Direito.

Ao menos em tese, quando alguém se candidata a um certame licitatório tem a ciência e a consciência de que deverá se submeter a um procedimento preliminar rigorosamente preestabelecido conforme a lei.

Esse procedimento preliminar se chama licitação, cujo objetivo é propiciar aos entes governamentais o direito subjetivo público de abrirem disputa entre interessados, os quais, por sua vez, aceitam travar determinadas relações de natureza patrimonial.

Vê-se, portanto, que a Administração propicia o ensejo de se competir, de se disputar a participação nos negócios que os entes governamentais colimem realizar com os particulares.

Entrementes, quando alguém sai vitorioso de um certame licitatório há uma presunção óbvia de que atendeu os reclamos da ordem jurídica, de que não feriu preceitos e princípios jurídico-fundamentais.

A boa-fé nas relações travadas entre administrados e Administração Pública é a regra, enquanto a má-fé tem de ser provada, de modo líquido e incontestável, de sorte a não frustrar o verdadeiro telos da licitação: assegurar às pessoas governamentais as melhores possibilidades para realizarem negócios mais vantajosos, ao mesmo tempo em que garante aos administrados a prerrogativa de participarem dos negócios estatais.

Destarte, a busca pela oferta mais satisfatória, com a respectiva escolha da melhor proposta apresentada, não é algo sujeito a interpretações subversivas e traumatizantes, sob pena de se violar o pórtico constitucional da função social da empresa, corolário da própria função social da propriedade (CF, art.5º, XXIII).

Contemporaneamente, as empresas exercem uma função social.

A evolução paulatina dos bens de consumo e de produção fizeram com que os núcleos empresariais expandissem a sua área de ação, espargindo influências sobre toda a comunidade organizada.

Nesse ínterim, deflui a função social da empresa, aqui entendida como a tarefa básica que a mesma deve cumprir para a satisfação dos segmentos a ela ligados – empregados, acionistas, fornecedores, financiadores, distribuidores, consumidores diretos ou indiretos dos seus serviços e produtos.

Interessante observar que a função social da empresa é de índole externa corporis, porque não se limita à mera operacionalização dos seus interesses internos. Agrega em torno de si uma multiplicidade de fatores circundantes, de nítido colorido social, econômico, tecnológico e humanitário.

Por isso, a empresa desempenha uma iniludível função social, que vai desde a formação do seu quadro de empregados, chegando ao próprio Estado, por intermédio do recolhimento de tributos.

Resultado: ou se preserva o funcionamento regular da função social da empresa, num esforço conjunto de todos os segmentos organizados, ou se atropelam direitos sacrossantos.

Referimo-nos à garantia dos direitos sociais básicos – a educação, a saúde, o trabalho, a moradia, o lazer, a segurança, a previdência social, a proteção à maternidade e à infância – nos termos do art.6º, da Carta Maior, com redação dada pela Emenda Constitucional n. 26/2000.

Óbvio que a enumeração descrita é meramente exemplificativa, não esgotando o rol dos direitos sociais, que vêm espraiados em várias passagens da Constituição.

Tanto é assim que a educação, a saúde, a segurança, a previdência (ou seguridade social), a proteção à maternidade, à infância e a assistência aos desamparados são assuntos que receberam tratamento constitucional destacado, ex vi dos arts. 196 a 203, caput, I e II; 205 a 214; 227 a 229.

Agora, façamos uma pausa.

Suponhamos que as empresas deixem de funcionar pela não satisfação das condições mínimas de faturamento.

Perguntamos: como fica a sua função social diante do art.6º, da Constituição da República?

E mais: a função social da propriedade, também prevista na Lex Legum (art.5º, XXIII), que guarda conexão com a matéria, restará violada?

Por certo, a manifestação constituinte originária sofrerá investidas, porque, tanto o art.6º, como o art.5º, inciso XXIII, não consignam meras simbologias.

Convém, em separado, evidenciar o motivo da constitucionalização de cada um desses preceptivos.

O Capítulo II, da Carta de 1988, inaugura-se trazendo a locução direitos sociais. Certamente, a terminologia é difícil de ser determinada, porque é plurissignificativa.

Logo, o seu sentido irá variar a depender do contexto em que for empregada. Disso emerge a enorme dificuldade de se delimitar uma linha conceitual para o que sejam direitos sociais.

Existe até algo de pleonástico se a tomarmos no sentido geral, pois todo direito é, em si mesmo, produto da vida em sociedade — ubi societas, ibi jus [22].

O modo mais consentâneo para obtermos o sentido, o alcance e a compreensão dos direitos sociais, na sistemática adotada pelo constituinte de 1988, parte do raciocínio de que o conflito entre o indivíduo e a sociedade leva a uma idéia mais estreita de direito social. A qualificação deste decorre da tutela do interesse do grupo contra o interesse particular do homem.

A adjetivação social, portanto, que qualifica o direito, opõe-se, pois, ao ser individual, para dar predominância ao interesse maior da comunidade, ainda que se esteja tratando de interesse nitidamente do indivíduo, tomado em si mesmo.

É que inúmeras prescrições da Carta de 1988 foram consagradas para a tutela de interesses individuais, o que pode parecer até um paradoxo.

No entanto, o que se busca é a satisfação do interesse particular, através de prestações positivas por parte do Estado, sem que isso leve ao sacrifício de toda a sociedade.

Eduardo Espínola e Eduardo Espínola Filho sintetizaram bem essa idéia:

"Quando surja em frente duma manifestação do direito, no seu aspecto individual, um interesse concernente à coletividade, deixa aquela de ser atendida, subordinando-se à exigência do direito social" [23].

Direitos sociais, portanto, são aqueles que sobrelevam a esfera particular, para alcançar o todo, numa visão de generalidade e conjunto.

A sua compreensão deflui — com pujança e intensidade — sempre que for confrontado um interesse individual com um metaindividual, e vice-versa.

Por isso, funcionam como lídimas liberdades ou prestações positivas, vertidas em normas de cunho constitucional.

Desse modo, os Poderes Públicos devem agir para melhorar a vida humana, evitando tiranias, arbítrios, injustiças e abusos de poder.

E a função social da propriedade? Será que ela, por guardar coerência com a função social da empresa, repercute, de algum modo, no objeto do nosso estudo?

Acreditamos que sim.

No momento em que os vencedores de certames licitatórios são surpreendidos com alegações, no mínimo desproporcionais, é gerado um estado deficitário nas empresas, com prejuízos que se acumulam mensalmente, ao arrepio da legalidade (CF, art.5º, II).

Conseqüentemente, a função social da propriedade torna-se um enunciado oco, vazio, destituído de conteúdo palpável, nada obstante o fato de consignar uma vetusta garantia constitucional.

Realmente, o vetor da função social da propriedade veio prescrito na Constituição de 1988, seguindo a tradição constitucional brasileira de disciplinar a matéria.

Com exceção da Carta de 1937, as constituições brasileiras destacaram o temário.

Simples passar d’olhos nos textos de 1824 e 1891, arts. 179, 22 e 72, § 17, respectivamente, e veremos garantido, plenamente, o direito de propriedade.

O constituinte de 1934 foi pioneiro, relacionando os signos: propriedade e função social (art. 113, 17), enquanto o de 1937 nada evoluiu, porém retrocedeu, nada dizendo a respeito. A Lei Maior de 1946 retomou o progresso, condicionando o seu uso ao bem-estar social (art. 141, § 16), além de tornar possível a justa distribuição da propriedade, com igual oportunidade para todos (art. 147).

Os Diplomas Constitucionais de 1967 e 1969 proclamaram, in verbis, ser finalidade da ordem social realizar a função social da propriedade (art. 157, III, da CF de 1967; art. 160, III, da CF de 1969).

E o legislador constituinte de 1988 mencionou quatro vezes a locução "função social da propriedade", nos arts. 5º, XXIII, 170, III, 182, § 2º, e 186, caput.

Sendo a Constituição o berço primário e originário da função social da propriedade, surgem algumas considerações.

A propriedade, na Carta de 1988, consiste num direito, destinado a cumprir uma função social. Não se trata, simplesmente, de uma função social, mas de um direito apto a exercer uma função social.

Se o protegido fosse a propriedade — "função social", então as propriedades que não estivessem cumprindo uma função social não seriam indenizadas. Ficariam, pois, perdidas sem qualquer proteção jurídica.

Em verdade, o que ocorre é a proteção constitucional da propriedade que não esteja desempenhando uma função social.

De outro lado, propriedade e direito de propriedade jamais se confundiram. A propriedade sempre existiu.

Em todas as épocas e fases da humanidade, ela fez parte da vida do homem. Como fato da vida econômica, a propriedade atravessou o tempo, brotando suas raízes desde os primeiros agrupamentos humanos.

Entre os povos de vida rudimentar, por mais rústicos que fossem, estava presente a idéia, ainda na sua forma embrionária, de ter, querer, usar, gozar, dispor de algo.

A índole materialista, ínsita à condição terrena, onde os seres humanos desejam aumentar quantitativa e valorativamente aquilo que possuem, ou almejam possuir, faz aparecer a concepção, mais ou menos clara, do que seja propriedade.

Presente na história das civilizações, foi evoluindo, paulatinamente, e demonstrando o individualismo da espécie humana. Por isso, identificaram-na como o mais amplo dos poderes, assegurados aos seres pensantes, com o escopo de confirmar a superioridade do querer, do desejo, da vontade de se realizar interesses [24].

O direito de propriedade, a sua vez, é a expressão positivada da propriedade, ou seja, corresponde à juridicização do fenômeno propriedade.

Nos ordenamentos que adotam o jus scriptum, o direito de propriedade é a inserção da propriedade na letra da lei, decorrendo daí o perfil que o legislador lhe confere. Pois é na Constituição, e na legislação compatível às suas normas, que reside o traçado, os contornos e as nuanças daquilo que chamamos de direito de propriedade, com todas as implicações e problemas daí suscitados.

Enfim, o direito de propriedade é a expressão jurídica da propriedade, comportando a adjetivação "função social".

Mas o que é "função social", locução que qualifica a palavra propriedade?

Trata-se de expressão imprecisa.

Stefano Rodotà, por exemplo, pela análise separada e sucessiva dos termos função e social, propôs o seu significado [25]. Dilucidou que o termo função opõe-se a estrutura, servindo para mostrar a maneira de operacionalizarmos um instituto, demonstrando seus caracteres particulares e notórios. No momento em que a ordem jurídica reconhece que o exercício dos poderes do proprietário não deveria ser protegido apenas para a satisfação de seu interesse, a função da propriedade passa a ser social.

Nesse ínterim, seriam três os aspectos da função social da propriedade:

• privação de certas faculdades;

• criação de condições para o proprietário exercer seus poderes; e

• obrigação de exercer certos direitos elementares do domínio.

A função social da propriedade resolver-se-ia pela diferenciação entre tipos particulares de bens, analisados à luz do fator econômico, bem como pela mudança das normas disciplinadoras da conduta do proprietário.

Assim, a propriedade chamada a absorver a função social não seria a propriedade direito-subjetivo, e sim a propriedade instituto-jurídico, evidenciando que a funcionalização não fere o conteúdo do direito.

Mais ambíguo, ainda, seria o qualificativo social, que adjetiva função.

Rodotà criticou a tese de que social é o mesmo que não-individualístico, raciocinando que a palavra corresponde a um padrão elástico, por meio do qual se transferem para a esfera legislativa ou para a órbita do magistrado certas exigências do momento histórico, nascidas como antítese no movimento dialético na aventura da humanidade.

Mesmo diante da complexidade do termo, os textos constitucionais incorporaram-no, convertendo-o num conceito jurídico fundamental, de uso freqüente no vocabulário legislativo.

Sem embargo, a função social da propriedade, conforme a Constituição de 1988, traduz-se pela investigação do sentido, significado e alcance do conjunto de todos os dispositivos que tratam da matéria. Tais preceitos constitucionais mantêm estreito vínculo de reciprocidade.

Esse conjunto de normas sobre a propriedade comprova que ela não é mais um simples direito individual. Se viesse prevista apenas como instituição econômica já seria o bastante (CF, art. 170, III).

É o caso das Constituições da Itália (art. 42) e de Portugal (art. 62), que enquadram a propriedade no bojo das relações econômicas.

Mas o constituinte de 1988 procurou reforçá-la em várias partes do texto, no intuito de não mais vê-la como instituição específica do direito privado, e sim voltada para assegurar a todos existência digna.

É válido lembrar que a interpretação jurídica coloca-se como um ato de vontade associado a um ato de conhecimento. Por isso, não há como fixar critério único para desentranharmos o sentido, o significado e o alcance de uma norma, inclusive a constitucional.

Acreditamos que inexiste "método por excelência" para a interpretação jurídica.

Daí termos utilizado podem e não devem, para afirmar que a função social da propriedade, na Constituição de 1988, participa de um conjunto de dispositivos que mantêm estreito vínculo de reciprocidade, quais sejam, os arts. 5º, XXIII, 170, III, 182, § 2º, e 186, caput.

Todas essas considerações têm que ver com o tema em análise.

Em primeiro lugar, não podemos imaginar a função social das empresas sem estudar, de início, a própria missão social da propriedade.

Para León Duguit, quando a propriedade despe-se daquela idéia que a associa ao direito subjetivo do indivíduo, ela tende a se tornar a função social do detentor da riqueza mobiliária e imobiliária. As empresas, portanto, desempenhariam, à semelhança dos bens imóveis, função social, porque a propriedade não é um direito "intangível e sagrado, mas um direito em contínua mudança que se deve modelar sobre as necessidades sociais às quais deve responder" [26].

Em verdade, nada impede aceitarmos a idéia da função social da empresa jungida ao vetor da função social da propriedade, porque sua extensão deve ser encarada sob o aspecto real do poder jurídico de disposição que compete ao titular desse direito.

Barcelona, consciente dessa constatação, gizou que a função social da propriedade deve basear-se numa atribuição de competência implícita, para que o titular intervenha no objeto do direito real e na qualificação das causas que justificam a intervenção [27].

Seria um inusitado absurdo empresas, que participaram regularmente de certames licitatórios, vislumbrarem suas prerrogativas violadas, com base em critérios e argumentos injustificáveis. Aí sim, os primados da moralidade, da impessoalidade, do respeito ao edital, da isonomia, dentre tantos, seriam frustrados, fulminando-se, de um súbito, a função social que o Texto Constitucional lhes outorgou.

Demais disso, é direito de toda a coletividade ver cumpridas as normas supremas do Estado, dentre elas a que assegura a concretização de licitações. Neste aspecto, vale lembrar que a comunidade titulariza os direitos sociais, correlatos, inexoravelmente, ao atendimento dos interesses do centros econômicos geradores de riquezas, de trabalho, de renda e impostos: as empresas.


8.Parentesco e economicidade (CF, art.70, caput)

O art.70, caput, da Carta de 1988, contempla o princípio da economicidade.

Embora referido ditame não seja um vetor específico da seara das licitações, não resta dúvida de que a preocupação de se economizar recursos para a Administração Pública compactua-se com os próprios fins dos certames licitatórios.

Pelo art. 70 da Carta de 1988, foram erigidas, em quatro modalidades, as bases da fiscalização contábil, financeira, orçamentária, operacional e patrimonial da União e das entidades governamentais:

a) fiscalização da legalidade — vincula o administrador público ao império da lei, verificando a validade formal e material dos atos administrativos em face da Constituição e do ordenamento infraconstitucional;

b) fiscalização financeira — controla a aplicação das subvenções, a renúncia de receitas, as despesas e as questões contábeis;

c) fiscalização da legitimidade — as finanças públicas devem ser geridas conforme os objetivos politicamente aceitos pela nação, a qual cumpre ser informada sobre o modo de gestão da res publica; e

d) fiscalização da economicidade — às finanças públicas cumpre perseguir o princípio do custo-benefício. Logo, a despesa deve adequar-se à receita, de modo que os tributos pagos pela população tenham destino útil. Noutras palavras, deve-se diminuir o gasto e aumentar o lucro, em nome da eficiência administrativa (CF, art. 37, caput).

A fiscalização da economicidade, portanto, tem como supedâneo o vetor do custo-benefício.

É precisamente esse custo-benefício que constitui o leitmotiv dos concursos licitatórios, homenageando-se àqueles que podem vir a trazer benefícios econômicos para a Administração Pública.

Aplicando-se o cânone da economicidade na seara das licitações, a idéia de custo-benefício emerge com uma força notável, privilegiando-se os que possuem as condições materiais e financeiras para cumprirem as exigências de cunho governamental.

É precisamente nesse ponto que aparece o princípio da economicidade como diretriz impeditiva de investidas, algumas das quais levadas ao Poder Judiciário, contra os administrados que apresentaram, dentre todos os concorrentes, a oferta mais satisfatória ao interesse público.

No momento em que alegações de parentesco são levadas a cabo com o objetivo de compremeter o resultado do certame licitatório, se está, na realidade, frustrando o duplo objetivo das licitações: (i) impossibilitar que os entes governamentais obtenham as melhores propostas de negócios vantajosos para eles; e (ii) impedir que os administrados participem, isonomicamente, dos negócios governamentais, atentando, de uma só vez, contra todos aqueles princípios supra analisados.


9.Estado de direito democrático ou República de suposições?

Chegamos ao último tópico do nosso estudo.

A tese de que a simples relação de parentesco, por si só, compromete os certames licitatórios tem, em alguns casos, recebido o beneplácido do próprio Poder Judiciário.

Devido aos limites objetivos do presente trabalho, não adentraremos no mérito de quaisquer decisões.

Apenas queríamos registrar a existência de julgados que externam o problema da contextualização jurisprudencial equivocada.

Referimo-nos a certas sentenças, que, transcrevendo excertos que nada têm que ver com o tema, chegam à conclusão de que a mera ligação de parentesco já é o bastante para se fulminar certames licitatórios.

Tais decisões, entretanto, desconhecem que texto não é contexto, e, ainda quando não tenham tal propósito, acabam fomentando a febre do litígio nas licitações, onde os perdedores são estimulados a bater às portas do Poder Judiciário, enxudiando-lhe de pedidos e mais pedidos, abarrotando, mais ainda, a incomensurável carga de trabalho de juízes e Tribunais.

O resultado de tudo isso somente contribui para a existência de uma "República de suposições", onde todos são corruptos até quando se prove o contrário, transmutando-se, via mutação inconstitucional [28], o princípio da presunção de inocência (CF, art.5º, LVII).

Acontece, porém, que, ao menos pela fraseologia constitucional, a República Federativa do Brasil constitui-se em um Estado Democrático de Direito, escrito com letra maiúscula pela própria manifestação constituinte originária (CF, art.1º, caput).

Aliás, Estado de Direito, sem o qualificativo "Democrático", é tradução literal da palavra alemã Rechtsstaat, empregada desde o começo do século XIX.

Com o tempo, a terminologia incorporou-se ao vocabulário jurídico e político, significando o oposto de Polizeistaat – Estado de Polícia – avesso à parêmia "ninguém será obrigado a fazer ou deixar de fazer alguma coisa senão em virtude de lei" (CF, art.5º, II).

No Brasil, o constituinte, inspirado na Carta Portuguesa de 1976 (art.2º), reforçou a idéia segundo a qual Estado de Direito e democracia, bem como democracia e Estado de Direito, são noções complementares.

Vêm juntas e não separadas, pois visam reforçar a concepção de que o Estado de Direito surge em oposição ao Estado de Polícia — aquele de tipo autoritário, que apregoava o repúdio às liberdades públicas, no sentido mais vasto e completo da expressão.

As conseqüências concretas de vivermos num Estado de Direito são fundas no plano das licitações.

Suponhamos que o Brasil fosse um Estado de Polícia (Polizeistaat).

Seria possível, ainda que inaceitável, o Poder Judiciário, deconsiderar os princípios e normas constitucionais, atenuando exigências de ordem formal, acatando considerações de cunho axiológico, para satisfazer toda sorte de pleitos.

Com base em juízos de valor, não no império da lei, seriam facilmente supressas as demais formas legais, inclusive aquelas previstas na Lei Maior – a Constituição do Estado.

Poderiam ser flexibilizados, por exemplo, todos os critérios para se realizar certames licitatórios. Então, pessoas físicas e jurídicas ficariam à mercê de toda sorte de pressões, diretas ou oblíquas. A exceção tornar-se-ia a regra, "institucionalizando-se", de vez, o arbítrio. E o argumento de fundo para a tomada de decisões seria a invocação de certos princípios, como a moralidade, a impessoalidade, a eficiência, a isonomia, pouco importando se os mesmos teríam, ou não, pertinência com os respectivos casos concretos em que estariam sendo invocados.

Porém, não estamos num Estado de Polícia (Polizeistaat), existindo o Poder Judiciário, cujos membros gozam de garantias constitucionais (CF,art.95), para decidir à luz do bom senso, da razoabilidade, da proporção.

É aí que entram os princípios constitucionais acima descritos.

Eles funcionam como elixir para o Poder Judiciário controlar e balizar, nos casos de sua competência constitucional, a produção de juízes e Tribunais (CF, arts.101 a 103).

Deveras, os magistrados podem cometer erros, equívocos, adotando procedimentos equivocados, oriundos de exegeses deturpadas, motivadas por argumentos ininteligíveis, não raro desarazoados.

Face a todos esses despautérios, e tantos outros, é que entram em cena os princípios constitucionais. Eles atuam como elemento balizador do emprego das formas processuais.

Quando elas – as formas processuais – são corrompidas, direta ou indiretamente, os princípios constitucionais devem ser invocados, não apenas para fins pedagógicos, mas, sobretudo, como standarts para se aquilatar a validade, ou a invalidade, dos atos do Poder Judiciário.

É que todos, sem exceção, do simples lavrador ao Presidente da República, submetem-se, inexoravelmente, à supremacia da Constituição, ipso facto, ao império dos princípios constitucionais.

Tanto os atos legislativos, administrativos e judiciais, como os atos praticados por particulares, irrogam-se à supremacia da Constituição brasileira, que esparge sua força normativa em todos os segmentos da ordem jurídica.

O pórtico da supremacia encontra-se implícito na ordem constitucional brasileira. Exige raciocínio indutivo para percebê-lo. Não está escrito em nenhum lugar, diferentemente das Constituições de Portugal de 1976 (art. 3° , 2 e 3) e da Espanha de 1978 (art. 9, 1 e 3), que o consagraram de modo expresso.

Mas isso pouco importa, afinal ele transcende os escaninhos da linguagem prescritiva do Texto de 1988, impregnando todo o articulado constitucional. Extrai-se do contexto da Constituição, da lógica geral das normas que a compõem (v. g., arts. 23, I, 25, 29, 32, 60, 78, 85, 102, 103, 121, §§ 3° e 4° , 125 etc.).


10 Conclusões

Eis o sumo das conclusões a que chegamos:

I – A problemática da licitação em caso de parentesco não foi, até o momento, regulamentada, especificamente, pelo Poder Legislativo, nada obstante algumas tentativas, de lege ferenda, formuladas a esse respeito. O resultado de tudo isso é o predomínio de exegeses absurdas, ensejando entendimentos estapafúrdios, e, até mesmo, decisões judiciais descontextualizadas, sem qualquer preocupação de se proceder um exame mais demorado da matéria. Não basta, por exemplo, mencionar princípios nodulares da Administração Pública, nem, tampouco, transcrever sentenças, proferidas num caso específico, para se chegar à presunção de que o parentesco, sponte propria, invalida o certame licitatório.

II – O edital é o coração da licitação. Por isso, não pode ter as suas artérias comprometidas por ilações traumatizantes. O fato de alguém ser parente de outrem não serve de estribo para se invocar, em toda e qualquer situação, ofensa aos primados reitores da Administração. Apenas se pode falar em fraude à moralidade, à impessoalidade e quejandos, submetendo-se, previamente, a matéria à lente da Constituição, amiúde, dos princípios constitucionais da razoabilidade (CF, art.5º, LIV), da dignidade da pessoa humana (CF, art.1º, III), da liberdade de trabalho (CF, art.5º, XIII), da livre iniciativa (CF, art.1º, IV), da função social da empresa (CF, art.5º, XXIII) e da economicidade (CF, art.70, caput).

III – Não se afigura prudente, razoável, lógico, invalidar certames licitatórios, provocando o Poder Judiciário, com base na alegação de que o elo de parentesco, por si só, caracteriza discriminação, conluio, parcialidade. O mero parentesco, tomado de per si, não é argumento idôneo para se firmar a presunção de que a moralidade, a impessoalidade, a isonomia etc., foram, realmente, conspurcadas. Nessa seara, não devem predominar o subjetivismo, os sentimentos, as impressões, os objetivos – confessáveis ou inconfessáveis – que brotam da mente humana. Do contrário, o parentesco seria, a priori, um atestado de má conduta. Se assim fosse, pais e filhos, tios e sobrinhos, primos e irmãos, apresentariam, desde o nascimento, o cancro da fraude, do favorecimento, da corrupção – uma grande estultice.

IV – Imputar fatos inverídicos a alguém, inclusive na seara das licitações, sem qualquer comprovação insuscetível de dúvidas, com suporte no evasivo argumento de que o parentesco, por si só, é motivo ensejador de fraudes e favorecimentos, é um seriíssimo atentado contra o princípio constitucional da dignidade humana (CF, art.1º, III). Em tema de licitação, o vetor da dignidade humana funciona como um freio impeditivo de absurdos inaceitáveis, vedando que disposições editalícias, e da própria Lei 8.633/1993, sofram deturpações, com base em conjecturas desprovidas de qualquer supedâneo probatório.

V – Empresas vencedoras de certames licitatórios, que apresentaram a melhor proposta para a Administração, não podem ter as suas atividades interrompidas, em virtude de alegações desarrazoadas, verdadeiras "cascas de banana", jogadas ao largo do Poder Judiciário. Do contrário, o labor empresarial deixaria de ser livre, maculando-se um dos fundamentos da República Federativa do Brasil (CF, art.1º, IV).

VI – O art.9º, da Lei 8.666/1993 lista, taxativamente, o rol de hipóteses, com base numa ordem numerus clausus, pelas quais pessoas físicas ou jurídicas encontram-se impedidas de participarem, direta ou indiretamente, de licitações, nos termos ali previstos. Neste particular, só o Poder Legislativo, e mais ninguém, poderá regular a matéria, sob pena de ofensa direta ao disposto no art.22, XXVII, do Texto Magno. Assim, presentes os presupostos lógico – pluralidade de objetos e de ofertantes; jurídico – atendimento ao interesse público; e fático – presença de vários interessados em disputar o certame, nada poderá invalidar, do ponto de vista jurídico, a licitude e a legitimidade do certame licitatório. O contrário disso seria empreender interpretação inconstitucional de leis constitucionais.

VII – Quando se invoca o elo de parentesco, mediante exegese dilargada de preceitos editalícios e legais, comete-se uma afronta à livre iniciativa, abrindo-se ensanchas para a insolvência de empresas, geradoras de empregos e receitas.

VIII – A boa-fé nas relações travadas entre administrados e Administração Pública é a regra, enquanto a má-fé tem de ser provada, de modo líquido e incontestável, de sorte a não frustrar o verdadeiro telos da licitação: proporcionar às pessoas governamentais as melhores possibilidades para realizarem negócios mais vantajosos, ao mesmo tempo em que garante aos administrados a prerrogativa de participarem dos negócios estatais. Desse modo, a busca pela oferta mais satisfatória, com a respectiva escolha da melhor proposta apresentada, não é algo sujeito a interpretações subversivas e traumatizantes, sob pena de se burlar o pórtico constitucional da função social da empresa, corolário da própria função social da propriedade (CF, art.5º, XXIII). Seria um inusitado absurdo empresas, que participaram, de modo legal e legítimo, de licitações, vislumbrarem suas prerrogativas violadas, com base em critérios e argumentos injustificáveis. Aí sim, os primados da moralidade, da impessoalidade, do respeito ao edital, da isonomia, dentre tantos, seriam frustrados, fulminando-se, de um súbito, a função social que o Texto Constitucional lhes outorgou. Demais disso, é direito de toda a coletividade ver cumpridas as normas supremas do Estado, dentre elas a que assegura a concretização de licitações. Neste aspecto, vale lembrar que a comunidade titulariza os direitos sociais, correlatos, inexoravelmente, ao atendimento dos interesses do centros econômicos geradores de riquezas, de trabalho, de renda e impostos: as empresas.

IX – O princípio da economicidade funciona como óbice impeditivo de certas investidas, algumas das quais levadas ao Poder Judiciário, praticadas contra os administrados que apresentaram, dentre todos os concorrentes, a oferta mais satisfatória ao interesse público. Pela ótica da economicidade, no momento em que alegações de parentesco são levadas a cabo com o objetivo de compremeter o resultado do certame licitatório, se está, na realidade, frustrando o duplo objetivo das licitações: (i) impossibilitar que os entes governamentais obtenham as melhores propostas de negócios vantajosos para eles; e (ii) impedir que os administrados participem, isonomicamente, dos negócios governamentais, atentando, de uma só vez, contra todos aqueles princípios supra analisados.

X – As conseqüências concretas de vivermos num Estado de Direito são fundas no plano das licitações. Suponhamos que o Brasil fosse um Estado de Polícia (Polizeistaat). Seria possível, ainda que inaceitável, o Poder Judiciário, deconsiderar os princípios e normas constitucionais, atenuando exigências de ordem formal, acatando considerações de cunho axiológico, para satisfazer toda sorte de pleitos. Com base em juízos de valor, não no império da lei, seriam facilmente supressas as demais formas legais, inclusive aquelas previstas na Lei Maior – a Constituição do Estado. Poderiam ser flexibilizados, por exemplo, todos os critérios para se realizar certames licitatórios. Então, pessoas físicas e jurídicas ficariam à mercê de toda sorte de pressões, diretas ou oblíquas. A exceção tornar-se-ia a regra, "institucionalizando-se", de vez, o arbítrio, ainda quando o argumento de fundo para a tomada de decisões reporte-se a certos princípios, como a moralidade, a impessoalidade, a eficiência, a isonomia, que, nem sempre, guardam correspondência com o mérito dos problemas deduzidos em juízo, sendo, simplesmente, mencionados em contextos díspares, que nada têm que ver com o verdadeiro mérito do tema em discussão. Porém, não estamos num Estado de Polícia (Polizeistaat), existindo o Poder Judiciário, cujos membros gozam de garantias constitucionais (CF,art.95), para decidir à luz do bom senso, da razoabilidade, da proporção. É aí que entram os princípios constitucionais. Eles funcionam como elixir para o Poder Judiciário controlar e balizar, nos casos de sua competência constitucional, a produção de juízes e Tribunais (CF, arts.101 a 103).


Notas

  1. Introducción al estudio del Derecho, 2.ed. Mexico, Porrúa, 1972, p.257.
  2. Vide: Projeto de Lei n° 032/2007, que tramita na Câmara dos Deputados.
  3. Hermenêutica e aplicação do Direito, 2.ed., Globo, 1933, p.183.
  4. Licitação e Contrato Administrativo, 13.ed. São Paulo, Malheiros, 2002, p. 119.
  5. Curso de Direito Administativo, 20.ed. São Paulo, Malheiros, 2006, p. 547.
  6. Lei 8.666, de 21-6-1993, art.41, caput.
  7. Embora existam diversas classificações doutrinárias para os princípios reitores da licitação, não há uniformidade entre os autores. Sobre o tema: Sayagués Laso, La licitación pública, Pena e Cia, 1940; José Roberto Dromi, Licitación pública, Buenos Aires, Ediciones Ciudad Argentina, 1995.
  8. Sobre o princípio da razoabilidade: Carlos Roberto Siqueira Castro, O devido processo legal e a razoabilidade das leis na nova Constituição do Brasil, 2. ed., Rio de Janeiro, Forense, 1989; German J. Bidart Campos, Interpretación y el control constitucionales en la jurisdición constitucional, Buenos Aires, Ediar, 1987; Raquel Denize Stumm, Princípio da proporcionalidade no Direito Constitucional brasileiro, Porto Alegre, Livraria do Advogado, 1995; Suzana de Toledo Barros, O princípio da proporcionalidade e o controle de constitucionalidade das leis restritivas de direitos fundamentais, Brasília, Ed. Brasília Jurídica, 1996; Willis Santiago Guerra Filho, Direitos fundamentais, processo e princípio da proporcionalidade, in Dos direitos humanos aos direitos fundamentais, Porto Alegre, Livraria do Advogado, 1997; Gilmar Ferreira Mendes, A proporcionalidade na jurisprudência do Supremo Tribunal Federal, Repertório IOB de jurisprudência, São Paulo, n. 23, p. 470, dez. 1994; Paulo Armínio Tavares Buechele, O princípio da proporcionalidade e a interpretação da Constituição, São Paulo, 1999; Maria Paula Dallari Bucci, O princípio da razoabilidade em apoio à legalidade, Cadernos de Direito Constitucional e Ciência Política, 16:173.
  9. Registro: há autores que distinguem a razoabilidade da proporcionalidade. José Roberto Pimenta Oliveira, por exemplo, entende que a razoabilidade seria um mandamento de otimização, enquanto a proporcionalidade serviria para procedimentalizar os próprios contornos da razoabilidade (Os princípios da razoabilidade e da proporcionalidade no Direito Administrativo Brasileiro, São Paulo, Malheiros, 2006, 582 pp.). Razoabilidade e proporcionalidade não são expedientes distintos. É infrutífero e inútil distinguir, na prática, ambas as categorias, a despeito dos argumentos teorético-científicos que possam ser lançados para se defender uma "possível" dicotomia.
  10. Nesse sentido: Xavier Philippe, Le contrôle de proportionnalité dans les jurisprudences constitutionelle et administrative française, Aix-Marseille, Presses Universitaires, 1990, p.7.
  11. Para maior aprofundamento: Rodney L. Mott, Due process of law, Ed. Bobbs-Merril, 1926; Eduardo Couture, El "debido proceso" como tutela de los derechos humanos, La Ley, Buenos Aires, 1956; Arturo Hoyos, La garantía constitucional del debido proceso legal, RP, n. 47, 1987; Paulo Fernando Silveira, Devido processo legal, Belo Horizonte, Del Rey, 1996; Rogério Lauria Tucci e José Rogério Cruz e Tucci, Devido processo legal e tutela jurisdicional, São Paulo, Revista dos Tribunais, 1993; Emerson Odilon Sandim, O devido processo legal na administração pública: com enfoques previdenciários, São Paulo, LTr, 1997; Alberto Nogueira, O devido processo legal tributário, Rio de Janeiro, Renovar, 1996; Maria Rosynete Oliveira Lima, Devido processo legal, Porto Alegre, Sérgio A. Fabris, Editor, 1999.
  12. Conferir: Irene Patrícia Nohara, Limites à razoabilidade nos atos administrativos, São Paulo, Atlas, 2006, 212 pp.
  13. Fonte: www.stf.gov.br.
  14. Alguns precedentes: STF, Pleno, ADIn 1976/DF, Rel. Min. Moreira Alves (devido processo legislativo); STF, Pleno, ADIn 1.407-MC/DF, Rel. Min. Celso de Mello, j. em 7-3-1996, DJ de 24-11-2000 (matéria eleitoral); STF, Pleno, ADIn 1.076/DF, Rel. Min. Sepúlveda Pertence (contribuições de entidades de classe); STF, 2a T., RE 140.889/MS, Rel. p/ acórdão Min. Maurício Corrêa, j. em 30-5-2000, DJ de 15-12-2000 (concurso público); STF, AgRg 189.765/SP, Rel. Min. Sydney Sanches, j. em 29-9-1998, DJ de 4-6-1999 (processos civil e trabalhista); STF, Pleno, ADIn 2.280-MC/RS, Rel. Min. Moreira Alves, j. em 28-9-2000, DJ de 12-12-2000 (processo cautelar).
  15. Leading case: STF, RE 18.331, Rel. Min. Orozimbo Nonato, 1953, RF, 145:164.
  16. STJ, REsp 21.923-5/MG, Rel. Min. Humberto Gomes de Barros.
  17. Sobre o assunto: Ana Paula de Barcellos, A eficácia jurídica dos princípios constitucionais – o princípio da dignidade da pessoa humana. Rio de Janeiro, Renovar, 2002, p. 103 e ss.
  18. Vide: Antonio Enrique Pérez Luño, Derechos humanos, Estado de Derecho y Constitución, 4. ed. Madrid: Technos, 1988, p. 288-289
  19. Uadi Lammêgo Bulos, Curso de Direito Constitucional, 2.ed. 2ª tiragem, São Paulo, Saraiva, 2008.
  20. Princípios e valores: para Francisco Javier Díaz Revorio, princípios não se confundem com valores. Mas ele próprio reconhece que estes últimos — os valores — podem servir de parâmetro de constitucionalidade, assim como os princípios (Valores superiores e interpretación constitucional, Madrid: Centro de Estudios Políticos y Constitucionales, 1997, p. 172 e s.). Na doutrina italiana, o termo valor, que comporta múltiplos significados, é usado numa acepção ampla, interagindo com os princípios. Nesse sentido: Gianformaggio, L’interpretazione della Costituzione tra applicazione di regole ed argomentazione basata sul principi, Revista Internazionale de Filosofia del Diritto, [s.1.] n.1, 1985.
  21. TRF, 5ª Região, 2ª T., AC 93.05.27765/CE, Rel. Juiz José Delgado, DJ, 2, de 27-9-1993, p. 40993.
  22. Le Fur, Droit individuel et droit social, in Archives de philosophie du droit et sociologie juridique, Paris, 1934, p. 34; Josserand, Évolutions et actualités, Paris, 1937, p. 159; Gustav Radbruch, Introducción a la ciencia del derecho, Barcelona, 1932, p. 108.
  23. Direito, in Repertório enciclopédico do direito brasileiro, v.16, p. 196.
  24. Pietro Perlingieri, Introduzione alla problematica della "proprietà", Jovene, Scuola di perfezionamento di diritto civile dell’Università degli studi di Camerino, 1971.
  25. Proprietà (Diritto vigente), in Novissimo digesto italiano, v. 15.
  26. Leon Duguit, Traité de droit constitutionnel, Paris, Ed. Fontemoing, 1921, t. 3, p. 86.
  27. Gli instituti fondamentali del diritto privato, Napoli, Jovene, 1978, p. 148.
  28. Sobre o tema: Uadi Lammêgo Bulos, Mutação constitucional, São Paulo, Saraiva, 1997.

Autor

  • Uadi Lammêgo Bulos

    Uadi Lammêgo Bulos

    Advogado Constitucionalista. Presidente da Sociedade Brasileira de Direito Constitucional (SBDC), Doutor e Mestre em Direito do Estado pela Pontifícia Universidade Católica de São Paulo. Autor de "Constituição Federal Anotada", "Curso de Direito Constitucional" e "Direito Constitucional ao alcance de todos" (Editora Saraiva).

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BULOS, Uadi Lammêgo. Licitação em caso de parentesco. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 13, n. 1855, 30 jul. 2008. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/11555. Acesso em: 23 abr. 2024.