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Prazo prescricional para repetição de indébito, Lei Complementar nº 118/2005 e direito intertemporal

Prazo prescricional para repetição de indébito, Lei Complementar nº 118/2005 e direito intertemporal

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O STJ, ao afastar a aplicação retroativa, entendeu que o novel prazo só seria aplicado às repetições ajuizadas após a vigência da lei, descurando de atentar para a retroatividade mitigada inserta em tal fundamento.

Com o advento da Lei Complementar nº. 118/2005 o prazo prescricional para a propositura da Ação de Repetição de Indébito que era pacificamente de 10 anos, seguindo-se a tese dos "cinco mais cinco", passou a ser qüinqüenal contado da data do pagamento antecipado.

Não obstante o tema ser recorrente e diversos juristas de peso já haverem lavrado seus preciosos pareceres sobre o assunto, algo que inicialmente ficou esquecido das discussões forenses não foi sedimentado até os dias atuais: a questão do direito intertemporal. Tal fato se dá, de certa forma, porque são poucas as Repetições de Indébito ajuizadas depois do início de vigência do novel prazo prescricional que chegaram ao Superior Tribunal de Justiça.

Explica-se: é que a segunda parte do art. 4º, da LC nº. 118/2005, continha uma sugestão de que o prazo prescricional de cinco anos contados da data do pagamento seria de natureza interpretativa, se enquadrando, portanto, em uma das hipóteses de aplicação retroativa da legislação tributária. Fato curioso é que o mesmo art. 4º estabelecia uma vacatio legis de 120 dias em uma mão, dando eco ao vetusto entendimento do STF de que seria possível a diminuição do prazo prescricional já iniciado se fosse conferido prazo razoável para a contestação do direito afetado, e, em outra mão, pugnava pela aplicação retroativa da Lei. Assim observada, no que tange ao prazo prescricional, a vacância de 120 dias chega a ser paradoxal.

Diante da flagrante burla ao Princípio da Irretroatividade da Lei Tributária, os tribunais pátrios, in continenti, declararam a inconstitucionalidade da segunda parte do art. 4º, da LC nº. 118/2005, por afrontar ao Princípio Independência dos Poderes (CF, art. 2º) e o do Direito Adquirido, do Ato Jurídico Perfeito e da Coisa Julgada (CF, art. 5º, XXXVI). Nessa esteira, o Superior Tribunal de Justiça ao afastar a aplicação retroativa, entendeu que o novel prazo somente seria aplicado às Repetições ajuizadas depois do início de vigência da Lei, descurando de atentar para a retroatividade mitigada inserta em tal fundamento.

Vale dizer que o prazo prescricional não tem natureza processual e sim material, não existindo fundamento jurídico lógico para que sua aplicação se dê às Ações ajuizadas posteriormente à vigência do novo diploma. A nosso ver, o marco inicial de aplicação de uma lei material não pode levar em consideração um evento processual, justamente por conta de sua natureza diversa. Ademais, tal posicionamento acarreta em uma série de distorções não condizentes com a Segurança Jurídica, um dos pilares centrais do ordenamento jurídico.

Após a publicação da LC nº. 118/05 houve uma movimentação intensa de Contribuintes e Advogados para que fossem demandadas as Repetições de Indébito cabíveis antes da entrada em vigência daquela, o que se deu em 10/06/2005. De fato, acreditava-se que a diferença entre ajuizar a Ação no dia 09/06/2005 e no dia 10/06/2005 seria de 100%, ou seja, de cinco anos.

Indo-se mais a fundo, constata-se que no dia 09/06/2005 era possível repetir débitos pagos a partir de junho de 1995. No dia seguinte, como num passe de mágica (neste caso feitiço), estes mesmos débitos de junho de 1995 já estavam prescritos há cinco anos! Olhando a questão sob este prisma, verifica-se que mesmo tendo o STJ afastado a aplicação retroativa no art. 3º, da Lei Complementar nº. 118/2005, com o entendimento majoritariamente defendido, esta continua a emanar efeitos pretéritos, o que contradiz o próprio entendimento daquela nobre Corte.

Exemplificativamente, colaciona-se dois arestos proferidos pelo STJ, com vistas a ilustrar a situação, a nosso ver, paradoxal:

"TRIBUTÁRIO. REPETIÇÃO DE INDÉBITO. PRESCRIÇÃO. NOVA ORIENTAÇÃO FIRMADA PELA 1ª SEÇÃO DO STJ NA APRECIAÇÃO DO ERESP 435.835/SC. LC 118/2005: NATUREZA MODIFICATIVA (E NÃO SIMPLESMENTE INTERPRETATIVA) DO SEU ARTIGO 3º. INCONSTITUCIONALIDADE DO SEU ART. 4º, NA PARTE QUE DETERMINA A APLICAÇÃO RETROATIVA. ENTENDIMENTO CONSIGNADO NO VOTO DO ERESP 327.043/DF.

(…)

3. O artigo 4º, segunda parte, da LC 118/2005, que determina a aplicação retroativa do seu art. 3º, para alcançar inclusive fatos passados, ofende o princípio constitucional da autonomia e independência dos poderes (CF, art. 2º) e o da garantia do direito adquirido, do ato jurídico perfeito e da coisa julgada (CF, art. 5º, XXXVI). Ressalva, no particular, do ponto de vista pessoal do relator, no sentido de que cumpre ao órgão fracionário do STJ suscitar o incidente de inconstitucionalidade perante a Corte Especial, nos termos do art. 97 da CF.

(…)

5. Embargos de divergência a que se nega provimento."

(EREsp 591.604/DF, Rel. Ministro TEORI ALBINO ZAVASCKI, PRIMEIRA SEÇÃO, julgado em 10.08.2005, DJ 29.08.2005 p. 141)

"PROCESSUAL CIVIL E TRIBUTÁRIO. INCRA. CONTRIBUIÇÃO. ENFOQUE ESSENCIALMENTE CONSTITUCIONAL. REEXAME. COMPETÊNCIA DO STF. PRESCRIÇÃO. REPETIÇÃO DE INDÉBITO. TRIBUTO SUJEITO A LANÇAMENTO POR HOMOLOGAÇÃO.

(…)

2. Em 27.04.05, no julgamento dos EREsp 327.043/DF (acórdão ainda não publicado), a Primeira Seção chegou ao entendimento de que os efeitos retroativos previstos na LC nº 118/05 devem ser limitados às ações ajuizadas após a vacatio legis de 120 dias prevista na parte inicial do art. 4º.

3. Na recente deliberação do dia 06.06.07, a Corte Especial acolheu a argüição de inconstitucionalidade da expressão "observado quanto ao art. 3º o disposto no art. 106, I, da Lei n. 5.172/1966 do Código Tributário Nacional", constante do art. 4º, segunda parte, da LC 118/05 (EREsp 644.736-PE, Rel. Min. Teori Albino Zavascki).

4. Recurso especial conhecido em parte e não provido."

(REsp 957.556/PR, Rel. Ministro CASTRO MEIRA, SEGUNDA TURMA, julgado em 18.09.2007, DJ 02.10.2007 p. 241)

Consoante se infere, inicialmente, sustenta-se que a aplicação retroativa do novel prazo prescricional ofende à independência dos poderes, ao direito adquirido, ao ato jurídico perfeito e à coisa julgada, contudo, depois, defende-se que as Repetições de Indébito ajuizadas após o início de vigência da Lei se submetem aos efeitos desta.

Talvez pela ofuscação causada pela flagrante inconstitucionalidade da segunda parte do multi citado art. 4º, contou-se o prazo prescricional pelo seu fim, o que é uma incorreção.

Só isto poderia justificar a alteração do prazo prescricional já em curso, sob o argumento de que na Repetição de Indébito se aplica a legislação vigente, e não a da data de ocorrência do fato gerador, como preconiza o CTN.

Em verdade, como é de amplo conhecimento, a Lei somente estabelece o dies a quo do prazo prescricional e seu respectivo lapso temporal. A data final é encontrada por meio de uma operação jurídico-matemática, levando-se em conta os dois dados acima citados, bem como as causas interruptivas e suspensivas. Dessarte, relembrando daqueles tributos pagos em julho de 2005, constata-se que o marco inicial da contagem já havia ocorrido, e o prazo dos "cinco mais cinco" já estava em curso, não podendo uma nova Lei diminuir-lhe pela metade sem causar uma turbulência na Segurança Jurídica do sistema.

Quando as Repetições de Indébito ajuizadas posteriormente ao início de vigência da LC nº. 118/05 chegarem ao STJ, é possível que o seu entendimento mude. Longe das pretensões deste Autor antever o posicionamento daquela nobre Corte, tampouco se prestar a vate, é que em dois julgados (REsp 955831/SP e AI nos EREsp 644736/PE), apesar de não enfrentar diretamente a matéria, o Ministro Teori Albino Zavascki já consignou uma possível inclinação da Corte, no sentido de aplicar uma vetusta tese do Supremo Tribunal Federal sobre prescrição e direito intertemporal.

Segundo o referido entendimento histórico do STF, uma lei nova que estabeleça prazo prescricional diverso é aplicável a partir de sua vigência, desconsiderando-se o lapso já cumprido, contanto que isto não importe no seu aumento. Ou seja, a novel lei inicia a contagem de um novo prazo, independentemente do lapso já percorrido sob a égide da lei antiga, só não podendo a referida operação aumentar, no total, o prazo prescricional.

Vale conferir os arestos proferidos pelo Pretório Excelso, extraídos, a propósito, do REsp 955831/SP, dando-se particular destaque às datas de julgamento (1958 e 1978):

"Prescrição Extintiva. Lei nova que lhe reduz prazo. Aplica-se à prescrição em curso, mas contando-se o novo prazo a partir da nova lei. Só se aplicará a lei antiga, se o seu prazo se consumar antes que se complete o prazo maior da lei nova, contado da vigência desta, pois seria absurdo que, visando a lei nova reduzir o prazo, chegasse a resultado oposto, de ampliá-lo." (RE 37.223, Min. Luiz Gallotti, julgado em 10.07.58).

"Ação Rescisória. Decadência. Direito Intertemporal. Se o restante do prazo de decadência fixado na lei anterior for superior ao novo prazo estabelecido pela lei nova, despreza-se o período já transcorrido, para levar-se em conta, exclusivamente, o prazo da lei nova, a partir do início da sua vigência." (AR 905/DF, Min. Moreira Alves, DI de 28.04.78).

Deste modo, transplantando-se o entendimento supra ao caso em análise, nada mais há que se dizer além do que já consignou o brilhante Ministro Teori Albino Zavascki no voto não menos brilhante proferido no REsp 955831/SP, que ilustra a situação dos débitos sob a ótica do direito intertemporal, in verbis:

"Esmiuçando essa proposição, pode-se tripartir a sistemática de contagem da prescrição conforme a data em que efetuado o recolhimento indevido:

a) quanto aos pagamentos realizados além dos cinco anos que antecederam a vigência da LC nº 118/05, observa-se estritamente a "sistemática dos cinco mais cinco";

b) no que tange aos pagamentos efetivados entre 10.06.00 e 09.06.05, obedece-se à "sistemática dos cinco mais cinco" com certo temperamento, restringindo-se o prazo prescricional até cinco anos contados da entrada em vigor das novas disposições;

c) no tocante aos recolhimentos efetuados de 10.06.05 em diante, incide a LC nº 118/05 em seus exatos termos, ajustando-se o prazo prescricional a cinco anos computados a partir do pagamento indevido." (grifou-se)

Destarte, a Lei Complementar nº. 118/2005 só teria aplicação integral aos pagamentos efetuados posteriormente a 10/06/2005, data de início de vigência da mesma.

Em efeitos práticos, para as Repetições de Indébito ajuizadas até 09/06/2010 o prazo prescricional seria de dez anos, no dia seguinte, dia 10/06/2010, passaria a ser de cinco anos. Uma vez mais, constata-se a criação de um novo "Dia D".

Ademais, a referida sistemática possui outros dois outros pontos nebulosos:

a) Olhando-se a questão sob outro giro, o prazo da lei nova é transformado, a partir da vigência desta, em prazo para aproveitar o antigo prazo de repetição de indébito. Explica-se: No caso da LC 118/05, os Contribuintes têm cinco anos (10/06/2005 a 09/06/2010) – prazo da lei nova – para ajuizar a repetição com a prescrição decenal – prazo da lei antiga.

Porém, imaginando-se um caso hipotético em que a lei antiga estabelecia prazo de 30 anos e a lei nova estabeleça prazo de dois anos, o Contribuinte sai bastante prejudicado, possuindo um exíguo prazo para buscar direitos de 30 anos passados, o que ofende flagrantemente ao Princípio da Segurança Jurídica.

b) A sistemática proposta no voto do REsp 955831/SP só prevê situações de diminuição de prazo. Imaginando-se que a nova lei eleve o prazo prescricional, a lógica fica completamente subvertida, tendo em vista que o fator condicional é justamente a impossibilidade de elevação do prazo.

Nestes casos, ao que parece, uma nova lei sobre prazo prescricional só seria aplicada aos prazos que se iniciarem após a sua vigência.

Assim, a situação acima exposta não se presta a funcionar como regra geral aplicável à totalidade dos casos de modificação de prazos prescricionais. Pelas seguintes razões:

Foi defendido no início que, no tocante à prescrição, a Lei somente estabelece o dies a quo do prazo e seu respectivo lapso temporal, sendo a data final encontrada por uma operação jurídico-matemática, levando em conta também as causas interruptivas e suspensivas.

Nesse passo, o prazo prescricional já está plenamente delimitado desde o dia do nascimento do direito. Se um tributo foi pago indevidamente no dia 15/01/2008, o Contribuinte tem pleno juízo de que poderá pleitear a restituição até o dia 15/01/2013. A lei a ser observada quanto ao prazo de prescrição deve ser aquela que vigorava à época do acontecimento jurídico, não podendo o prazo já iniciado ser alterado por uma nova legislação, sem que isso afronte ao Princípio da Irretroatividade das Leis.

Outrossim, a sistemática proposta pelos antigos posicionamentos do STF leva em consideração um fato processual, qual seja, a data de distribuição da ação, o que acarreta na formação de "Dias D", como, por exemplo: 09/06/2010, último dia para se pleitear o prazo decenal, teoricamente. Tal distorção abrupta decorre do fato de funcionar o novo prazo como um limite para a busca dos direitos pelo regramento antigo.

No último dia cria-se o abismo.

Em nosso sentir, a regra de direito intertemporal deve ser elaborada de forma a proporcionar a diminuição gradual do prazo prescricional, funcionando como uma verdadeira e harmoniosa regra de transição.

Para tanto basta entender que o prazo prescricional para a contestação judicial de um direito é aquele vigente à data da ocorrência do fato jurídico lesivo.

Assim, agregando-se a teoria à prática, até 09/06/2010, vigorará plenamente o prazo decenal, sendo cinco anos pela LC nº. 118/2005 e mais cinco decorrentes da tese superada dos "cinco mais cinco". A partir de então, a intersecção legislativa deixa de existir, passando o prazo a ser diminuído dia após dia, até 10/06/2015, quando ele será tão-somente de cinco anos.

Com o intuito único de dar conforto à verificação da comentada intersecção legislativa, salutar a observância do diagrama abaixo:

ANO DE AJUIZAMENTO DA REPETIÇÃO DE INDÉBITO PRAZO
1999 2000 2001 2002 2003 2004 2005 2006 2007 2008 2009 2010 2011 2012 2013 2014 2015 TOTAL
Tese dos 5+5 LC 118/05 10 anos
Tese dos 5+5 LC 118/05 10 anos
Tese dos 5+5 LC 118/05 10 anos
Tese dos 5+5 LC 118/05 9 anos
Tese dos 5+5 LC 118/05 8 anos
T. 5+5 LC 118/05 7 anos
5+5 LC 118/05 6 anos
LC 118/05 5 anos

ADENDO – DA INCONSTITUCIONALIDADE E DA ANTIJURIDICIDADE DO ART. 3º DA LEI COMPLEMENTAR Nº. 118/2005.

Muito embora não tenha relação direta com o título do tema proposto, em se tratando do novel prazo estabelecido pela LC nº. 118/2005, algumas outras questões merecem destaque.

Ressalta o Autor que a explanação abaixo não retrata fielmente às posições defendidas acerca dos diversos institutos do Direito Tributário. Tal abstenção é necessária para a escorreita compreensão da matéria, até porque quem vos fala sequer acredita que o lançamento por homologação seja efetivamente lançamento. Mas isto fica para outra oportunidade.

De início, vale transcrever a redação do malfadado art. 3º, da LC nº. 118/2005, in verbis:

"Art. 3º Para efeito de interpretação do inciso I do art. 168 da Lei no 5.172, de 25 de outubro de 1966 – Código Tributário Nacional, a extinção do crédito tributário ocorre, no caso de tributo sujeito a lançamento por homologação, no momento do pagamento antecipado de que trata o § 1o do art. 150 da referida Lei."

Pela simples leitura do comando normativo supra, verifica-se que a clara intenção do legislador foi a de criar uma Lei interpretativa para modificar um posicionamento plenamente consolidado no Superior Tribunal de Justiça.

Como já exposto em linhas pretéritas, pela tese dos "cinco mais cinco", o contribuinte paga antecipadamente o tributo sujeito a homologação, tendo o Fisco o prazo de cinco anos para homologar expressamente o procedimento. Constatada a probabilíssima inércia, ao fim do prazo ocorre a homologação tácita do pagamento, tendo início o prazo do art. 168, do Código Tributário Nacional, para pleitear a repetição do indébito.

Com a Lei Complementar nº. 118/2005, procurou-se antecipar o início do prazo prescricional para o exercício da repetição de indébito, devendo os cincos anos do art. 168 começar a fluir a partir do pagamento antecipado. De fato, a norma retirou um dos sentidos possíveis de interpretação dos dispositivos do CTN, pretendendo impor os argumentos vencidos da Fazenda Nacional.

Toda discussão ora traçada seria desnecessária caso o próprio art. 168, do CTN tivesse sua redação alterada. Porém, no afã de criar uma norma interpretativa, e, assim, atingir os fatos pretéritos, optou-se por editar uma Lei Complementar em apartado, absolutamente deslocada, que acabou por causar uma série de incongruências no já tão incongruente Código Tributário Nacional.

Ademais, tais incongruências podem a elevar seu potencial destrutivo, tendo em vista que o Superior Tribunal de Justiça, inadvertidamente, no nobre intento de barrar uma aplicação retroativa, acabou por consolidar o entendimento de que o art. 3º, da LC nº. 118/2005, inovou no ordenamento jurídico, traduzindo uma verdadeira lei material. Ora, conforme será mais bem demonstrado, utilizando, inclusive, excertos de votos proferidos pelos próprios Ministros do STJ, deixar a LC nº. 118/2005 indene e ainda com status de lei material não é o rumo correto a ser tomado.

Partindo do pressuposto de que realmente está a se tratar de uma lei material e não meramente interpretativa, conclui-se que ficam revogadas todas as disposições em contrário. Nesse passo, pela própria transcrição literal da Lei, "a extinção do crédito tributário ocorre, no caso de tributo sujeito a lançamento por homologação, no momento do pagamento antecipado de que trata o § 1o do art. 150 da referida Lei".

Não é propriamente o que prescreve o art. 150, § 1º, do CTN, além do que nos revela a prática fiscal e contábil, in verbis:

"Art. 150. O lançamento por homologação, que ocorre quanto aos tributos cuja legislação atribua ao sujeito passivo o dever de antecipar o pagamento sem prévio exame da autoridade administrativa, opera-se pelo ato em que a referida autoridade, tomando conhecimento da atividade assim exercida pelo obrigado, expressamente a homologa.

§ 1º O pagamento antecipado pelo obrigado nos termos deste artigo extingue o crédito, sob condição resolutória da ulterior homologação ao lançamento. (…)"

Considerando o crédito como extinto, não caberá ao Fisco fazer qualquer reparo, salvo nos casos de comprovada existência de dolo, fraude ou simulação. É o que estabelece o parágrafo único do art. 149, do CTN, in verbis:

"Art. 149. O lançamento é efetuado e revisto de ofício pela autoridade administrativa nos seguintes casos:

(…)

Parágrafo único. A revisão do lançamento só pode ser iniciada enquanto não extinto o direito da Fazenda Pública."

Desta maneira, a homologação tácita ou expressa do lançamento deixa de existir, bem como a condição resolutória para a extinção do crédito tributário de que trata o § 1º, do art. 150, do CTN, nos casos de lançamento por homologação. Se isso fosse realmente levado a cabo, o prejuízo da Fazenda Pública seria flagrante, propiciando, sem qualquer dúvida, a elevação dos índices de sonegação fiscal.

Nesse quadro, muitos devem recordar que o art. 3º, da LC nº. 118/2005 fala que a extinção do crédito tributário no momento do pagamento antecipado se dá apenas "para efeito de interpretação do inciso I do art. 168 da Lei no 5.172, de 25 de outubro de 1966 – Código Tributário Nacional". Justamente nesta disposição está a antijuridicidade do referido artigo.

Como é possível a extinção de um mesmo crédito tributário se dar concomitantemente em dois momentos completamente distintos?

Da forma que está, a extinção do crédito tributário "para efeitos de repetição" ocorre no momento do pagamento antecipado. Já "para efeitos de fiscalização" acontece no momento da homologação, tácita ou expressa, geralmente cinco anos depois.

"Para efeito de repetição" a lei é material, inovando no plano normativo. Já "para efeito de fiscalização" a lei é interpretativa, deixando de revogar as disposições em contrário. Tal intelecção se dá ao sabor da Fazenda Pública, o que representa um descalabro sem precedentes.

Grande parte da perplexidade aqui transparecida se deve ao fato de que o próprio STJ, em seus julgados, reconheceu plenamente muitos dos argumentos ora lançados. Porém, ao tomar as medidas cabíveis, ao invés de declarar a inconstitucionalidade do art. 3º, da LC nº. 118/2005, elevou-o (verdadeiramente) ao status de lei material e não meramente interpretativa.

Vejamos o que traçou o genial Ministro Teori Albino Zavascki, em seu voto vencedor, quando do julgamento do EREsp 644736/ PE, in verbis:

"Todavia, inobstante as reservas e críticas que possa merecer, o certo é que a jurisprudência do STJ, em inúmeros precedentes, definiu o conteúdo dos enunciados normativos em determinado sentido, e, bem ou mal, a interpretação que lhes conferiu o STJ é a interpretação legítima, porque emanada do órgão constitucionalmente competente para fazê-lo. Ora, o art. 3º da LC 118/2005, a pretexto de interpretar esses mesmos enunciados, conferiu-lhes, na verdade, um sentido e um alcance diferente daquele atribuído pelo Judiciário. Ainda que defensável a ´´interpretação´´ dada, não há como negar que a lei inovou no plano normativo, pois retirou das disposições normativas interpretadas um dos seus sentidos possíveis, justamente aquele tido como correto pelo STJ, intérprete e guardião da legislação federal. Se, como se disse, a norma é aquilo que o Judiciário, como seu intérprete, diz que é, não pode ser considerada simplesmente interpretativa a lei que atribui a ela outro significado. Em outras palavras: não pode ser considerada interpretativa a lei que tem o evidente objetivo de modificar a jurisprudência dos Tribunais. Somente a jurisprudência é que pode, legitimamente, alterar a jurisprudência." (AI nos EREsp 644736/PE, Rel. Ministro TEORI ALBINO ZAVASCKI, CORTE ESPECIAL, julgado em 06.06.2007, DJ 27.08.2007 p. 170)

Pelo excerto, reconheceu-se que a interpretação até então vigente era legítima; que se trata de uma nova interpretação; que retirou das disposições legais um dos sentidos possíveis; que o STJ é o guardião e intérprete da legislação federal; que a lei teve o objetivo de modificar o entendimento do STJ (intérprete constitucional do CTN). Ao fim, contraditoriamente, o art. 3º, da LC nº. 118/2005, não foi declarado inconstitucional, mas, na verdade, recebeu o prêmio de se tornar lei material.

Melhor juízo da questão fez o notável Ministro Francisco Peçanha Martins, no mesmo EREsp 644732/PE, ressaltando, como membro do STJ, que não foi dada a melhor interpretação à matéria, alertando, ainda, sobre o caráter autoritário do comando normativo:

"A meu ver, a Lei Complementar, dita interpretativa, não deu a melhor interpretação à matéria. Reflete comando autoritário do Executivo sem resolver as dúvidas preexistentes com relação as regras contidas no CTN. A final, a Constituição do crédito tributário continua competindo à autoridade administrativa pelo lançamento, atividade administrativa vinculada e obrigatória, nos termos do art. 142 e parágrafo único do CTN, e só se constitui pelo lançamento expresso ou tácito, ou seja, é dependente de ato ou omissão da autoridade administrativa." (AI nos EREsp 644736/PE, Rel. Ministro TEORI ALBINO ZAVASCKI, CORTE ESPECIAL, julgado em 06.06.2007, DJ 27.08.2007 p. 170)

De fato, o processo de criação da norma tem início com o Poder Legislativo, que edita o texto da Lei, e se encerra com o Poder Judiciário, cuja função é a de interpretar o texto da Lei editado, encetando a construção normativa.

No caso trazido à baila, o STJ findou a construção normativa iniciada pela edição do CTN, por meio de reiterados julgamentos. Depois de cristalizado o entendimento, o Poder Legislativo editou nova Lei, não para alterar o CTN e sim para modificar o processo final de construção da norma, usurpando uma competência definida pela Constituição.

Deste modo, é de se concluir que o art. 3º, da Lei Complementar nº. 118/2005 alterou a interpretação de legislação federal, função que compete ao Superior Tribunal de Justiça, usurpando a competência deste, violando, pois, os abaixo citados dispositivos constitucionais, in verbis:

"Art. 2º São Poderes da União, independentes e harmônicos entre si, o Legislativo, o Executivo e o Judiciário."

"Art. 105. Compete ao Superior Tribunal de Justiça:

(…)

III - julgar, em recurso especial, as causas decididas, em única ou última instância, pelos Tribunais Regionais Federais ou pelos tribunais dos Estados, do Distrito Federal e Territórios, quando a decisão recorrida:

(…)

c) der a lei federal interpretação divergente da que lhe haja atribuído outro tribunal. (…)"

O próprio Supremo Tribunal Federal já reconheceu a atuação do STJ como guardião da lei federal comum, tendo a prerrogativa de uniformizar a interpretação dos atos normativos emanados pela União, tudo como decorrência lógica do art. 105, III, "c", da CF.

Vejamos o que consignou o Ministro Celso de Mello a esse respeito:

"O recurso especial, por sua vez, está vocacionado, no campo de sua específica atuação temática, à tutela do direito objetivo infraconstitucional da União. A sua apreciação jurisdicional compete ao Superior Tribunal de Justiça, que detém, ope constitutionis, a qualidade de guardião do direito federal comum. O legislador constituinte, ao criar o Superior Tribunal de Justiça, atribuiu-lhe, dentre outras eminentes funções de índole jurisdicional, a prerrogativa de uniformizar a interpretação das leis e das normas infraconstitucionais emanadas da União Federal (CF, art. 105, III, c). Refoge, assim, ao domínio temático do recurso especial, o dissídio pretoriano, que, instaurado entre Tribunais diversos, tenha por fundamento questões de direito constitucional positivo. A existência de fundamento constitucional inatacado revela-se bastante, só por si, para manter, em face de seu caráter autônomo e subordinante, a decisão proferida por tribunal inferior." (AI 162.245-AgR, Rel. Min. Celso de Mello, julgamento em 30-8-94, DJ de 24-11-00)

Dito isto, cabe reafirmar o estreito cabimento das leis interpretativas, as quais só têm lugar quando houver dúvida justificada acerca do texto legal. Depois de sedimentado um posicionamento jurisprudencial, em especial do Superior Tribunal de Justiça, presume-se inexistente qualquer dúvida sobre o texto legal, sendo dado ao Poder Legislativo somente modifica-lo.

Definitivamente não foi o que aconteceu. Mesmo porque as dicções dos art. 168 e 150 do CTN permaneceram inalteradas, o que comprova a intenção interpretativa e, por conseguinte, inconstitucional do legislador.

Uma simples alteração no art. 168, do CTN, surtiria os mesmos efeitos, sem qualquer autoritarismo ou burla aos ditames constitucionais impostos.

Abaixo transcreve uma das alterações possíveis, em substituição ao art. 3º, da LC nº. 118/2005, que inclusive passou pelo mesmo processo legislativo necessário a alteração do CTN:

"Art. 168. O direito de pleitear a restituição extingue-se com o decurso do prazo de 5 (cinco) anos, contados:

I - nas hipóteses dos incisos I e II do artigo 165:

a) da data da extinção do crédito tributário, nos casos de tributos sujeitos a lançamento de ofício (art. 149) ou lançamento por declaração (art. 147);

b) da data do pagamento antecipado a que se refere o § 1º, do art. 150, nos casos de tributos sujeitos a lançamento por homologação.

II - na hipótese do inciso III do artigo 165, da data em que se tornar definitiva a decisão administrativa ou passar em julgado a decisão judicial que tenha reformado, anulado, revogado ou rescindido a decisão condenatória."


CONSIDERAÇÕES FINAIS.

Diante de todas as colocações declinadas, resta apenas aguardar os rumos da jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça, mesmo porque a questão do direito intertemporal ainda não foi enfrentada frontalmente, tanto pela Corte quanto pelos Contribuintes. Em se tratando de intrincada matéria, não é improvável que surjam outras regras além das três acima explanadas.

No que concerne à inconstitucionalidade e à antijuridicidade do art. 3º, da autoritária Lei Complementar nº. 118/2005, cabe ao Contribuinte levar seus questionamentos ao Supremo Tribunal Federal, o qual poderá tomar para si a palavra final sobre o assunto, como já ocorreu em outros casos. Inclusive, o Autor autoriza honorificamente a reprodução das idéias suprafirmadas, com o anseio de que a tese seja polinizada nas mais diversas cortes pátrias.


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Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

ACCIOLY, Rodrigo Nascimento. Prazo prescricional para repetição de indébito, Lei Complementar nº 118/2005 e direito intertemporal. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 13, n. 1926, 9 out. 2008. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/11831. Acesso em: 20 abr. 2024.