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Reforma processual penal e júri.

Primeiras impressões

Reforma processual penal e júri. Primeiras impressões

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I. Introdução

No momento histórico em que a Constituição Federal completa 20 anos, e a doutrina e a jurisprudência demonstraram que o sistema e a maioria das regras do vetusto Código de Processo Penal, promulgado sob regime ditatorial, não foram recepcionados por aquela, inicia-se a mais profunda reforma deste. [01]

O estabelecimento do Estado Democrático de Direito, que tem por um dos seus fundamentos a dignidade da pessoa humana, [02] e objetiva a construção de uma sociedade livre, justa e solidária, com a prevalência dos direitos humanos, implica a adoção do sistema acusatório, balizado pelo garantismo e pela efetividade, visando o bem comum – reconhecimento daquela dignidade humana, provisão das necessidades do homem e fixação de uma ordem jurídica justa, estável e segura –, e se desenvolvendo segundo os direitos e as garantias individuais consagradas na Carta Magna.

A importância e a dimensão dessa matéria indicam a manifesta conveniência de formulação de um anteprojeto de Código de Processo Penal, a sua ampla discussão e, a submissão do mesmo ao procedimento legislativo, para se alcançar a necessária evolução jurídica de nosso País, cooperando para a sua real e definitiva inserção no concerto das nações mais desenvolvidas. Todavia, as reformas se fazem parciais, sem muita discussão no âmbito próprio, nem sempre com a qualidade desejada e, em vez de efetivos e globais programas de melhor administração da Justiça Penal, aposta-se quase exclusivamente no texto legal pontual para se obter a resolução de antigos e sérios problemas da mesma.

Renovada a esperança na elaboração legislativa de um novo e moderno Código de Processo Penal Brasileiro, em harmonia com a Constituição Federal em vigor e com os tratados de direitos humanos firmados por nosso País, atento às diversidades dos Estados-membros de nossa Federação e ajustado ao desenvolvimento nacional, há que se tentar fazer o melhor com o que se tem e, nesse sentido, a atual reforma traz a oportunidade de renovar a importância da distinção entre jurisdição, processo e procedimento, para o tratamento científico da resolução da causa penal.


II. Jurisdição, Processo e Procedimento

Conhecida a natureza racional do ser humano, dotado de inteligência, vontade, memória e imaginação, buscando a primeira a verdade e a segunda o bem, na constante procura da perfeição, e relembrada a inata sociabilidade do homem, dá-se a dinâmica de sua existência na vida comunitária. Essa vida em sociedade, por sua vez, evoca a noção de bem comum – preservação da dignidade humana, satisfação das necessidades do homem e estabelecimento de uma ordem jurídica justa, estável e segura. Em síntese, exige-se a paz social para que cada um se desenvolva segundo as suas potencialidades. O crime desestabiliza essa noção de tranqüilidade da ordem que, assim que o Estado se apresentou com autonomia e poder suficientes, passou a defender, substituindo-se aos particulares dotados de interesses contrapostos, e soberanamente impondo a vontade do direito objetivo, isto é, exercendo a jurisdição.

A "jurisdição é um monopólio estatal. Na esfera criminal, examina a situação contrastante entre o direito de punir e o direito de liberdade; decide qual deles prevalecerá no caso concreto e impõe soberanamente essa resolução. É poder: pacifica os interesses justapostos, de punição e de liberdade. A jurisdição é uma função que se desenvolve no processo, com os atos dos sujeitos processuais e dos auxiliares da justiça; e é uma atividade. A jurisdição é poder, função e atividade que devem ser exercidos segundo o devido processo legal". [03]

A origem etimológica do vocábulo processo é "seguir adiante"; o processo "é indispensável à função jurisdicional exercida com vistas ao objetivo de eliminar conflitos e fazer justiça mediante a atuação da vontade concreta da lei. É, por definição, o instrumento através do qual a jurisdição opera (instrumento para a positivação do poder)". [04] Pode-se falar que processo é a jurisdição em curso, é o ambiente em que pode se desenvolver a relação jurídica, e se divide em processo cautelar, processo de conhecimento (declaratório, constitutivo e condenatório) e processo de execução.

Procedimento é a manifestação externa do processo; a "diferença entre o procedimento e as demais formas de fattispecie complexa resulta na diversidade de ligação existente entre os atos que o compõem. Só no procedimento o vínculo necessário entre os seus diversos atos impõe que cada um seja conseqüência do precedente e pressuposto e condição necessária do sucessivo. Ou, como diz Gianzi, "a fattispecie procedimento é caracterizada, em relação às outras, pela particular coordenação dos atos e mais precisamente pela existência de determinados vínculos aos quais está subordinado o desenvolvimento da série". São portanto elementos fundamentais para a caracterização do procedimento: 1. a idéia de que todos os atos contribuem para o efeito substancial derivado do ato final, e 2. a coordenação e vinculação entre os atos que o compõem". [05]

Com superior didática João Mendes Jr. ensina que uma "cousa é o processo, outra cousa é o procedimento: o processo é a direcção no movimento; o procedimento é o modo de mover e a forma em que é movido o ato". [06] Acrescenta que "o suffixo nominal – mentum – é derivado do grego – menos, que significa princípio de movimento, vida, força vital, e – to, que é uma partícula expletiva. Como suffixo nominal, exprime o acto em seu modo de fazer e na forma em que é feito, isto é, exprime o acto regularmente formalisado... Assim o processo é o movimento em sua forma intrínseca; o procedimento é este mesmo movimento em sua forma extrínseca, tal como se exerce pelos nossos orgams corporaes e se revela aos nossos sentidos". [07]

Nesse sentido, há procedimento legislativo, procedimento administrativo e procedimento judicial. Este último divide-se em procedimento comum (ordinário, sumário e sumaríssimo) e em procedimento especial. [08]

Em síntese, o "procedimento é o conteúdo formal do processo, do mesmo modo que a lide é o seu conteúdo material ou substancial. O processo é a atividade jurisdicional na sua função de aplicar a lei; o procedimento, o modus faciendi com que essa atividade se realiza e se desenvolve". [09]

O tipo legal de crime, a competência e outros dados relevantes modulam o procedimento que, no direito processual positivo, apresenta um tipo legal de procedimento comum, ordinário, aplicável aos delitos mais graves, e funcionando como o padrão a ser subsidiariamente empregado para o desenvolvimento dos demais procedimentos (comum, sumário e sumaríssimo, e especial). Para as infrações penais leves, desprovidas de acidentes que lhe atribuam uma natureza jurídica especial, há o procedimento comum, sumaríssimo, decorrente da previsão constitucional de órgão judicial encarregado de resolver as causas penais pertinentes aos chamados crimes de menor potencial ofensivo (art. 98, inc. I, CF). Para as infrações penais de média gravidade, também sem nenhum elemento distintivo dos que lhes são comuns, é previsto um procedimento comum, sumário, e para os crimes graves é fixado o procedimento comum, ordinário.

Há crimes, todavia, que se distinguem dos demais, pela natureza de sua constituição fenomênica, como os delitos falimentares, geralmente previstos em leis especiais, de natureza material e formal, cuja prova é prevalentemente documental, formulando-se nas relações materiais das pessoas jurídicas, gerando a necessidade de aplicação de normas penais e extra-penais, recomendando-se o tratamento jurisdicional das diversas questões por julgador único e, diante disso, justificando a criação de um procedimento especial para a resolução da causa penal que tem por objeto um delito falimentar.

Assim é, por evidência, a questão do Tribunal do Júri, constitucionalmente competente para conhecer e julgar os crimes dolosos contra a vida (art. 5º, inc. XXXVIII, CF), integrado por leigos, assegurados a plenitude de defesa, o sigilo das votações e a soberania dos veredictos, o que enuncia acidentes que mostram uma natureza jurídica singular, razão de tratamento específico que se materializa no procedimento especial.

Presente a natureza jurídica de procedimento penal, a noção de que cada ato da série é conseqüência do antecedente e pressuposto e condição necessária do sucessivo, e de que todos esses atos são coordenados e todos interferem no resultado final, bem como a funcionalidade do procedimento comum, ordinário, como padrão de aplicação subsidiária do sistema procedimental como um todo, [10] pode-se iniciar a cognição da reforma processual penal quanto aos crimes de competência do Tribunal do Júri.


III. Procedimento relativo aos crimes de competência do Tribunal do Júri

Lançados os fundamentos para o breve exame da reforma processual, limitado à primeira fase do procedimento pertinente às infrações penais de competência do Tribunal do Júri, procurar-se-á ordenar essas considerações a partir das funções de acusar, defender e julgar.

III. 1. Procedimento e acusação

No plano acusatório, o pressuposto dos pressupostos é que a denúncia deve ser um "ato pensado e responsável", [11] revelador da responsabilidade ética [12] e técnica [13] do membro do Ministério Público, encarregado de "promover, privativamente, a ação penal pública na forma da lei" (art. 129, inc. I, CF), consciente do fundamento republicano da dignidade humana (art. 1º, inc. III, CF) e da presunção de inocência (art. 5º, inc. LVII, CF), [14] não mais se podendo raciocinar com o brocardo "in dubio pro processo". [15]

À evidência, a denúncia deve ser baseada em provas pré-constituídas, lícitas, contar com a estratégia institucional que assegure um mínimo de unidade de atuação funcional, descrever o fato criminoso com todas as suas circunstâncias, requerer a produção de provas [16] e formular um pedido concreto. A sua forma, em regra, é escrita.

Formulada, é apresentada ao julgador que, por sua vez, promove uma análise sumária e não preclusiva dos seus termos e, se presentes a aptidão formal, os pressupostos processuais e as condições da ação, emite um despacho ordinatório de citação do argüido, [17] para oferecer resposta escrita, no prazo de 10 dias (art. 406, "caput", CPP). [18]

A interpretação sistemática da reforma processual penal justifica a conclusão de que o vocábulo "receber" a denúncia, conforme posto naquele dispositivo, tem o sentido comum de apresentação dessa petição ao juízo que, por sua vez, recepciona-a, realiza uma análise perfunctória da mesma e, superado esse breve exame, ordena a citação do argüido. Segundo a reforma, completa-se a formação do processo com a citação (art. 363, "caput", CPP) e se estabiliza a justaposição de interesses contrapostos – direito de punir e direito de liberdade, somente com a decisão de recebimento da imputação, após o contraditório preliminar e efetivo, recebimento este com o sentido técnico-jurídico de fixação da causa penal. [19]

III. 2. Procedimento e defesa

Essa resposta escrita tem a natureza jurídica de defesa preliminar, posterior à apresentação da denúncia e anterior ao recebimento formal dessa petição inicial que estabiliza a acusação, delimita a causa penal, no processo de conhecimento, de caráter condenatório, e o seu conteúdo é toda a matéria concernente à imprescindível reação do argüido à imputação. [20]

III. 2. 1. Pressupostos processuais e condições da ação

Tratando dos pressupostos processuais e das condições da ação, como conteúdo da resposta e matéria da decisão de controle de admissibilidade da imputação, a reforma processual exige a atualização de três categorias jurídicas que, pertencendo à teoria geral do processo, devem ser aplicadas à esfera criminal com as devidas especificações.

"Isto significa que, em lugar do binômio pressupostos processuais e condições da ação, surge um trinômio pressupostos processuais, condições da ação e mérito da causa. Ação e processo não se identificam. A ação antecede o processo e dá causa ao seu nascimento. O processo pode extinguir-se por nulidade, ou por outro motivo e a ação subsiste imprejudicada, podendo o interessado repropô-la. A ação preexiste e pode subsistir ao processo, ao passo que êste só se inicia pelo direito de ação. As condições da ação igualmente não se confundem com o mérito da causa. Consiste êste no julgamento da procedência, ou improcedência do pedido. Assim a falta de possibilidade jurídica, de legitimidade, ou de interêsse processual não tem o efeito de produzir uma sentença definitiva de rejeição no mérito, antes uma decisão de que o autor é carecedor da ação". [21]

Os pressupostos processuais são requisitos de existência e de validade da relação jurídica processual, e têm dois aspectos: subjetivo e objetivo. No plano subjetivo, referem-se ao julgador (dotado de jurisdição, constitucionalmente competente, isto é, juiz natural da causa, e imparcial) e às partes (capacidade de ser parte, capacidade processual e capacidade postulatória). Os requisitos objetivos são: a) extrínsecos (inexistência de fatos impeditivos) e intrínsecos (observância das normas legais). [22]

Para ilustrar o tema, recentemente, um Promotor de Justiça teria sido ameaçado por uma pessoa e, diante disso, foi instaurado o procedimento sumaríssimo para apuração desse crime de menor potencial ofensivo, e o mesmo Promotor de Justiça formulou pedido de prisão preventiva daquele indivíduo, e o julgador, respaldado nessa representação do ameaçado, decretou a custódia processual do argüido que, detido, apresentou "habeas corpus" ao Tribunal de Justiça do Acre, alegando a falta de elementos para a privação de sua liberdade, sendo concedida a ordem porque o Promotor de Justiça estava impedido para funcionar no processo, posto que se estendem ao mesmo os impedimentos aplicáveis ao julgador. [23]

A rigor, aplicado o mecanismo de controle da acusação que a reforma instituiu, oferecida a denúncia (art. 77, Lei 9.099/95), não deveria ser deferida a citação do argüido e, se feita, após a resposta do mesmo (art. 81, Lei 9.099/95), declarado extinto o processo, sem julgamento de mérito, por falta de pressupostos processuais subjetivos e objetivos (extensão do impedimento judicial ao titular da ação penal de iniciativa pública e inobservância do direito positivo). Jamais se poderia cogitar da prisão preventiva. [24] Não houve a relação jurídica processual.

As condições da ação – possibilidade jurídica do pedido, interesse de agir e legitimidade para agir –, [25] são requisitos necessários para que o julgador examine o mérito da causa. A falta de um deles implica a carência da ação e a extinção do processo, sem julgamento do mérito, segundo a teoria geral do processo. [26] Faltando um pressuposto processual, não se constitui a relação jurídica processual e, superado este exame, passa-se à análise da condição do direito de agir que, faltante, gera uma decisão sobre a ação, não se discutindo o "meritum causae".

No processo penal, não haverá possibilidade jurídica do pedido se o fato for atípico ou "evidentemente não constituir crime" (art. 43, CPP). Sabido que crime é ação humana, típica, antijurídica e culpável, e que a acusação deve ser baseada em prova pré-constituída, se presente uma causa excludente de antijuridicidade, por exemplo, não se poderá formular acusação e, caso oferecida esta, o julgador deverá julgar extinto o processo, sem julgamento de mérito, por carência de ação, eis que juridicamente impossível a pretensão de aplicar pena a quem agiu "secundum jus".

Como preleciona a doutrina, a "impossibilidade jurídica do pedido constitui índice macroscópico da não-existência de pretensão razoável, pois, nesse caso, nem mesmo em litígio se poderia falar, ante a inviabilidade total da pretensão. Nessa hipótese, ainda que se aduza a falta de pretensão razoável, ou de pretensão insatisfeita, o que há, na verdade, é a inexistência efetiva de exigibilidade. O pagamento de dívida de jogo não pode ser exigido pelas vias processuais, pelo que, no plano processual, se trata de pretensão totalmente inviável. E o mesmo se diga da persecução penal pela prática de fato atípico, ou que evidentemente não constitua crime, pois não pode existir pretensão punitiva insatisfeita, se o fato praticado não se acha previsto como fato delituoso ou fato típico". [27]

Não se faz presente o interesse de agir quando a acusação é produzida sem provas pré-constituídas ou quando estas forem produzidas sem a intervenção de sujeito processual essencial à sua colheita, como uma prova dependente de autorização judicial e que se ultima sem a intervenção do julgador, de forma que a falta de sujeito essencial implica um resultado juridicamente inexistente, ou quando a narrativa acusatória não corresponde às provas validamente colhidas na peça de informação. Este exame se dá na esfera anterior à análise do mérito da causa.

Criticando a tese de que essa análise tratar-se-ia da discussão da justa causa e que esse exame pertine às condições de procedência ou de improcedência da ação penal, ensina-se que, muito "pelo contrário, e ainda que multifária, inespecífica, a conceitação de justa causa, em processo penal, é perfeitamente possível extremá-la em situações concernentes à verificação da admissibilidade do julgamento do meritum causae (e, portanto, do legítimo interesse, ou interesse de agir). Assim, por exemplo, quando formulada a proposição acusatória com inteira abstração dos elementos informativos colhidos na investigação criminal, de sorte a apresentar-se totalmente divorciada deles, e, por isso, tecnicamente inepta, evidenciando falta de interesse de agir, determinante da extinção do processo sem julgamento do mérito". [28]

Finalmente, nesta parte, a legitimação para a causa é a "pertinência subjetiva da ação, a titularidade da pessoa que propõe a demanda". [29] Dá-se, dentre outras, nas hipóteses de apresentação de denúncia em caso de ação penal pública de iniciativa do ofendido ou "quando o acusado é, manifesta e unicamente, outra pessoa, ou testemunha, e não autor da infração penal", [30] o que, além de garantir o prévio controle da acusação, também é muito útil para evitar o prosseguimento de ações penais injustas, como aquelas oferecidas em face de pessoas que tiveram os seus documentos falsificados por terceiros que praticam crimes e a repressão incide sobre o inocente. Provado esse indevido uso do nome alheio, ainda que recebida a denúncia, o julgador poderá, incidentalmente, declarar a carência da ação penal por falta de uma das condições da mesma. [31]

Feita essa digressão, necessária para esboçar o conteúdo da defesa preliminar, da réplica e da respectiva decisão que controla o exercício da acusação, enfatiza-se que a reforma pode significar uma grande evolução no exercício do direito de defesa que, anteriormente, talvez porque a norma não ensejasse utilidade processual na exposição e demonstração exordial das teses defensivas, limitava-se a simbólicos protestos de inocência, e com o novo sistema pode reagir à imputação formulada com intensidade e proficiência.

Ao contrário da acusação, que deve ser devida: limitada pela tipicidade dos fatos criminosos, baseada em provas pré-constituídas, descritiva do fato delituoso com todas as suas circunstâncias, adstrita ao conteúdo daqueles elementos de convicção, formulada por promotor natural, apresentada ao juiz natural da causa penal e voltada à defesa da ordem jurídica, do regime democrático e dos interesses sociais e individuais indisponíveis (art. 127, "caput", CF), a defesa é ampla, plasmada unicamente pelo critério ético e desenvolvida pela melhor técnica processual aplicável ao caso concreto, especialmente prestigiada pela presunção de inocência e pela paridade de armas, constituindo a reação necessária à síntese que advirá da atuação do juiz neutro. Sem a defesa não se constitui a relação jurídica processual e o grau de imperfeição no desenvolvimento daquela acarretará a nulidade absoluta, relativa ou a irregularidade do procedimento. [32]

Essa defesa preliminar é um dos elos necessários ao desenvolvimento regular do procedimento especial – também do comum, à evidência – e, sem a mesma, não será válido o resultado final daquele; [33] é obrigatória a sua apresentação (art. 408, CPP). Apresentada, será ouvida a parte contrária, que oferecerá a sua réplica. Nesta, o Ministério Público, órgão de soberania do Estado, incumbido da defesa dos valores, dos princípios e das regras legais essenciais à cidadania, poderá concordar ou discordar dos termos da defesa preambular e, certamente, por sua própria natureza institucional, em muitos casos, feita a reação preliminar da defesa, será o primeiro a pugnar pelo acolhimento das teses que tenham fundamento jurídico e prova adequada. [34] Também o querelante apresentará a sua réplica e essa manifestação do mesmo não refugirá das características da acusação do particular, substancialmente diversa daquela do Ministério Público.

III. 3. Procedimento e decisões da primeira fase

A lei não é clara, mas a interpretação sistemática do novo procedimento, [35] o desenvolvimento dos elos mencionados – acusação, defesa, réplica –, a possibilidade de apresentação de réplica que acolha os fundamentos da defesa preliminar, a aplicação subsidiária do procedimento comum, ordinário, com a previsão de julgamento antecipado da lide e a conseqüente absolvição sumária do argüido (art. 397, CPP), e a previsão de uma fase de saneamento do processo (art. 410, CPP), autoriza a conclusão de que se dará o controle jurisdicional da acusação nesta oportunidade. Este exame é mais profundo do que aquele feito na esfera inicial de recepção da denúncia, tem a natureza jurídica de uma decisão e pode receber a denúncia, rejeitá-la, [36] declarar extinto o processo, sem julgamento de mérito, por falta de pressuposto processual ou de condição da ação ou, sumariamente absolver o argüido, extinguindo o processo com julgamento de mérito. [37]

Essa decisão deve ser fundamentada (art. 93, inc. IX, CF). Na hipótese de recebimento da denúncia, [38] tem a natureza [39] de decisão interlocutória, e pode ser reexaminada em sede de recurso em sentido estrito ou de "habeas corpus". Essa decisão interrompe o prazo prescricional. A absolvição sumária tem a natureza jurídica de sentença, caráter definitivo, e faz coisa julgada formal e substancial.

III. 3. 1. Instrução processual

Recebida a denúncia, será marcada a audiência de instrução para a produção das provas orais [40] e realizadas as diligências requeridas pelas partes, no prazo de 10 (dez) dias (art. 410, CPP). Estas deverão ser comunicadas desse ato. Na audiência de instrução serão tomadas as declarações do ofendido, inquiridas as testemunhas arroladas pela acusação e pela defesa, nesta ordem, tomados os esclarecimentos dos peritos, [41] feitas as acareações, e realizado o procedimento específico de reconhecimento de pessoas e de coisas, importante elemento de convicção e que muitas vezes tem a sua formulação típica negligenciada no foro criminal, [42] causando significativas injustiças e que, a partir da reforma processual, deverá ser feito nos estritos termos da norma específica e destacado da inquirição do ofendido e das testemunhas. [43] A seguir, será interrogado o argüido.

Encerrada a instrução probatória, se entender cabível uma nova definição jurídica do fato, em conseqüência de prova existente nos autos, acerca de elemento ou circunstância da infração penal, não contidos na imputação, o Ministério Público deverá aditar a petição inicial (arts. 411, § 3º, e 384, "caput", CPP). Esse dispositivo decorre do sistema acusatório, pois a acusação é função da parte, não se permitindo que o julgador exerça ato daquela. [44] Se a ação penal pública advier de iniciativa particular, em caráter subsidiário à função ministerial, o representante legal do "Parquet" também deverá aditá-la. Esse aditamento, se feito oralmente, será reduzido a termo. [45]

Apresentado o aditamento, abre-se um procedimento incidental de citação do argüido para oferecer resposta à adição acusatória, [46] segue-se a réplica e sobrevém o controle do acréscimo acusatório (art. 384, § 2º, CPP). Rejeitado, prossegue-se com o julgamento da imputação primitiva (art. 384, § 5º, CPP). Recebido, de rigor a citação do argüido, com a possibilidade de renovação da instrução (art. 384, §§ 2º e 4º, CPP).

Por fim, com ou sem aditamento, serão apresentadas as alegações orais (art. 411, § 4º, CPP), na presença do juiz da causa, repelindo-se a praxe de se ditar as alegações ao escrevente para que as transcreva no termo de audiência.

Encerrados os debates, o julgador deverá proferir a sua decisão (art. 411, § 9º, CPP). [47] Excepcionalmente, poderá ordenar a conclusão dos autos e proferirá essa decisão no prazo de até 10 dias.

Em consonância com a garantia constitucional da duração razoável do processo (art. 5º, inc. LXXVIII, CF), esse procedimento não poderá exceder o prazo de 90 dias (art. 412) e, caso preso o argüido, deverá ser imediatamente posto em liberdade. [48]

III. 3. 2. Decisões ao final da primeira fase do procedimento escalonado

A decisão a ser prolatada ao final da primeira fase do procedimento escalonado pode ser de pronúncia, de impronúncia, de absolvição sumária ou de desclassificação.

III. 3. 2. 1. Pronúncia

Segundo a reforma, convencido da materialidade do fato e da existência de indícios de autoria ou de participação, o julgador, fundamentadamente, pronunciará o argüido (art. 413, "caput", CPP). Como esse fato deixa vestígio, é imprescindível o respectivo laudo de exame de corpo de delito, direto ou indireto. A primitiva redação parecia mais correta, pois não basta o convencimento acerca da materialidade de um fato, mas é necessário que se trate da materialidade de um crime, o que é muito diverso de uma simples questão fática. [49]

Além disso, ao tratar da linguagem da pronúncia, a norma passa a exigir que os indícios de autoria ou de participação sejam suficientes (art. 413, § 1º, CPP) e, nesse passo, não está em consonância com o "caput" desse dispositivo, para o qual não há exigência de indícios suficientes, mas de indícios, opção da norma revogada, que não trouxe muitos problemas em sua longa aplicação prática.

Respeitados os limites desse trabalho, ao dispor que a fundamentação "limitar-se-á à indicação da materialidade do fato e da existência de indícios suficientes de autoria e de participação" (art. 413, § 1º, CPP), a nova redação vedaria a análise do elemento subjetivo do crime – dado que deve constar da imputação e tese algo freqüente na defesa do argüido –, [50] de forma que a limitação legal poderia restringir o direito de reação do acusado e, neste passo, a norma não está em consonância com duas garantias constitucionais – motivação e ampla defesa (arts. 5º, incs. XXXVIII, letra "a" e LV, e, 93, IX, CF).

Percebe-se a intenção do legislador, mas a questão não pode ser resolvida com a limitação do direito de defesa e nem se restringir à pronúncia, pois a linguagem adotada nos relatórios policiais, nos despachos que decretam a prisão processual, nos acórdãos que confirmam a pronúncia e em outros atos, não deve ser vazada em termos que, comunicados ao Conselho de Sentença, prejudiquem a imparcialidade dos jurados. [51]

Trata-se de linguagem que deve primar pela objetividade, respeitar o devido processo legal e, mesmo com a vedação do emprego da pronúncia e de outros atos na sessão de julgamento, como argumento de autoridade (art. 478, inc. I, CPP), os sujeitos processuais devem empregar expressões que preservem a imparcialidade dos julgadores leigos, inclusive para evitar que a exploração midiática de termos exagerados, firam o convencimento daqueles, mesmo antes do julgamento da causa.

A boa formação dos sujeitos processuais e a ponderação dos Tribunais Superiores pode bem resolver a questão de fundamentar a decisão de pronúncia sem ferir direitos e garantias individuais. Nesse sentido, há dois julgados que servem de paradigma:

"Assim, retomando o fio da exposição, a leitura em plenário das expressões inadequadas porventura existentes na pronúncia viola, na verdade, um princípio natural de qualquer julgamento que é o da imparcialidade judicial, que, por sinal, é claramente referido em relação ao procedimento em plenário pelo art. 466, caput, do CPP". [52] E essa violação gera a nulidade do ato decisório (STF, 2ª T., HC nº 84.547-9-MS, Rel. Min. Ellen Gracie, j. 1.3.2005, v. un.).

"1. É evidente o excesso de fundamentação do decisum ora atacado, porquanto nitidamente extrapolados os limites do julgamento, restrito, apenas, à admissibilidade ou não da acusação, tendo sido emitido juízo acerca do mérito da questão (existência do crime e certeza da autoria), cuja competência é afeta ao Tribunal do Júri, ensejando, outrossim, manifesto prejulgamento. 2. Ordem concedida para anular o acórdão ora atacado e determinar que outro seja proferido, em estrita observância dos limites da lei" (STJ, 5ª T., HC nº 43.163-SP, Rel. Min. Laurita Vaz, j. 4.10.2005, v. un.).

Ainda nessa esfera, evidente que não basta que o julgador especifique as circunstâncias qualificadoras e as causas de aumento de pena, devendo fundamentar a configuração ou não das mesmas, sempre com aquelas recomendações sobre a linguagem empregada.

III. 3. 2. 2. Impronúncia

O julgador, motivadamente, não se convencendo da "materialidade do fato" ou da "existência de indícios suficientes de autoria ou de participação", impronunciará o acusado (art. 414, CPP). Surgindo prova nova [53] antes da extinção da punibilidade, poderá ser apresentada nova acusação (art. 414, parágrafo único, CPP) e os autos originários servirão como elementos de informação. [54]

A doutrina afirmava que a impronúncia significa a absolvição de instância, mas se o julgador considerasse que ficou provada a inexistência do fato ou que esse fato não constitui infração penal, essa decisão teria a natureza de absolvição e, transitando em julgado, não mais se poderia cogitar de nova imputação, ainda que sobreviesse prova nova, o que foi tratado pela reforma como hipóteses de absolvição sumária (art. 415, incs. I e III, CPP); [55] além disso, preleciona-se que a defesa pode ter legítimo interesse em recorrer da impronúncia visando a absolvição sumária. [56]

III. 3. 2. 3. Absolvição sumária

Provada a inexistência do fato, demonstrado que o acusado não é autor ou partícipe do fato, que esse fato não constitui infração penal, ou demonstrada causa de isenção de pena ou de exclusão de crime, fundamentadamente, o julgador absolverá aquele (art. 415, CPP).

Segundo a reforma, o inimputável não será "absolvido", salvo quando esta for a única tese defensiva (art. 415, parágrafo único, CPP). Nesse sentido, a reforma procurou atender os justos reclamos da doutrina acerca da recomendação da pronúncia do inimputável que alegasse uma causa de exclusão de crime, para que, na amplitude do juízo da causa, pudesse contar com a possibilidade de absolvição própria, em vez da chamada absolvição imprópria, que lhe aplicava medida de segurança. Todavia, a reforma parece ter ficado no meio do caminho, pois a questão deveria ser sistematicamente examinada pelo Tribunal do Júri, constitucionalmente competente para conhecer e julgar os crimes dolosos contra a vida, e que sempre poderia emitir um juízo menos rigoroso do que a "absolvição" com medida de segurança, cumprida com os horrores do nosso sistema manicomial.

III. 3. 2. 4. Desclassificação

Finalmente, quando o julgador se "convencer, em discordância com a acusação, da existência de crime diverso dos referidos no § 1º do art. 74 deste Código e não for o competente para o julgamento, remeterá os autos ao juiz que o seja" (art. 419, "caput", CPP), operando-se a chamada desclassificação para crime diverso daquele de competência do Tribunal do Júri.

Em face do sistema acusatório e da opção legislativa por um processo de partes, uma questão importante a ser enfrentada em razão da desclassificação, é o efeito que produzirá a falta de recurso do acusador para sustentar a competência do Tribunal do Júri para julgar a imputação, havendo precedente judicial que não conheceu de conflito de jurisdição porque o Ministério Público se conformou com a mesma e a desclassificatória transitou em julgado. [57] A solução contrária feriria a coisa julgada e, nos casos de desclassificação para fato menos grave, o "acusado seria submetido à possibilidade de condenação por fato mais grave, em face de exclusiva dinâmica judicial. Se o acusador e a vítima, ou seu representante legal, conformaram-se com a desclassificação, não é dado promover o restabelecimento da denúncia mais gravosa". [58]

III. 3. 3. Sistema acusatório e aditamento

O legislador da reforma nem sempre foi fiel ao sistema acusatório adotado pela Constituição Federal e, ao estabelecer que por ocasião da pronúncia ou da impronúncia, havendo indícios de autoria ou de participação de outras pessoas, determinará o retorno dos autos ao Ministério Público, aplicando-se o art. 80, do estatuto processual, no que couber (art. 417, CPP), essa deficiência ficou manifesta. Em primeiro lugar, veja-se que o julgador não está apenas comunicando a existência de outros responsáveis pelo evento, mas ordenando o retorno dos autos ao acusador, para que este adite a denúncia ou a queixa crime e, feito isto, o julgador cuidará de manter a unidade do processo ou a sua separação.

Ora, esse aditamento é provocado pelo julgador, a adição é obra de sua iniciativa; nesse caso, o julgador exerce uma atividade diversa daquela que lhe atribui o sistema acusatório e, neste passo, as reformas pontuais bem demonstram o quanto podem prejudicar a harmonia de um Código de Processo. Veja-se que no procedimento comum, ordinário, há regra de aplicação subsidiária ao procedimento especial, relativa à espontaneidade do aditamento pelo acusador quanto à nova qualificação jurídica do fato, não havendo razão para se alterar o sistema e atribuir ao julgador uma função acusatória de inclusão de pessoas no polo passivo da ação penal condenatória, no procedimento especial (art. 384, CPP). [59]

III. 3. 4. Providências anteriores à remessa dos autos ao Juiz Presidente

A intimação da pronúncia deve ser feita pessoalmente ao acusado, ao defensor nomeado e ao Ministério Público e, ao defensor constituído, ao querelante e ao assistente por publicação no órgão incumbido da publicação dos atos judiciais da comarca; o acusado que estiver solto e não for encontrado, será intimado por edital (art. 420, incs. I e II, e parágrafo único, c.c. o art. 370, § 1º, CPP), o que também não parece conforme à necessidade de comunicação dos atos processuais à pessoa do argüido.

"Preclusa a decisão de pronúncia", os autos serão encaminhados ao Juiz de Direito Presidente do Tribunal do Júri (art. 421, CPP). Nas hipóteses de interposição de recurso especial ou extraordinário que, pelas normas específicas, não têm efeito suspensivo, também não se opera aquela preclusão, e face aos termos da reforma os autos não poderão avançar para a segunda fase do procedimento escalonado. Isso não deixa de implicar a suspensão do julgamento popular, por efeito da interposição daqueles recursos aos tribunais superiores.

Ainda nesse tema da preclusão, há uma hipótese que merece atenção especial, pois se procurou disciplinar uma questão muito tratada pelos doutrinadores, concernente ao processo por tentativa de homicídio em que ocorre a morte da vítima após a pronúncia, ordenando o legislador da reforma que o julgador mande os autos para o acusador e, retornando-lhe o feito, profira decisão (art. 421, §§ 1º e 2º, CPP).

Ora, a questão não é tão simples como parece, pois é necessário um profundo exame e prova material de que há nexo causal entre a ação física imputada ao argüido e o resultado letal superveniente à pronúncia e, sobretudo, um fato novo – no plano objetivo não houve circunstância estranha à vontade do agente que tenha impedido a consumação do crime –, elementos estes que exigem aditamento da denúncia, por ação espontânea do acusador, comunicação ao acusado, defesa incidental, reabertura de oportunidade de colheita de novas provas, debates e, somente depois disso, será decidido o acréscimo.

III. 4. Preparação para o julgamento em plenário

Certificada a preclusão da pronúncia, os autos são enviados ao Juiz de Direito Presidente do Tribunal do Júri que ordenará a intimação das partes para a apresentação do eventual rol de testemunhas, até o máximo de 5, que deporão em plenário e, nesta oportunidade, aquelas poderão juntar documentos e requerer outras diligências (art. 422, "caput", CPP).

Vencido o prazo legal, o julgador apreciará os requerimentos das partes, ordenará as providências para sanar eventuais nulidades e esclarecer os fatos que interessarem ao julgamento, fará um relatório sucinto do processo e determinará a sua inclusão em pauta de julgamento do Tribunal do Júri (art. 423, incs. I e II, CPP).

Para garantia da ordem pública, da imparcialidade dos jurados ou da segurança do argüido, o Tribunal de Justiça, a requerimento das partes ou representação do Juiz de Direito Presidente do Tribunal do Júri, poderá determinar o desaforamento do julgamento para outra comarca da mesma região, onde não existam aqueles riscos aos bens jurídicos mencionados, preferindo o juízo mais próximo daquele originariamente competente (art. 427, "caput", CPP).

O desaforamento também pode ser determinado em razão de excesso de serviço, se não realizado o julgamento no prazo de até 6 meses, contados da preclusão da pronúncia (art. 428, CPP). [60] Não se computa nesse prazo o "tempo de adiamentos, diligências ou incidentes de interesse da defesa" (art. 428. § 1º, CPP), como se os atos das partes não fossem controlados pelo julgador, como se as diligências interessassem à defesa e não ao processo, como se o interesse da defesa não fosse público, como se não houvesse a garantia constitucional da ampla defesa. A questão do tempo do processo não deve ser vista a partir de quem requer esta ou aquela medida, mas de sua natureza e importância para a resolução da causa penal, acarretando ao Estado o dever de prover às necessidades do processo no tempo razoável.

O respectivo pedido deverá ser imediatamente distribuído e terá preferência de julgamento perante a unidade judiciária. Diante de motivos relevantes, o relator poderá suspender o julgamento pelo Tribunal do Júri (art. 427, §§ 1º e 2º, CPP).

III. 5. Debates

A confusão entre direito, ética e religião, traz muitos danos sociais. A separação dos mesmos também. Nos debates judiciários mostra-se muito claramente esse problema. A distinção destas três esferas e, em muitas ocasiões, a sua aplicação conjunta, pode trazer sensíveis benefícios à consecução da justiça. [61]

Os debatedores preocupados com a eticidade de suas condutas processuais costumam respeitar os valores inerentes à resolução da causa penal, mas há aqueles que preferem os sofismas, a ponto de se transpor os limites éticos do debate e se empregar argumentação que não eleva os protagonistas da justiça criminal; a reforma processual penal preocupou-se especialmente com as referências "à decisão de pronúncia, às decisões posteriores que julgaram admissível a acusação ou à determinação do uso de algemas como argumento de autoridade que beneficiem ou prejudiquem o acusado" (art. 478, inc. I, CPP) ou "ao silêncio do acusado ou à ausência de interrogatório por falta de requerimento, em seu prejuízo"(art. 478, inc. II, CPP).

Ao empregar as expressões "como argumento de autoridade" e "em seu prejuízo", a reforma processual penal opta por locuções abertas, "standards", estereótipos, que se caracterizando "pela sua indeterminação, mobilidade e elasticidade, tais expressões, quando utilizadas pelo legislador, autorizam o juiz a exercer um poder criativo muito mais amplo do que aquele que, como visto, também existe no procedimento de interpretação. Como ressalta Taruffo, não se trata somente de estabelecer o significado de um enunciado normativo, mas de formular a própria norma (ou parte dela), preenchendo o espaço vazio deixado pelo legislador". [62]

Isso não significa, contudo, a outorga de uma carta em branco ao intérprete, "até porque a antes referida legitimação primária não pode ser delegada pelo legislador. Assim, nesses casos a obrigação de fundamentar as escolhas valorativas adquire uma feição peculiar, devendo o juiz demonstrar a racionalidade do emprego do standard na decisão concreta, sobretudo, em função do programa normativo do ordenamento como um todo, pois, como ressalta Warat, esses termos são utilizados para obter a consolidação e a aceitação de valores dominantes na sociedade". [63]

Nesse sentido, o debate não pode extravasar as grandes linhas do garantismo e da efetividade, sempre deve visar a consecução do bem comum, e se desenvolver segundo o sistema acusatório, preservando-se os direitos e as garantias das partes. Assim, podem ser empregados aqueles decisórios no desenvolvimento dos debates; o que está vedado, sob pena de nulidade, é o seu uso como argumento de autoridade.

Ensinam os especialistas que uma coisa é a referência a um dado científico, porém "há sofisma quando em uma assembléia política, competente para formar um juízo ilustrado, se recorre à autoridade para excluir todo o argumento específico, ou como se por si mesma fizesse uma legítima base de decisão. Chega o sofisma ao seu mais alto grau no caso em que a autoridade, que intentam dar como jurídica, não é outra mais do que a opinião de uma classe de pessoas que, pelo seu próprio estado, se acham sob a influência de um interêsse sedutivo oposto ao do público; e é destruir a máxima de todos os tribunais, que permitem a recusa de um juiz, quando êle tem um interêsse pessoal na causa (...) Aquele que, tratando-se de uma lei proposta, quer tudo referir à autoridade, não dissimula o conceito que tem formado dos seus ouvintes. Julga-os incapazes de formar um juízo por provas diretas:- e, se dispostos se acham a sujeitarem-se a êste insulto, não podemos presumir que nele reconheçam justiça?" [64]

Quantas vezes se ouviu no Tribunal do Júri que o julgador, radicado na comarca, filho de tradicional família da região, casado com senhora da melhor estirpe, formado por excelente faculdade de direito, com doutorado e pós-doutorado realizados no exterior, homenageado por todos os poderes e prestigiado pelo Tribunal de Justiça, homem bom e douto, decidiu que o réu era o autor do fato e teve a sua decisão confirmada, por unanimidade, por três desembargadores...? E se mostra a pronúncia e o respectivo acórdão ao jurado... e se pensa que é eficiência....

Como argumentam os mais modernos, o "argumento de autoridade é o modo de raciocínio retórico que foi mais intensamente atacado por ter sido, nos meios hostis à livre pesquisa científica, o mais largamente utilizado, e isso de uma maneira abusiva, peremptória, ou seja, concedendo-lhe um valor coercitivo, como se as autoridades invocadas houvessem sido infalíveis". [65]

Acrescente-se a isso, a vedação ao indiscriminado emprego de algemas, [66] e a preservação da garantia constitucional da presunção de inocência, para se resumir o quanto se pode fazer para o aprimoramento do debate judiciário.

III. 6. Questionário

Dispõe a reforma processual penal que os jurados serão questionados sobre a matéria de fato, como se a separação de questão de fato da questão de direito fosse simples (art. 482, "caput", CPP), inclusive pela correlação necessária que deve existir entre a imputação e a pronúncia, e desta com o questionário e, sobretudo, pela diferença que há entre o fato e o enunciado de fato, decorrente da convicção do acusador sobre a realidade histórica, e a conversão desta análise em uma imputação jurídica.

A pronúncia, as decisões posteriores que admitiram a acusação, o interrogatório e as alegações das partes constituem a fonte do questionário (art. 482, parágrafo único, CPP). Os quesitos deverão ser formulados em proposições afirmativas, simples e distintas, e obedecerão a ordem legal de indagação (art. 483, CPP).

Afirmada a materialidade e a autoria ou a participação no delito, os jurados serão questionados se absolvem o argüido, incluindo-se numa pergunta as teses defensivas e, se quatro ou mais jurados, ainda que por fundamento distinto, responderem afirmativamente à pergunta, dar-se-á a absolvição, com reflexos na análise do recurso, pois os leigos decidem com base na sua convicção íntima (art. 483, § 1º, CPP).

As agravantes e as atenuantes genéricas não serão cogitadas no questionário e o julgador decidirá sobre as mesmas.

Se houver contradição nas respostas dos jurados, o julgador explicará no que consiste a mesma, sempre com as cautelas para evitar indução de resposta, e submeterá aos mesmos todos os quesitos implicados nessa contradição (art. 490, "caput", CPP).

Votado o questionário, o julgador prolatará a sentença (art. 492, CPP). Na hipótese de desclassificação para delito de competência do juiz singular, o Juiz-Presidente do Tribunal do Júri, proferirá sentença "em seguida" (art. 492, § 1º, CPP), se não houver necessidade de aditamento. Principalmente se a desclassificação altera a imputação quanto ao elemento subjetivo do crime irrogado, deverá ser feito o respectivo aditamento e assegurada oportunidade de ampla defesa, eis que muitas vezes não se realizou o imprescindível contraditório. Ocorrendo a desclassificação para crime de menor potencial ofensivo, os autos serão encaminhados ao Juizado Especial Criminal (art. 492, § 1º, CPP). [67]


IV. Primeiras impressões

A vontade popular estabeleceu o nosso Estado Democrático de Direito, que tem por um dos seus fundamentos a dignidade da pessoa humana, e visa a construção de uma sociedade livre, justa e solidária, com a prevalência dos direitos humanos. A Constituição Federal adotou o sistema acusatório, que deve ser balizado pelo garantismo e pela efetividade, visando o bem comum – reconhecimento daquela dignidade humana, provisão das necessidades do homem e fixação de uma ordem jurídica justa, estável e segura –, e se desenvolvendo segundo os direitos e as garantias individuais consagradas na Carta Magna.

O ideal seria a promulgação de um novo Código de Processo Penal, eis que as reformas pontuais costumam prejudicar o sistema processual, mas há que se interpretar os novos dispositivos legais de forma a assegurar a evolução da Justiça Penal e, nesse sentido, a presente modificação enseja o aprofundamento das noções de jurisdição, de processo e de procedimento. Instituindo um controle judicial da acusação, a reforma prevê a defesa preliminar, a réplica e uma decisão judicial motivada que pode declarar a inexistência da relação jurídica processual por falta de pressupostos processuais, a carência da ação penal, por impossibilidade jurídica do pedido, ausência de legitimidade para agir ou de interesse processual, ou mesmo a sumária absolvição do argüido.

Admitindo a acusação, dar-se-á a instrução em contraditório, com prevalência da atuação das partes, e um significativo tratamento da prova típica de reconhecimento de pessoas ou coisas, que deve ser destacada das inquirições das vítimas e das testemunhas.

O aditamento legítimo dependerá da iniciativa do acusador e deverá ser preservada a neutralidade judicial.

A decisão de pronúncia deve demonstrar a materialidade do crime e não do fato, os limites à motivação não podem violar a garantia constitucional de fundamentação dos atos decisórios, especialmente quanto ao elemento subjetivo do tipo legal de crime, e também as qualificadoras devem ser objeto de fundamentação. A linguagem da pronúncia e dos atos respectivos não pode ferir a imparcialidade dos jurados.

Impronunciado o argüido, o caso será reaberto somente diante de prova nova e com nova acusação.

Se o inimputável apresentar alguma tese defensiva, a reforma exige que a mesma seja examinada no juízo da causa, o que deveria ser uma regra, pois sempre se poderá apresentar uma defesa em plenário e os jurados, soberanamente, decidir de forma menos gravosa que a "absolvição imprópria".

A desclassificatória exige especial atenção do acusador para apresentar recurso nos casos em que sustente a competência do Tribunal do Júri, pois a falta desse reclamo implica a impossibilidade de restabelecimento da imputação originária, ainda que o juízo apontado como competente afirme a competência especial daquele Colegiado.

O aditamento implica o controle da acusação acrescida, citação e resposta do argüido, réplica e nova decisão sobre essa matéria complementar, renovando-se a instrução criminal. Os fatos supervenientes à pronúncia e que alterem a classificação do crime também dependem de aditamento e do controle e do contraditório mencionados.

A interposição de recurso especial e/ou extraordinário em face da decisão de pronúncia impede o julgamento da causa penal perante o Tribunal do Júri.

Os fatos supervenientes à decisão de pronúncia e que implicarem a alteração da imputação dependem de oportuno aditamento espontâneo da imputação.

O desaforamento pode ser deferido para garantia da ordem pública, da imparcialidade dos jurados, da segurança do argüido e por excesso de serviço e em alguns casos o processamento do mesmo poderá gerar a suspensão do julgamento perante o Tribunal do Júri.

Há louvável preocupação legal com a eticidade dos debates, cominando-se a pena de nulidade processual ao emprego dos chamados argumentos de autoridade.

Permanece a dificuldade de identificar a questão de fato e a questão de direito, parecendo que a reforma processual penal acredita que o jurado julga penas aquela matéria fática.

As desclassificações decorrentes da votação do questionário poderão exigir o aditamento da imputação e a desclassificação para crime de menor potencial ofensivo implica a remessa dos autos ao Juizado Especial Criminal.


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Notas

  1. "Desde que foi criado, em 1941, o Código de Processo Penal (CPP) passou por 42 reformas pontuais. Os dados são do Ministério da Justiça e divulgados em meio a iniciativas de se promover uma ampla reforma da norma que estabelece os procedimentos para a condução das ações criminais pelo Judiciário brasileiro. Pouco mais da metade das alterações ocorreram após 1989. Segundo o secretário de Assuntos Legislativos do órgão, Pedro Abramovay, elas foram realizadas justamente para adequar a lei à Constituição cidadã, promulgada no ano anterior (...) Apesar disso, o secretário nega que tantas mudanças tenham tornado o código uma ‘colcha de retalhos’. A falta de unidade dos dispositivos do CPP foi uma das principais críticas de Hamilton Carvalhido, ministro do Superior Tribunal de Justiça (STJ) e coordenador da comissão instituída pelo Senado, no mês passado, para estudar e elaborar um projeto de lei que possibilite a reforma completa da lei" (Jornal do Commercio – Direito & Justiça – Clipping Eletrônico – AASP – 26.8.2008.).
  2. Jaques de Camargo Penteado, A Dignidade Humana e a Justiça Penal. In Jorge Miranda e Marco Antonio Marques da Silva (Coords.), Tratado Luso-Brasileiro da Dignidade Humana, São Paulo, Quartier Latin, 2008, p. 853.
  3. Jaques de Camargo Penteado, Duplo Grau de Jurisdição no Processo Penal – Garantismo e Efetividade, São Paulo, Revista dos Tribunais, 2006, p. 12.
  4. Antonio Carlos de Araújo Cintra, Ada Pellegrini Grinover e Cândido Rangel Dinamarco, Teoria Geral do Processo, 12ª ed., São Paulo, Malheiros, 1996, p. 279.
  5. Antonio Scarance Fernandes, Incidente Processual, São Paulo, Revista dos Tribunais, 1991, p. 85.
  6. Direito Judiciário Brazileiro, 2ª ed., Rio de Janeiro, Typographia Baptista de Souza, 1918, p. 298.
  7. Op. cit., p. 299.
  8. "Terminologicamente é muito comum a confusão entre processo, procedimento e autos. Mas, como se disse, procedimento é o mero aspecto formal do processo, não se confundindo conceitualmente com este; autos, por sua vez, são a materialidade dos documentos em que se corporificam os atos do procedimento. Assim, não se deve falar, por exemplo, em fases do processo, mas do procedimento; nem em ‘consultar o processo’ mas os autos" (Antonio Carlos de Araújo Cintra et alii, op. cit., p. 280).
  9. José Frederico Marques, Elementos de Direito Processual Penal, 2ª ed., Campinas, Millennium, 2000, v. I, p. 430.
  10. "Aplicam-se subsidiariamente aos procedimentos especial, sumário e sumaríssimo as disposições do procedimento ordinário" (art. 394, § 5º, CPP).
  11. Dante Busana, O Promotor Criminal, Justitia, São Paulo, Imprensa Oficial do Estado, 1978, v. 101, p. 149.
  12. Jaques de Camargo Penteado, Ética do Promotor de Justiça. In Airton Buzzo Alves, Almir Gasquez Rufino e José Antonio Franco da Silva (Orgs.), Funções Institucionais do Ministério Público, São Paulo, Saraiva, 2001, p. 1 e segs.
  13. Jaques de Camargo Penteado, Produção de Provas, Revista dos Tribunais, São Paulo, Revista dos Tribunais, 1988, v. 627, p. 383.
  14. Com propriedade, sustentou o Promotor de Justiça Rodrigo Canellas Dias a promoção de arquivamento de inquérito policial nos seguintes termos: "Em primeiro lugar, o acervo probatório não indica a presença daqueles requisitos típicos necessários para a formação, de plano, ‘opinio delicti’, acerca da configuração de crime contra a ordem tributária. A falta de provas para a formalização de uma acusação deve ser considerada tanto no que se refere aos aspectos da conduta do responsável pelo tributo (cuja caracterização exigiriam maiores elementos descritivos de prova) quanto às demais circunstâncias agregadas ao fato principal (fraude direcionada à supressão ou redução de tributo). É de se reconhecer que o presente inquérito arrasta-se desde longa data, tentando levantar elementos que pudessem ao menos auxiliar na descrição da conduta dos responsáveis pela empresa, sem sucesso algum. Especialmente no que se refere ao aspecto subjetivo, conforme o conjunto probatório, é importante mencionar que não foi possível demonstrar, com a segurança que requer a esfera penal, haver o responsável pela empresa investigada agido com vontade direcionada à violação das fronteiras penais" (Inquérito Policial nº 050.03.047740-9, DIPO-4, SP, Capital).
  15. "A interpretação conjugada desses dispositivos enseja a conclusão de que, havendo dúvidas sobre a materialidade e a autoria, o acusador deve esgotar as investigações para obtenção da verdade processual e, de posse desta, arquivar o inquérito policial ou, formando a opinio delicti, oferecer a denúncia, não mais aplicando aquele brocardo que, em hipótese de dúvida, submete o presumidamente inocente ao processo criminal, com os danos próprios dessa situação" (Jaques de Camargo Penteado, Duplo Grau de Jurisdição no Processo Penal – Garantismo e efetividade, São Paulo, Revista dos Tribunais, 2006, p. 154).
  16. O número máximo de testemunhas que a acusação poderá arrolar é de 8 (art. 406, § 2º, CPP).
  17. No processo penal os atos de comunicação processual ao argüido devem ser pessoais, conforme garantia judicial estatuída pelo Pacto de São José da Costa Rica (art. 8º, nº 2, letra "b" – "comunicação prévia e pormenorizada ao acusado da acusação formulada"), acolhido pelo direito interno (art. 5º, § 2º, CF). A citação por hora certa ou por edital não está em consonância com a Constituição Federal: "Com as novas prescrições trazidas pela Lei 7.271, de 17/04/96, a qual redefiniu o art. 366, CPP, impondo a suspensão dos processos contra acusados que, uma vez citados, por edital, não comparecerem nem constituírem defensor, podemos afirmar que se cumpriu a garantia judicial mínima prevista na letra b, § 2º do art. 8º do Pacto (comunicação prévia e pormenorizada ao acusado da acusação formulada), acabando-se de vez com as condenações contra ausentes, e assegurando-se aos acusados o máximo de possibilidades para colaborarem com a defesa" (J. S. Fagundes Cunha e José Jairo Baluta, O Processo Penal à luz do Pacto de São José da Costa Rica, Curitiba, Juruá, 1997, p. 121).
  18. Comentando a legislação de entorpecente, que emprega o termo notificação (art. 55, Lei 11.343/06), Vicente Greco Filho e João Daniel Rassi prelecionam que aquela "notificação, na verdade, é citação, porque é a convocação do réu a juízo, podendo seguir-se, como se verá, sentença de mérito, que seria impossível sem que estivesse instaurado o processo contraditório" (Lei de Drogas Anotada, São Paulo, Saraiva, 2008, p. 189). Em sentido contrário, comentando o procedimento dos crimes praticados por funcionário público, Eduardo Espínola Filho sustentava que a "notificação, para a resposta prévia, nos casos de infração afiançável, feita nos têrmos do art. 514, não autoriza a dispensa da citação inicial; esta só se efetiva, depois de instaurada a ação, com o recebimento da peça acusatória" (Código de Processo Penal Brasileiro Anotado, Rio de Janeiro, Rio, 1976, v. II, p. 185).
  19. Em sentido diverso, Antonio Scarance Fernandes e Mariângela Lopes, sustentam que apesar "da falta de técnica, tem-se a realidade dos novos artigos e das previsões de dois recebimentos, sendo mister dar-lhes interpretação condizente com o espírito da reforma e com a intenção do legislador" (O Recebimento da Denúncia no Novo Procedimento, São Paulo, Boletim do Instituto Brasileiro de Ciências Criminais, ano 16, nº 190, setembro/2008, p. 2). André Estefam, por sua vez, acredita que "a resposta escrita (arts. 396 e 396-A do CPP), a qual sucede a citação do acusado e seu comparecimento ou de seu defensor constituído, não configura modalidade de ‘defesa preliminar’, vale dizer, pressupõe denúncia ou queixa recebida" (A Lei n. 11719 não criou ‘defesa preliminar’, material acessado em 17.09.2008, www.damasio.com.br/?page_name=art_023_2008&category_id=506).
  20. Segundo os termos da reforma: "Na resposta, o acusado poderá argüir preliminares e alegar tudo que interesse a sua defesa, oferecer documentos e justificações, especificar as provas pretendidas e arrolar testemunhas, até o máximo de 8 (oito), qualificando-as e requerendo sua intimação, quando necessário" (art. 406, § 3º, CPP).
  21. Alfredo Buzaid, Do Agravo de Petição, 2ª ed., São Paulo, Saraiva, 1956, p. 90.
  22. Moacyr Amaral Santos, Primeiras Linhas de Direito Processual Civil, 5ª ed., São Paulo, Saraiva, 1977, v. I, p. 275.
  23. RT 871/593.
  24. Elucide-se que, no "habeas corpus", foi indeferida a liminar e a Procuradoria Geral de Justiça foi contrária à concessão da ordem. Com rigor técnico, se pode classificar este caso como inexistência de procedimento em sentido jurídico, pois não havia Promotor de Justiça atuando nos autos, muito menos o promotor natural, pois "se falta um pressuposto de existência, não há processo em sentido jurídico, não existe aquela atividade relevante para o direito que se chama processo, não há relação jurídica entre as partes e o Juiz. Haverá processo em sentido puramente físico, atividade encadeada e progressiva, relação de fato entre sujeitos. Se, ao invés, faltar um pressuposto de validez, então há relação processual; o que não há é aquela eficácia jurídica do ato regular e são" (Hélio Tornaghi, Instituições de Processo Penal, 2ª ed., São Paulo, Saraiva, 1997, v. I, p. 405).
  25. O pedido é possível quando admissível pelo direito objetivo; há interesse de agir a partir da utilidade e aptidão do provimento pedido; e legitimação para agir concerne à titularidade ativa e passiva da ação.
  26. Na esfera criminal, conforme o objeto da decisão, extinto o processo, não poderá ser renovada a imputação, e se operará o trânsito em julgado. Veja-se, para ilustrar, que o arquivamento do inquérito policial, por atipicidade, implica a impossibilidade de nova acusação, mesmo "que outros elementos de prova venham a surgir posteriormente ou que erros de fato ou de direito hajam induzido ao juízo de atipicidade" (RTJ 179/755; RT 841/463). Paralelamente, quanto à impronúncia, no regime processual anterior à atual reforma, considerava-se que a "sentença é definitiva se baseada na inexistência do fato, ou não ser esse fato considerado crime. A nós nos parece que tudo depende dos motivos e fundamentos da impronúncia. Se esta fundar-se em razões idênticas às apontadas nos itens I e III, do art. 386, do Código de Processo Penal, a decisão equivalerá a verdadeira sentença absolutória, e então a impronúncia faz coisa julgada e torna impossível nova persecutio criminis" (José Frederico Marques, Elementos de Direito Processual Penal, 2ª ed., Campinas, Millennium, 2000, v. III, p. 221). Com a reforma, essas hipóteses implicarão a absolvição sumário do argüido (art. 415, incs. I a III, CPP). Alguns processualistas civis argumentam que decidir, "portanto, a respeito da existência das condições da ação, no que concerne à possibilidade jurídica e também à legitimação para a causa, é julgar matéria relativa ao mérito do pedido, a seus fundamentos de direito. Constituem elas requisitos indispensáveis à fundamentação jurídica da pretensão. Juntamente com o interêsse, integram o título do direito de agir. Por isso, a sentença que der pela falta de qualquer das duas condições resolverá o pedido negativamente e, portanto, a lide. Será sentença de mérito" (Galeno Lacerda, Despacho Saneador, 3ª ed., Porto Alegre, Sergio Antonio Fabris, 1990, p. 88).
  27. José Frederico Marques, Tratado de Direito Processual Penal, Saraiva, São Paulo, 1980, v. II, p. 23. Não poucos, entendem que a possibilidade jurídica deve ser vista abstratamente, mas a gravidade da acusação criminal implica a concreção do caso, afastando toda abstração que possa violar o direito de liberdade e, além disso, autores respeitados sustentam que deve ser liminarmente controlada a viabilidade da imputação: "Entretanto, não basta a simples ‘denúncia’, ou simples ‘queixa’, narrando o fato criminoso dizendo quem foi o seu autor. É preciso haja elementos de convicção, suporte probatório à acusação, a fim de que o pedido cristalizado na peça acusatória possa ser digno de ser apreciados, ‘pois a jurisdição não é função que possa ser movimentada sem que haja motivo...’. O direito de ação, no plano processual, é instrumentalmente conexo a um caso concreto. É através do direito de ação que se pede ao Juiz uma decisão sobre ‘aquele caso concreto’, e o caso concreto, como diz SANSÒ, aquele ‘quid’ em relação ao qual se exercita a ação" (Fernando da Costa Tourinho Filho, Processo Penal, 5ª ed., Bauru, Jalovi, 1979, 1º v., p. 499).
  28. Rogério Lauria Tucci, Teoria do Direito Processual Penal, São Paulo, Revista dos Tribunais, 2002, p. 95.
  29. Alfredo Buzaid, op. cit., p. 89.
  30. Rogério Lauria Tucci, op. cit., p. 96.
  31. "Como não há preclusão pro iudicato para as questões de ordem pública, como o são as condições da ação, o juiz pode decidir de novo a respeito desta matéria, até proferir sentença, quando não mais poderá inovar no processo" (Nelson Nery Junior e Rosa Maria de Andrade Nery, Código de Processo Civil Comentado, 9ª ed., São Paulo, Revista dos Tribunais, 2006, p. 436).
  32. "Não prescreve a lei ao advogado criminal o modo como deve desempenhar sua tarefa, não sendo, portanto, lícito exigir-lhe que proceda desta ou daquela forma, devendo-se-lhe conceder crédito de confiança, que só deverá ser retirado se se comprovar que, por inépcia, desídia ou dolo, houver causado prejuízo à defesa do réu" (RT 612/306).
  33. "Falta de notificação do acusado para responder, por escrito, em caso de crime afiançável, apresentada a denúncia. Relevância da falta, importando nulidade do processo, porque atinge o princípio fundamental da ampla defesa. Evidência do prejuízo" (STF, 1ª Turma, HC nº 60.104-9/SP, Rel. Min. Oscar Corrêa, v. un., j. 14.9.1982, RT 572/412).
  34. O Ministério Público tem legitimidade para pleitear a absolvição do argüido, recorrer em favor do mesmo e interpor ações constitucionais que beneficiem o imputado.
  35. "O aprimoramento do duplo grau de jurisdição, a partir da função judicial, começa com o exame da causa penal, principalmente na esfera do juízo de admissibilidade da acusação. Como toda imputação penal traduz um dano ao argüido, o juiz criminal, sistematicamente, deveria promover o contraditório antes de admitir a acusação, ensejando ao acusado a oportunidade de formular uma defesa preliminar" (Jaques de Camargo Penteado, op. cit., p. 160). Essa é a orientação do Código de Processo Penal-Tipo para a Ibero-América (Capítulo 3º). Trata-se de antiga recomendação doutrinária, e ainda mais rigorosa, para evitar que o juiz da admissibilidade da acusação atuasse na fase posterior ao recebimento da denúncia: "Em nosso entender, o procedimento comum deveria iniciar-se sempre por uma fase preliminar, em que se estabelecesse o contraditório sobre o recebimento da acusação, conduzido por juiz diverso do juiz do mérito. Recebida a denúncia, o procedimento poderia adotar as formas do atual procedimento sumário, mas concentrando-se todas as provas orais em uma única audiência, em que também se prolatasse a sentença" (Ada Pellegrini Grinover, Procedimentos Sumários em Matéria Penal. In Jaques de Camargo Penteado (Coord.), Justiça Penal, São Paulo, Revista dos Tribunais, 1993, p. 17). No procedimento comum, ordinário, aplicável aos demais procedimentos, esse controle jurisdicional da acusação é exigido. Sempre se deve optar pela interpretação que de sentido ao sistema legal e não teria cabimento instituir-se uma comunicação ao argüido, especificar-se o conteúdo de sua resposta, abrir-se oportunidade de réplica ao acusador que, poderá acolher argumentação defensiva, e não se decidir a matéria discutida.
  36. A rejeição pode ser parcial e, especialmente no procedimento relativo aos crimes dolosos contra a vida, a experiência forense recomenda uma nova e especial atenção do julgador às hipóteses de excesso de acusação, particularmente com a inserção de qualificadoras que não se encontrem amparadas pela prova ou pelo direito, embaraçando a defesa. Vicente Greco Filho e João Daniel Rassi sustentam que o juiz não pode desclassificar o delito imputado, pois o "fenômeno da desclassificação é exclusivo da sentença final em que a condenação é de crime menor contido no crime constante da acusação. Na fase recebimento, ou não, da denúncia, se o juiz entender que a acusação é abusiva porque o crime, em tese, seria outro menos grave, deve rejeitar a denúncia para que o Ministério Público ofereça outra adequada, ressalvada a possibilidade de recurso do órgão da acusação" (op. cit., p. 191).
  37. Para aqueles que não inserem as causas de excludente de culpabilidade ou de antijuridicidade nas condições da ação (impossibilidade jurídica do pedido), a prova de uma legítima defesa, por exemplo, implica a absolvição sumária nesta fase de juízo de admissibilidade da acusação.
  38. "Essa decisão, em que pese entendimento contrário, tem de ser fundamentada não apenas como decorrência de imperativo constitucional, mas também porque assim o determina a lógica do sistema: não teria sentido oferecer a oportunidade de apresentação da defesa sem tornar obrigatória a manifestação do juízo a respeito da tese do acusado" (Maria Fernanda de Toledo R. Podval e Roberto Podval, Processo e Julgamento dos Crimes de Responsabilidade dos Funcionários Públicos. In Alberto Silva Franco e Rui Stoco (Coords.), Código de Processo Penal e sua Interpretação Jurisprudencial, 2ª ed., São Paulo, Revista dos Tribunais, 2004, v. IV, p. 242).
  39. "Na terminologia jurídica, assinala, notadamente, a essência, a substância ou a compleição das coisas. Assim, a natureza se revela pelos requisitos ou atributos essenciais e que devem vir com a própria coisa. Eles se mostram, por isso, a razão de ser, seja do ato, do contrato ou do negócio. A natureza da coisa, pois, põe em evidência sua própria essência ou substância, que dela não se separa, sem que a modifique ou a mostre diferente ou sem os atributos, que são de seu caráter. É, portanto, a matéria de que se compõe a própria coisa, ou que lhe é inerente ou congênita" (De Plácido e Silva, Vocabulário Jurídico, Rio de Janeiro, Forense, 1996, v. III, p.230).
  40. A audiência é una e se privilegia a oralidade (art. 411, § 2º, CPP). O julgador que preside a audiência deverá julgar a causa penal (art. 399, § 2º, CPP – Ver: Marco Antonio Marques da Silva, A Vinculação do Juiz no Processo Penal, São Paulo, Saraiva, 1993). As perguntas "serão formuladas pelas partes diretamente à testemunha" (art. 212, "caput", CPP) e sobre "os pontos não esclarecidos, o juiz poderá complementar a inquirição" (art. 212, parágrafo único, CPP) – Ver: Luisella de Cataldo Neuburger, Esame e Controesame nel Processo Penale – Diritto e Psicologia, Padova, Cedam, 2000; Gianrico Carofiglio, L´Arte del dubbio, Palermo, Sellerio, 2007; Filme: 12 Angry Men, História e roteiro: Reginald Rose, Direção Sidney Lumet, Produção Henri Fonda e Reginald Rose, MGM). A opção pelo processo de partes e a explícita determinação de que o julgador "poderá complementar a inquirição" (art. 212 e seu parágrafo único), significa que o acusador e o defensor farão a inquirição, preservando-se a neutralidade do julgador que, nos limites do pedido, poderá suprir a prova oral. Em sentido contrário, sustenta-se que foi acolhido o sistema do "cross examination", mas conservada a ordem de inquirição anterior à reforma – julgador, partes, complementação pelo julgador – (Jayme Walmer de Freitas, Pinceladas à reforma do CPP. Adoção do sistema do cross examination, na lei 11.690/08, material acessado em 22.8.2008, http://jus.com.br/artigos/11701).
  41. Os esclarecimentos dos peritos dependerão de prévio requerimento da parte (art. 411, § 1º, CPP), mas a necessidade dessas elucidações poderá surgir na audiência e, nesse caso, será complementada a perícia, nada obstante a falta de requerimento anterior, por evidente impossibilidade de previsão do futuro.
  42. "... o reconhecimento é uma identificação empírica, subjetiva, problemática" (A. Almeida Júnior e J. B. de O. e Costa Júnior, Lições de Medicina Legal, 11ª ed., São Paulo, Companhia Editora Nacional, 1973, p. 564). Ver, por todos, Enrico Altavilla, Psicologia Judiciária, Coimbra, Arménio Amado, 1958, vol. II, p. 203 e segs.
  43. "Os modernos estudos de psicologia judiciária indicam que muitas vezes se fazem presentes o que se convencionou chamar de ‘falsas memórias’. No Brasil tal tema brilhantemente analisado por Lilian Milnitsky Stein e Maria Lúcia Campani Nygaard que afirmam o seguinte: ‘As falsas memórias referem-se ao fato de lembrarmos de eventos que, na realidade, não aconteceram. Isso ocorre porque determinadas informações armazenadas na memória são mais tarde evocadas como se fosse experiências vividas. Esse fenômeno vem sendo observado em pesquisas experimentais, tanto no âmbito da psicoterapia quanto na área jurídica e também em situações do cotidiano (Diges, 1997, Roedlinger, 2000, Stein e Neufeld, 2002)’ Lilian Milnitsky Stein e Maria Lúcia Campani Nygaard, A memória em julgamento: uma análise cognitiva dos depoimentos testemunhais, Revista Brasileira de Ciências Criminais, 43/151)". No caso em tela, o fato efetivamente ocorrera, mas não é possível afirmar-se, com a necessária segurança, que foram ambos os acusados que os cometerem, dada a questão das chamadas ‘falsas memórias’" (TJSP, 8ª Câm. Crim, Ap. 01108141.3/3-0, Rel. Des. Guilherme Madeira Dezem, j. 23.11.2007, v. un.).
  44. Há muito, criticávamos a norma do art. 384 e seu parágrafo único, CPP, com a redação anterior à presente reforma que, nesta parte, é elogiável: "O julgador que, em face da ausência de descrição que ao acusador competia realizar, supre a atividade do último, nada mais é que um juiz que se transmudou em acusador. Encampou as funções deste. Nesse caso, as funções de acusar e julgar estão concentradas em um único órgão, o julgador. Esse dispositivo não foi recepcionado pela Constituição da República vigente que consagrou o sistema acusatório. Falto de acusação, ao julgador restará absolver o imputado, pois o fato histórico apurado não corresponde à descrição realizada na inicial. Ao acusador incumbe, cumprindo a sua missão constitucional, promover os aditamentos necessários para que a defesa conheça a alteração acusatória, reaja amplamente ao seu conteúdo modificado e, a seguir, o julgador atribua o devido a cada um" (Jaques de Camargo Penteado, Acusação, defesa e julgamento, Campinas, Millennium, 2001, p. 346).
  45. Ao dizer que, "quando feito oralmente", o aditamento será reduzido a termo (art. 384, "caput", CPP), a lei enseja o aditamento escrito e, por outro lado, prevendo prazo para a manifestação da defesa (art. 384, § 2º, CPP), indica um caso em que a audiência não será una.
  46. Não bastará a simples comunicação processual à defesa técnica, pois há imputação acrescida que, necessariamente, deve ser levada ao conhecimento do argüido, para o pleno exercício da ampla defesa, com tempo suficiente para se preparar para essa irrogação complementar.
  47. "Recebido o aditamento, que corresponde ao recebimento inicial da denúncia, não pode mais o Magistrado voltar à capitulação anterior, já que isto representa revogação do despacho que recebia a denúncia original, o que não é possível na mesma instância" (TACrim-SP, 6ª Câm. De Férias de julho/2004, Ap. nº 1.382.115-5, Jales, Rel. Juiz Almeida Sampaio, v. un., j. em 27.7.2004, AASP, Jurisprudência, nº 2431, p. 3579, 14.8.05).
  48. Jaques de Camargo Penteado, Tempo da Prisão: Breves Apontamentos, Revista dos Tribunais, São Paulo, Revista dos Tribunais, 2003, v. 814, p. 423.
  49. A tentativa de simplificação do processo não pode suprimir a profundidade e a extensão das questões de fato e de direito, e muito menos ignorar que o conteúdo da denúncia é a visão que o acusador tem acerca do fato que, nem sempre, corresponde à ocorrência natural, tratando-se de um enunciado de fato: "Esse fato (ou a percepção desse fato) é enquadrado em uma norma, configurando um fato jurídico e, a partir disso, a questão é de direito" (Jaques de Camargo Penteado, Duplo Grau de Jurisdição no Processo Penal – Garantismo e efetividade, p. 171). Conforme preleciona Marina Gascón Abellán: ‘Ciertamente, esta operación de calificación jurídica puede resultar más o menos discrecional, y ello dependerá en gran medida de la configuración del supuesto de hecho legal (H), por lo que desde luego no es indiferente que éste se defina lo más precisa y univocamente posible en función de referentes empíricos claros; pero, em sí misma, la operación tiene naturaleza normativa" (Los hechos en el derecho, Madrid, Marcial Pons, 1999, p. 74).
  50. O elemento subjetivo do tipo também figura como um fato que, necessariamente, deve ser descrito e provado nos autos; para se pronunciar o acusado, deve ser examinada, na maior parte dos casos de competência do Tribunal do Júri, a intenção de matar: a "presencia de hechos psicológicos es particularmente cierta en la sentencia penal, pues, dado que no existe delito sin culpa o dolo, resulta que esta dimensión interna o subjetiva há de ser siempre constatada como ‘hecho probado’ para que la conducta enjuiciada pueda ser subsumida en el tipo penal" (Marina Gascón Abellán, op. cit., p. 76). Sobre a necessidade de a denúncia descrever o elemento subjetivo (RT 842/457 e 468).
  51. Não basta o reconhecimento da nulidade ou a recomendação judicial acerca desses excessos, pois a acusação poderá referir os termos e os jurados poderão ter acesso aos autos na sala secreta, de forma que se trata de dados que devem ser desentranhados (TJDF, 2ª T. Criminal; HC nº 2006.00.2.002569-8-DF; Rel. Des. Getulio Pinheiro, j. 27.4.2006, m.v. – AASP Jurisprudência 2498, p. 4117).
  52. Antonio Magalhães Gomes Filho, A Motivação das Decisões Penais, São Paulo, Revista dos Tribunais, 2001, p. 235
  53. Isto é, "provas que não foram produzidas e apreciadas no processo, findo com a impronúncia" (E. Magalhães Noronha, Curso de Direito Processual Penal, 3ª ed., São Paulo, Saraiva, 1969, p. 273).
  54. Cabe apelação em face da impronúncia ou da absolvição sumária (art. 416, CPP).
  55. A reforma também considerou caso de absolvição sumária a existência de prova de o acusado não ser o autor ou o partícipe do fato (art. 415, inc. II, CPP).
  56. Julio Fabbrini Mirabete, Processo Penal, 3ª ed., São Paulo, Atlas, 1994, p. 474.
  57. Conflito de Jurisdição nº 160.273-3/4, TJSP, Seção Criminal, 2ª Câm., v. un. Re. Des. Devienne Ferraz, j. em 28.3.1994).
  58. Jaques de Camargo Penteado, Acusação, defesa e julgamento, Campinas, Millennium, 2001, p. 339.
  59. Ainda nessa esfera, em vez de se evoluir para o sistema do inquérito civil, em que o controle da função acusatória é feito no âmbito do Ministério Público, persiste-se na criticada forma do art. 28, CPP, em que o julgador estimula o acusador ao aditamento e, na inércia deste, provoca a Procuradoria Geral de Justiça, e ao ser eventualmente atendido, aquele julgador receberá a adição que, em parte magna, é obra sua.
  60. Na ótica do julgamento no prazo razoável, é evidente que não se pode manter preso o pronunciado, por lapso superior a 6 meses, sem a imediata realização do Júri, no foro originário ou naquele do desaforamento.
  61. Jaques de Camargo Penteado, Vida, segurança e felicidade, Revista dos Tribunais, São Paulo, Revista dos Tribunais, 2004, p. 484.
  62. Antonio Magalhães Gomes Filho, op. cit., p. 142.
  63. Antonio Magalhes Gomes Filho, op. et loc. cit.
  64. Jeremias Bentham, Teoria das Penas Legais e Tratado dos Sofismas Políticos, São Paulo, Cultura, 1943, p. 282.
  65. Chaïm Perelman, Tratado da Argumentação – A Nova Retórica, São Paulo, Martins Fontes, 1996, p.348.
  66. Súmula Vinculante nº 11, STF.
  67. Sobre os quesitos e as sugestões de modelos dos mesmos: Eloisa de Souza Arruda e César Dario Mariano da Silva, Questionário no Julgamento pelo Júri, http://www.apmp.com.br/juridico/artigos/dosc/2008/ver_julg_juri.doc.

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Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

PENTEADO, Jaques de Camargo. Reforma processual penal e júri. Primeiras impressões. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 13, n. 1918, 1 out. 2008. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/11790. Acesso em: 20 abr. 2024.