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Um pequeno ensaio sobre o sentido de Constituição

Um pequeno ensaio sobre o sentido de Constituição

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Buscamos questionar a concepção de Constituição como um simples documento escrito, tentando demonstrar que as alterações de nossas práticas jurídico-políticas não advêm tão somente da atividade de um legislador supostamente onisciente e onipresente.

Abstract: This article intends to challenge the notion of Constitution as a simply text, trying to show that the complete changes in our social practices not come by the act of an "omniscient" and "omnipresent" legislator. Thus, by overcoming the traditional dichotomies such as text/context; ideal/real; global/local, we search to revise our constitutional past and understand our responsibility in a continuous constituent project.

Key-words: Constitution, formal amendments, text, context.

Resumo: Buscamos questionar a concepção de Constituição como um simples documento escrito, tentando demonstrar que as alterações de nossas práticas jurídico-políticas não advêm tão somente da atividade de um legislador supostamente onisciente e onipresente. Dessa forma, por meio da superação de dicotomias tradicionais como texto/contexto, ideal/real, global/local, procuramos reler a nossa história constitucional e compreender a nossa inserção em um processo constituinte que se prolonga no tempo.

Palavras-chave: Constituição, Reforma, texto, contexto.

Sumário: I - Introdução; II - Sobre o excesso de expectativas: a onisciência e onipotência do legislador; III - Sobre a normalidade da crise; IV - Brasil, um passado de frustrações?; V – Considerações Finais; VI – Referências Bibliográficas.

Os campeões das novas idéias esqueceram-se, com freqüência, de que as formas de vida nem sempre são expressões do arbítrio pessoal, não se ‘fazem’ ou ‘desfazem’ por decreto.

Sérgio Buarque de Holanda


I - Introdução

O ímpeto reformista que presenciamos no constitucionalismo brasileiro, se é que podemos considerá-lo como uma novidade dos tempos mais recentes, despertou-nos o interesse pelo questionamento da existência de uma possível relação entre a crise de normatividade que vivenciamos e uma suposta tradição de crença na onipotência e onisciência do legislador. Desta forma, a problemática subjacente a nosso artigo vincula-se com a compreensão da qual partimos de que nossa história político-jurídica esteve marcada por uma excessiva confiança no legislador, tendo sido depositadas no mesmo, bem como no próprio direito, um excesso de expectativas que pode ter contribuído para o entendimento restrito de nossa trajetória constitucional, como se o nosso passado somente pudesse ser reconhecido por meio das incontáveis e permanentes desilusões.

Entretanto, com Luhmann, desde já perguntaríamos: a frustração de expectativas não é inerente à estrutura das normas jurídicas? A inclusão não gera necessariamente exclusão? Nesse sentido, não viveríamos em um permanente estado de crise? A que se deve, então, a desestima constitucional?

O fato de entendermos que nossa história é marcada por uma luta permanente por igualdade e liberdade, não tendo estancado nunca, parafraseando Koselleck, a crítica e a crise de nossas tradições e instituições, induz-nos a questionar a tradicional convicção de que as reformas, utilizadas aqui em sentido amplo, não a restringindo ao âmbito jurídico, por mais que tenham representado uma tentativa de "elitizar" o processo por meio da realização de conciliações entre os "detentores do poder", como bem nos lembra José Honório Rodrigues, caracterizando-se como uma pretensão de "realizar a revolução antes que o povo a faça", não conseguiram barrar o curso dos acontecimentos.

Com efeito, se partimos do pressuposto de que alterações em nossas práticas sociais não podem ser realizadas, por si só, por alguns poucos especialistas que são responsáveis pela atividade de produção das leis, na medida em que não podem, por serem seres humanos, e não "deuses", prever e controlar, antecipadamente, todos os efeitos das decisões que hajam tomado, seria plausível ainda conferir um crédito tão grande a outras pessoas, entendendo-as capazes de impedir as manifestações emancipatórias que estejam em andamento na sociedade?

Nessa linha, devemos ressaltar que uma questão central para o presente ensaio é a crítica à pretensão de se realizar verdadeiras mudanças simplesmente através do processo formal de emenda constitucional, reduzindo-se o direito ao momento de negação do passado representado pela elaboração legislativa, como se fosse possível criar algo novo somente através da redação de um novo instrumento normativo, esquecendo-se assim da força do contexto do qual nunca conseguiremos escapar, constatação esta que a virada hermenêutica, tal como a realizada por Gadamer, não nos deixa olvidar. Há que se ressalvar, entretanto, que o fato de reconhecermos esse horizonte de sentidos compartilhados que está subjacente às nossas experiências de vida não significa que estajamos considerando o homem como um prisioneiro em suas próprias tradições, pois, com Habermas, sabemos que a razão nos possibilita dizer sim ou não a esse legado de nossos antepassados.

Além disso, podemos dizer que é justamente esse enfoque hermenêutico que nos permite visualizar a abertura do texto constitucional, que nos possibilita compreender que estamos inseridos no mesmo processo constituinte que nossos "pais fundadores", nas palavras de Dworkin, que participamos todos de um mesmo "romance em cadeia", haja vista que a necessária mediação lingüística que todo escrito requer para nos dizer algo leva-nos a não restringir a Constituição a seus intérpretes oficiais, pois quando lidamos com o direito em nosso dia-a-dia o compreendemos e assim o aplicamos a todo momento.

Discordamos, desta forma, daqueles que realizam um cético diagnóstico de nossa história constitucional, como se ela fosse composta tão-somente de fracassos, sendo esta a premissa da qual partem certos autores para pugnar pela não existência de uma Teoria da Constituição que seja válida para todos os ordenamentos jurídicos, pensamento este que se baseia numa unilateral ênfase na dimensão local, principalmente nos países não desenvolvidos, impropriamente considerados como "periferia" da modernidade, sendo então defendido o argumento de que existiriam diversos constitucionalismos, cada qual adequado à "realidade" onde surgissem. Instigam-nos aqui alguns questionamentos: Será ainda sustentável, numa sociedade pós-convencional como a moderna, construções teóricas que se referem a um conceito ontológico de realidade? O reconhecimento de uma teoria universal exclui, por si só, a consideração das peculiaridades locais? A dimensão global e a local são indubitavelmente excludentes?

Deste modo, a análise que procuramos realizar representa uma aposta no projeto da modernidade, significando que ainda acreditamos no potencial emancipatório da razão mesmo após a sua desmistificação, isto é, apesar de termos conhecimento dos limites que o condicionamento histórico-social do homem nos impõe, pois sabemos que nossas tradições podem ser revistas, que nosso passado pode ser reconstruído, que nosso futuro pode ser de fato visto como um horizonte de infinitas possibilidades, sendo primordial nesse intento reconhecermos nosso papel na história, mais especificamente, assumirmos nossa responsabilidade no projeto constituinte ao qual pertencemos.

Para ficarmos na brevidade de algumas indagações, cujas respostas latentes justificam todo o nosso empreendimento, questionamo-nos: Será que nossa Constituição realmente está moribunda, necessitando, como pensam alguns, de uma missa fúnebre, de um requiem? Ou será que ela jamais esteve tão viva, fazendo-nos perguntar se os seus "problemas", não seriam, na verdade, parte da "solução"?


II – Sobre o excesso de expectativas: a onisciência e onipotência do legislador

Temos assistido no período democrático instaurado com a Constituição Republicana de 1988 um grande número de propostas e aprovações de emendas ao documento constitucional que, por si só, apresenta-se extenso e minucioso. Contabilizamos já 57 manifestações desse poder constituinte derivado passados tão-somente 20 anos da ruptura político-jurídica representada pelas atividades da constituinte de 1986, fruto de toda uma série de lutas por redemocratização, além das 6 emendas de revisão aprovadas em 1993/1994. A partir de uma análise preliminar, acreditamos haver nesse ímpeto reformista uma crença exacerbada seja na racionalidade do legislador, como se este pudesse, através da criação de normas gerais e abstratas, controlar toda a complexidade social, seja no próprio direito, esquecendo-se dos limites operacionais do mesmo decorrentes do fato dele ser somente um dos sub-sistemas sociais, não podendo assim substituir, por exemplo, a política ou a economia nas funções que a estes correspondem.

Para ilustrar como essa ânsia legislativa é improdutiva, basta atentarmos para o fato de que várias dentre as citadas emendas caracterizam-se como alterações de emendas anteriores, como é o caso da Emenda Constitucional nº 19/1998 que modificou a EC nº 1 de 1992, ou da reforma previdenciária, Emenda nº 41/2003, que, por sua vez, revogou dispositivos da EC nº 20 de 1998. Essa prática de mudança formal do documento constitucional de "tempos em tempos" levanta-nos a indagação de se teria sido realmente necessária a constitucionalização de determinadas matérias, relacionadas com questões muito específicas, por exemplo, na área tributária ou administrativa. Não partimos aqui da clássica distinção realizada por renomados constitucionalistas entre normas materialmente constitucionais e normas que adquiriram tal status somente por terem sido inseridas no documento constitucional, estando assim imunes à influência de maiorias momentâneas encarregadas da atividade legislativa ordinária.

O pressuposto de nossa investigação é que não há hierarquia entre normas constitucionais, sendo todas elas, por terem sido criadas por um poder constituinte originário, formal e materialmente constitucionais, já que texto e contexto, idealidade e realidade, forma e conteúdo, pressupõem-se, não se podendo falar em normas constitucionais mais fundamentais do que outras, sob pena de se enfraquecer a força normativa da própria Constituição.

A nossa crítica volta-se contra a influência de um excesso iluminista ainda presente na atividade constituinte, contra essa tentativa de abarcar todos os campos da vida, como se fosse possível a existência de um legislador onisciente e onipresente, desconhecendo-se que é humanamente impossível regulamentar todas as futuras e eventuais situações conflituosas na Constituição. Por outro lado, como nos diria Luhmann, quanto mais direito se cria, mais não-direito surge simultaneamente e mais se aumenta a possibilidade de abuso, de violação das normas constitucionais, já que se abre a opção de agir conforme ou contra as determinações do direito, não podendo ser eliminada a sempre presente hipótese de descumprimento do mesmo. Para a Teoria dos Sistemas, na medida em que o sistema jurídico realiza a distinção direito/não direito, ele torna possível a escolha entre um dos dois lados da distinção, sendo esta uma questão de liberdade cujo pressuposto é o conhecimento das alternativas.

E o que podemos aprender com a história? Que o legislador, por melhores que sejam suas intenções, não pode nos garantir uma segurança total, absoluta, pois nem mesmo ele é capaz de controlar o sentido dos textos que produziu. Nesses termos, não há possibilidade de eliminarmos os riscos de abuso, em virtude da natureza intrinsecamente aberta de qualquer documento escrito, só se acabássemos com as leis gerais e abstratas, pois somente assim poderíamos impedir as interpretações e desvirtuamentos que os contextos futuros condicionarão. Ocorre que tais leis gerais e abstratas, não obstante não nos darem certeza alguma, são uma conquista enorme, pois foi através delas que conseguimos refutar as tradicionais ordens de privilégios e determinar que todos os homens são iguais perante a lei, mesmo que os ideais de liberdade e igualdade somente ganhem densificação em contextos específicos e variem de acordo com os mesmos.

Deste modo, partindo do pressuposto de que estamos imersos em uma época em que tudo pode ser questionado, não havendo nas "ciências do homem" espaço para o absoluto e imutável, podendo a verdade absoluta ser plenamente alcançada somente no terreno da fé, buscamos enfatizar que o modelo de racionalidade que acreditava a tudo resolver e responder, pautando-se por métodos infalíveis de pensar, procurando eliminar completamente os problemas, deve ser criticado, pois a ciência, como criação humana, e em virtude do nosso inafastável e constitutivo enraizamento social, revela a dimensão limitada historicamente do fenômeno humano, isto é, a ciência hoje, para ser ciência, deve reconhecer-se como transitória e refutável.

Resta lembrar que essa confiança depositada no legislador, no momento de promulgação da lei, de negação do passado e antecipação das soluções do futuro caracteriza a tradição constitucional francesa, tendo havido na mesma, em razão do anseio de romper com toda uma herança de abusos e privilégios, uma certa ingenuidade hermenêutica, isto é, os constituintes acreditaram poder enxergar para além de sua condição histórica. Mas o fato é que, por maior que seja a ruptura empreendida por um movimento revolucionário, não é possível começar "ex nihilo", sendo que tradições necessariamente permanecerão sob novos fundamentos, mesmo que de uma forma inconsciente, de maneira oculta ou dissimulada. Não podemos, portanto, falar em rupturas sem continuidades, nem acreditar que o momento de negação do passado é, por si só, suficiente para a construção de uma nova ordem jurídico-política.

Podemos então dizer que há uma constante mediação entre passado, presente e futuro, mediação possível em razão da existência de um texto constitucional, pois este, ao mesmo tempo em que permite a realização de novas inclusões, em virtude de sua tessitura aberta, possibilita que nos compreendamos inseridos no mesmo processo constituinte. Ocorre que essa permanência na contínua mudança que o texto constitucional possibilita foi mais proficuamente trabalhada pelos norte-americanos, na medida em que estes, ao contrário dos franceses, não entenderam a Constituição como uma presença eterna e sagrada dos constituintes revolucionários, mas sim como um vazio, como um projeto aberto às futuras vivências, transcendendo assim a própria subjetividade dos "pais fundadores".

O reflexo do ideal revolucionário francês pode ser percebido no modelo interpretativo cunhado pela Escola da Exegese, que surgiu na França logo após a Revolução, tendo sido responsável pelo movimento de codificação e pela disseminação da concepção de que todo direito se encontra nas leis, sendo necessário ao aplicador do direito somente realizar uma operação silogística para descobrir a resposta correta de determinado caso concreto. Em uma tal compreensão o ordenamento jurídico não apresenta lacunas, devendo os casos omissos ou obscuros serem solucionados com o recurso a uma vontade "real" ou presumida dos legisladores.

O fato é que essa restrição ao momento de negação do passado marcou todo o movimento revolucionário francês, tendo sido responsável pela própria dificuldade de implementação e consolidação da Constituição em tal país. Só no período inicial da Revolução Francesa tivemos três Constituições, a de 1791, 1793 e 1795, sendo que a segunda, a denominada jacobina, sequer chegou a entrar em vigor. Ressalte-se, entretanto, que as Constituições francesas antes mencionadas se caracterizavam como rígidas, na verdade estabeleciam um procedimento de emenda constitucional tão pormenorizado e com tantas exigências que inviabilizavam a utilização de tal instituto jurídico. Essa dificuldade para reformar a Constituição demonstra não só a crença dos constituintes na perfeição de sua obra, mas também desvela o receio dos "ventos revolucionários", mais especificamente, expressa um temor com relação a uma soberania popular ilimitada, tendo sido tal medo fundamentado e justificado pela posterior eliminação das minorias que se desencadeou no período do Terror.

Mais uma vez, encontramos provas de que texto algum é capaz de conter contexto pois, por mais complicados que sejam os procedimentos que tenham sido previstos para alteração dos documentos constitucionais antes mencionados, as práticas sociais acabaram se impondo, tendo sido todas as Constituições revolucionárias francesas substituídas por meio de golpes de Estado, o que nos confirma a premissa de que todos os institutos jurídicos devem ser confrontados com as tradições nas quais se inserem. Se os Estados Unidos da América conseguiram realizar uma mediação mais produtiva entre soberania popular e constitucionalismo, talvez isso se explique pelo fato dos colonos, desde a descoberta do "Novo Mundo", terem se compreendido como portadores dos direitos dos ingleses, estando desde então acostumados com a idéia de que todo poder deve ser limitado.

Dessa forma, poderíamos afirmar que a "sabedoria" dos americanos em relação aos franceses deveu-se justamente à defesa de um poder constituinte do povo que não fosse absoluto, o que lhes permitiu fundar as bases para o exercício da liberdade, ou seja, a Constituição foi entendida não somente como um limite à democracia, mas sim como condição de possibilidade desta, na medida em que protegendo as minorias tornou possível que estas um dia viessem a se constituir como maioria.

Se o conceito moderno de Constituição, tal como surgido nessas experiências revolucionárias do século XVIII, é basicamente anti-tradicional, no sentido de que as normas jurídicas então estabelecidas são visualizadas como seleções entre outras alternativas, ou seja, foram criadas por um poder constituinte originário, isso não significa que a Constituição, por refletir o racionalismo da ilustração, esteja situada fora da história. Ao contrário, após toda ruptura na ordem jurídico-normativa, isto é, após toda negação do passado, surge o momento em que as tradições refutadas são seletivamente reapropriadas, passando então a contribuir para a configuração da nova identidade constitucional.

Essa linha de continuidade entre passado, o presente e o futuro pode ser percebida não só com relação à nova configuração institucional ou no momento de atribuição de sentido às normas constitucionais, isto é, na atividade de aplicação e interpretação das mesmas, mas também pode ser visualizada, justificando sua existência, em conceitos dogmáticos, operacionais, de direito constitucional, como o da recepção, segundo o qual leis infra-constitucionais e atos normativos de um ordenamento jurídico anterior continuam tendo vigência após o momento de ruptura jurídico-política, com as devidas adaptações, desde que não contrariem a nova Constituição. O fato é que a idéia de supremacia constitucional exige que as leis ordinárias, sejam as elaboradas após a manifestação do poder constituinte originário, sejam as recepcionadas, tenham compatibilidade literal ou principiológica com a nova ordem constitucional, sob pena de violação da vontade soberana do povo, manifestada no momento de fundação da nova ordem jurídico-constitucional.

Com base nesse pressuposto, e em virtude de ser humanamente impossível se pensar em criar novas leis sobre todas as matérias cada vez que se recorrer ao poder constituinte originário, é que o nosso ordenamento jurídico admite o instituto da recepção, o que nos remete, mais uma vez, à irracionalidade presente na convicção de que é possível se romper totalmente com o passado.

Nesse sentido, apesar da noção de poder constituinte originário ser ilogicamente incompatível com uma limitação jurídica realizada pelo direito positivo anterior, pois uma Constituição que disciplinasse sua própria extinção seria, em princípio, contraditória, na medida em que a mesma necessariamente carrega consigo a idéia de permanência, por pretender vincular o futuro, não podemos pensar em um poder constituinte originário desvinculado de qualquer limite, como se os constituintes pudessem fundar uma nova comunidade política regulada pelo direito somente a partir de si próprios, esquecendo-se até mesmo do fato de que suas próprias convicções são, muitas vezes, compartilhadas, ou seja, representam pré-compreensões do momento histórico no qual se inserem. Assim, se o poder constituinte originário é, de fato, uma ruptura, significando a criação de um novo fundamento de validade para todas as normas jurídicas, validade a qual, com suas devidas especificidades, já se referia Kelsen, não podemos continuar acreditando, contrafactualmente, que é possível abandonarmos o nosso passado e construir o presente e o futuro unicamente a partir de nós mesmos, retornando assim à concepção da filosofia da consciência de que o indivíduo, entendido de maneira solipsista, seria o doador de sentido ao mundo.


III - Sobre a normalidade da crise

A ausência de consciência hermenêutica, ou seja, do fato de que existe um horizonte de sentidos naturalizados no qual estamos inseridos, sendo o mesmo o responsável pelo entendimento que temos uns com os outros e sobre o mundo que nos cerca, ausência de consciência típica dos iluministas, o que explica a preponderância que os mesmos atribuíram ao momento de produção legislativa, esquecendo-se que é o "presente" e o intérprete que conferem sentido às leis gerais e abstratas, pode ser apresentada como fator determinante para a crise constitucional que vivenciamos em nosso país, crise esta caracterizada pela difusão da convicção de que a nossa Constituição não passaria de mera "folha de papel", pois o que realmente nos constituiria seriam os "fatores reais de poder" existentes na sociedade, tal como trabalhado por Lassale em sua famosa conferência de 1863.

Nessa linha de argumentação, realizando uma crítica por demais cética à Constituição de nosso país, em virtude do excessivo desrespeito à mesma, encontramos vários constitucionalistas brasileiros, como Fábio Konder Comparato, que elaborou um Réquiem para uma Constituição, afirmando que a Constituição de 1988 seria um "cadáver", um "corpo sem alma" (COMPARATO, 2001:77). Poderíamos escrever várias páginas apresentando os vários ângulos a partir dos quais é apresentado esse sentimento de quase anomia em relação à nossa ordem jurídico-constitucional, mas, ao contrário do que entende Celso Antônio Bandeira de Mello, não estamos aqui para assistir a "seus discretos funerais" (MELLO, 2001:35).

O fato é que todos os céticos diagnósticos partem de uma identificação entre Constituição e a literalidade do texto, ou seja, eles próprios identificam Constituição com a "folha de papel", com um documento escrito ideal que não foi concretizado, não se atentando para o fato de que a normatividade constitucional vincula-se a uma atribuição de sentido que se realiza no tempo, refletindo as contingências históricas, dependendo assim das leituras que serão realizadas pelos intérpretes quando de sua aplicação, não se configurando então como um ideal estabelecido em determinado momento do passado e que comandaria, de forma estanque, todo o futuro. Nessa linha, poderíamos dizer que toda sociedade projeta um conceito ideal de direito a partir de suas pré-compreensões, o que explica as várias configurações assumidas pelos princípios de liberdade e igualdade inerentes ao direito moderno.

Por outro lado, se, como diz Habermas, a própria realidade está impregnada de idealidades, se as normas jurídicas somente ganham pleno significado em situações concretas de vida, não podemos falar em real em oposição ao ideal, oposição esta que está subjacente às críticas dos juristas mencionados acima. O próprio fato dos constitucionalistas em questão recorrerem aos princípios constitucionais surgidos nos países ocidentais desde as Revoluções do século XVIII como padrão para a crítica da "realidade" dos países ditos "periféricos" demonstra como não se pode falar em um hiato entre ideal e real, entre texto e contexto, pois tais ideais estão subjacentes às análises das vivências constitucionais, sendo os mesmos utilizados como parâmetro normativo para a aferição dos abusos, das práticas ilegítimas.

Cabe ainda lembrar que até mesmo o termo "realidade" é questionado hoje em dia, haja vista que, na medida em que todo entendimento sobre o mundo e sobre nós mesmos se dá através da linguagem, não podemos pensar o "real" como algo que existe por si só, como o lócus das "essências", que, por ser compreendido de maneira imediata, não necessitaria da mediação lingüística.

Nessa linha, a própria classificação ontológica de Constituição adotada por Karl Loewenstein, que se apóia, implicitamente, no pressuposto platônico de existência de dois mundos, o ideal e o real, apresenta-se como inadequada para a análise do constitucionalismo atual e, nesse sentido, para a caracterização da história constitucional brasileira. Tal pensador argumenta que a Constituição escrita, cujos contornos foram estabelecidos a partir das Revoluções do século XVIII, apresenta configurações distintas dependendo dos contextos político-sociais nos quais se insere, ou seja, dependendo das relações de poder que determinam como os destinatários da mesma a aplicarão. Assim, a simples análise do documento constitucional escrito não seria suficiente para captar a "realidade" jurídico-constitucional dos diversos países, sendo que somente um "homem de marte" (LOEWENSTEIN, 1970:206), em suas próprias palavras, seria capaz de se abstrair das disparidades nas relações de poder existentes e perceber unicamente as semelhanças que os documentos das diversas constituições espalhadas pelos países ocidentais apresentam entre si.

Partindo de tais considerações, Loewenstein classifica as Constituições em normativa, que seria aquela na qual as relações fáticas de poder se conformam às normas constitucionais; a nominal, que se caracterizaria pela existência de um hiato entre as normas constitucionais positivadas e desejadas, ou seja, que correspondem ao senso de justiça da comunidade, mas que são inviabilizadas pelas práticas sociais, políticas e econômicas existentes; e a semântica, que seria plenamente aplicada por ser um instrumento utilizado pelos detentores do poder como um mecanismo de formalização de uma situação de domínio já configurada.

Se a Loewenstein pode ser atribuído o mérito de atentar para as especificidades dos contextos de aplicação, conseguindo ver que a aprovação de um documento constitucional não é garantia de normatividade, não sendo suficiente assim "vestir uma roupa nova" para se alterar as práticas jurídico-constitucionais de determinada comunidade política, tal pensador ainda cai na armadilha, construída pela tradição metafísica, de separar a idealidade da faticidade, o que acaba, como mencionamos anteriormente, contribuindo seja para a perpetuação de uma "realidade", esquecendo-se que esta é sempre construída, não existindo por si só, carregando consigo toda uma carga de idealidade, seja para a consideração da Constituição como um modelo ideal já estabelecido no passado e escrito em uma "folha de papel", modelo este que guiaria todo o processo de luta política que a ele se remeteria, esquecendo-se que é no presente, na "realidade", que as idealidades surgem, isto é, que as normas constitucionais se constituem.

Temo que estaríamos a qualificar normas ou comportamentos normativos abomináveis assim como os que reproduzem a escravidão, ainda que não formal, ou o desmando e o arbítrio das autoridades constituídas limitadamente pela Constituição como "realidades", quando, na verdade, normas só podem ser cumpridas ou descumpridas, legítimas ou ilegítimas, nunca, reais ou ideais. Qualquer norma comporta elementos idealizantes e, a um tempo, encontra algum enraizamento na sociedade da qual brotou. (CARVALHO NETTO, 2003c:44).

Se considerarmos a crua "realidade" como impossível de ser alterada, como certas práticas abusivas que se perpetuaram e que comandam, dessa forma, nossa vivência constitucional, o risco que corremos é de justificá-la, é de transformá-la em expectativas normativas da sociedade, isto é, em expectativas generalizadas de comportamento que resistem aos fatos. Dessa forma, seguindo o pensamento de Jürgen Habermas, afirmaríamos que sem as normas serem consideradas legítimas não há que se falar em generalização de expectativas normativas, sendo que toda prática social levanta pretensões de validade, sendo passível de gerar normatizações na medida em que tais pretensões não forem refutadas pelos participantes do discurso. Esse é então o perigo de pensamentos como o de certos autores brasileiros que, tendo em vista a "realidade" de exclusão social, política e econômica de nosso país, onde milhões de pessoas vivem na miséria, não possuem acesso à educação, saúde e emprego, situação precária esta que descabe aqui fazermos um relato minucioso, pois já faz parte de nosso mundo da vida, de nossas pré-compreensões sobre o que nos cerca, advogam a inexistência de um constitucionalismo, ou seja, não admitem que haja um parâmetro normativo universal subjacente a todas as descontinuidades regionais e históricas, caracterizado pelos ideais de liberdade e igualdade inerentes ao direito moderno.

Para finalizar essa questão, perguntaríamos: será que nos países onde primeiro apareceram os ideais modernos de liberdade e igualdade, como nos EUA e França, não havia também direitos descumpridos? A universalização de direitos não ocultava, ou justificava, a princípio, a sua restrição aos proprietários, aos burgueses? Estavam os negros americanos incluídos no "We the people" do preâmbulo da Constituição de 1787? Essas exclusões, derivadas do contexto em que os textos constitucionais foram densificados, levam-nos a negar a existência do Constitucionalismo? Ou simplesmente o caracterizam como uma linha de continuidade, como um parâmetro normativo ao qual sempre se recorre, mesmo a partir de "realidades" muito díspares?


IV - Brasil, um passado de frustrações?

Se, como ressaltamos anteriormente, o descompasso entre normas e fatos é intrínseco à própria estrutura do direito, como dizer que a Constituição na história jurídico-política brasileira foi apenas simbólica ou nominal, por nunca ter sido plenamente concretizada? Será que não podemos ter outra compreensão de nosso passado, já que o mesmo sempre pode ser relido a partir das indagações que nos surgem no presente? A reflexão que nos impulsiona no presente artigo, e que procuraremos tornar evidente nos recortes históricos que pretendemos realizar, é que essa crença em um passado de desilusões mascara todo um processo de luta por maior liberdade e igualdade que sempre esteve presente na construção de nossa identidade constitucional.

Por outro lado, a afirmação de que os textos constitucionais tiveram reduzido papel em nossa história, já que reiteradamente desconsiderados, pode ser refutada quando constatamos que até mesmo o Ato Institucional n.º 1, que resultou de um Golpe militar em 1964, fez referência, em seu preâmbulo, à eclosão de uma Revolução. Dizia tratar-se de uma Revolução por ser diferente de outros movimentos armados "pelo fato de que nela se traduz não o interesse e a vontade de um grupo, mas o interesse e a vontade da Nação". Também a Constituição de 1937 dispõe, em seu artigo 1.º, que o "poder político emana do povo e é exercido em nome dele". Se acreditarmos que a "realidade" foi bem diferente da afirmada em tais documentos, podemos entender essas declarações como desnecessárias? E será que na "realidade" não existiram manifestações emancipatórias nesses períodos? Como entender a resistência de idéias, e até mesmo o extremo da luta armada, levada a cabo nas décadas de 60/70 em nosso país? Não foi esse período um dos momentos no qual o Supremo Tribunal Federal apresentou-se como combativo, não se auto-restringindo em suas funções constitucionais, em virtude de pressões políticas ou econômicas, como pode ser visto em alguns casos julgados em sua história?

Para esclarecer a questão aqui subjacente, devemos entender como foi possível a coexistência da Constituição de 1824 e a escravidão no Brasil Imperial. Se adotamos os ideais burgueses, como conseguimos conciliá-los com um regime em que as pessoas não eram proprietárias sequer de si mesmas? É correto afirmarmos que a mencionada Constituição não passou de uma simples "folha de papel"? Será que a exigência de liberdade e igualdade, presente no citado documento constitucional, não esteve presente nesse momento de nossa história, ou foi somente uma quimera de um povo subserviente?

O fato é que, como já colocamos anteriormente, até mesmo na Europa, os ideais de liberdade e igualdade em questão não foram plenamente observados, basta somente lembrarmos da exploração desencadeada pela Revolução Industrial, o que acabou por ocasionar o próprio questionamento de todo um paradigma, ou seja, da concepção liberal de direito e política. Esclarecedora é a seguinte passagem de Roberto Schwarz:

A Declaração dos Direitos do Homem, por exemplo, transcrita em parte na Constituição Brasileira de 1824, não só não escondia nada, como tornava mais abjeto o instituto da escravidão. A mesma coisa para a professada universalidade dos princípios, que transformava em escândalo a prática geral do favor. Que valiam, nestas circunstâncias, as grandes abstrações burguesas que usávamos tanto? Não descreviam a existência – mas nem só disso vivem as idéias. (SCHWARZ, 2003:12)

O que podemos perceber é que no Brasil os ideais em tela foram falseados de maneira original, ou seja, a transposição de idéias européias fez com que elas próprias fossem deslocadas de maneira peculiar de acordo com o contexto no qual foram inseridas. "No universal que todos buscamos, a singularidade da experiência brasileira é o elemento central" (ODALIA, 1997:14). Assim, no Império, a abstração e generalidade das leis foram colocadas em questão pela prática do "favor", pela pessoalidade que surge em determinadas relações, prática essa transfigurada hoje no popularmente denominado e criticável "jeitinho brasileiro", ao passo que, na Europa, local onde os princípios de liberdade e igualdade primeiro apareceram, os mesmos foram negados de maneira diversa. Mais uma vez, podemos visualizar que concepções universais sempre adquirem particularidades dependendo da estrutura social, política e econômica onde são inseridas. Não há como desvencilharmos o universal do local, por isso desde já afirmamos que uma Teoria da Constituição única para todos os países não significa o desprezo das peculiaridades de cada qual.

Mas, e para que mais servem as idéias? Em primeiro lugar, cabe dizer que ao serem "importadas" essas concepções passam a fazer parte das pré-compreensões que estão subjacentes ao nosso modo de relacionarmos com as coisas e pessoas, ou seja, passam a fazer parte de nosso "mundo da vida", funcionando as mesmas como padrões normativos até mesmo para criticarmos a "realidade". Só sabemos assim que a escravidão foi uma prática repugnante porque possuímos ideais que são negados pela mesma. Nessa linha, sem a universalidade e generalidade das leis, surgidas na modernidade, quando se admitiu que todos são livres e iguais por nascimento, o tratamento de determinados seres humanos como coisa, como objetos passíveis de serem comercializados, não causaria tanto espanto, na verdade tal tipo de diferenciação foi natural em sociedades, como a grega da Antigüidade, nas quais alguns eram considerados cidadãos e tinham igual direito de participar da vida pública, ao passo que outros, os que não pertenciam àquela comunidade, os que não compartilhavam do modo de vida escolhido, eram relegados a servir os "incluídos", isto é, a trabalhar para que os "melhores" pudessem pensar.

Será, então, que num mundo globalizado como o atual, onde o desenvolvimento tecnológico propiciou uma alteração do espaço e do tempo, reduzindo distâncias e tornando viável o contato imediato entre os pólos opostos do globo, podemos ainda ansiar por padrões normativos exclusivamente brasileiros? Por outro lado, como dissemos acima, para levarmos a sério nossas tradições, nosso contexto histórico, é imprescindível que nos fechemos em nós mesmos, que não nos relacionemos com as outras nações? Conforme já ressaltamos, o perigo que corremos é acabarmos generalizando expectativas a partir das práticas abusivas, como se as mesmas, por configurarem nossa "realidade", não pudessem ser alteradas.

Tal foi o engano de Oliveira Vianna ao criticar o que ele próprio denominou de "idealismo utópico", que seria nada mais do que "todo e qualquer conjuncto(sic) de aspirações políticas em íntimo desaccôrdo(sic) com as condições reaes(sic) e organicas(sic) da sociedade que pretende reger e dirigir" (VIANNA, 1939:10). Para esse pensador, a causa da ineficácia de algumas de nossas Constituições, como a de 1824 ou a de 1891, seria a sua fundamentação em concepções estrangeiras, o que teve origem na educação européia de nossa primeira geração de políticos. Nessa linha, argumentou que só poderíamos ter "fecundos ideais" se os retirássemos da experiência, ou seja, os ideais a serem atingidos deveriam ser ante-visões elaborados a partir da organização concreta da sociedade. Dessa forma, percebe-se que há uma elevação da "realidade" a padrão normativo, perdendo-se com isso grande parte do potencial de questionamento que os ideais podem trazer consigo.

Ocorre que o próprio Oliveira Vianna, ao realizar tal reducionismo empirista, propondo como solução para a ausência de efetividade de nossos documentos constitucionais a sua elaboração a partir de nossas particularidades, ou seja, a resposta seria abandonar o "idealismo utópico" substituindo-o pelo "idealismo orgânico", esqueceu-se que ele próprio se utiliza, ao longo de toda sua obra, do pensamento de autores estrangeiros, como a doutrina Positivista e Empirista de Augusto Comte ou o Organicismo de Spencer.

Se a Oliveira Vianna pode ser creditado o mérito de ter visualizado a força dos contextos, criticando assim aqueles "espiritos(sic) que ainda cultivam a velha crença supersticiosa no poder das formulas(sic) escriptas(sic)" (VIANNA, 1939:111), já que considerava utópico pretender realizar alterações em nossas instituições políticas que não levem em consideração a nossa "realidade", o que, segundo o mesmo, explicaria o fracasso, por exemplo, do Ato Adicional de 12 de agosto de 1834, na medida em que se pretendeu uma maior descentralização em um país onde, de acordo com tal autor, as liberdades individuais são tradicionalmente defendidas pelo Poder Central, a ele porém faltou a consciência de que tradições podem ser refutadas, de que nem sempre o empírico é o que deve ser considerado como verdadeiro e elevado à categoria de um ideal.

Nessa linha, pode-se dizer que a própria aprovação da reforma constitucional em questão demonstra como a tradição centralizadora no Brasil já estava, de certa forma, sendo problematizada, tendo sido a edição do Ato Adicional uma necessária concessão dos conservadores na medida em que nada mais podiam fazer tendo em vista o curso dos acontecimentos, ou seja, a emenda em questão significou "um momento de transação e conciliação entre as elites, para evitar o que ameaçava se transformar em insurreição permanente. Como disse Evaristo na Câmara, foi preciso ‘fazer parar o carro da revolução’." (LIMA apud NOGUEIRA, 2001:66). A conciliação em questão pode ser visualizada pelo próprio hibridismo do Ato Adicional, pois ao mesmo tempo em que propiciou uma maior distribuição espacial do poder, adotou medidas centralizadoras como a criação da Regência Una ou a permanência da indicação dos presidentes das províncias pelo poder central.

Entretanto, se o Ato Adicional de 1834 abrandou a concentração do poder ao criar as Assembléias Legislativas Provinciais, com competências fiscais, legais e administrativas, em substituição aos Conselhos Gerais das Províncias, estes últimos órgãos somente consultivos, cujas sugestões necessitavam de aprovação do Poder Executivo e Legislativo, e ao suprimir o Conselho de Estado, entidade semelhante aos Conselhos Privados da Coroa típicos das monarquias européias, como a inglesa, e que no Brasil funcionou como um reforço do poder absoluto de D. Pedro I, ele não conseguiu barrar o retorno ao status quo advindo com a lei de interpretação, Lei n.º 105, de 12 de maio de 1840. Essa lei retirou as conquistas em autonomia local inseridas na Constituição de 1824 pelo Ato Adicional, tendo também restabelecido o Conselho de Estado, sendo que esse modo de interpretação, ou seja, interpretação autêntica, foi utilizado para praticamente revogar a mencionada emenda constitucional, ou seja, foi criada uma lei ordinária de interpretação que retirou grande parte dos efeitos do anterior Ato Adicional.

Resta então aprofundarmos o significado da edição do mencionado Ato Adicional, pois tal como outras reformas existentes em nossa história, seja em sentido amplo ou apenas jurídico, ele ilustra os vários momentos conciliatórios de nosso processo de luta por maior liberdade e igualdade, que, apesar de demonstrarem um avanço no sentido de uma aprendizagem político-jurídica, já que são realizadas alterações formais que não se caracterizam como meras concessões, mas sim como conquistas, por outro lado revelam uma permanente tentativa de se conter as mudanças estruturais que a própria sociedade requer, ou seja, trata-se de reformas que procuram encobrir as práticas abusivas na medida em que a atenção é destas desviada e dirigida para a elaboração de um novo documento escrito, seja constitucional ou não. É dentro dessa linha de questionamento que perguntamos se a Lei Áurea, Lei n.º 3.335, de 13 de maio de 1888, acabou com a escravidão no Brasil ou se é possível apagar as marcas desse instituto abominável através de um simples decreto, tal como pretendeu o ilustre Rui Barbosa, enquanto Ministro da Fazenda na República Velha, ao editar o interessante Decreto do Esquecimento, mais uma prova de que nossa crença na força dos textos não é um fator recente, ou seja, desde nossos primórdios enquanto comunidade jurídico-política estamos envolvidos pela aura que os documentos escritos emanam, como se esses tudo pudessem por serem obra de indivíduos perfeitos que passaram a ocupar o lugar do "deus dessacralizado", nas palavras de Schmitt, diríamos que "o Deus todo poderoso tornou-se um legislador onipotente" (SCHMITT, 1996:109).

Todos estes exemplos são marcos importantes em nossa reconstrução porque nos permitem ver como não é suficiente mudarmos os documentos constitucionais escritos se as nossas práticas permanecem inalteradas, configurando-se tais reformas como novas formas para o mesmo, ou seja, como "mudanças" que apontam muito mais para a manutenção de determinada estrutura social, na direção do sentido etimológico de tal palavra, do que para a alteração revolucionária da mesma.

Nessa linha, devemos nos lembrar de José Honório Rodrigues, já que para este historiador as reformas em nosso país, entendidas aqui em sentido amplo, como mudanças político-institucionais, e não somente alterações do documento constitucional, sempre representaram uma forma de conciliação entre as forças dominantes para impedir a ocorrência de mudanças profundas na sociedade, por isso tal pensador chega a afirmar que nós nunca vivenciamos uma revolução. Entretanto, este

... velho jogo de querer as reformas, mas não promovê-las, este pensamento de que se desejava a reforma sem revolução, não evita as rebeldias, pois todo o país é sacudido por crises, desordens e agitações violentas. A estrutura econômica permanece a mesma, sobrevivem os restos feudais, as reformas são formais, as oligarquias possuem o Poder, os privilégios continuam e continua o divórcio entre o Poder e a Sociedade. Consegue-se, assim, evitar a Revolução, que promoveria a mudança das relações sociais. (RODRIGUES, 1982:50)

O que devemos ressalvar é que da mesma forma que não se podem realizar alterações na sociedade através da simples edição de leis, pela mesma razão não podemos compartilhar da opinião de que as "elites", aqueles que tradicionalmente exercem o poder em nosso país, conseguirão impedir as mudanças que são buscadas em processos de luta quotidiana por direitos. Nesse sentido, a título ilustrativo do raciocínio nesta parte desenvolvida, podemos dizer que apesar da conciliação política que esteve subjacente à rejeição da proposta de Emenda Constitucional "Dante de Oliveira", esse momento de nossa história foi importante para a ruptura institucional advinda com a Constituição de 1988, na medida em que a grande mobilização do Movimento das Diretas-já foi que legitimou todo o processo constituinte, ou seja, a não aprovação de uma emenda que seria, a princípio, "revolucionária", não impediu que fosse instaurada uma nova ordem jurídica e política que questionou e buscou romper com os fundamentos autoritários do regime constitucional anterior, antes pelo contrário, foi tal rejeição que aguçou nos cidadãos brasileiros o desejo de mudanças e o instigou a participar ativamente da construção do novo ordenamento constitucional.

Além de reformas libertárias que vêem encobrir as práticas abusivas continuístas, tornado-se ineficazes em razão disso, encontramos também em nossa história reformas que, pelas alterações que propõem, representam tentativas de restauração de uma tradicional configuração do poder que vem sendo abalada com o curso do tempo, tal como a Reforma de 1926, proposta pelo Presidente Arthur Bernardes, em pleno Estado de Sítio, com o intuito de fortalecer "o controle autocrático do país pelo Presidente Federal – em três direções: enfraquecendo a autonomia dos Estados; facilitando a aplicação do veto presidencial; e impondo ainda maiores restrições à liberdade do cidadão" (HAMBLOCH, 1981:85). O poder dos Estados-Membros foi diminuído ao se ampliar as hipóteses de intervenção federal e foram concedidas maiores prerrogativas ao Presidente através da permissão do veto parcial, permissão esta que não impediu sua utilização abusiva, seja através de seu uso como mecanismo para arbítrio na área das finanças, já que a não aprovação de lei orçamentária significava a prorrogação da vigência da lei do ano anterior, seja por meio do entendimento de que se poderia simplesmente vetar o "não" presente em uma lei submetida a apreciação, o que mudava radicalmente o conteúdo desta.

Entretanto, é o parágrafo 5.º do artigo 60 e o parágrafo 22 do artigo 72 que melhor demonstram a pretensão, do Chefe de Estado e Governo, de adquirir poderes discricionários, na medida em que se impossibilitou o acesso ao judiciário para se aferir a legalidade de atos como a intervenção federal ou a declaração de Estado de Sítio, e se reduziu o âmbito de abrangência do Habeas Corpus, restringindo-o aos casos de violenta privação da liberdade de locomoção, desconsiderando-se a original "Doutrina Brasileira do HC", a qual possibilitava o impedimento ou reparação de toda agressão ou violência às liberdades individuais, sejam elas quais forem. Todavia, como texto algum é capaz de regular o contexto, resta lembrar que o Supremo Tribunal Federal continuou "pouco a pouco, determinando limites ao total poder discricionário que se atribuira(sic) ao Executivo" (RODRIGUES, 1991:244).

De fato, podemos perceber que, no resgate de fragmentos da história do Pretório Excelso realizado por Lêda Boechat Rodrigues, apesar da Reforma de 1926 ter proibido uma interpretação mais ampla ao instituto do HC, o entendimento mais abrangente sobre as liberdades que constituiriam direito líquido e certo a serem tutelados por meio de Habeas Corpus continuou proeminente no Supremo Tribunal Federal. Até mesmo com relação ao Estado de Sítio, que o parágrafo 5.º do art. 60 da Emenda Constitucional em questão retirava da apreciação do Poder Judiciário, reconheceu o STF sua competência para julgar as medidas tomadas em tal circunstância excepcional, no sentido de averiguar a existência ou não de excessos e decidir pela responsabilidade civil do Estado. Cabe ainda lembrar que o "número de habeas-corpus fôra aumentando muito com o decorrer dos anos e era, em 1930, a espécie judicial mais numerosa, atingindo a casa de quase 24.000 processos originários ou em grau recursal" (RODRIGUES, 1991:245).

Outro exemplo de reforma em nossa história jurídico-política que traz consigo a pretensão de conter as transformações que estavam germinando em nossa sociedade é o "Pacote de Abril" editado pelo Presidente Geisel em 1977. Em síntese, podemos dizer que as emendas 7 e 8 desse ano representam tentativas de controlar o processo de distensão do regime imposto em 1964, processo esse iniciado pelo próprio governo, mas que não pode ser visto como uma atitude benevolente dos então detentores do poder, pois os mesmos foram, de certa forma, pressionados a assim agir em virtude dos vários movimentos reivindicatórios que eclodiram naquele período, contestando o fato da ditadura se auto-intitular como uma democracia. Como movimentos que criticaram o regime em questão podemos citar as várias greves desencadeadas no período, como a dos operários do ABC paulista, da construção civil em Belo Horizonte, de funcionários públicos, médicos, etc; além das demandas formuladas pelos movimentos feministas e manifestações de insatisfação dos favelados diante de serviços públicos inadequados.

Nessa linha de argumentação, conseguimos perceber, aos trabalharmos fragmentos de nosso passado, que os ecos do mesmo estão sempre ressoando no presente, apresentando-se constante em nossa história constitucional a crença nos textos legais, o que se traduz na convicção de que através da aprovação de emendas ao documento constitucional escrito seria possível tanto realizar transformações profundas da sociedade quanto impedi-las, estando subjacente a ambas as pretensões o desconhecimento com relação à força dos contextos, ao poder das tradições que carregamos conosco por sermos seres hermenêuticos, por nos constituírmos em sociedade e não estarmos imunes com relação às experiências vividas, com relação aos encontros e desenganos que nos ensinam a todo tempo, mesmo que não o notemos.

A questão central aqui é que a alteração formal do documento constitucional, em grande parte da nossa história, foi usada para abafar o processo de permanente busca por direitos em curso na sociedade, seja aprovando-se emendas em sentido contrário ao dos movimentos reivindicatórios, seja institucionalizando suas demandas com a conseqüente difusão da convicção de que o objetivo a ser alcançado já teria sido conseguido, não se atentando para o fato de que não é o texto que nos constitui, pois o direito é vida concreta, não se resumindo a uma formalização em um documento escrito. Resta dizer, com Oliveira Vianna, mesmo assumindo uma perspectiva radicalmente contrária no que diz respeito às conseqüências que tal autor atribui a tal constatação, que "o problema da nossa organisação(sic) politica(sic) é muito mais complexo do que parece áquelles(sic) que pensam poder resolve-lo(sic) com simples reformas constitucionaes(sic)" (VIANNA, 1939:111).


V - Considerações Finais

Uma reconstrução histórica, como a que acabamos de realizar, revela-se importante porque nos permite visualizar como o direito surge no dia a dia, não sendo somente uma abstração criada pela mente humana, mas sim se constitui de seleções contingenciais de expectativas que se tornam normativas se resistem aos fatos, isto é, se permanecem inalteradas apesar das frustrações. O fato de nunca conseguirmos nos livrar dessas prováveis desilusões explica porque nos angustia o risco das escolhas que realizamos.

Nessa linha, podemos afirmar que se o desrespeito à norma caracteriza uma situação de normalidade, a sua consideração como medida de aferição da crise constitucional leva-nos necessariamente a entender essa instabilidade como inafastável. Dessa forma, com Menelick de Carvalho Netto, acreditamos estar a sociedade moderna, uma sociedade complexa em virtude das múltiplas possibilidades de agir, em permanente crise. Por outro lado, a nossa história ainda nos revela que a crítica também nunca cessa, basta vermos os vários movimentos de contestação que existiram desde nossa independência política, constatação esta que desmascara o preconceito de que somos um povo pacífico e cordial.

Estamos assim inseridos em um árduo processo de aprendizagem, lutando sempre por liberdade e igualdade, o que implica aceitarmos que tradições podem ser revistas, que nosso passado não é magistra vitae, isto é, que não precisamos imitá-lo, pois "aprendemos de nuestras tradiciones, nos movemos durante toda la vida en diálogos con textos y con cabezas que a través de largas distancias históricas siguen siendo nuestros contemporáneos" (HABERMAS, 1998b:48). É importante assim reconstruírmos nosso passado, revelando novos fatos, colocando em evidência os até então considerados marginais, ou entendendo os relatados sob uma nova perspectiva, para que possamos compreender nosso presente, já que partimos do pressuposto de que apesar das rupturas, uma linha de continuidade sempre subsiste.

Sabedores então que fazemos parte de nossa história, de que não somos passivos diante da mesma na medida em que até uma ausência de reflexão sobre nossas tradições apresenta-se como uma tomada de posição, precisamos repensar uma de nossas heranças, qual seja, a crença nos textos legais, pois somente iluminando, tematizando e pretendendo negar esse preconceito, esse entendimento naturalizado sobre nosso papel no projeto constituinte, um papel que se revela marcado por uma suposta indiferença diante do fenômeno jurídico-constitucional, é que conseguiremos visualizar que respostas plausíveis para a crise constitucional, entendida aqui como ausência de efetividade, como anomia, passa necessariamente pela assunção da condição de cidadão, isto é, pelo não transferência de nossas responsabilidades no trato com a Constituição que é de todos, que é uma res publica.


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Notas

  1. Podemos citar como defensores da distinção entre normas material e formalmente constitucionais, Carl Schmitt (SCHMITT, 1927) e Otto Bachof (BACHOF, 1977), sendo que este parte desse pressuposto para afirmar a possibilidade de existência de normas constitucionais inconstitucionais, o que não é admitido em nosso ordenamento jurídico, tendo sobre o tema já se pronunciado o Egrégio Supremo Tribunal Federal na ADIn n.º 815-3-DF, Rel. Min. Moreira Alves, DJ de 10/05/1996. A mencionada distinção é também utilizada para fundamentar a Teoria da Desconstitucionalização das Leis, que surgiu na França, havendo hoje amplo consenso entre doutrinadores brasileiros pela sua não aplicação no sistema constitucional brasileiro. Sobre o tema, ver: (ROMEIRO, 1976), (MORAES, 2004:1101). Cabe ainda lembrar que a separação entre matéria e forma constitucional realizada por Schmitt foi, em certa medida, providencial para justificar a violação dos direitos individuais previstos na Constituição de Weimar de 1919 no período nazista, ou seja, para apoiar a desconsideração da Constituição formal burguesa, entendida como ideal, em favor da Constituição real, a material, caracterizada pelas decisões políticas fundamentais do povo alemão. Sobre o tema, ver: (CALDWELL, 1997:96-107).
  2. "Il paradiso era un luogo per effetuare proprio un esperimento di questo tipo, e il mondo deve al coraggio di una donna le conseguenze della violazione della norma: capacità di operare distinzioni e libertà. La conoscenza del divieto è stata sufficiente"(LUHMANN, 1998:105).
  3. O teólogo e pensador Henrique Cláudio de Lima Vaz, ao realizar uma análise do humanismo moderno coloca a questão de que o "imenso projeto cultural e pedagógico da Ilustração", que se caracterizou pela "crítica imanentista da idéia de Deus", exaltando a autonomia absoluta da razão para criar um progresso permanente, "erigido em demiurgo criador de uma história em contínuo avançar para um futuro melhor", configurando "a mais audaz e radical promoção ontológica da existência humana", acabou gerando "novos deuses", os quais "fizeram sua aparição no horizonte da imanência", sendo o primeiro deles o próprio "progresso". Dessa instigante análise, ainda que exposta de modo extremamente rápido, realizada por Padre Vaz, é que podemos aferir que a busca por uma verdade última e inquestionável na esfera das realizações humanas é contraproducente e inútil, haja vista que toda barbárie stalinista e nazista ocorrida no século XX dissolve qualquer esperança em uma evolução "linear e sem obstáculos". Em outros termos, a dimensão do absoluto, do inquestionável, só pode ser encontrada no terreno da fé, não das obras do homem, pois estas serão sempre refutáveis e imperfeitas, reflexos da condição de seu "criador". Conferir: (VAZ, 2001).
  4. Cabe ressaltar que não estamos aqui negando a possibilidade de uma verdade científica ou identificando-a com aquilo que aceitamos como verdade em determinado contexto histórico, pois acreditamos que um lugar para o "incondicionado" ainda existe nas sociedades pós-convencionais, mesmo que esse aspecto "universal" seja encontrado na faticidade social, tal como bem coloca Habermas ao falar de uma transcendência intramundana.
  5. "The power to make a constitution is the power to create a political order ex nihilo. Of course, in reality there is no such thing as a nihil, therefore new constitutions are empirically instituted on the ruins of an order which has collapsed after a revolution, a lost war, or a similar catastrophic event." (PREUSS, 1994:143) (Grifos nossos). Na mesma linha, temos: ‘Uma das características da ação humana é a de sempre iniciar algo novo, o que não significa que possa sempre partir ab ovo, criar ex nihilo. Para dar lugar à ação, algo que já estava assentado deve ser removido ou destruído, e deste modo as coisas são mudadas" (ARENDT, 2004:15).
  6. É óbvio que nos Estados Unidos da América também existiram, como ainda existem, operadores do direito influenciados por essa crença exacerbada na racionalidade do legislador, trata-se dos denominados originalistas que, como os exegetas, não possuem consciência de nossa condição hermenêutica.
  7. Para exemplificar, cabe lembrar que a Constituição de 1791, em seu Título VII, determinava que as revisões deveriam ser aprovadas por três Assembléias Legislativas consecutivas, sendo que os membros da terceira não poderiam ser eleitos para a quarta, esta sim autorizada a realizar a alteração constitucional.
  8. Um outro exemplo de como texto algum é capaz de conter o contexto nos é dado pela infrutífera pretensão das Constituição do Peru de 1979 (art. 307) , do México de 1917 (art. 136) e da Venezuela de 1961 (art. 250) , as quais, apesar de expressamente proibirem a sua substituição, afirmando sua própria intangibilidade mesmo que houvesse interrupção de sua vigência por qualquer forma de imposição violenta, foram deturpadas, senão aniquiladas, seja através de golpes de Estado, como o ocorrido no Peru em 1992, seja por meio de um grande número de reformas do texto original, como no caso do México, tendo havido mais de 400 manifestações do poder constituinte derivado nesses mais de 90 anos de vigência de sua Constituição. Sobre o tema, conferir: (HORTA, 1995:107-108) e (LABORDE, 2002).
  9. "La situación del último cuarto del siglo XVIII podía representar-se así en los siguientes términos: por una parte, la tradición constitucionalista del poder limitado; por otra, la aspiración naciente de poner en discusión la forma política y la misma tradición por el mismo pueblo, que en el caso de Rousseau era sin medias tintas definido como soberano" (FIORAVANTI, 2001:102).
  10. Referimo-nos aqui à noção de Constituição como "aquisição evolutiva" tal como foi pensada por Niklas Luhmann, sendo um "acoplamento estrutural" entre direito e política que surgiu na modernidade como resposta à diferenciação funcional que a caracteriza. O conceito requer necessariamente a idéia de formalidade, rigidez e supremacia constitucional, configurando, respectivamente, a existência de um documento escrito e solene, que prevê os mecanismo através dos quais poderá ser alterado, e que opera uma distinção entre direito constitucional e os demais direitos, em outros termos, entre normas constitucionais e ordinárias. Sobre o tema, conferir (LUHMANN, 1996).
  11. Nesse sentido, ver: (ROSENFELD, 2003).
  12. Para exemplificar, cabe dizer que o Código Penal Brasileiro, tendo surgido como um Decreto-Lei em 1940, foi recepcionado pela nova ordem Constitucional instaurada após 1988, naquilo que não a contradiga, sob a roupagem de lei ordinária, já que não mais existe aquela espécie normativa em nosso ordenamento jurídico. Sobre o tema, ver: (CERQUEIRA, 1995).
  13. Não obstante a ilogicidade de uma Constituição que propusesse seu próprio fim, devemos nos lembrar que exemplos históricos, como o artigo 146 da Lei Fundamental Alemã de 1949, ou a EC n.º 26/85 no Brasil, cada qual com suas específicas peculiaridades, revelam a força de rupturas que podem extrapolar o mero observar de formas, transcendendo qualquer conceituação ou classificação que pretendam abarcar a totalidade do fenômeno constituinte. Conferir, nesta linha, o interessante artigo: (PREUSS, 1994: 155 – 160).
  14. O presente artigo tem como "pano de fundo" a virada lingüística, a qual parte de uma crítica à crença de que para se conhecer algo é necessário se recorrer unicamente à consciência. A filosofia da linguagem, inaugurando um novo paradigma filosófico, coloca ênfase na questão da intersubjetividade do conhecimento na medida em que este é sempre mediado pela linguagem. "Numa palavra, não existe mundo totalmente independente da linguagem, ou seja, não existe mundo que não seja exprimível na linguagem. A linguagem é o espaço de expressividade do mundo, a instância de articulação de sua inteligibilidade" (OLIVEIRA, 2001:13).
  15. A identificação pejorativa da Constituição com uma simples folha de papel, muito utilizada pelos constitucionalistas contemporâneos para se referir à ausência de efetividade das normas constitucionais, tem sua origem, conforme nos lembra Lassale, na seguinte frase de Frederico Guilherme IV, antigo rei prussiano (1840-1861): "Julgo-me obrigado a fazer agora, solenemente, a declaração de que nem no presente nem para o futuro permitirei que entre Deus do céu e o meu país se interponha uma folha de papel escrita como se fosse uma segunda Providência" (Grifos Nossos) (LASSALE, 1998:37).
  16. Esse papel secundário atribuído à linguagem, que pressupõe uma distinção entre pensamento e linguagem, possuindo esta uma função meramente designativa, isto é, de "designar com sons o imediatamente percebido sem ela" (OLIVEIRA, 2001:22) tem origem na divisão dos dois mundos realizada por Platão, passando por Aristóteles, chegando até mesmo aos pensadores modernos que integravam o paradigma da filosofia da consciência. "Na história do Ocidente, sempre se questionou um ou outro aspecto isolado desse processo, conservando-se, porém, intocada a concepção da linguagem como algo secundário no conhecimento da realidade. Tal concepção faz-se presente nos tempos modernos, quando, por exemplo, Descartes admite a possibilidade de uma reflexão radical independente da tradição e da linguagem. Para ele, a consciência pode atingir a certeza plena, o problema fundamental da teoria do conhecimento, sem a mediação lingüística, isto é, por pura auto-intuição, sem nenhuma referência a uma comunidade lingüística. De modo geral, pode-se dizer que só o segundo Wittgenstein questionou radicalmente os fundamentos dessa concepção" (OLIVEIRA, 2001:33-34).
  17. É interessante a metáfora utilizada por Loewenstein para caracterizar os diferentes tipos de Constituição. O autor afirma que uma Constituição normativa seria "un traje que se sienta bien y que lleva realmente" (LOEWENSTEIN, 1970:217), a Constituição nominal seria aquela na qual "el traje cuelga durante cierto tiempo en el armario y será puesto cuando el cuerpo nacional haya crecido" (LOEWENSTEIN, 1970:218) e na Constituição semântica "el traje no es en absoluto un traje, sino un disfraz" (LOEWENSTEIN, 1970:219). Somente a título de curiosidade, cabe lembrar que metáfora semelhante aparece na capa do livro de Caldwell (CALDWELL, 1997) sobre o constitucionalismo alemão, fazendo referência à Constituição de Weimar de 1919, como se essa fosse um "vestido" que não servisse por ter sido feito como uma "colcha de retalhos", cujos pedaços foram reunidos a partir de outras tradições que não a alemã, utilizando-se, por exemplo, a noção do parlamentarismo inglês e a idéia de separação de poderes norte-americana, e que, por terem sido conceitos importados, não pertencentes à tradição constitucional de tal país, não se amoldaram ao mesmo. Em tal caricatura, que teria aparecido em jornal alemão no início da República, a Germânia diz a seguinte frase ao se ver no espelho: "Weel, the old dress made out of good German fabric suited me better!" (CALDWELL, 1997:IX).
  18. "Constitucionalismo que, em último termo, se traduz na permanente tentativa de se instaurar e de se efetivar concretamente a exigência idealizante que inaugura a modernidade no nível da organização de sua sociedade complexa a qual não mais pode lançar mão de fundamentos absolutos para legitimar o seu próprio sistema de direitos e a sua organização política: a crença de que constituímos uma comunidade de homens livres e iguais, co-autores das leis que regem o nosso viver em comum" (CARVALHO NETTO, 2001a:12).
  19. "A construção da cidadania, seja na França ou nos Estados Unidos, no Japão ou na Alemanha, foi, e continua sendo, um processo complexo, sofrido, ziguezagueante, que não pode ser reduzido à perspectiva estática e estilizada das últimas décadas do século XX. Isso, portanto, não autoriza uma simples contraposição entre uma relativa homogeneidade (vista da periferia) das instituições democráticas dos países centrais e as dificuldades vividas pelos países em desenvolvimento. (...) A conseqüência mais nociva da representação da cidadania dos países desenvolvidos como mundo ideal e desejável é sua contraposição a uma imagem de cidadania nos países latino-americanos como um mundo de carências e mistificações, o reino da desigualdade e do arbítrio" (SORJ, 2004:20). Há um esquecimento de todo um contexto, de um todo um processo de lutas ocorridas em tais países considerados "centrais", como o Movimento dos Direitos Civis nos EUA, capitaneado por Mather Luther King, que conduziram à auto-compreensão cidadã dos seus integrantes.
  20. É importante lembrar que "la incompreensión del presente nace fatalmente de la ignorancia del pasado. Pero no es, quizás, menos vano esforzarse por comprender el pasado si no se sabe nada del presente" (BLOCH, 1957:38).
  21. Identidade aqui não significa que aceitamos a existência de algum fator homogeneizador que defina a denominada brasilidade, como a cordialidade, ou o fato de acreditarmos ser um povo ordeiro, alegre, sensual, acolhedor, com contrates regionais ou sem preconceitos. Essa busca por características que nos "irmanem" foi predominante nos pensadores brasileiros do século XIX, como, por exemplo, Silvio Romero, Afonso Celso, Manoel Bonfim, Paulo Prado, Gilberto Freyre e Cassiano Ricardo, pois se tentava descobrir fatores de identificação que nos constituiriam como uma Nação independente, em virtude da garantia da unidade nacional ser preocupação central nesse período de nossa história. Nessa linha, Marilena Chauí ainda hoje nos alerta sobre o fato de que "cada um de nós experimenta no cotidiano a forte presença de uma representação homogênea que os brasileiros possuem do país e de si mesmos. Essa representação permite, em certos momentos, crer na unidade, na identidade e na indivisibilidade da nação e do povo brasileiro, e, em outros momentos, conceber a divisão social e a divisão política sob a forma dos amigos da nação e dos inimigos a combater, combate que engendrará ou conservará a unidade, a identidade e a indivisibilidade nacionais. Eis porque algumas pesquisas de opinião indicam que uma parte da população atribui os males do país à colonização portuguesa, à presença dos negros ou dos asiáticos e, evidentemente, aos maus governos, traidores do povo e da pátria" (CHAUI, 2000:7-8). Dessa forma, essa representação simplista oculta as tensões reais existentes na sociedade, gerando contradições nem sempre problematizadas, permitindo assim, nas palavras da citada filósofa, "que uma sociedade que tolera a existência de milhões de crianças sem infância e que, desde seu surgimento, pratica o apartheid social possa ter de si mesma a imagem positiva de sua unidade fraterna" (CHAUI, 2000:8). Sobre a construção da "Nação" brasileira, ver também (ODALIA, 1997). Cabe ressaltar que, em uma sociedade plural como a atual, só podemos pensar em uma igualdade na diferença, ou seja, só podemos falar em uma identidade brasileira se a entendemos como a pertinência ao mesmo projeto constituinte, o qual possibilita a existência de múltiplos modos de vida e a construção de biografias singulares. Nessa linha, até mesmo o conceito de Nação necessita de uma remodelação para incluir o outro, o diferente, tema este bem trabalhado por Habermas em "O Estado nacional europeu – sobre o passado e o futuro da soberania e da nacionalidade" (HABERMAS, 2002a).
  22. É interessante constatarmos a enorme produtividade e riqueza do fenômeno cultural desse período, basta lembrarmos, entre tantos outros, e ainda que de maneira extremamente rápida, de nomes como Caio Prado Júnior, Florestan Fernandes, Barbosa Lima Sobrinho, Oscar Niemayer, Chico Buarque de Holanda, Caetano Veloso, Edgar da Mata Machado, Henfil, Glauber Rocha, Martinez, Celso Furtado, Paulo Freire.
  23. Podemos lembrar a postura do Supremo Tribunal Federal diante das denominadas "questões políticas" como situações de auto-limitação, como se pode ver nas seguintes decisões referentes à negação da apreciação da inconstitucionalidade do processo legislativo sob a alegação de se tratar de matéria "interna corporis": STF - RE 57.684-SP, Rel. Ministro Hermes Lima, DJ de 24/06/66; STF - MS 20.471-DF, Rel. Ministro Francisco Rezek, DJ de 22/02/85; STF - MS 22.503-DF, Rel. Ministro Marco Aurélio, DJ de 06/06/97; STF - ADInMC 2.038-BA, Rel. Ministro Nelson Jobim, DJ de 25/02/00. Podemos citar, apenas a título ilustrativo, já que os exemplos são abundantes em nossa história, outro caso no qual o STF se absteve de reconhecer o direito por questões de ordem política, trata-se do indeferimento do STF - MS nº 896-DF, Rel. Ministro Macedo Ludolf, decisão datada de 26/05/49, impetrado por Luiz Carlos Prestes, que requereu seu direito líquido e certo de exercício do mandato de senador mesmo após o cancelamento do registro do Partido Comunista. Por outro lado, a criação da intitulada "doutrina brasileira do Habeas Corpus", ou a concessão de HC aos Drs. Armando de Salles Oliveira, Octávio Mangabeira e Paulo Nogueira Filho em virtude da nulidade de sua citação, pois se encontravam exilados no exterior (STF - HC nº 29.002-DF, Rel Ministro Aníbal Freire) ou a concessão de HC ao jornalista Hélio Fernandes, que publicou na imprensa, no dia 22 de julho de 1963, circulares reservadas do exército (STF - HC nº 40.047-DF, Rel. Ministro Ribeiro da Costa), podem ser apresentados, dentre outros, como momentos nos quais o citado Egrégio Tribunal "levou a sério" o direito. Sobre o tema, ver: (BOECHAT, 1991, 2002).
  24. Apenas a título ilustrativo, nada mais universal do que o local de Guimarães Rosa, de Machado de Assis ou de Shakespeare.
  25. "Estes os idealismos que chamaremos organicos, porque nascem da propria evolução organica da sociedade e não são outra cousa sinão visões antecipadas de uma evolução futura" (VIANNA, 1939:11).
  26. Nesse sentido, ver: (TEIXEIRA, 1997). Nesse mesmo texto encontra-se uma comparação entre a classificação ontológica de Karl Loewenstein e a de Oliveira Vianna, identificando-se o "idealismo utópico" com as Constituições nominais e o "idealismo orgânico" com as Constituições ditas semânticas. Tal como Loewenstein, poderíamos dizer que Oliveira Vianna peca por realizar a distinção entre real e ideal ao propor a opção unilateral por um tipo de idealismo, qual seja, o orgânico.
  27. Analisando o programa do Partido Progressista de 1862, Oliveira Vianna afirmava que eles resolviam "o problema da organisação da administração publica propugnando pela fiel execução do Acto Adicional. Para elles, o que fizera falhar a experiencia do Acto Adicional fôra a sua má execução e não a lei em si – no que se mostravam perfeitamente utópicos... (VIANNA, 1939:47) (Grifos nossos). Segundo o autor em questão, a concessão de uma maior autonomia local, por seguir o exemplo do federalismo norte-americano, e não a tradicional configuração política do Brasil, seria utópica e, conseqüentemente, ineficaz.
  28. Ao falar sobre o projeto de reforma constitucional proposto pelos liberais de 1831, Oliveira Vianna assim se pronuncia: "Os problemas relativos à administração publica elles os resolveram visivelmente inspirados no idealismo americano: "Federação já e já" – diziam. E pensaram organisar o machinismo administrativo do Paiz, propondo um regimen de larga descentralização: primeiro, com a monarchia federativa; depois, com a instituição das assembléas provinciaes, com duas Camaras. Tudo com o fim confessado de reforçar, more britanico, a garantia das liberdades locaes em face do Poder Central – velha preocupação infantil de nossos liberaes, que nunca quizeram converncer-se de que, entre nós, é o Poder Central que tem sido sempre o grande, e talvez o único, defensor das liberdades individuaes" (VIANNA, 1939:43-44) (Grifos nossos).
  29. "É claro que o Sete de Abril, a abdicação do monarca e a instalação da Regência modificariam sensivelmente esse panorama. O triunfo das idéias liberais, o fim do absolutismo voluntarioso de D. Pedro I e o recuo amedrontado de seus áulicos, fizeram surgir um nítido movimento de idéias em torno de reformas políticas e institucionais que se tornaram inevitáveis" (NOGUEIRA, 2001:66).
  30. Ainda que secundário, tendo em vista que foi o próprio abuso na utilização do Poder Moderador que abalou a autoridade de D. Pedro I, ocasionando sua abdicação, podemos citar o assassinato do jornalista Líbero Badaró, a mando de um juiz ligado ao Imperador, como um dos incidentes ocorrido no período, mais especificamente, em 20 de novembro de 1830, que influenciou na "queda" do monarca e no conseqüente "avanço" liberal que principia com a votação do Código de Processo Criminal em 1832 e culmina na aprovação do Ato Adicional em 1834. É importante lembrarmos que já em 1824, ano de outorga da Constituição do Império, tivemos um movimento liberal de contestação do Imperador, qual seja, a Confederação do Equador ocorrida em Pernambuco. Cabe ressaltarmos, porém, que apesar de podermos identificar propostas políticas diferentes para liberais e conservadores, como a defesa da República e da Federação pelos primeiros, não podemos esquecer que os políticos do Império eram uma minoria da sociedade, na verdade, uma pequena parcela da população a qual vulgarmente se denomina de "elite", ou seja, o poder se alternava entre uns poucos "privilegiados", os quais, em última instância, pretendiam permanecer no comando da Nação, evitando qualquer verdadeira reforma, por isso ficou famosa a seguinte declaração de Holanda Cavalcanti: "Não há nada mais parecido com um saquarema (conservador) do que um luzia (liberal) no poder" (CAVALCANTI apud RODRIGUES, 1982:12).
  31. Sobre o tema, assim se pronunciou o Marquês de São Vicente, comentando a interpretaçãao legislativa da Constituição de 1824 em seu famoso Direito Público Brasileiro e Análise da Constituição do Império: "Com efeito, a interpretação por via de autoridade, que tem força obrigatória, em que é distinta da lei? Em que difere da disposição que modifica ou reforma esta? Em nada certamente, porque interpretar por esse modo é legislar, é estabelecer a norma reguladora que deve ser obedecida" (PIMENTA BUENO, 2002:131).
  32. "No Império houve 558 disposições relacionadas ao trabalho escravo. Estavam representadas por decretos, leis, decisões governamentais" (AQUINO, 2002:44). Podemos citar uma dessas disposições normativas, a Lei n.º 581, de 4 de setembro de 1850, conhecida como "Lei Eusébio de Queirós", que proibia a importação de escravos e que foi considerada como uma lei "para inglês ver", em virtude de sua falta de efetividade, tendo sido editada em razão da pressão inglesa pela abolição da escravidão. Uma prova de que texto não é capaz de regular o contexto é que ainda hoje estamos tentando acabar com a escravidão e racismo, basta lembrarmos que temos uma lei que considera como crime o preconceito contra afro-brasileiros, Lei n.º 7.716/89 com alterações dadas pela Lei n.º 9.459/97, e um projeto de Emenda Constitucional em tramitação no Congresso que pune a exploração do trabalho escravo, trata-se da PEC nº 438, de 2001.
  33. Decreto s/n de 14 de dezembro de 1890, que "manda queimar todos os papéis, livros de matrícula e documentos relativos à escravidão, existentes nas repartições do Ministério da Fazenda".
  34. Reforma, em sua origem, tinha o sentido de restauração, referindo-se também, em uma perspectiva figurada, à uma melhoria, à correção de algo já existente. Reforma é, assim, um substantivo derivado regressivo de reformar. "Reformar – v. Do Lat. Reformãre, "dar a forma primitiva; refazer; restabelecer, restaurar; Fig. melhorar, corrigir" (MACHADO, 1987:61). Esse significante também nos remete a outro, revolução, que também originariamente se referia a uma recorrência, a um retorno a uma ordem já determinada, um movimento cíclico, tal como o das estrelas, já que surgiu inicialmente na esfera da astronomia, passando a significar uma ruptura, uma inovação, somente a partir das experiências revolucionárias americana e francesa. "Nada poderia estar mais distanciado do significado original da palavra revolução do que a idéia que se apoderou obsessivamente de todos os revolucionários, isto é, que eles são agentes num processo que resulta no fim definitivo de uma velha ordem, e provoca o nascimento de um novo mundo" (ARENDT, 1988: 34).
  35. "Na verdade, a grande legitimidade que caracteriza a Constituição de 1988 decorreu de uma via inesperada e, até o momento da eleição da Assembléia Constituinte, bastante implausível. Com a morte do Presidente eleito, Tancredo Neves, e a posse como Presidente do Vice-Presidente eleito, José Sarney, as forças populares mobilizadas pela campanha das "diretas-já", voltaram a sua atenção e interesse de maneira decisiva para os trabalhos constituintes, então em fase inicial, pois a de organização ou de definição do processo havia acabado de encerrar. Como resultado dessa renovada atenção, o tradicional processo constituinte pré-ordenado, contra todas as previsões, subitamente não mais pôde ser realizado em razão da enorme mobilização e pressão popular que se seguiram, determinando a queda da denominada comissão de notáveis – a comissão encarregada da elaboração do anteprojeto inicial – e a adoção de uma participativa metodologia de montagem do anteprojeto a partir da coleta de sugestões populares" (CARVALHO NETTO, 2002:44). Cabe ressaltar que as sugestões apresentadas pela população à Constituinte podem ser encontradas no site do Senado Federal: www.senado.gov.br/sf/legislacao/basesHist/, consultado em 19/02/2005. É interessante lembrar, ainda, que grande polêmica gravita em torno do fato da Assembléia Constituinte de 1988 ter sido convocada por meio de uma emenda à Constituição anterior, no caso a EC nº 26, de 27 de novembro de 1985, existindo autores, como Manoel Gonçalves Ferreira Filho, que chegam a até mesmo dizer não ter havido qualquer ruptura, afirmando ser "indiscutível que a Constituição que está em vigor é a de 1969" (FERREIRA FILHO apud SLAIBI FILHO, 2004:40), ou seja, tal jurista entende que houve em 1988 uma Constituinte com poderes derivados, não tendo havido, assim, a manifestação de um poder constituinte originário. Nesse sentido, ver também: (FERREIRA FILHO, 1985). No caso em questão, concordamos com José Adércio Leite Sampaio quando o mesmo afirma que se a Constituinte de 1988 fosse tida como um poder constituinte derivado então a emenda por ele realizada teria que ser considerada inconstitucional, pois foram seguidos ritos diferentes dos exigidos para a aprovação de uma emenda, como o quórum de votação, além do fato de que a Assembléia Constituinte ter se intitulado "soberana e livre", ou seja, ter-se considerado não submetida a qualquer limite. Sobre o tema, ver: (SAMPAIO, 2004:21).
  36. Sobre o tema, ver: (HAMBLOCH, 1981:88-89).
  37. "Permitiu-se o veto parcial, porque, como nos EUA, o veto de 1891 só poderia ser oposto ao inteiro teor dos projetos aprovados pelo Congresso. Agora, seria possível vetar um artigo ou parágrafo. O abuso, depois, chegou ao ponto de vetar-se uma palavra "não", permitindo-se o que se proibira" (BALEEIRO, 2001:63).
  38. Nessa linha, mesmo após a emenda de 1926, encontramos decisões, lembradas aqui apenas a título ilustrativo, que concederam HC a estrangeiros expulsos pelo Executivo do país, em casos de naturalização ou outro entendimento do Egrégio Tribunal sobre a circunstância do estrangeiro ser perigoso à ordem pública ou nocivo aos interesses do Estado" (RODRIGUES, 1991:244), ou HC que garantiu o direito de reunião sem armas (RODRIGUES, 1991:253).
  39. "Mesmo para as medidas de exceção, dentro do estado de sítio, há necessariamente um limite, desde que o estado de sítio é uma providência constitucional; tudo quanto exceder tal limite representará violência; e o corretivo ao abuso de poder não é outro senão o habeas-corpus" (RODRIGUES, 1991:279). Na mesma linha, encontramos o voto do Ministro do Supremo Tribunal Federal, Hermenegildo de Barros, ao discutir, em 1926, no HC nº 18.178, a validade da Reforma do mesmo ano, tendo assumido expressamente que: "mesmo em estado de sítio, o governo não tinha poder absuluto(sic), não podia prender indivíduos innocentes(sic) e conservá-los em prisão pelo tempo que lhe aprouvesse".
  40. O que é importante lembrarmos aqui é que as ECs 7 e 8 foram elaboradas pelo Poder Executivo e não pelo Legislativo, pois foi decretado, em 1.º de abril de 1977, através do Ato Complementar n.º 102, o recesso do Congresso Nacional. Dessa forma, através das emendas em questão o governo realizou todas as reformas que entendeu necessárias, já que o Ato Institucional nº 5, de 13 de dezembro de 1968, autorizava-lhe legislar em caso de recesso parlamentar. Como medidas mais importantes dessas emendas cabe citar a criação do "senador biônico", o mandato presidencial de 6 anos, o limite máximo de 420 representantes para a Câmara Federal, a eleição indireta para governador dos Estados, a reforma do judiciário, a possibilidade de criar ou aumentar impostos a seu "bel-prazer", dentre outras disposições. Saliente-se também que tais reformas, em grande medida, foram conseqüência da vitória nas urnas do então partido de oposição, MDB.
  41. "Naquele momento ficava evidenciado que o regime estava disposto a recuar na sua proposta de distensão caso houvesse tentativas de se avançar para além dos limites que ele vinha delineando há alguns anos. As medidas tomadas por este pacote eram uma espécie de alerta de que os métodos altamente ditatoriais de solução dos problemas na esfera política estavam mais vivos do que alguns setores imaginavam" (REZENDE, 2001:221).
  42. O poder da forma é tão forte em nossa tradição jurídico-constitucional que uma ADIn, a de nº 2076-5, foi impetrada perante o Supremo Tribunal Federal para se questionar a constitucionalidade do preâmbulo da Constituição do Acre, pois o mesmo não fazia remissão a Deus, o que se entendia ser um fator impossibilitador de qualquer proteção divina àquele ente de nossa federação.
  43. "Contra aqueles que caracterizam a nossa época como um tempo de crise, acredito perfeitamente cabível pedir-lhes que se indaguem se são capazes de se recordar de qualquer período de suas vidas que não fosse marcado pelo reconhecimento de crises em curso?" (CARVALHO NETTO, 2004:281).
  44. Foi através da análise realizada por Reinhart Koselleck sobre a derrocada do Absolutismo desencadeada pela crítica burguesa que pudemos perceber que a toda crise associa-se uma crítica. Sobre o tema, ver: (KOSELLECK, 1999).
  45. Apenas a título ilustrativo, podemos citar, dentre outros, os seguintes movimentos e revoltas de nossa história, ressalvando a diversidade de propósitos dos mesmos: Confederação do Equador (1824); Motim dos Mercenários (1828); Setembrada (1831); Abrilada (1832); Guerra dos Cabanos (1832-1835); Revolta de Ouro Preto (1833); Guerra dos Farrapos (1835-1845); Sabinada (1837-1838); Revolta Praieira (1848-1850); Insurreição de Queimados (1849); Revolta do Ronco da Abelha (1851-1852); Conflito do Pano de Teatro São João (1854); Motim da Carne sem Osso, da Farinha sem Caroço e do Toucinho Grosso (1858); Revolta do Quebra-Quilos (1874-1875); Guerra das Mulheres/Motim das Mulheres (1875-1876); Revolta dos Mucker (1872-1898); Revolta Baiana (1878); Levante do Vintém (1879-1880); Revolta do Sargento Silvino (1892); Revolta Federalista do Rio Grande do Sul (1891-1892); Revolta da Armada (1893-1894); Revolta da Chibata (1910); Guerra do Contestado (1912-1916); Canudos (1896-1897); Revolta da Vacina (1904); Revolta do Forte de Copacabana (1922); Coluna Prestes (1924-1927); MST - Movimento dos Sem Terra (a partir de 1984, data de seu primeiro encontro em Cascavel/Paraná).
  46. "No processo histórico brasileiro houve crueza e incrueza, cordialidade e hostilidade, numa ambivalência comparável aos períodos libertários e liberticidas que enchem a história de São Pedro do Rio Grande do Sul com tanta repercussão no Brasil Republicano. O que pretendi refutar foi a tese do processo incruento e da cordialidade como comportamentos históricos permanentes do povo brasileiro" (RODRIGUES, 1982:16).
  47. Com Menelick de Carvalho Netto ressaltamos a "natureza pública da Constituição; uma Constituição é do interesse de todos, ou ela pertence a todos nós ou não é de ninguém" (CARVALHO NETTO, 2003d:125-126).

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Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

TORRES, Ana Paula Repolês. Um pequeno ensaio sobre o sentido de Constituição. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 13, n. 2006, 28 dez. 2008. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/12137. Acesso em: 24 abr. 2024.