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Da inconstitucionalidade do inciso XXIV do artigo 4º da Lei Complementar distrital nº 395/2001.

Representação judicial de agentes políticos por procuradores do Distrito Federal

Da inconstitucionalidade do inciso XXIV do artigo 4º da Lei Complementar distrital nº 395/2001. Representação judicial de agentes políticos por procuradores do Distrito Federal

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Palavras-chave: Lei Complementar distrital n. 395, de 31 de julho de 2001 (Lei de Organização da Procuradoria-Geral do Distrito Federal). Artigo 4º, inciso XXIV. Dispõe sobre a representação judicial do Governador e Secretários de Estado em processos cíveis e criminais decorrentes de atos praticados no exercício funcional. Inconstitucionalidade formal e material.

Resumo: O artigo procura demonstrar a inconstitucionalidade de lei distrital ao capitular hipótese de representação judicial inovadora, em processos cíveis e criminais, de agentes políticos por Procuradores do Distrito Federal. A representação das partes nos feitos judiciários é matéria de direito processual, de competência legiferante privativa da União (art. 22, I, Constituição Federal de 1988). A competência dos Procuradores do DF é restrita à representação em juízo da pessoa jurídica de direito público distrital, não podendo ser ampliada para compreender o patrocínio de interesses processuais pessoais de agentes políticos ou de servidores públicos comissionados ou de carreira (art. 132, caput, Carta Magna de 1988). A incidência dos princípios constitucionais da impessoalidade, da moralidade e do próprio interesse público, vetores da Administração Pública (art. 37, caput, Lei Maior de 1988), afasta a imputação do exercício de representação judicial de natureza privada a advogados públicos.


1. Introdução

Cinge-se este artigo ao cotejo dos efeitos jurídicos do disposto no art. 4º, inciso XXIV, da Lei Complementar distrital n. 395, de 31 de julho de 2001 (dispõe sobre a Lei de Organização da Procuradoria-Geral do Distrito Federal), que reza:

Art. 4° Compete à Procuradoria-Geral do Distrito Federal:

....................................................................................................

XXIV - efetuar, desde que manifestado interesse, a defesa do Governador, Secretário de Estado e de ex-ocupantes desses cargos em processos judiciais propostos em virtude de atos praticados no exercício da respectiva função e que tenham seguido orientação prévia da Procuradoria-Geral do Distrito Federal.

Proceder-se-á, nas linhas seguintes, à análise da constitucionalidade do dispositivo legislativo distrital.


2. A representação das partes em juízo no processo civil ou criminal é matéria de direito processual, de competência legiferante privativa da União

Impende assinalar, de início, que o disposto no art. 4º, inciso XXIV, da Lei Complementar distrital n. 395, de 31 de julho de 2001 (dispõe sobre a Lei de Organização da Procuradoria-Geral do Distrito Federal), cuida de matéria de direito processual, ao veicular regras sobre a representação das partes no processo civil e criminal, permitindo que Procuradores do Distrito Federal, ex lege, atuem como representantes judiciais dos agentes políticos distritais.

Na verdade, a defesa judicial de autoridades e servidores por parte de advogados públicos foi veiculada, mais recentemente, no direito brasileiro, ao que consta, por meio da Lei federal n. 9.028 e pela então Medida Provisória de nº 1.549-33/97.

Calha pontuar, em princípio, que os preceptivos dos arts. 22, da Lei federal nº 9.028/95, e 50, da então Medida Provisória de nº 1.549-33/97, tratam de direito processual.

Assim capitula o art. 22, da Lei Federal nº 9.028, de 12-04-1995:

"Art. 22. O artigo 36 do Código de Processo Civil passa a vigorar acrescido dos seguintes parágrafos:

§ 1º Caberá ao Advogado-Geral da União patrocinar as causas de interesse do Poder Público Federal, inclusive as relativas aos titulares dos Poderes da República, podendo delegar aos respectivos representantes legais a tarefa judicial, como também, se for necessário, aos seus substitutos nos serviços de Advocacia-Geral".

Mais tarde, editou-se a Medida Provisória nº 1.549, de 12.8.97, que, expressamente, alterou o art. 22 da Lei Federal nº 9.028/95. Prescreve o seguinte o art. 50 da Medida Provisória nº 1.549/97:

"Art. 50. O art. 22 da Lei nº 9.28, de 12 de abril de 1995, passa a vigorar com a seguinte redação: art. 22. Cabe à Advocacia-Geral da União, por seus órgãos, inclusive os a ela vinculados, nas suas respectivas áreas de atuação, a representação judicial dos titulares dos Poderes da República, de órgãos da Administração Pública Federal direta e de ocupantes de cargos e funções de direção em autarquias e fundações publicas federais, concernente a atos praticados no exercício de suas atribuições institucionais ou legais, competindo-lhes, inclusive, a impetração de mandado de segurança em nome desses titulares ou ocupantes para defesa de suas atribuições legais".

Ora, o primeiro ponto a merecer destaque é que a Lei Federal nº 9.028/95, que alterou as competências da Advocacia-Geral da União (AGU), rezou expressamente que estava a modificar o art. 36, do Código de Processo Civil - CPC. Assim sendo, não há como deixar de reconhecer, conquanto haja também disposição respeitante às atribuições institucionais da AGU, que se cuida de matéria de direito processual. Tanto se está diante de norma processual que o art. 22, da Lei federal nº 9.028/95, afirmou, textualmente, que dava nova redação ao art. 36 do Código de Processo Civil.

Ora, será possível negar o caráter processual de um preceito legislativo que veicula, de modo expresso, alteração no próprio CPC? O art. 36 modificado está inserto no Capítulo III do Código de Processo Civil, que diz respeito à representação judicial das partes por seus procuradores ou advogados constituídos.

Pois bem, a Lei 9.028/95 modificou o art. 36, do CPC, quando outorga ao Advogado-Geral da União a representação judicial dos titulares dos Poderes da República (pessoas físicas que, antes da modificação das regaras do art. 36, do CPC, pela lei em referência, somente poderiam ser representadas por mandato ad judicia). Ao tratar do tema da representação das partes no processo civil (art. 36, CPC, dos procuradores), não há a menor dúvida de que a sobredita lei dispôs sobre matéria de direito processual. Ademais, frise-se, qualquer questionamento fica sepultado quando é o próprio art. 22, da Lei Federal nº 9.028, de 12.4.95, que estabelece: "O art. 36 do Código de Processo Civil passa a vigorar acrescido dos seguintes parágrafos".

A Lei nº 9.028/95, por dispor sobre o tema da representação judicial de parte (titulares dos Poderes da República) no processo civil e porque o seu art. 22 expressamente acrescenta parágrafos ao art. 36 do CPC, versa, portanto, sobre direito processual, insista-se.

No tocante à então Medida Provisória nº 1.549/97, note-se que o seu art. 50 assevera: "Art. 50. O art. 22 da Lei nº 9.028, de 12 de abril de 1995, passa a vigorar com a seguinte redação". Do exame do texto, percebe-se que o art. 50, da medida provisória em alusão, ampliou o que previa o art. 22 da Lei nº 9.028/95. Observe-se: o art. 50 da Medida Provisória nº 1.549/97 alargou o disposto no art. 22 da Lei nº 9.028/95, mas a MP versa sobre a mesma matéria do dispositivo legal alterado, isto é, sobre representação das partes em juízo e sobre o acréscimo às regras do art. 36 do CPC, ou seja, sobre direito processual. A medida provisória adicionou preceito ao Código de Processo Civil quando ampliou a modificação originada ao CPC pela Lei nº 9.028/95 (esta expressamente acresceu itens ao art. 36 do CPC).

O art. 22, da Lei federal nº 9.028/95, previu que a Advocacia-Geral da União exercerá a representação judicial dos titulares dos Poderes da República, ao passo que o art. 50, da Medida Provisória nº 1.549/97, estendeu a mesma representação judicial para, além dos titulares dos Poderes da República, os órgãos da Administração Direta e para diretores de autarquias e fundações públicas federais.

Logo, não se requer muito esforço para concluir, reafirme-se, que a medida provisória apenas alargou o conteúdo normativo do art. 22, da Lei federal n. 9.028/95, todavia cuidando da mesma matéria: a representação das partes em juízo (capitulo III, do Código de Processo Civil, dos procuradores). Por isso, é cristalino que o art. 50, da Medida Provisória nº 1.549/97, ao tão-somente ampliar o disposto no art. 22, da Lei nº 9.028/95 (que, de sua parte, alterou o art. 36 do CPC), ocupou-se, sim, de matéria própria de direito processual, a não ser que se negue, da mesma forma, que a Lei federal nº. 9.028/95 trate de tema alusivo a processo, o que, de todo caso, seria temerário e juridicamente inviável, porquanto é o próprio texto legal (art. 22) que afirma alterar o art. 36 do Código de Processo Civil. Indague-se novamente, para destacar: Como seria admissível alegar que uma norma alteradora do CPC não trate de processo civil?

Supor, equivocadamente, que se cuida apenas de norma de direito administrativo, particularmente sobre a atribuição de carreira do serviço público, parece, permissa venia, uma visão extremamente míope e errônea dos próprios dispositivos legais e de sua finalidade (propiciar a representação judicial dos titulares dos Poderes da República por advogados da União, em vez de advogados constituídos por mandato para o foro). Fosse assim, por que seria necessário dispor que se alterava dispositivo do próprio Código de Processo Civil?

Preceitua o art. 12, I, do CPC: "Art. 12. Serão representados em juízo, ativa e passivamente: I - a União, os Estados, o Distrito Federal e os Territórios, por seus procuradores". Quem poderia negar conteúdo processual ao ad. 12, I, do Código de Processo Civil, somente pelo fato de o preceito também tratar da atribuição funcional dos Procuradores do Distrito Federal, dos Estados e da União, no sentido de representar as respectivas pessoas jurídicas de direito público em juízo? Quem diria que o aludido inciso I do art. 12 do CPC não seria uma norma processual, mas de direito administrativo? Esse artigo do estatuto processual civil diz respeito à representação judicial das partes no processo, questão eminentemente de direito processual.

O art. 50, da Medida Provisória nº. 1.549/97, pois, refere-se à representação judicial dos titulares dos Poderes da República e outros pelos advogados da União. O art. 12, I, do CPC (norma visivelmente processual) concerne, do mesmo modo, à representação judicial da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Territórios por seus Procuradores.

Destarte, se o art. 50 da Medida Provisória nº. 1.549/97 versa sobre a mesma matéria do art. 12, I, do CPC (representação judicial), antolha-se evidente que o dispositivo da medida provisória (art.50) é uma norma de direito processual. Senão, repita-se, impor-se-ia ao jurista também negar aspecto processual ao disposto no art. 12, I, do CPC, o que não se pode fazer, por evidente. Se duas normas tocam rigorosamente no mesmo assunto (representação judicial) e uma delas tem caráter nitidamente processual (art. 12, I, CPC), é claro que a outra também assume conotação processual.

Não se está dizendo, de modo algum, que todas as disposições da medida provisória tenham conteúdo processual, mas, especificamente quanto ao art. 50 da MP, é inegável reconhecer o caráter processual desse dispositivo, ao alterar a Lei nº. 9.028/95, que, a seu turno, modificava o próprio art. 36 do Código de Processo Civil.

Inferir-se, todavia, que não se estaria supostamente na presença de normas de processo se revelaria insustentável, até mesmo com respeito à doutrina de Amaral Santos e Pontes de Miranda, que ensinam: "Para nós, a norma é de direito processual quando regula o exercício da função jurisdicional ou disponha sobre a constituição, o desenvolvimento e a terminação da relação jurídica processual". Ora, considerando a cátedra doutrinária, resta incontroverso o caráter processual do art. 50 da Medida Provisória nº. 1.549/97 e do art. 22 da Lei nº. 9.028/95: a norma é processual quando disponha sobre a constituição e o desenvolvimento da relação processual.

Na hipótese, trata-se do poder de falar por alguém perante a Justiça, da prerrogativa de representar judicialmente a parte de um processo civil, o que é intitulado capacidade postulatória. Vale transcrever a cátedra do clássico José Frederico Marques:

As partes, ainda quando tenham plena capacidade de estar em juízo, não podem, de regra, praticar pessoalmente os atos com que se instaura e desenvolve o processo. Necessitam, para isso, do patrocínio ou assistência de profissional do direito – o advogado – que tem o ius postulandi, ou poder de agir e falar em nome das partes em juízo. Por isso, o Código de Processo Civil, no art. 36, estatui: "A parte será representada em juízo por advogado legalmente habilitado. Ser-lhe-á lícito, no entanto, postular em causa própria, quando tiver habilitação legal." [...] A capacidade postulatória é conferida, portanto, a pessoas devidamente habilitadas, a fim de que não falte às partes a assistência técnica de que necessitam no curso do processo. [01]

O preceito do art. 4º, XXIV, da Lei Complementar distrital n. 395/2001 meramente trata da concessão de capacidade postulatória aos Procuradores do Distrito Federal para defender agentes políticos, os quais deveriam ser representados, judicialmente, por meio de advogado, salvo na hipótese de modificação do texto do artigo 36, do Código de Processo Civil, o que não poderia ser procedido mediante lei ordinária distrital, senão por lei federal. De fato, prescreve a Constituição Federal:

Art. 22. Compete privativamente à União legislar sobre:

I - direito civil, comercial, penal, processual, eleitoral, agrário, marítimo, aeronáutico, espacial e do trabalho.

Relembrando as lições da teoria geral do processo, é sabido que, para que se constitua e se desenvolva validamente a relação jurídica processual, urge estejam presentes as condições da ação e os pressupostos processuais. Dentre os pressupostos processuais, inclui-se a capacidade processual, esta composta, em sua subdivisão, pela capacidade postulatória. A parte, de regra, salvo quando possuir habilitação legal, deverá estar representada em juízo por advogado, um procurador constituído por mandato para o foro, que a representará judicialmente. As regras legais sobre a representação da parte em juízo, portanto, classificam-se como normas de direito processual. Alumia a matéria o professor e ministro do Superior Tribunal de Justiça Luiz Fux (destaques não originais):

"As regras que tratam desses temas, vale dizer, defesa, contestação, litisconsórcio, partes, capacidades das partes, etc., são normas que compõem o direito processual." [02]

Constatado pelo juiz da causa que a parte, no caso o agente político, não está representada devidamente, por falta de capacidade postulatória, haja vista que não tem efeito jurídico de alteração do CPC o disposto em lei distrital outorgante da representação judicial dos sobreditos agentes públicos por Procuradores do DF, cumpre-lhe determinar o saneamento da irregularidade, o que somente se daria por meio de procuração ad judicia, hipótese em que se cuidaria de típica advocacia particular, e não de exercício advocatício público ex lege, proveniente de previsão legal, como é o caso da defesa judicial dos Estados e do DF por seus Procuradores de carreira. E nenhum procurador público pode ser compelido a exercer a advocacia particular de forma gratuita ou contra sua vontade, à míngua de celebração de contrato específico de prestação de serviços de advocacia.

Considere-se: a origem da legitimidade da representação judicial da parte no processo civil segue o sistema dúplice: voluntária (o litigante constitui o seu advogado por procuração) ou legal (a autorização postulatória decorre de lei). O primeiro caso, o mais comum, segue a regra estatuída nos artigos 36 e 37, do CPC: a parte será representada por advogado, enquanto o segundo caso promana de preceito legal, como é o caso do art. 12, I, do Código de Processo Civil.

Em conseqüência, a representação da parte em juízo pressupõe norma processual autorizativa. Se a pessoa física que ocupa o cargo de diretor do Banco Central é demandada, por responsabilidade pessoal, corno ré de uma ação popular, essa parte deverá estar representada por advogado, constituído por procuração ad judicia. Para que um Advogado da União (na qualidade de representante judicial da entidade federativa) representasse a autoridade no processo e agisse em nome da pessoa natural e não no da União, sem procuração, seria mister que existisse uma norma que acrescesse previsão desse teor ao Código de Processo Civil – no caso a Lei federal n. 9.028/1995.

A regra geral do CPC (representação judicial da parte por advogado) só pode ser excepcionada por meio de previsão legal expressa, leia-se: mediante norma de direito processual expressa. Ora, se o Advogado da União somente está legitimado ex lege a representar a pessoa jurídica de direito público (quando esta estiver em juízo em nome próprio), cumpria fosse adicionado dispositivo autorizador por lei extravagante ao estatuto processual, isto é, uma norma de caráter processual, enquanto permissivo legal para o exercício de capacidade postulatória em favor de autoridade administrativa, a título de representação judicial ex lege.

Se se interpretasse que a Medida Provisória nº. 1.549/97 não passaria de um enunciado de direito administrativo, forçoso seria convir que a MP, conseqüentemente, não legitimaria a representação judicial dos titulares dos Poderes da República, no processo civil, por Advogados da União, o que culminaria na completa inocuidade da norma federal, que não surtiria efeitos no motivo pelo qual foi criada: fazer as vezes de permissivo legal para a atividade postulatória excepcional dos Advogados da União em favor das pessoas a serem representadas, nos termos do art. 50 da sobredita medida provisória. Daí, sob todos os ângulos, constata-se que o preceito do art. 50 da MP deve ser interpretado, sob pena de ineficácia, como matéria de direito processual.

Calha lembrar as lições da hermenêutica do direito, no sentido de que as normas jurídicas devem ser interpretadas de forma a produzirem seus efeitos esperados, e não para restarem sem eficácia. É de Carlos Maximiliano a lição: "Prefira-se a inteligência dos textos que torne viável o seu objetivo, ao invés da que os reduza à inutilidade" [03]. O mesmo jurista ajunta:

Não se presumem, na lei, palavras inúteis. Literalmente, devem-se compreender as palavras como tendo alguma eficácia [...] interpretem-se as disposições de modo que não pareça haver palavras supérfluas e sem força operativa. [04]

Assim sendo, nesse plano de análise, a outorga da representação judicial das pessoas físicas dos agentes políticos aos Procuradores do Distrito Federal, porque sem embasamento na lei processual, reclamaria um anterior acréscimo de regra ao Código de Processo Civil, pois que, hoje, os Procuradores só podem representar a entidade federada Distrito Federal, por expressa previsão de lei de processo (art. 12, I, CPC) e da própria Constituição Federal (art. 132), ao passo que as pessoas físicas somente serão representadas por seus advogados constituídos por mandato ad judicia. A exceção à regra dependeria de que fosse adicionado ao CPC a previsão de o Procurador do Distrito Federal, nessa qualidade, sem procuração, representar os agentes públicos em juízo, inovando-se, por exemplo, o capitulado nos arts. 12 ou 36, do Código de Processo Civil.

Diante disso, soa equivocada, salvo melhor juízo, a conclusão de que seria permitido, como efetivamente o fez a Lei Complementar distrital n. 395/2001 (art. 4º, XXIV), cometer aos Procuradores do Distrito Federal, mediante lei local, idênticas atribuições àquelas irnputadas à Advocacia Geral da União, nos moldes do tratamento dado à AGU pela Medida Provisória no. 1.549/97 e pela Lei nº 9.028/95.

Destarte, exaustivamente provado que tanto a Medida Provisória nº. 1.549/97 como a Lei nº. 9.028/95 veiculam matéria de direito processual, segue que a imputação das mesmas responsabilidades aos Procuradores do Distrito Federal, com fundamento nas normas federais que alteraram o Código de Processo Civil, em se tratando de tema concernente a processo, implicaria a modificação ou acréscimo de dispositivo ao CPC, o que não é permitido por meio de lei distrital (art. 4º, XXIV, Lei Complementar/DF n. 395/2001), haja vista que é da competência legislativa privativa da União legislar sobre direito processual (art. 22, I, da Constituição Federal de 1988).

Assinale-se, por fim, que a redação da Lei federal n. 9.028/1995 foi alterada pela Lei federal n. 9.649/1998:

Art. 22. A Advocacia-Geral da União e os seus órgãos vinculados, nas respectivas áreas de atuação, ficam autorizados a representar judicialmente os titulares e os membros dos Poderes da República, das Instituições Federais referidas no Título IV, Capítulo IV, da Constituição, bem como os titulares dos Ministérios e demais órgãos da Presidência da República, de autarquias e fundações públicas federais, e de cargos de natureza especial, de direção e assessoramento superiores e daqueles efetivos, inclusive promovendo ação penal privada ou representando perante o Ministério Público, quando vítimas de crime, quanto a atos praticados no exercício de suas atribuições constitucionais, legais ou regulamentares, no interesse público, especialmente da União, suas respectivas autarquias e fundações, ou das Instituições mencionadas, podendo, ainda, quanto aos mesmos atos, impetrar habeas corpus e mandado de segurança em defesa dos agentes públicos de que trata este artigo. (Redação dada pela Lei nº 9.649, de 1998) (Vide Medida Provisória nº 22.216-37, de 2001)

§ 1º O disposto neste artigo aplica-se aos ex-titulares dos cargos ou funções referidos no caput, e ainda: (Incluído pela Lei nº 9.649, de 1998) (Vide Medida Provisória nº 22.216-37, de 2001)

I - aos designados para a execução dos regimes especiais previstos na Lei no 6.024, de 13 de março de 1974, nos Decretos-Leis nos 73, de 21 de novembro de 1966, e 2.321, de 25 de fevereiro de 1987; e (Incluído pela Lei nº 9.649, de 1998) (Vide Medida Provisória nº 22.216-37, de 2001)

Reluz, novamente, o texto legal ao capitular que a Advocacia-Geral da União e seus órgãos ficam autorizados a representar judicialmente autoridades e servidores comissionados e efetivos da Administração Pública, o que nada mais é do que típica alteração legislativa de natureza processual, com o fim de conceder especial capacidade postulatória aos advogados públicos, com modificação do Código de Processo Civil nesse teor, tudo para robustecer, ao final, a conclusão de que se cuida de norma de direito processual.

Enfim, se a matéria é referente a direito processual, somente lei federal (art. 22, I, Constituição Federal de 1988) poderia dispor sobre a representação judicial dos agentes públicos locais pelos Procuradores do Distrito Federal, enquanto regra a ser necessariamente acrescentada ao Código de Processo Civil, modo por que se conclui pela inconstitucionalidade do art. 4º, XXIV, da Lei Complementar distrital n. 395/2001.


2. Da Aparente Inconstitucionalidade da Medida Provisória nº. 1.549/97 ao alterar a Lei Complementar nº. 73/93, da Advocacia-Geral da União

Declara o art. 131, caput, da Constituição Federal de 1988:

"Art. 131. A Advocacia-Geral da União é a instituição que, diretamente ou através de órgão vinculado, representa a União, judicial e extrajudicialmente, cabendo-lhe, nos termos da lei complementar que dispuser sobre sua organização e funcionamento, as atividades de consultoria e assessoramento jurídico do Poder Executivo".

A Carta Magna de 1988 proclama, pois, que à Advocacia-Geral da União (AGU) incumbe a representação judicial e extrajudicial da União, sendo a sua organização e funcionamento matéria de lei complementar, posteriormente editada a Lei Complementar nº. 73, de 10.2.93 (AGU).

Questiona-se: se a Constituição Federal determina, em primeiro lugar, que a competência da Advocacia-Geral da União (AGU) é de representar judicial e extrajudicialmente a União, e, em segundo lugar, que a organização e funcionamento da AGU são matéria privativa de lei complementar (art. 131, caput, Constituição de 1988), poder-se-ia admitir que uma medida provisória (MP 1.549/97), ou mesmo lei ordinária, que nem ao menos foi examinada pelo Congresso Nacional, altere a lei complementar, dispondo sobre a matéria objeto da lei de quórum especial?

Responde o constitucionalista Manoel Gonçalves Ferreira Filho [05] (destaques não originais):

"A lei complementar só pode ser aprovada por maioria qualificada, a maioria absoluta, para que não seja, nunca, o fruto da vontade de uma minoria ocasionalmente em condições de fazer prevalecer sua voz. Essa maioria é assim um sinal de certo da maior ponderação que o constituinte quis ver associada ao seu estabelecimento. Paralelamente, deve-se convir, não quis o constituinte deixar ao sabor de uma decisão ocasional a desconstituição daquilo para cujo estabelecimento exigiu ponderação especial. Aliás, é princípio geral de direito que, ordinariamente, um ato só possa ser desfeito por outro que tenha obedecido à mesma forma(...) Em segundo lugar, a lei ordinária, a medida provisória e a lei delegada estão sujeitas à lei complementar. Em conseqüência disso, não prevalecem contra ela, sendo inválidas as normas que a contradisserem. Pode-se pretender que não. Que, sendo toda e qualquer lei uma complementação da Constituição, na medida em que dispõe onde e segundo esta consentiu, a complementaridade decorreria simplesmente de um elemento formal objetivo: a sua aprovação pelo rito previsto na Constituição. Assim, em última análise, seria complementar e, portanto, superior à lei ordinária e à lei delegada toda e qualquer lei que houvesse sido proposta como tal e aprovada por maioria absoluta em ambas as Casas do Congresso Nacional. Essa interpretação, porém, não parece ser a correta. Reprova-o o bom senso. Criando um tertium genus, o constituinte o faz tendo um rumo preciso: resguardar certas matérias de caráter paraconstitucional contra mudanças constantes e apressadas, sem lhes imprimir rigidez que impedisse a modificação de seu tratamento, logo que necessário. Se assim agiu, não pretendeu deixar ao arbítrio do legislador o decidir sobre o que deve ou o que não deve contar com essa estabilidade particular. A Constituição enuncia claramente em muitos de seus dispositivos a edição de lei que irá complementar suas normas relativamente a esta ou àquela matéria. Fê-lo por considerar a especial importância dessas matérias, frisando a necessidade de receberem um tratamento especial. Só nessas matérias, só em decorrências dessas indicações expressas, é que cabe a lei complementar".

Acentua o professor Celso Ribeiro Bastos [06]:

"Um dos traços que individualizam a lei complementar é o fato de só poder tratar das matérias que expressamente a Constituição diz ser própria dessa espécie normativa. Nenhuma outra pode cuidar dos assuntos afetos a essa sorte de lei. Daí a razão de ser ela imodificável pelas leis em geral. É que ela (lei complementar) desfruta de matéria própria, subtraída da competência das demais normas. Além de ter matéria própria prevista na Constituição, a lei complementar se caracteriza por um processo de elaboração especial. Sua aprovação exige a maioria absoluta dos votos dos membros das duas Casas do Congresso Nacional (art.69)".

Por conseguinte, se a matéria da organização e do funcionamento da Advocacia-Geral da União está afeta à disciplina de lei complementar, já em vigor (Lei Complementar 73, de 10.2.93), evidente que, consoante a lição de Celso Ribeiro Bastos, "nenhuma outra pode cuidar dos assuntos afetos a essa sorte de lei. Daí a razão de ser ela imodificável pelas leis em geral. É que ela (lei complementar,) desfruta de matéria própria, subtraída da competência das demais normas". Não pode lei ordinária nem menos ainda uma medida provisória alterar o disposto em lei complementar, sob pena de grosseira inconstitucionalidade.

Segundo Manoel Gonçalves Ferreira Filho [07], é que a lei complementar se dispõe

"a resguardar certas matérias de caráter paraconstitucional contra mudanças constantes e apressadas, sem lhes imprimir rigidez que impedisse a modificação de seu tratamento, logo que necessário. Se assim agiu, não pretendeu deixar ao arbítrio do legislador o decidir sobre o que deve ou o que não deve contar com essa estabilidade particular. A Constituição enuncia claramente em muitos de seus dispositivos a edição de lei que irá complementar suas normas relativamente a esta ou àquela matéria. Fê-lo por considerar a especial importância dessas matérias, frisando a necessidade de receberem um tratamento especial. Só nessas matérias, só em decorrências dessas indicações expressas, é que cabe a lei complementar".

Se a Constituição estabelece que a matéria da organização e do funcionamento da AGU será objeto de lei complementar, que demanda a maioria absoluta das duas Casas do Congresso Nacional para ser aprovada (art. 69, Constituição Federal de 1988), não era licito a medida provisória alterar o previsto em lei complementar e mesmo na Constituição Federal, que limita a competência da Advocacia- Geral da União à representação judicial da União (art. 131, caput, Carta Magna de 1988), não de agentes públicos.

Tem sido alargada, lamentavelmente, a abrangência das matérias passíveis de disciplina por medida provisória, hoje empregada sem limites, mesmo em casos sem urgência e relevância, como exige o caput do art. 62, da Lei Maior. Não é válida, entretanto, medida provisória que trate de matéria de lei complementar, como estipulada a própria Carta Magna de 1988:

Art. 62. Em caso de relevância e urgência, o Presidente da República poderá adotar medidas provisórias, com força de lei, devendo submetê-las de imediato ao Congresso Nacional. (Redação dada pela Emenda Constitucional nº 32, de 2001)

§ 1º É vedada a edição de medidas provisórias sobre matéria: (Incluído pela Emenda Constitucional nº 32, de 2001)

..............................................................................................

III – reservada a lei complementar; (Incluído pela Emenda Constitucional nº 32, de 2001)

Da mesma forma, a MP não pode ser empregada para modificar norma constitucional, só passível de alteração por emenda à Constituição, sob pena de ofensa não somente aos dispositivos constitucionais atinentes a processo legislativo, mas ainda contra o princípio cardeal da Separação dos Poderes, na medida em que o Presidente da República se arvoraria em titular do Poder Legislativo, desde que qualquer norma constitucional e mesmo leis complementares poderiam ser modificadas por medida provisória, que nem ao menos é lei.

Ensina Michel Temer [08]:

"As medidas provisórias estão previstas no art. 62 da Constituição. É exceção ao princípio de que ao Legislativo incumbe editar atos que obriguem. A medida provisória não é lei, é ato que tem ‘a força da lei’. Por que não é lei? Lei é ato nascido do Poder Legislativo que se submete a um regime jurídico predeterminado na Constituição, capaz de inovar originariamente a ordem jurídica, ou seja, criar direitos e deveres (...) Não é lei porque não nasce no Legislativo. Tem a força de lei, embora emane de uma única pessoa, é unipessoal, não é fruto de representação popular, estabelecida no art.1º. Parágrafo único (todo poder emana do povo). Medida provisória não é lei".

Repugna ao direito constitucional a edição de medida provisória sobre matéria reservada a lei complementar, máxime quando já existente a lei de quórum especial, cuja alteração só seria possível por meio de outra lei complementar, nunca mediante MP.

Para os que entendem, concessa venia sem razão, que qualquer lei ordinária ou mesmo medida provisória que fosse aprovada por maioria absoluta na Câmara dos Deputados e no Senado Federal teria o condão de se classificar como lei complementar, pede-se licença para recorrer ao argumento de autoridade, do Dr. Manoel Gonçalves Ferreira Filho, que nega esse tipo de fungibilidade, simplesmente porque a norma tem que possuir a natureza de lei complementar, e não meramente o quórum qualificado do art. 69 da Constituição Federal de 1988, sob pena de, se seguidos os critérios elencados no §2º do artigo 60 da Lei Solar, uma medida provisória ou lei ordinária ser convertida em emenda constitucional.

In casu, se o Estatuto da Advocacia-Geral da União é uma lei complementar (L.C. 73/93), não poderia uma medida provisória, posterior à norma complementar, impor alteração na matéria, de sorte a se apontar para a inconstitucionalidade da MP nº. 1549/97.

Conseqüentemente, nem medida provisória nem mesmo lei ordinária pode alterar a Lei Complementar 73/93 (AGU), até porque é princípio geral de direito que um ato só pode ser desfeito por outro que tenha obedecido à mesma forma (princípio do paralelismo das formas), pois, do contrário, lei ordinária teria o condão de revogar emenda constitucional, numa teratológica negativa da rigidez constitucional vigente no direito positivo brasileiro, em que as emendas constitucionais e as leis complementares têm requisitos mais elaborados de quórum e procedimentos do que as leis ordinárias e as medidas provisórias (rejeitadas ou não pelo Congresso Nacional).

Além disso, o art. 131, caput, da Constituição Federal de 1988, delimita a competência da Advocacia-Geral da União como "instituição que, diretamente ou através de órgão vinculado, representa a União, judicial e extrajudicialmente". A imputação da defesa dos agentes públicos pela AGU apresenta fortes indícios de inconstitucionalidade, ao modificar uma competência institucional estabelecida pela Lex Suprema, sobretudo quando a modificação não foi prevista na Lei Complementar 73/93, mas por meio de medida provisória, que, em absoluto, não pode alterar ou revogar, no todo ou em parte, uma lei complementar. Por isso, de igual modo, afigura-se incabível cometer-se aos Procuradores do Distrito Federal uma competência sem previsão na Constituição Federal ou no Código de Processo Civil, com base na Medida Provisória nº. 1.549/97 e na Lei nº. 9.028/95, ambas maculadas por vício de inconstitucionalidade e que não se prestam como paradigma.


3. A Competência Institucional do artigo 132, da Constituição Federal de 1988

O artigo 132, da Constituição Federal de 1988, dispõe:

"Os Procuradores dos Estados e do Distrito Federal exercerão a representação judicial e a consultoria jurídica das respectivas unidades federadas, organizados em carreira na qual o ingresso dependerá de concurso público de provas e títulos, observado o disposto no art. 135".

Comenta o professor Celso Ribeiro Bastos [09]:

"Já agora figura na Constituição da República, no seu art. 132, a contemplação da situação dos Procuradores dos Estados e do Distrito Federal. Fica ali dito que serão eles organizados em carreira na qual o ingresso dependerá de concurso público de provas e de títulos, com a incumbência de exercer a representação judicial e a consultoria jurídica das respectivas unidades federadas ".

Adiciona José Afonso da Silva [10]:

"Procuradorias e consultorias estaduais. A carreira de Procurador do Estado e do Distrito Federal foi institucionalizada em nível de Constituição Federal. Isso significa a institucionalização dos órgãos estaduais de representação e de consultoria dos Estados, uma vez que os Procuradores, a que se incumbe essa função no art. 132 daquela Carta Magna, hão de ser organizados em carreira dentro de uma estrutura administrativa unitária em que sejam todos congregados(...) Então, temos, combinado o disposto no art. 132 e com o art. 69 do ADCT, a institucionalização das Procuradorias-Gerais dos Estados e das Advocacias-Gerais, onde houver, sem prejuízo de que cada Estado, assim, fica com a liberdade de alterar a denominação, mas não de mudar suas funções de representação e consultoria, nem a denominação de seus membros: Procurador do Estado ou do Distrito Federal.

A regra do art. 132, da Constituição Federal de 1988, diz respeito, sim, à competência institucional dos Procuradores dos Estados e do Distrito Federal: cabe-lhes representar em juízo as suas respectivas entidades federadas, as pessoas jurídicas de direito público. Não se inclui aí qualquer alusão à defesa de pessoas físicas (servidores comuns ou com função de direção ou mesmo autoridades administrativas).

Nem se diga que o preceito somente teria o condão de diferenciar a atividade de defesa judicial da União, outrora desempenhada pelo Ministério Público Federal, que exercia a função de fiscal da lei, e de advogado da entidade federada. Na verdade, o que estabeleceu essa distinção foi o prescrito no art. 131, caput e parágrafos, da Constituição de 1988, que criou a Advocacia-Geral da União, para distinguí-la do Ministério Público Federal, este convertido em fiscal da lei, não mais imbuído de qualquer representação judicial da União.

O art. 132, porém, nada tem a ver com a distinção de atribuições entre a AGU e o Ministério Público Federal quanto à representação judicial da União. Os Procuradores do Distrito Federal, e não o Ministério Público Federal, já exerciam as atribuições funcionais de defesa do Distrito Federal em juízo antes do advento da Constituição Federal de 1988. Por corolário, se o escopo do art. 132, da Lei Suprema, não é, como visto, o mesmo daquele do art. 131, uma outra finalidade deve estar contida no disposto no indigitado artigo 132 da Carta Magna: é justamente firmar a competência dos Procuradores dos Estados e do Distrito Federal no sentido de representar judicialmente as suas respectivas Unidades Federadas, em harmonia com o art. 12, I, do Código de Processo Civil.

É essa a missão constitucional já de imensa responsabilidade dos Procuradores dos Estados e do Distrito Federal, nela não compreendida, todavia, a defesa judicial de autoridades e agentes públicos quando estes estiverem em juízo em nome próprio.


4. A Defesa de Agentes Públicos ou Autoridades no Processo Penal

Em face disso, como se obrigar, por exemplo, que um Procurador de Estado, o representante judicial da unidade federativa, exerça, sem procuração, o papel de advogado particular de um agente público (ainda que no exercício de suas funções) num processo-crime? O Distrito Federal, enquanto pessoa jurídica de direito público (a parte sempre representada pelo Procurador do Distrito Federal), não pode ser réu de uma ação penal e, desse modo, fica impossibilitada a representação judicial de agentes públicos por Procuradores do DF, cuja militância, em que pese o alto nível dos profissionais, lastreados por árduo concurso público de provas e de títulos, não se projeta no âmbito do processo penal, pois que isso provocaria a completa distorção das competências institucionais do Procurador de Estado.

In concreto, se um policial civil ou militar (ou mesmo uma autoridade policial civil ou militar, com função de direção na Secretaria de Segurança Pública, ou mesmo o Secretário da Pasta, em situação extraordinário), no exercício de suas funções, verbi gratia numa desocupação de área pública, viesse a causar a morte de um invasor, seria exorbitar das atribuições institucionais do art. 132 da Constituição de 1988 obrigar o Procurador do Distrito Federal a funcionar, por absurdo, como advogado particular do agente público perante o Tribunal do Júri, apenas porque houve a prática de ato no desempenho funcional. O mesmo se diga quanto às ações penais em geral, em cujos processos a função de defensor somente pode ser exercida por advogado constituído por mandato, inexistindo previsão de os Procuradores de Estado, nessa qualidade e sem procuração, atuarem como representantes judiciais do acusado, ainda que agente político distrital.

Juiz nenhum seria obrigado a aceitar que a defesa de um acusado de processo penal, embora servidor público ou agente político distrital (incurso em crime contra a Administração Pública, por exemplo), fosse realizada por um Procurador do Distrito Federal, que, nessa condição, não está autorizado a representar o réu do processo-crime, por falta de fundamento legal. Seria mister introduzir, antes, regra expressa no Código de Processo Penal, mediante lei federal.

Por que o Procurador do Distrito Federal, na defesa da pessoa jurídica de direito público, no processo civil, não precisa apresentar procuração? Porque existe previsão expressa de lei avalizando a legitimidade da representação judicial das entidades federadas por seus Procuradores ( art. 12, 1, CPC). Por que os Defensores Públicos também não estão obrigados a colacionar procuração, nos autos do processo penal ou civil? Porque existente autorização legal para o desempenho da defesa dos acusados (Lei nº. 1.060/50; Lei Complementar nº. 80/94).

E a matéria de representação judicial, seja no processo civil ou penal, pertence aos domínios do direito processual (art. 22, I, Constituição de 1988), de modo que, para um Procurador do Distrito Federal, que não exerce funções de defensoria pública (a organização da Defensoria Pública do Distrito Federal é de competência da União - art. 134, parágrafo único, c/c art. 22, XVII, da Constituição Federal de 1988), poder representar um agente público ou autoridade como réu de um processo-crime, cumpriria fosse introduzido o permissivo por meio de lei federal, que acrescentasse dispositivo desse teor ao Código de Processo Penal.

Não obstante, ainda que se elaborasse lei federal sobre direito processual penal, mesmo assim permaneceria o problema da provável ofensa ao art. 132, da Constituição Federal, em vista da modificação da competência constitucional dos Procuradores do Distrito Federal no sentido de defender a pessoa política a que se vinculam, não pessoas físicas, ainda que agentes ou autoridades públicas.

Quiçá fosse possível veicular a inovação por meio de Emenda à Constituição Federal, ainda assim sujeita a controle de constitucionalidade sob a ótica da violação de princípios republicanos como da impessoalidade, da moralidade, da isonomia, da supremacia do interesse público, ante a concretização de tratamento privilegiado de certos agentes políticos, favorecidos pelo patrocínio privado por procuradores públicos, em detrimento de toda a população, que não goza de regalia dessa natureza, fora os enquadrados no critério de hipossuficiência para tutela de seus interesses processuais pela Defensoria Pública.


5. A Defesa de Agentes Públicos ou Autoridades no Processo Civil, nas Ações Populares e Ações Civis Públicas

Nem que se invocasse o princípio constitucional da ampla defesa para os acusados nos processos judiciais e administrativos (art. 5º, LV, Constituição de 1988), como pretenso fundamento de validade da defesa dos agentes públicos por Procuradores do Distrito Federal, ter-se-ia melhor sorte quanto à constitucionalidade da disposição legislativa distrital ora censurada. Ab initio, consigne-se que nem sequer por analogia ou interpretação extensiva o referido princípio poderia prestar-se como ernbasamento da imposição aos Procuradores de Estado da defesa dos servidores públicos ou autoridades administrativas. A amplitude de defesa concerne à observância do devido processo legal, dos recursos e dos meios necessários a possibilitar à parte expor suas alegações, produzir provas e contra-provas e sobre elas falar, o que em nada se relaciona com a alteração ora veiculada no art. 4º, XXIV, da Lei Complementar distrital n. 395/2001, com a devida vênia.

Aduzir-se-ia que, em ações populares ou civis públicas propostas contra as pessoas jurídicas de direito público, eventualmente servidores públicos e administradores podem ser chamados a integrar o pólo passivo da demanda e que a condenação destes implicaria a eclosão da responsabilidade civil do Estado (art. 37, §6º., Constituição de 1988). Ora, nessas demandas, se a pessoa jurídica de direito público já é parte passiva e está devidamente representada por um Procurador do Estado, o interesse público já está resguardado e, se o ato administrativo impugnado for legítimo, estará sendo defendido, de forma a, reflexamente, ocorrer a defesa pelo Estado do ato praticado por seu servidor, limitada a representação judicial desempenhada pelo Procurador, contudo, aos termos do art. 12, I, do CPC, e não a do agente, tendo em vista que ou o agente é parte ilegítima para a causa ou, então, integra o feito por força de responsabilidade pessoal, como ocorre nas ações populares, em que, se um servidor público praticou um ato lesivo ao erário, o Estado não apenas será isentado de responsabilidade pelo ato do agente (não será caso de responsabilidade civil objetiva do Estado, mas de responsabilização pessoal do agente público), como ainda poderá a pessoa jurídica de direito público aderir ao pedido do autor popular e contra o funcionário responsabilizado, em defesa do interesse público (art. 60, § 3º, Lei Federal nº. 4.717/65).

Não se justifica, pois, o argumento da responsabilidade reflexa do Estado para justificar a representação judicial de pessoas físicas, agentes públicos, por Procuradores do Distrito Federal, pois que, se há interesse processual do ente político, este poderá ingressar na causa como terceiro interessado, isso se já não estiver presente no processo e devidamente representado por seu Procurador, como de regra ocorre, até mesmo porque, na prática, não se ajuízam ações primeiro contra o funcionário, para depois responsabilizar o Estado, mas, sim, ordinariamente, propõem-se as demandas contra o ente estatal, com pálio em sua responsabilidade civil objetiva (art. 37, § 6º, Constituição de 1988), de sorte que, do prisma do interesse público, o Distrito Federal sempre estará representado por seu Procurador.

De todo caso, para que se admitisse a representação judicial dos agentes públicos por Procuradores do Distrito Federal, nessa qualidade e sem procuração, no processo civil, hipótese considerada apenas para argumentar, lembre-se de que seria necessário o acréscimo de regra expressa ao Código de Processo Civil, por lei federal.

De outro ângulo, a problemática da representação da autoridade ou agente público por advogado deve ser contemplada do ponto de vista que a ocupação de cargo público, principalmente os de direção ou de natureza política, gera eventuais responsabilidades para o agente do Estado, que estava ciente dos riscos de exercer a função pública antes de tomar posse no cargo. Até mesmo um Procurador do Distrito Federal, como qualquer cidadão, se por algum motivo tiver questões junto ao Poder Judiciário, terá que contratar advogado para seu patrocínio, como, aliás, já sucedeu algumas vezes no âmbito da carreira dos advogados públicos distritais, cuja Associação e cujo Sindicato têm custeado o patrocínio judicial dos Procuradores do DF já demandados, conquanto injustamente por legítima atuação funcional, em ações penais, ações civis públicas, ações de improbidade administrativa.

Demais, não se olvide que os servidores públicos em geral sempre estão filiados a um sindicato de classe, provido de advogados à disposição da entidade sindical, o que não representa empecilho ao ingresso dos agentes públicos junto ao Poder Judiciário, como se tem percebido em causas de planos econômicos e causas administrativas, propostas aos milhares contra o Distrito Federal. Os mesmos advogados particulares dos sindicatos costumam representar os respectivos filiados, em causas cíveis ou criminais.

Se os servidores não são representados judicialmente por procuradores públicos, quanto mais não o deveriam sê-lo os os agentes políticos, hipersuficientes, do ponto de vista financeiro, os quais reúnem plenas condições de contratação de advogados particulares para representá-los em processos civis ou penais originários de atos praticados no exercício do cargo público eletivo ou de comissionado de natureza especial, a minguar qualquer justificativa da inconstitucional previsão do art. 4º, XXIV, da Lei Complementar distrital n. 395/2001, o qual rompe, inclusive, com o princípio da isonomia, conferindo tratamento privilegiado a autoridades, no que concerne ao custeio pelos cofres distritais do patrocínio dos interesses pessoais processuais de elevados agentes públicos, os quais dispõem de amplos meios econômicos e políticos de recrutar os melhores causídicos para representá-los perante a Justiça, diferentemente de servidores de menor porte financeiro ou mesmo hipossuficientes sob esse prisma, os quais, se não se enquadrarem nos limites de admissão de pobreza para fins de assunção de sua representação judicial pela Defensoria Pública, terão que arcar pessoalmente com os honorários de seus advogados particulares ou recorrerão aos seus sindicatos profissionais para o respectivo custeio. Desnecessário sublinhar que preceito desse jaez é incompatível com o princípio constitucional da isonomia e da impessoalidade administrativa.

Daí que a medida não se coaduna com os princípios constitucionais da moralidade da Administração Pública e da isonomia, a proclamarem a pecha de inconstitucionalidade do disposto no art. 4º, XXIV, da Lei Complementar distrital n. 395/2001.

Não se pode, destarte, imputar aos Procuradores do Estado uma responsabilidade muito além da previsão estrita constitucional (art. 132, Constituição de 1988), data venia.

É necessário trazer a lume que os Procuradores do Distrito Federal são advogados de Estado, não advogados de Governo. Os misteres dos Procuradores Públicos são a defesa judicial da Fazenda Pública, não de particulares ou mesmo agentes públicos nos processos cíveis ou criminais em que sejam postos como réus em nome próprio, enquanto pessoas físicas.

Sobre a competência da Procuradoria-Geral do Distrito Federal, calha transcrever as notas pontuadas em nosso livro Comentários à Lei de Organização da Procuradoria-Geral do Distrito Federal: Lei Complementar distrital n. 395, de 31 de julho de 2001 [11]:

CAPÍTULO II

DA COMPETÊNCIA

Art. 4° Compete à Procuradoria-Geral do Distrito Federal:

I - representar o Distrito Federal em juízo ou fora dele;

A representação judicial do Distrito Federal

Trata-se de competência constitucional outorgada aos Procuradores do DF pelo disposto no caput do art. 132, da Carta, compreensiva da representação em juízo com a prática de atos processuais quando o Distrito Federal for autor, réu, interessado ou interveniente em processos em curso perante o Poder Judiciário. Os Procuradores exercem o patrocínio judicial dos interesses do Distrito Federal em todos os graus de jurisdição, perante a 1ª e a 2ª Instâncias da Justiça Comum do Distrito Federal e Territórios e da Justiça Federal do Distrito Federal, Superior Tribunal de Justiça, Supremo Tribunal Federal, Justiça do Trabalho em todos os níveis, inclusive perante o Tribunal Superior do Trabalho, em causas de direito do consumidor, ambiental, urbanístico, administrativo, civil, comercial, tributário, do trabalho. Também atuam em ações civis públicas, ação direta de inconstitucionalidade, ações possessórias, ações de rito ordinário e sumário, ações declaratórias, em processos de conhecimento, cautelar e de execução, além da defesa de recursos, mediante memoriais e sustentações orais, audiências e julgamentos, lavra de contestações, exceções, incidentes diversos, apelações, agravos de instrumento e regimentais, embargos de declaração, recursos especial e extraordinário, pedidos de reconsideração, além de outros tantos afazeres advocatícios.

O dispositivo também menciona a tutela dos interesses do DF também extrajudicialmente, incluindo-se a atuação perante órgãos administrativos e em face de particulares.


6. A Defesa de Agentes Públicos por Dois Procuradores do Distrito Federal e a Confusão ocasionada quanto à Defesa do Legítimo Interesse Público

Nem a presunção de inocência socorre o texto legislativo impugnado, a ponto de impor que o Procurador do Distrito Federal deva defender autoridade até o final de um processo-crime ou civil, para, somente então, declarada pelo Judiciário a culpa do agente político, ser movida uma ação indenizatória pelo Estado contra o transgressor pelos prejuízos causados. Afirmar-se-ia que não haveria pretensamente conflito de interesses, porque um Procurador efetuaria a defesa do particular, enquanto outro, no futuro, litigaria contra o ex-representado.

Veja-se, no plano hipotético, a temeridade da idéia: um administrador público resolve cometer peculato ou desvio de verbas públicas, apropriando-se de dinheiro público para a sua conta privada. Vindo à tona o caso, o Distrito Federal, lesado pela autoridade, deveria designar um Procurador do Estado para defender o agente corrupto num processo-crime relativo ao mesmo fato. Condenado de forma irrecorrível o agente público no processo penal, um segundo Procurador do Distrito Federal ajuizaria uma ação civil indenizatória de perdas e danos contra o agente público condenado. A Administração Pública, por absurdo, pagaria um Procurador para representar judicialmente uma autoridade que já lesara gravemente o erário.

Mais ainda, no nível da hipótese, o Procurador do Distrito Federal poderia incorrer em situação de patrocinar interesses particulares de uma autoridade que praticara lesão ao erário e que deveria zelar ela própria por sua situação processual, antagônica com a tutela do interesse público quanto à recomposição patrimonial do Estado, dando-se a figura, em última instância, do art. 30, I, da Lei federal n. 8.906/1994: o exercício de advocacia pelo procurador contra a Fazenda Pública que o remunera, o que é tolhido no direito positivo federal.

Isso sem falar nos casos de ações puramente políticas que são movidas anos depois do término do mandato dos governantes e das ações de responsabilidade contra autoridades administrativas pelos mesmos atos de administração, demandas em que ausente interesse público que justifique a intervenção do Procurador do Estado, que deve servir ao interesse público, e não ao eminentemente particular ou para apartar brigas político-partidárias, as quais devem ser da alçada do corpo jurídico da agremiação política envolvida.

Semelhantemente, vale assinalar o entendimento do Supremo Tribunal Federal que a prerrogativa de foro cessa com o término do exercício da função pública, como noticiado no Informativo Eletrônico de Jurisprudência do STF [12], o que afasta o tratamento privilegiado conferido pela norma inconstitucional a ex-ocupantes dos cargos políticos (Lei Complementar distrital n. 395/2001, art. 4º, XXIV), os quais devem ser patrocinados pelos advogados das agremiações político-partidárias a que vinculados ou pelos causídicos de sua confiança, não por procuradores públicos.


7. Do Exercício de Advocacia Particular imposto compulsoriamente aos Procuradores do Estado

Surgem dúvidas sobre a liceidade de se compelir os Procuradores do Distrito Federal a atuar fora do âmbito de suas atribuições institucionais, de assento legal e constitucional, em causas cíveis e criminais, na representação judicial de particulares, não na qualidade de Procurador do Estado (art. 12, I, CPC), mas numa atuação idêntica à patrocinada por qualquer advogado particular.

Para que o Procurador do Distrito Federal, nessa qualidade e sem procuração, represente judicialmente autoridades administrativas e agentes públicos enquanto pessoas físicas, porque ausente regra legal permissiva (como é a do art. 12, I, CPC), seria imperioso acrescentar dispositivo, evidentemente por meio de lei federal (art. 22, I, Constituição de 1988), ao Código de Processo Civil e ao Código de Processo Penal, sob pena de irregularidade e impossibilidade da representação. Ainda assim, seria dificultoso conciliar uma norma dessa natureza com o princípio constitucional da moralidade e da probidade administrativa.

Agora, se o Procurador do Distrito Federal for compelido a representar judicialmente os agentes públicos e autoridades por meio de procuração (constituído por mandato ad judicia, como qualquer advogado particular, à luz das regras do Código de Processo Civil), parece que não se estaria em face do desempenho de função pública ex lege (como se dá na representação do art. 12, I, CPC), mas, aparentemente, de exercício forçado e gratuito de advocacia particular pelo Procurador de Estado, que não se diferenciaria de qualquer outro causídico privado, ao revés do que ocorre quando se cuida da representação legítima da pessoa jurídica de direito público, quando o Procurador não precisa de procuração, pois a sua legitimação decorre da lei (art. 12, 1, CPC).

Nenhum advogado pode ser compelido a exercer a advocacia particular sem a contratação de seus serviços profissionais, menos ainda de forma gratuita, porquanto o exercício com liberdade da profissão é um direito do advogado, não uma obrigação (art. 7º, I, Lei federal n. 8.906/1994).

Demais, a imposição do dever de defender autoridade pública retira a independência profissional do advogado, direito expressamente reconhecido aos integrantes da Ordem dos Advogados do Brasil (art. 31, § 1º, Lei federal n. 8.906/1994), forçando o causídico a patrocinar causa contra suas convicções pessoais ou éticas, especialmente em se cuidando de possível prática de crimes de responsabilidade por autoridades públicas, o que repugna a consciência jurídica do operador do direito, violando-se o Estatuto da OAB:

Art. 31.. .............................................................................

§ 1º O advogado, no exercício da profissão, deve manter independência em qualquer circunstância.

§ 2º Nenhum receio de desagradar a magistrado ou a qualquer autoridade, nem de incorrer em impopularidade, deve deter o advogado no exercício da profissão.

Ressumbra que o advogado público, regido pelas disposições do Estatuto da OAB (art. 3º, § 1º, Lei federal n. 8.906/1994) passará a agir com tibieza, com receio de desagradar agente político no exercício de advocacia, tendo que defender, em processos cíveis e até penais, autoridades porventura incursas em atos ímprobos ou lesivos ao erário e à moralidade públicas, o que não se pode admitir, em se tratando de representação judicial por mandato ad judicia.

Não se pode confundir a coisa pública com o interesse particular. O fato de o servidor público assumir eventual responsabilidade por atos praticados no exercício funcional é consabido de qualquer candidato de concurso público, ao ler o disposto na Lei n. 8.112/1990 (arts. 121 a 126), que trata das esferas cível, penal e administrativa de responsabilização do agente público, na Lei n. 8.429 (Improbidade Administrativa), no Código Penal (crimes contra a Administração Pública), ciência ainda mais firmada em agentes políticos, os quais desfrutam de privilegiada assessoria jurídica de seus partidos ou particular e experiência pessoal, a não lhes escusar o cometimento de atos ilícitos nem a ignorância das conseqüências jurídicas de suas ações.

Não é tolerável, contudo, transferir aos representantes judiciais do Estado, que possuem função constitucional definida, uma adulteração de suas atribuições administrativas para compeli-los a funcionar como advogados particulares, visto que o custeio do patrocínio da defesa judicial de servidores e autoridades públicas deve caber aos próprios interessados, que devem contratar causídicos para as causas necessárias. Medida dessa natureza viola os princípios da impessoalidade administrativa e do interesse público, respectivamente cristalizados no direito brasileiro no art. 37, caput, da Constituição Federal de 1988, e 19, caput, da Lei Orgânica do Distrito Federal.

Modificar os misteres dos advogados públicos é que não pode ser tolerado, ainda mais quando se deflagra uma série de inconstitucionalidades com a medida, como a ora criticada na lei distrital em apreço, que não pode ter o condão de modificar o disposto no próprio art. 132, da Constituição Federal, na Lei Orgânica do DF, nem nos Códigos de Processo Penal e Civil (dois diplomas que somente podem ser alterados por meio de lei federal).

Daí se vê que o capitulado na norma distrital impugnada (art. 4º, XXIV, Lei Complementar distrital n. 395/2001) não se harmoniza com o princípio do interesse público (art. 19, caput, Lei Orgânica do Distrito Federal), com a moralidade e impessoalidade administrativas (art. 37, caput, Constituição Federal de 1988) nem com a isonomia (art. 5º, caput, Carta Magna de 1988).


8. Conclusões

1)considerando que o artigo 22, da Lei federal nº. 9.028/95, e o artigo 50, da Medida Provisória nº. 1.549-33/97 dispõem sobre matéria de direito processual, não seria possível cometer aos Procuradores do Distrito Federal a representação judicial dos agentes públicos e autoridades mediante lei local, mas, antes, seria necessário introduzir preceito autorizativo aos Códigos de Processo Civil e de Processo Penal, o que só se admite por meio de lei federal (art. 22, I, Constituição Federal de 1988);

2)a Medida Provisória nº. 1.549/97, norma federal empregada como paradigma do estudo e fonte de validade da imputação da representação judicial dos agentes públicos aos Procuradores do Distrito Federal, por tratar de matéria afeta a lei complementar já vigente (Lei Complementar 73/93 - AGU), padece de vício de inconstitucionalidade, desde que medida provisória não tem o condão de alterar lei complementar nem muito menos norma constitucional (art. 131, caput, Constituição Federal de 1 988);

3)é de manifesta inconstitucionalidade a norma que altera a competência institucional, de assento constitucional (art. 132, Constituição de 1988) e legal (art. 12, I, CPC), dos Procuradores dos Estados e do Distrito Federal no sentido de representar judicialmente as suas respectivas entidades federadas, parecendo exorbitar da previsão constitucional incumbi-los da representação em juízo de pessoas físicas agentes públicos e autoridades em nome próprio;

4)seria, de toda forma, descabida a representação judicial dos agentes públicos por Procuradores do Distrito Federal em processos criminais e, ainda que se admitisse a tese, apenas para argumentar, seria necessária alteração, por lei federal, no Código de Processo Penal, permitindo a defesa dos funcionários e autoridades públicas, em processos penais, por Procuradores do Estado, nessa qualidade e sem procuração;

5)no que tange à representação judicial de agentes públicos e autoridades administrativas, caso se desprezassem os fortes indícios de ofensa ao art. 132 da Constituição Federal de 1988, mesmo assim, para que se admitisse a representação judicial dos agentes públicos por Procuradores do Distrito Federal, nessa qualidade e sem procuração, no processo civil, hipótese considerada apenas para argumentar, seria imperioso o acréscimo de regra expressa ao Código de Processo Civil, por meio de lei federal (art. 22, I, Constituição Federal de 1988);

6)há grave risco de conflito de interesses pela defesa judicial de um mesmo agente por um Procurador c o ajuizamento de ações contra a mesma autoridade por outro Procurador do Distrito Federal, o que aponta para uma incerteza quanto à tutela efetiva do interesse público;

7) o Procurador do DF não pode ser compelido a exercer a advocacia em caráter privado de forma gratuita e contra sua independência como inscrito na OAB, pois a liberdade para exercer a profissão é direito do advogado, inclusive público.


REFERÊNCIAS

BASTOS, Celso Ribeiro. Curso de direito constitucional. São Paulo: Saraiva, 5. ed., 1994.

CARVALHO, Antonio Carlos Alencar. Comentários à Lei de Organização da Procuradoria-Geral do Distrito Federal: Lei Complementar distrital n. 395, de 31 de julho de 2001. Brasília: Sindicato e Associação dos Procuradores do Distrito Federal, 2004.

FERREIRA FILHO, Manoel Gonçalves. Curso de direito constitucional. 18. ed., São Paulo: Saraiva, 1990.

FUX, Luiz. Curso de direito processual civil. Rio de Janeiro: Forense, 2005.

MARQUES, José Frederico. Manual de direito processual civil. São Paulo: Saraiva, 1978, volume 1.

SILVA, José Afonso da. Curso de direito constitucional positivo. São Paulo: Malheiros Editores, 1996.

TEMER, Michel. Elementos de direito constitucional. São Paulo: Revista dos Tribunais, 7. ed, 1990.


Notas

  1. MARQUES, José Frederico. Manual de direito processual civil. São Paulo: Saraiva, 1978, volume 1, p. 254.
  2. FUX, Luiz. Curso de direito processual civil. Rio de Janeiro: Forense, 2005, p. 3.
  3. MAXIMILIANO, Carlos. Hermenêutica e Aplicação do Direito. 16ª. ed., Rio de Janeiro: Forense, 1996, p. 249.
  4. Idem, op. cit., p. 250-251.
  5. FERREIRA FILHO, Manoel Gonçalves. Curso de Direito Constitucional. 18. ed., São Paulo: Saraiva, 1990, p. 184-185.
  6. BASTOS, Celso Ribeiro. Curso de Direito Constitucional. São Paulo: Saraiva, 5. ed., 1994, p. 309.
  7. FERREIRA FILHO, Manoel Gonçalves. Curso de Direito Constitucional. 18. ed., São Paulo: Saraiva, 1990, p. 184-185.
  8. TEMER, Michel. Elementos de Direito Constitucional. São Paulo: Revista dos Tribunais, 7. ed, 1990, p.153-154.
  9. BASTOS, Celso Ribeiro. Curso de Direito Constitucional, 15. ed. São Paulo: Saraiva, 1994, p. 357.
  10. SILVA, José Afonso da. Curso de Direito Constitucional Positivo. São Paulo: Malheiros Editores, 1996, p. 585-586.
  11. CARVALHO, Antonio Carlos Alencar. Comentários à Lei de Organização da Procuradoria-Geral do Distrito Federal: Lei Complementar distrital n. 395, de 31 de julho de 2001. Brasília: Sindicato e Associação dos Procuradores do Distrito Federal, 2004, p. 43.
  12. INFORMATIVO Nº 468, TÍTULO Verbete 394 da Súmula e Art. 84 do CPP – 3, PROCESSO Inq - 2010

ARTIGO. Em conclusão de julgamento, o Tribunal resolveu questão de ordem suscitada em inquérito, no qual se questionava, ante a alteração dada ao art. 84 do Código de Processo Penal pela Lei 10.628/2002, se persistiria a competência desta Corte para o julgamento de ação penal instaurada contra ex-Deputado Federal, por crimes supostamente praticados no exercício do mandato ou em razão dele — v. Informativos 322 e 423. Aplicou-se a orientação firmada pelo STF no julgamento da ADI 2797/DF (acórdão pendente de publicação), em que reconhecida a inconstitucionalidade do § 1º do art. 84 do CPP, e determinou-se a baixa dos autos à primeira instância (CPP, art. 84, § 1º: "A competência especial por prerrogativa de função, relativa a atos administrativos do agente, prevalece ainda que o inquérito ou a ação judicial sejam iniciados após a cessação do exercício da função pública."). Inq 2010 QO/SP, rel. Min. Marco Aurélio, 23.5.2007. (Inq-2010)

Íntegra do Informativo 468


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CARVALHO, Antonio Carlos Alencar. Da inconstitucionalidade do inciso XXIV do artigo 4º da Lei Complementar distrital nº 395/2001. Representação judicial de agentes políticos por procuradores do Distrito Federal. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 13, n. 1977, 29 nov. 2008. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/12015. Acesso em: 20 abr. 2024.