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Comissões de conciliação prévia

Comissões de conciliação prévia

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I - CONSIDERAÇÕES PRELIMINARES

A criação das normas jurídicas não é monopólio do Estado. As leis são produto estatal, considerada, em nosso sistema jurídico, a principal fonte de direito, de natureza heterônoma. Todavia, a sociedade admite outras fontes de direito, de natureza autônoma, tais como os costumes e, especialmente, no âmbito do direito do trabalho, as convenções coletivas, os acordos coletivos, o regulamento de empresa (na medida em que adere aos contratos individuais de trabalho) e o estatuto sindical, além da sentença normativa, esta uma fonte mista, autônomo-heterônoma, porque proposta pelos interessados e produzida pelo Judiciário Trabalhista.

A solução dos conflitos trabalhistas também não é monopólio estatal. Existem meios autônomos e heterônomos de resolver as pendências entre o capital e o trabalho.

A negociação é o instrumento autônomo por excelência para solucionar esses conflitos. Ela pode ocorrer na pendência de um processo judicial ou extrajudicialmente.

Se há conciliação durante o processo judicial, que depende de homologação do órgão jurisdicional, na verdade, o ato jurídico é complexo e resulta de consenso entre litigantes, o que pressupõe concessões recíprocas, mas se aperfeiçoa com a chancela do juiz, daí ser meio autônomo-heterônomo de solução do conflito.

Se a conciliação é extrajudicial, direta entre os interessados, e não se refere a nenhuma pendência em juízo, independe de homologação do Judiciário.

No direito do trabalho prevalece, entretanto, o princípio da proteção ao trabalhador, do qual decorrem vários outros princípios, tais como a indisponibilidade e a irrenunciabilidade de direitos fundamentais, dentre diversos outros.

Por isso, são nulos os atos praticados com o intuito de fraudar, desvirtuar ou impedir a aplicação das normas trabalhistas de ordem pública, à luz do art. 9º, da CLT.

Mesmo após o rompimento do contrato de trabalho, a lei procura resguardar os direitos trabalhistas, condicionando, por exemplo, a validade da quitação das chamadas verbas rescisórias à assistência do trabalhador por seu sindicato de classe, pelo Ministério do Trabalho, Ministério Público, Defensor Público ou Juiz de Paz, conforme estabelecem os parágrafos do art. 477, da CLT.

Outros meios de solução dos conflitos, em geral, são a mediação e a arbitragem, não raro utilizados nos conflitos coletivos de trabalho. A mediação, aliás, é praticada, usualmente, pelo Ministério do Trabalho e, a rigor, a Justiça do Trabalho funciona como uma espécie de árbitro, nos dissídios coletivos. Na verdade, a mediação é mecanismo de auxílio à conciliação, pois o acordo pode se realizar com ou sem a participação do mediador.

O mediador apenas aconselha as partes a negociarem, mediante recursos persuasivos.

O árbitro profere uma decisão para resolver o conflito.

Assim, enquanto a mediação é um instrumento auxiliar da negociação, a arbitragem, frustrada a negociação, é o meio, escolhido pelas partes, para a solução do conflito, imposta pelo árbitro.

Na arbitragem, então, o árbitro exerce um ato de jurisdição, latu sensu.

A jurisdição estatal é desempenhada pelo Poder Judiciário, enquanto que a jurisdição não estatal é exercida pelo árbitro. Ambos "dizem o direito", atribuição específica de quem é investido do poder-dever de jurisdição, palavra que vem da expressão latina "jurisdictio".

Nem sempre, porém, a jurisdição "diz melhor" o direito ou resolve melhor o conflito. Às vezes, a jurisdição estatal não diz nem o melhor, nem o pior direito. Simplesmente, não diz. Ou melhor: quando diz, já é tarde. Ou, ainda, diz o direito, pela prolação de uma sentença condenatória, mas a efetiva e real entrega da prestação jurisdicional, com a execução do julgado, é demorada. E justiça tardia - já dizia o grande Rui - é injustiça.

Desse mal sofre também a Justiça do Trabalho, examinada no aspecto bem amplo, sob o aspecto nacional, notadamente nos grandes centros, como São Paulo, Rio de Janeiro, Minas Gerais e Rio Grande do Sul, onde, em regra geral, é bastante comprometido o ideal de um processo trabalhista célere, informal e gratuito, sobretudo em razão do volume de demandas, mas também em virtude do método de serviço e o resíduo de pendências. E, ainda, por força do reduzido número de juízes e falta de meios processuais adequados que levam ao retardamento das lides trabalhistas, provocado basicamente pelo estrangulamento verificado na tramitação dos processos nesta Justiça Especializada, em especial nas fases de liquidação, de recursos e de execução.

A grosso modo, as petições iniciais e as decisões deveriam ser líquidas; o sistema recursal deveria ser drasticamente enxugado; e o processo executório deveria ser radicalmente modernizado (neste sentido, tenho proposto, há cerca de 20 anos, a criação de um Fundo de Garantia das Execuções Trabalhistas, finalmente aproveitado nas últimas propostas de Reforma do Poder Judiciário, que tramita no Congresso Nacional).

A solução extrajudicial dos conflitos individuais trabalhistas, por intermédio de comissões de conciliação prévia, portanto, é, em tese, uma alternativa válida para pacificar as questões entre empregados e empregadores, não só após a extinção da relação de emprego, mas também durante o vínculo empregatício.

Creio, contudo, que não basta a simples previsão legal para instituição de meios extrajudiciais de solução dos conflitos entre empregados e empregadores. Faz-se necessário o desenvolvimento de uma cultura motivada para conduzir as partes aos mecanismos alternativos de pacificação das questões entre o trabalho e o capital, o que não se consegue sem que os interessados, sobretudo os trabalhadores, tenham a necessária confiança na atuação desses órgãos, tal como hoje confiam na Justiça do Trabalho, especialmente nesta 8ª Região.

Por isso, a primeira condição, para que a idéia possa ser implementada, é dotar esses instrumentos alternativos de pessoas competentes e lhes proporcionar as estruturas adequadas para exercerem o seu papel de modo equilibrado, com experiência na composição dos conflitos trabalhistas e conhecimento técnico da matéria, além de imparcialidade, independência, diligência, discrição, eficiência, lisura, informalidade, transparência, segurança e, sobretudo, celeridade.

Ora, o sistema de recrutamento, a formação e o aperfeiçoamento dos juízes do trabalho, bem como dos servidores da Justiça do Trabalho, todos especializados na solução dos conflitos trabalhistas, requer um nível de qualidade que poucas organizações, públicas ou privadas, conseguem igualar.


II - O DIREITO COMPARADO

A Organização Internacional do Trabalho (OIT), na Recomendação nº 94, de 1952, já propunha a criação de organismos de consulta e colaboração entre empregadores e trabalhadores, no âmbito da empresa, para prevenir ou conciliar as respectivas controvérsias, excluindo de suas atribuições apenas as questões compreendidas no campo da negociação coletiva (Reserva Sindical), conforme lembra o Ministro João Oreste Dalazen, em trabalho publicado na home page do E. TRT da 9ª Região, acessível pela Internet, sob o título "Dissídio individual e conciliação extrajudicial".

Peço vênia para transcrever trechos do citado artigo, onde o ilustre Ministro do C. TST discorre sobre a experiência do direito comparado no trato da matéria:

"Presentemente, numerosos países adotam a tentativa de conciliação extrajudicial do conflito individual trabalhista, ou de forma obrigatória, ou de forma facultativa.

Na Argentina (Lei nº 25.573, de 1995, art. 1º: "Institui-se em caráter obrigatório a mediação prévia a todos os juízos, mediação esta que será regida pelas disposições da presente lei. Este procedimento promoverá a comunicação direta entre as partes para a solução extrajudicial da controvérsia. As partes ficarão isentas do cumprimento deste trâmite se provarem que, antes do início da causa, existiu mediação perante os mediadores registrados pelo Ministério da Justiça"), desde 1995, para combater a excessiva litigiosidade que também ali atulhou de causas os tribunais e dilatou prazos, houve uma preocupação, segundo GOLDIN, de promover uma "desjudicialização" do conflito individual trabalhista, na "linha de evolução também generalizada nos sistemas europeus de solução dos conflitos" (...), o que determinou "a sanção de um regime de conciliação obrigatória nos conflitos individuais de trabalho, que deve necessariamente transitar como condição para aceitar a jurisdição". As atribuições de conciliador foram confiadas a advogados "que exercem livremente sua profissão e que desempenham essa função conciliatória em seus próprios escritórios". Alcançada a conciliação, deve ser submetida à Justiça ou à Administração do Trabalho para homologação, o que dota o acordo dos efeitos da coisa julgada (GOLDIN, Adrián O. "Os conflitos trabalhistas e suas formas judiciais e extrajudiciais de solução - anotações e reflexões". In: "Anais do Seminário Internacional - Relações do Trabalho", Edição do Ministério do Trabalho, Brasília, 1998. p. 288 e segs.).

Na Espanha, igualmente, a "Lei de Procedimiento Laboral" de 1995 (art. 63 a 73), sob o sugestivo título "de la evitacion del proceso", considera obrigatório o intento de conciliação "perante o serviço administrativo correspondente", como requisito prévio para a tramitação do processo. Desenvolve tal função, criado em 1997, o "Instituto de Mediación, Arbitraje y Conciliación" (IMAC), órgão autônomo, de composição tripartite, que atua de forma complementar aos órgãos jurisdicionais trabalhistas. O acordado em conciliação tem força executiva entre as partes, sem necessidade de ratificação ante o Juiz ou Tribunal (art. 68).

Em realidade, nas economias capitalistas mais avançadas do mundo ocidental prevalecem os sistemas de conciliação, mediação e arbitragem, o que, inclusive, constitui política da OIT, como visto.

Entre os países nos quais os conflitos trabalhistas, em grande proporção, são dirimidos através de procedimentos acordados pelas partes figuram a Alemanha, Bélgica, Canadá, Dinamarca, Grã-Bretanha, Suíça, Suécia e Estados Unidos da América do Norte (onde viceja um vasto sistema de arbitragem trabalhista voluntária privada, destinado, sobretudo, a resolver conflitos jurídicos individuais).

A respeito especificamente da relevância da conciliação no Direito Comparado, discorrem CAPPELLETTI e GARTH:

"O sistema jurídico japonês oferece exemplo do uso largamente difundido da conciliação (169). Cortes de conciliação, compostas por dois membros leigos e (ao menos formalmente) por um juiz, existe há muito tempo em todo o Japão, para ouvir as partes informalmente e recomendar uma solução justa. A conciliação pode ser requerida por uma das partes, ou um juiz pode remeter um caso judicial à conciliação. Esse processo de conciliação, apesar de relativo declínio em seu uso e eficácia, ainda é muito importante no Japão (170). Sem deixar de considerar as condições favoráveis quase exclusivas ao Japão, a observação dos professores Kojima e Taniguchi não pode ser ignorada: "O fato de que a instituição nasceu e foi desenvolvida numa sociedade muito diferente da ocidental e de outras que não correspondem ao extremo oriente, não deve esconder sua validade como um meio adequado de solução de litígios (171).

Muitos países ocidentais, em particular a França e os Estados Unidos, estão comprovando a veracidade da instituição dos relatores japoneses. A experiência dos Estados Unidos, em 1978, com os "centros de justiça de vizinhança", que será discutida a seguir, em conexão com os "tribunais populares" (172) constitui um exemplo importante da renovada atenção dada à conciliação, e a nova instituição francesa do conciliador local já passou do nível experimental. A experiência começou em fevereiro de 1977, em quatro departamentos franceses e, em fins de março de 1978, foi estendida a todos os 95 departamentos franceses (172a). Os conciliadores são membros respeitados da comunidade local que têm seu escritório geralmente nas prefeituras e detêm um mandato amplo para tentar reconciliar os litigantes com vistas à aceitação de uma solução mutuamente satisfatória. Os conciliadores, indicados pelo Primeiro Presidente da Corte de Apelação com jurisdição sobre a localidade, também são chamados a dar conselhos e informações. Evidentemente, existe uma grande demanda na França pelos serviços oferecidos pelos conciliadores locais" (CAPPELLETTI, Mauro e GARTH, Bryant. Acesso à Justiça. Fabris Editor, 1988. p. 84-85).

A bem de ver, o que se constata no Direito Comparado é uma exuberante diversidade de sistemas de solução do conflito individual trabalhista, mas em que assume papel destacado a conciliação, encetada sob forma organizativa que, pela variedade, constitui um verdadeiro mosaico. Há basicamente dois sistemas: a) privados, compreendendo métodos de solução do conflito criados pelas próprias partes; b) sistemas oficiais, de cuja manutenção e funcionamento encarrega-se o respectivo governo (Cfr. Conciliación y Arbitraje en los Conflictos de Trabajo. Estudio comparativo. Organização Internacional do Trabalho. 2ª ed., 1987, p.97).

Em sistemas governamentais de conciliação, esta se comete ou a um conciliador individual, ou a um órgão colegiado, que pode chamar-se junta, conselho ou comissão. A desvantagem que o primeiro sistema oferece reside em que sua eficácia depende da competência do conciliador individual e, além disso, leva tempo para se formar um corpo de conciliadores capazes, o que decerto demanda investimento estatal. A principal vantagem do sistema governamental colegiado está em que enseja a participação de representantes dos empregados e dos empregadores, o que inspira às partes maior confiança. De todo modo, os países ora conferem à conciliação um caráter voluntário, ora um caráter obrigatório (Cfr. op. cit. em nota anterior, p. 97 e 98).

É comum a conciliação adquirir, em princípio, caráter obrigatório, em virtude de disposição legal que exija prévia submissão e participação das partes a uma sessão de conciliação para resolver o conflito mediante acordo. Em caso de descumprimento de tal exigência, costuma-se castigar a parte com uma sanção administrativa ou penal (Cfr. op. cit. em nota anterior, p. 99 e 100).

Contudo, um sistema privado de conciliação que vem granjeando adesão em diversos países europeus, notadamente na Alemanha, é o que se opera, como assinala SUSSEKIND, através de "organismos intra-empresariais, com representação de administração da empresa e dos seus empregados" (SUSSEKIND, Arnaldo. Comissões de Conciliação Prévia. Rev. LTr. 56-02/166, fevereiro de 1992, p. 166).


III - A REALIDADE AMAZÔNICA

Na Amazônia, em especial, o nível cultural da população ainda não está preparado para instituir órgãos de conciliação, capazes de suprir o importante papel social desempenhado pela Justiça do Trabalho, que tem atuação nos mais longínquos municípios do norte brasileiro. Aqui, a economia, não raro, é rudimentar e as dificuldades de transporte, educação e comunicação, pela imensidão territorial, as peculiaridades regionais e a realidade sócio-político-econômica, fazem do juiz do trabalho, nestas plagas amazônicas, a única esperança para aplacar a sede de justiça de trabalhadores, às vezes, escravizados pela ambição do capital selvagem ou por seus intermediários inidôneos.

Como magistrado trabalhista de carreira, há quase 27 anos, por duas décadas juiz de primeiro grau, em diversas localidades da Amazônia, desde Roraima, Amazonas, Amapá e Pará, e, depois, como Corregedor Regional, hoje Presidente do Tribunal Regional do Trabalho da 8ª Região, não estou convencido de que em nossa Região possa ter sucesso - pelo menos a médio prazo - a idéia de Comissões de Conciliação Prévia para solução dos dissídios individuais trabalhistas, em face da realidade local.

Por inúmeras vezes, o Tribunal Regional do Trabalho da 8ª Região aprovou, em sentenças normativas, a instituição de Comissões Bilaterais, para a solução de conflitos entre as partes, pela via autônoma. Não tenho notícia de que tenha sido sequer instalada qualquer Comissão Bilateral ou que, muito menos, tenha funcionado a contento.


IV - A REALIDADE BRASILEIRA

A velha CLT, em seu art. 613, inciso V, estabelece que as convenções e os acordos coletivos deverão conter obrigatoriamente "normas para a conciliação das divergências surgidas entre os convenentes por motivos da aplicação de seus dispositivos".

Prevê, ainda, a CLT (art. 621) que "as convenções e os acordos poderão incluir, entre suas cláusulas, disposição sobre a constituição e funcionamento de comissões mistas de consulta e colaboração, no plano da empresa e sobre participação nos lucros. Estas disposições mencionarão a forma de constituição, o modo de funcionamento e as atribuições das comissões, assim como o plano de participação, quando for o caso".

Também não tenho conhecimento da constituição ou da atuação eficiente de comissões para conciliação de divergências sobre normas coletivas e nem tampouco de comissões mistas de consulta e colaboração, no plano da empresa e sobre participação nos lucros.

O que sabemos é que os trabalhadores continuam procurando a Justiça do Trabalho para solucionar os conflitos trabalhistas, cujo movimento é cada vez mais crescente.

Isso revela o descumprimento das normas de proteção ao trabalho; demonstra a necessidade de melhorar o serviço de fiscalização administrativa, a cargo do Ministério do Trabalho; mas também comprova que o alto índice de processos judiciais é o reflexo tanto da situação sócio-econômica do país como da confiança dos trabalhadores na Justiça do Trabalho.

É verdade que as normas trabalhistas devem ser atualizadas aos novos tempos; que à inspeção do trabalho devem ser conferidos os meios necessários para exercer de modo eficiente o seu importante papel preventivo; e, enfim, que somente com o crescimento econômico será possível melhorar a situação de dificuldades vividas pela classe trabalhadora.

O acúmulo de processos na Justiça do Trabalho não decorre apenas da chamada cultura do "demandismo", como se costuma dizer. Afinal de contas, o direito de ação é inerente ao exercício da cidadania, no Estado democrático de direito.

O excesso de ações trabalhistas resulta do panorama vivido pela sociedade brasileira, cujo "pano-de-fundo" não pode esconder a cena da política neo-liberal, principal responsável pela precarização da mão-de-obra nacional, desde o valor ridículo do salário mínimo (R$-136,00), a falta de garantia de emprego, a organização sindical enfraquecida e outros fatores que, na prática, negam os princípios e objetivos fundamentais da República Federativa do Brasil, escritos em nossa Carta Magna (arts. 1º e 3º): a dignidade da pessoa humana e os valores sociais do trabalho, sem os quais não será possível construir uma sociedade livre, justa e solidária; garantir o desenvolvimento nacional; erradicar a pobreza e a marginalização e reduzir as desigualdades sociais e regionais; e promover o bem de todos, sem preconceitos de origem, raça, sexo, cor, idade e quaisquer outras formas de discriminação.

Como se vê, não basta legislar, ainda que seja válido o propósito do legislador. Mais importante do que a lei são as condições imprescindíveis para torná-la realmente eficaz.

De qualquer modo, não custa educar empregados e empregadores no sentido de buscarem alternativas não só para a criação de normas trabalhistas autônomas (convenções e acordos coletivos), como também mecanismos extrajudiciais para a solução dos conflitos entre o capital e o trabalho, na trilha percorrida por outros povos, numa época de globalização da economia. Isso demanda tempo, educação e incentivo, ou estímulo econômico à conciliação. Mudanças culturais não se adquirem do dia para a noite.

Se for assim - e para que não se pense que somos pessimistas ou alheios ao que acontece ao redor do mundo -, talvez possamos alimentar, hoje ou amanhã, a expectativa de que, enfim, a pauta de processos na Justiça do Trabalho tenderá a ser desafogada.

Caso isso ocorra, a Justiça do Trabalho, que atualmente vem recebendo para mais de 2.500.000 (dois milhões e quinhentos mil) novos processos por ano, somente deverá ser chamada a resolver os conflitos que os próprios interessados não conseguiram solucionar, agora com a intermediação de um órgão conciliador, o que importa em dizer que os julgamentos dos processos judiciais trabalhistas poderão ser mais qualificados e, portanto, mais justos.

Oxalá, os propósitos do legislador brasileiro estejam no caminho certo e não seja mais um motivo de frustração como tantos outros ensaios que foram experimentados, sem êxito, em nosso sofrido país.


V - A LEI Nº 9.958/2000

Em 13 de janeiro de 2000 foi publicada a Lei nº 9.958, de 12.01.2000, que alterou e acrescentou artigos à Consolidação das Leis do Trabalho (CLT), aprovada pelo Decreto-Lei nº 5.452, de 1º de maio de 1943, dispondo sobre as Comissões de Conciliação Prévia e, ainda, permitindo a execução de título executivo extrajudicial na Justiça do Trabalho. Com a citada lei, a CLT foi acrescida do Título VI-A. O art. 625 foi acrescido das letras A até H; o art. 876 teve nova redação; e ao art. 877 acrescentou-se uma letra A, adotando-se, assim, uma recente técnica legislativa que evita a renumeração dos dispositivos legais.


VI - COMENTÁRIOS SOBRE A NOVA LEGISLAÇÃO

Art. 625-A. As empresas e os sindicatos podem instituir Comissões de Conciliação Prévia, de composição paritária, com representantes dos empregados e dos empregadores, com a atribuição de tentar conciliar os conflitos individuais do trabalho.

Parágrafo único. As Comissões referidas no caput deste artigo poderão ser constituídas por grupos de empresas ou ter caráter intersindical.

Comentários:

Pela Lei nº 9.958/2000, não é obrigatória, mas facultativa, a instituição das Comissões de Conciliação Prévia (CCP).

Essas Comissões podem ser instituídas no âmbito das empresas ou dos sindicatos. De qualquer modo, sempre terão composição paritária, com representantes dos empregados e dos empregadores. Não pode haver Comissão de Conciliação Prévia integrada apenas de empregados ou somente de empregadores.

A atribuição dessas Comissões é tentar conciliar os conflitos individuais do trabalho.

Para os efeitos da nova legislação, as Comissões de Conciliação Prévia não podem conciliar dissídios coletivos de trabalho, mas tão-somente os individuais. A negociação dos conflitos coletivos continua sendo prerrogativa dos sindicatos.

A teor da nova legislação, pode transparecer que somente serão levadas, às CCP, questões de interesses de empregados e empregadores, e não de qualquer outra espécie de trabalhador, como o eventual, o avulso ou o autônomo, por exemplo. Penso que, por analogia às normas de competência da Justiça do Trabalho, podem socorrer-se também das CCP os trabalhadores avulsos (art. 643, da CLT) e os pequenos empreiteiros (art. 652, "a", III, da CLT).

A constituição das Comissões de Conciliação Prévia pode ocorrer, em regra, de quatro (4) modos: no âmbito de uma só empresa (empresarial); no âmbito de mais de uma empresa (interempresarial); no âmbito de um só sindicato (sindical); e no âmbito de mais de um sindicato (intersindical). Os "Núcleos Intersindicais" (art. 625-H) são espécies deste último tipo de Comissão. Em todos os casos, as Comissões deverão ter composição paritária, com representantes dos empregados e dos empregadores, com a atribuição de tentar conciliar os conflitos individuais do trabalho.

Para submeter-se às Comissões de Conciliação Prévia (CCP), de qualquer espécie, empregados ou empregadores não necessitam ser sindicalizados, porque a Constituição assegura o direito à livre sindicalização (art. 8º, V).

Embora a lei assegure a estabilidade no emprego aos representantes dos empregados na CCP empresarial, titulares e suplentes, conforme veremos adiante, creio que poderá ser mais eficiente a Comissão do tipo sindical ou intersindical, onde os empregados terão mais liberdade de negociar, ao largo do poder patronal.

A administração pública direta, autárquica e fundacional, pode submeter-se à Comissão de Conciliação Prévia instituída no âmbito da própria entidade, se assumir a condição de empregador. Em que pese a Lei nº 9.958/2000 se referir à Comissão de "empresa", cumpre esclarecer que, na acepção da legislação trabalhista, considera-se empregador justamente a empresa (art. 2º, da CLT).

Por outro lado, embora seja garantido ao servidor público civil o direito à livre associação sindical (art. 37, VI, da CF/88), o texto constitucional não admite o reconhecimento das convenções coletivas e acordos coletivos de trabalho em favor dos servidores do Estado, ainda que submetidos ao regime contratual (art. 39, § 3º, da CF/88). E como a Comissão sindical ou intersindical depende de norma coletiva (art. 625-C, da CLT), segue-se que esse tipo de CCP não é compatível com a administração pública direta, autárquica e fundacional.

As sociedades de economia mista e as empresas públicas submetem-se a qualquer tipo de Comissão, empresarial ou sindical, porque estão sujeitas ao regime jurídico próprio das empresas privadas, inclusive quanto aos direitos e obrigações trabalhistas (art. 173, § 1º, II, da CF/88).

Art. 625-B. A Comissão instituída no âmbito da empresa será composta de, no mínimo, dois e, no máximo, dez membros, e observará as seguintes normas:

I - a metade de seus membros será indicada pelo empregador e a outra metade eleita pelos empregados, em escrutínio secreto, fiscalizado pelo sindicato da categoria profissional;

II - haverá na Comissão tantos suplentes quantos forem os representantes titulares;

III - o mandato dos seus membros, titulares e suplentes, é de um ano, permitida uma recondução.

§ 1º. É vedada a dispensa dos representantes dos empregados membros da Comissão de Conciliação Prévia, titulares e suplentes, até um ano após o final do mandato, salvo se cometerem falta grave, nos termos da lei.

§ 2º. O representante dos empregados desenvolverá seu trabalho normal na empresa, afastando-se de suas atividades apenas quando convocado para atuar como conciliador, sendo computado como tempo de trabalho efetivo o despendido nessa atividade.

Comentários:

A composição mínima de uma CCP empresarial é de dois (2) membros, um representante dos empregados e outro representante do empregador. E a composição máxima da CCP empresarial é de dez (10) membros, cinco representantes dos empregados e cinco representantes dos empregadores.

Esse critério não se aplica, necessariamente, a CCP sindical.

A lei não exige que os representantes do empregador sejam seus empregados.

Quando necessário e desde que observado o princípio da paridade, considero possível o funcionamento de grupos ou turmas, na mesma CCP, como ocorre nos Tribunais, para melhor racionalizar e agilizar os serviços.

A escolha dos representantes dos empregados, na CCP empresarial, deve ocorrer mediante o sistema de eleição, pelos próprios trabalhadores, em escrutínio secreto, com a fiscalização do sindicato da categoria profissional. Havendo categorias profissionais diferenciadas, deve prevalecer a categoria profissional preponderante na empresa.

Entendo que podem votar e ser eleitos representantes dos empregados, titulares e suplentes, independentemente de filiação sindical, tal como estabelece o art. 164, § 2º, da CLT, que trata das CIPAs, porque o texto constitucional assegura a liberdade de associação sindical ou profissional (art. 8º, V , da CF/88).

Os representantes do empregador serão livremente indicados pela empresa, em número igual aos representantes obreiros.

Cada membro titular da CCP, seja representante dos operários ou do patrão, terá um suplente.

Titulares e suplentes exercerão mandato de um ano, sendo permitida apenas uma recondução por igual período.

Os representantes dos empregados, titulares e suplentes, na Comissão de Conciliação Prévia instalada no âmbito da empresa, gozam de estabilidade no emprego, até um ano após o final do mandato, salvo o cometimento de falta grave.

Assim como os juízes, que gozam de garantias constitucionais de vitaliciedade, inamovibilidade e irredutibilidade de vencimentos, a fim de que possam melhor exercer a função jurisdicional, a concessão de estabilidade no emprego, aos representantes dos trabalhadores na CCP empresarial, é fundamental para o exercício independente do cargo na CCP, sem o que ficariam sujeitos às influências patronais, em detrimento da autonomia do órgão conciliador e, por conseqüência, prejudicial aos interessados no bom desempenho das Comissões, sobretudo os trabalhadores.

A lei não diz quando começa a estabilidade dos representantes obreiros. Por analogia à estabilidade do dirigente sindical, porém, penso que os representantes dos empregados na CCP desfrutam de estabilidade desde o registro de sua candidatura ao cargo (art. 8º, VIII, da CF/88).

As faltas graves, em regra geral, são aquelas previstas na legislação trabalhista, como, por exemplo, as hipóteses capituladas no art. 482, da CLT.

Os representantes dos empregados não podem, no período mencionado, ser dispensados por motivo econômico, financeiro ou técnico, como ocorre no caso dos representantes nas Comissões Internas de Prevenção de Acidentes (art. 165, da CLT).

Por analogia à situação do dirigente sindical, faz-se necessária a propositura de inquérito judicial, perante a Justiça do Trabalho, para a prova da falta grave e autorização de sua dispensa. Assim, é vedada a dispensa sem justa causa ou arbitrária. A validade do pedido de demissão dos representantes obreiros depende de assistência do Sindicato, do Ministério do Trabalho ou da Justiça do Trabalho, ainda por analogia ao caso do dirigente sindical (art. 500, da CLT).

Os representantes do empregador, na Comissão de Conciliação Prévia, não gozam de estabilidade no emprego, mas apenas a confiança do patrão, que pode destituí-lo da função a qualquer tempo, bem como dispensá-lo sem justa causa, a menos que detenham garantia de emprego ou de estabilidade em razão de outra circunstância que não o exercício do cargo na CCP.

O exercício do mandato de representante dos empregados na CCP não importa necessariamente na suspensão ou interrupção do contrato de trabalho. Durante o mandato, o representante obreiro permanecerá exercendo normalmente as suas funções na empresa. O seu afastamento do serviço somente ocorrerá quando convocado para atuar como conciliador na CCP. Este período de afastamento, enquanto ele estiver funcionando como conciliador na Comissão, entretanto, será computado como tempo de trabalho efetivo, nos moldes da regra estabelecida no art. 4º , da CLT, portanto sem prejuízo do pagamento dos salários.

Questão interessante é saber se durante o período de sua convocação, para atuar na CCP, o conciliador terá direito a horas extras, adicional noturno e repouso remunerado, na hipótese de prorrogação da jornada, trabalho em período legalmente noturno e dias destinados ao descanso.

A respeito da matéria, parece que devem prevalecer os interesses sociais da elevada função exercida pelo conciliador, sobre o interesse individual do empregado em perceber os acréscimos salariais, por força da regra contida no art. 8o , da CLT.

De fato, a convocação do representante dos empregados importa em seu afastamento das atividades normais na empresa. Desse modo, o representante obreiro na CCP empresarial, terá computado, como tempo de trabalho efetivo, o período que estiver atuando, como conciliador, a fim de que esse tempo não seja descontado de suas horas ou dias de trabalho, à semelhança das horas que deve comparecer à Justiça, como parte ou testemunha (art. 473, VIII, acrescentado pela Lei nº 9.853, de 27.10.1999; art. 822, da CLT; Enunciado nº 155/TST; e parágrafo único do art. 419, do CPC). Perante a CCP, ele atua, não na condição de empregado, mas de conciliador.

De qualquer sorte, é recomendável que as reuniões ordinárias da CCP sejam realizadas durante o expediente normal da empresa, nos termos estabelecidos pela Portaria nº 3.214, de 08.06.1978, ao dispor sobre o funcionamento das CIPAs (NR-5, subitem 5.24).

Não obstante a omissão do legislador, entendo que o disposto no parágrafo 2º do art. 625-B, da CLT, sob comentário, aplica-se também aos representantes do empregador na CCP empresarial, ou seja, o cômputo, como trabalho efetivo, do tempo que estiver afastado de suas atividades normais na empresa para atuar como conciliador na Comissão, a menos que não seja empregado.

Na omissão da lei, penso que a convocação do empregado para atuar, como representante obreiro ou patronal, na CCP constituída no âmbito da empresa ou de empresas, deve ser de iniciativa da própria Comissão, a pedido dos interessados, empregados ou empregadores.

É aconselhável que a constituição de Comissão empresarial ou interempresarial e seu funcionamento sejam definidos em regulamento próprio, aprovado pelos empregados, preferentemente com assistência sindical, para tornar o sistema mais democrático.

Art. 625-C. A Comissão instituída no âmbito do sindicato terá sua constituição e normas de funcionamento definidas em convenção ou acordo coletivo.

Comentários:

A constituição e o funcionamento de Comissão sindical ou intersindical deverão ser obrigatoriamente estabelecidos em norma coletiva. Se a CCP envolver o interesse de uma só empresa ou algumas empresas individualizadas, a norma resultará de acordo coletivo. Se abranger os interesses de toda uma categoria patronal, depende de convenção coletiva, e, por isso, a norma será celebrada entre o sindicato profissional e o sindicato da categoria econômica.

Art. 625-D. Qualquer demanda de natureza trabalhista será submetida à Comissão de Conciliação Prévia se, na localidade da prestação de serviços, houver sido instituída a Comissão no âmbito da empresa ou do sindicato da categoria.

§ 1º. A demanda será formulada por escrito ou reduzida a termo por qualquer dos membros da Comissão, sendo entregue cópia datada e assinada pelo membro aos interessados.

§ 2º. Não prosperando a conciliação, será fornecida ao empregado e ao empregador declaração da tentativa conciliatória frustrada com a descrição de seu objeto, firmada pelos membros da Comissão, que deverá ser juntada à eventual reclamação trabalhista.

§ 3º. Em caso de motivo relevante que impossibilite a observância do procedimento previsto no caput deste artigo, será a circunstância declarada na petição inicial da ação intentada perante a Justiça do Trabalho.

§ 4º. Caso exista, na mesma localidade e para a mesma categoria, Comissão de empresa e Comissão sindical, o interessado optará por uma delas para submeter a sua demanda, sendo competente aquela que primeiro conhecer do pedido.

Comentários:

Embora de constituição facultativa (art. 825-A, da CLT), à primeira vista, a lei teria tornado obrigatória a tentativa de negociação perante a Comissão de Conciliação Prévia, antes da propositura de reclamação na Justiça do Trabalho, quanto aos dissídios individuais trabalhistas, nos moldes, portanto, dos dissídios coletivos (art. 616, § 4º , da CLT, e art. 114, § 2º , da CF/88).

À luz da nova lei, essa condição, porém, somente haverá na hipótese de existir o órgão conciliador não estatal, no âmbito da empresa ou do sindicato da categoria profissional, na localidade de prestação de serviços do empregado. Aliás, não basta apenas existir a CCP, pois é necessário que esse órgão esteja regularmente funcionando.

E se o empregado prestar serviço em diversas localidades, como os agentes ou viajantes, os pracistas, os motoristas intermunicipais ou interestaduais? Creio que nesse caso deve aplicar-se, por analogia, o critério estabelecido no art. 651, § 1º , da CLT, com a redação dada pela Lei nº 9.851, de 27.10.1999, que reza que "quando for parte no dissídio agente ou viajante comercial, a competência será da Junta (hoje Vara do Trabalho) da localidade em que a empresa tenha agência ou filial e a esta o empregado esteja subordinado e, na falta, será competente a Junta (Vara do Trabalho) da localização em que o empregado tenha domicílio ou a localidade mais próxima."

Contudo, a norma contida no caput do art. 625-D, da CLT, com a redação da Lei nº 9.958/2000, parece ser manifestamente inconstitucional, salvo a possibilidade de interpretação mais razoável. Com efeito, a exigência de tentativa prévia de conciliação é, conforme preceito expresso na Carta Magna (art. 114, § 2º), apenas para o ajuizamento de dissídio coletivo. Para a propositura de dissídio individual, a Constituição não prevê essa condição. Ao contrário, o art. 5º , inciso XXXV, da Lei Fundamental, declara que "a lei não excluirá da apreciação do Poder Judiciário lesão ou ameaça a direito".

Dir-se-ia que a Lei nº 9.958/2000 não teria "excluído" do exame do Judiciário os dissídios individuais, mas apenas condicionado o ingresso em juízo trabalhista à prévia tentativa de conciliação perante a CCP.

Acontece que o legislador constituinte pretendeu estabelecer esse condicionamento apenas aos dissídios coletivos, como se infere do art. 114, § 2º , da Constituição. Desse modo, a condição, agora estendida aos dissídios individuais, por força de lei ordinária, sugere uma ampliação não prevista pela Lei Fundamental, daí a inconstitucionalidade denunciada.

Por conseguinte, a leitura mais adequada do caput do art. 625-D, da CLT, deve ser no sentido de que o apelo à Comissão de Conciliação não é obrigatório e nem constitui condição da ação judicial trabalhista, mas tão-somente uma faculdade do interessado, que decidirá livremente se deve, ou não, submeter-se à prévia tentativa de conciliação perante a CCP, antes de ajuizar demanda na Justiça do Trabalho.

Esta conclusão, aliás, está confirmada pelo disposto no § 3º do citado dispositivo consolidado, adiante comentado.

Por outro lado, não é qualquer demanda que pode ser submetida à conciliação extrajudicial, mesmo perante uma CCP. Por exemplo, questão que envolve discussão sobre relação de emprego não pode ser objeto de livre negociação, ainda que perante uma Comissão de Conciliação Prévia, uma vez que abrange matéria de ordem pública, a respeito da qual as partes não podem transigir, salvo para reconhecer o vínculo empregatício.

Com efeito, dissídio dessa natureza foge até mesmo da competência do Ministério do Trabalho, órgão estatal. Por isso, o art. 39, da CLT, ao cuidar da hipótese de reclamação administrativa, perante a Delegacia Regional do Trabalho, por falta ou recusa de anotação na Carteira de Trabalho, estabelece que "verificando-se que as alegações feitas pelo reclamado versam sobre a não existência de relação de emprego, ou sendo impossível verificar essa condição pelos meios administrativos, será o processo encaminhado à Justiça do Trabalho, ficando, nesse caso, sobrestado o julgamento do auto de infração que houver sido lavrado".

A meu ver, idêntico procedimento deve ser adotado em caso de conciliação perante a CCP, que venha a importar em transação sobre o vínculo empregatício. Pelos motivos expostos, a matéria ainda poderá ser questionada na Justiça do Trabalho, órgão constitucionalmente competente para pronunciar-se, em última análise sobre o tema, independente de ressalva no termo de acordo na CCP.

Basta lembrar, por exemplo, a possibilidade de risco de uma conciliação, perante a CCP, para simular a existência de relação de emprego, inclusive para fins de obter benefícios previdenciários.

Isso revela que há casos que merecerem muita cautela. Por princípio do direito do trabalho, são indisponíveis e irrenunciáveis os direitos trabalhistas fundamentais, sobretudo aqueles assegurados na Constituição Federal de 1988 (art. 7º). Por exemplo, não pode o trabalhador conciliar para receber salário inferior ao mínimo legal, cumprindo jornada normal de trabalho.

As Comissões de Conciliação Prévia (CCP) podem receber demandas com vistas a tentar a conciliação de dissídios individuais trabalhistas simples ou de dissídios individuais plúrimos. No primeiro caso, a demanda é proposta por apenas um reclamante. No segundo, a demanda é formulada por mais de um trabalhador, havendo, neste caso, o litisconsórcio ativo, como estabelece o art. 842, da CLT.

É cabível também a substituição processual, pelo sindicato profissional da categoria, como se pratica no processo trabalhista.

Nada impede, ainda, que sejam reclamadas várias empresas, na mesma demanda, formando-se, assim, o litisconsórcio passivo, como poderá ser a hipótese de chamamento de empresas integrantes do mesmo grupo econômico ou nos casos de terceirização.

Quanto aos menores, aplicam-se as normas dos arts. 792 e 793, da CLT, inclusive a possibilidade de sua representação pelo Ministério Público do Trabalho, ao qual também compete a defesa dos direitos e interesses dos incapazes e índios, decorrentes das relações de trabalho (arts. 83, V, da Lei Complementar nº 75/83).

A demanda perante a CCP poderá ser proposta de forma escrita ou verbal. Desnecessário o patrocínio advocatício. Neste particular, prevalece o jus postulandi, tal como no processo trabalhista (art. 791, da CLT).

Tratando-se de demanda verbal, será reduzida a termo, à semelhança do processo na Justiça do Trabalho (art. 840, § 2º , da CLT).

Na Justiça do Trabalho, a reclamação verbal é reduzida a termo por um servidor. Na CCP, dispõe, a lei, que essa tarefa incumbe a qualquer membro da Comissão.

Em seguida, o próprio membro da CCP, encarregado de tomar a reclamação, fará a entrega de cópia da demanda aos interessados (reclamante e reclamado). A cópia da demanda deve estar datada e assinada pelo reclamante.

Nada obsta que o serviço de recebimento da reclamação e de entrega de sua cópia aos interessados seja eventualmente realizado por outra pessoa, mediante delegação de atribuições outorgada pela Comissão ou por seu membro.

Com a notificação dos interessados, mediante a entrega da cópia da demanda, será realizada a sessão para tentativa de conciliação, no prazo máximo de dez (10) dias, como veremos adiante.

Frustrada a conciliação, deve ser fornecida aos interessados (empregado e empregador) declaração atestando que a tentativa de solução amigável não obteve sucesso. Essa declaração deve descrever o objeto da demanda. Além disso, a declaração será assinada pelos membros da Comissão. E diz a lei que esse documento deverá ser juntado à "eventual reclamação trabalhista", que se supõe ser o processo instaurado perante a Justiça do Trabalho.

O § 3º do art. 625-D, da CLT, sob comentário, determina que na petição inicial da ação proposta no Judiciário Trabalhista seja declarado o "motivo relevante" que tenha tornado impossível a apresentação de demanda perante a CCP instituída no âmbito da empresa ou do sindicato, na localidade da prestação de serviços do empregado.

Neste passo, parece relevante perquirir sobre o que constitui motivo relevante, capaz de justificar a impossibilidade de demanda perante a CCP.

Constitui motivo relevante a inconstitucionalidade do caput do art. 625-D, da CLT, pelas razões já expostas.

Outro motivo relevante ocorre quando se tratar de questão que envolva matéria de ordem pública, como discussão sobre a existência da relação de emprego, ou quando estiverem em jogo direitos trabalhistas indisponíveis e irrenunciáveis, pelos fundamentos antes alinhados.

Os conflitos que envolvem direitos indisponíveis e irrenunciáveis não podem ser dirimidos tampouco pela via da arbitragem, conforme se extrai da regra do art. 1º da Lei nº 9.307/96.

É possível, ainda, considerar motivo relevante, nos termos do preceito em exame, o fato de a CCP não conseguir realizar a sessão de tentativa de conciliação no prazo de dez (10) dias, a partir da data da reclamação, considerando o disposto no parágrafo único do art. 625-F, da CLT, abaixo comentado.

Não se descarta que pode ser considerado motivo relevante, argumento de ordem ideológica, que leve o interessado a não desejar submeter-se à Comissão, como também por razões políticas, em virtude de integrar facção adversária àquela que o representa junto a CCP.

Pergunta-se: pode o interessado (empregado ou empregador) deixar de declarar, na petição inicial da ação, perante a Justiça do Trabalho, o "motivo relevante" que impossibilitou a formulação de demanda junto a CCP para tentar a conciliação? Será inepta a inicial? Deve o juiz do trabalho determinar que a reclamação seja completada ou emendada com essa declaração expressa, na forma do art. 284, do CPC?

Entendo que o demandante não precisa fazer, na petição da ação judicial trabalhista, a declaração escrita e formal de impossibilidade de demanda perante a CCP.

Em primeiro lugar, porque, se é inconstitucional o caput do art. 625-D, da CLT, na medida em que a lei não pode excluir da apreciação do Poder Judiciário lesão ou ameaça a direito, fica prejudicada a exigência da declaração questionada.

Em segundo lugar, porque, diferente do que ocorre no ajuizamento do dissídio coletivo, que exige a prova da prévia tentativa de conciliação, como condição da ação, não há a exigência de idêntica comprovação para a propositura do dissídio individual, pelo que bastaria, quando muito, a simples manifestação unilateral de vontade do demandante, na petição inicial, declarando, ele próprio, ou por seu advogado, a impossibilidade de submeter-se previamente à CCP.

Em terceiro lugar, porque a lei não exige que essa declaração seja escrita e formal.

E em quarto lugar, porque, se não há obrigatoriedade de declaração escrita e formal, pode ser admitida a declaração tácita.

Em conseqüência, omissa a reclamação perante a Justiça do Trabalho quanto à declaração de que teria havido a prévia tentativa de conciliação perante a CCP, não há se falar em inépcia da inicial, sendo, portanto, desnecessário que o juiz determine ao reclamante o complemento ou a emenda da petição inicial, porque, no mínimo, pode ser admitida, no caso, a declaração tácita.

Em síntese, se o interessado não procurou a Comissão de Conciliação Prévia é porque, obviamente, pretendeu dirigir-se diretamente à Justiça do Trabalho, como lhe assegura a Constituição Federal (art. 5º, XXXV), em razão do princípio da inafastabilidade da jurisdição.

Por força do § 4º do art. 625-D, da CLT, cabe exclusivamente ao interessado o direito de escolher a CCP para submeter a sua demanda, em caso de existir, na mesma localidade e para a mesma categoria, Comissão de empresa e Comissão sindical. Será competente, contudo, a Comissão que conhecer primeiro do pedido, configurando-se, nesse caso a prevenção. Por conseqüência, eventual demanda posterior em outra Comissão deverá ser arquivada, para evitar a litispendência.

Em virtude do dispositivo acima comentado, nenhuma norma coletiva ou regulamento de empresa pode determinar a preferência para a Comissão sindical ou a Comissão de empresa, pois o direito de escolha incumbe ao próprio interessado, se houver, como dissemos, uma e outra CCP na mesma localidade e para a mesma categoria.

É possível, no entanto, a transferência da demanda, com vistas à tentativa de prévia conciliação, de uma CCP para outra (da CCP de empresa para a CCP sindical ou vice-versa), se ambos os interessados estiverem de acordo com essa providência, sobretudo se não houve prejuízo para o trabalhador, especialmente quanto à prescrição.

Outra questão é saber se pode, o demandado, suscitar, perante a CCP, a sua incompetência, não só em razão da matéria (verbi gratia, discussão sobre relação de emprego), como também em razão do lugar, em caso de ser notificado para comparecer perante Comissão que funcione fora do local da prestação de serviço do empregado (art. 625, caput, da CLT) ou, se o empregado prestar serviço em diversas localidades (agentes ou viajantes, pracistas, motoristas intermunicipais ou interestaduais), não for observado o critério estabelecido no art. 651, § 1º, da CLT, com a redação dada pela Lei nº 9.851, de 27.10.1999.

Creio que não há a mínima possibilidade de isso ser aceito. O papel da CCP é exclusivamente tentar a conciliação (art. 625-A). Todo e qualquer incidente (prejudicial, preliminar, exceção etc.), não pode ser provocado perante a CCP. Se o demandado entende que a Comissão não possui competência, certamente não fará o acordo. Da mesma forma, o demandante - geralmente o trabalhador - entender que sofreu algum prejuízo, deve ressalvar o fato no termo de conciliação. E, em se tratando de direitos indisponíveis e irrenunciáveis, pode ainda propor reclamação na Justiça do Trabalho, para questionar a matéria, cabendo ao órgão jurisdicional competente examinar o caso concreto.

Por isso, não cabe também ao empregador, demandado suscitar, perante a própria CCP, a incompetência desse órgão conciliador, sob a alegação de que, por exemplo, se trata de demanda proposta pelo empregado perante uma CCP sindical ou intersindical constituída por categoria com a qual a empresa, ou o respectivo sindicato patronal, não teria celebrado convenção ou acordo coletivo que tivesse autorizado a instituição da aludida Comissão, nos moldes do Precedente Jurisprudencial nº 55, da SDI/TST. Da mesma forma, não pode o empregado, se demandado em CCP sindical ou intersindical, fazer idêntica argüição, se inexistente norma coletiva de sua categoria profissional.

Havendo algum óbice relevante, dificilmente haverá acordo perante a CCP. Mas se houver conciliação, a questão ainda poderá, em tese, ser apreciada pela Justiça do Trabalho, quando provocada pelo interessado.

De qualquer sorte, o conciliador tem o dever de revelar, em tempo hábil, qualquer fato que denote dúvida justificada quanto à sua imparcialidade e independência para o exercício da função.

Se não o fizer, podem os interessados argüir o fato revelador de suspeição ou impedimento de qualquer conciliador, em caso de eventual reclamação na Justiça do Trabalho, onde pode ser questionada a validade do termo de conciliação, conforme as provas apresentadas.

Isso significa, enfim, que o procedimento perante as Comissões de Conciliação Prévia deve, ao tempo em que é bastante rápido (máximo de 10 dias), ser informal e prático. Nada de burocracia e outros complicadores que possam inviabilizar o ideal de uma solução imediata da demanda.

É mais do que oportuno acentuar sobre a necessidade de que o procedimento conciliatório, perante as CCP, seja o mais simples possível, com a prevalência da oralidade e de modo que seja utilizado o mínimo de meios para se alcançar o máximo de eficiência na solução dos conflitos trabalhistas.

Para tanto, é fundamental que os conciliadores, as partes e seus advogados adotem uma postura desburocratizante, que consiga, na verdade, "desprocessualizar" a metodologia de solução dos conflitos trabalhistas. É exatamente o excesso de valor que se tem dado ao processo, muitas vezes em prejuízo do direito material, que compromete a imagem do Poder Judiciário. O culto a filigranas processuais muitas vezes resulta na prática de injustiças irreversíveis, como alguns casos de incidentes injustificáveis, a extinção do processo, sem julgamento do mérito, e a interposição de recursos protelatórios, para ficar apenas nesses três exemplos.

Mais do que nunca, todos os envolvidos no procedimento de tentativa prévia de conciliação extrajudicial devem adotar uma nova mentalidade de solucionar, de modo simples e imediato, os conflitos trabalhistas, tal como, aliás, já prevê a CLT, cujo processo nem sempre é observado.

A rigor, não é necessário que sejam formados autos de processo para a tentativa de conciliação prévia perante a CCP. Os conciliadores podem e devem utilizar-se de métodos práticos e eficazes, a fim de que possam, antes de tudo, persuadir as partes a um acordo, em face das divergências verificadas. A Comissão pode utilizar simples anotações, em fichas, de modo bastante informal. Se houver condições, alguns apontamentos podem ser feitos em computador. Não é preciso registrar depoimentos de partes e testemunhas, nem tampouco realizar perícias.

De qualquer modo, na omissão da Lei nº 9.958/2000, podem ser aplicadas, subsidiariamente, as normas trabalhistas, quando houver compatibilidade, ou, em se tratando da hipótese do art. 625-C, da CLT, o disposto em convenção ou acordo coletivo.

Finalmente, entendo que o serviço realizado pelas Comissões de Conciliação Prévia, empresariais ou sindicais, deve ser gratuito para os interessados, da mesma forma que o ato de assistência na rescisão contratual (art. 477, § 7º, da CLT).

Art. 625-E. Aceita a conciliação, será lavrado termo assinado pelo empregado, pelo empregador ou seu preposto e pelos membros da Comissão, fornecendo-se cópia às partes.

Parágrafo único. O termo de conciliação é título executivo extrajudicial e terá eficácia liberatória geral, exceto quanto às parcelas expressamente ressalvadas.

Comentários:

Se houver êxito na tentativa de conciliação, será lavrado um termo próprio, onde deverão constar todas as condições essenciais do ajuste, tais como o valor do acordo, a data e o local do pagamento, a multa ou indenização em caso de inadimplemento da obrigação assumida, a abrangência da quitação etc., à semelhança do termo de conciliação celebrado perante a Justiça do Trabalho.

O termo de conciliação deve ser assinado pelo empregado e pelo empregador, ou seu preposto, e pelos membros da CCP.

É recomendável que o preposto seja devidamente credenciado, nos moldes do que ocorre no processo trabalhista.

Cópia do termo de conciliação deve ser fornecida às partes, ao final da sessão, pois esse documento, como veremos, constitui título executivo extrajudicial, consoante o parágrafo único do dispositivo comentado e nos termos do atual art. 876, da CLT.

O parágrafo único do art. 625-E, da CLT, contém uma norma importante. Reza que "o termo de conciliação é título executivo extrajudicial e terá eficácia liberatória geral, exceto quanto às parcelas expressamente ressalvadas".

O Enunciado nº 330, do Colendo TST, dispõe que "a quitação passada pelo empregado, com assistência de entidade sindical de sua categoria, ao empregador, com observância dos requisitos exigidos nos parágrafos do art. 477 da Consolidação das Leis do Trabalho, tem eficácia liberatória em relação às parcelas expressamente consignadas no recibo, salvo se oposta ressalva expressa e especificada ao valor dado à parcela ou às parcelas impugnadas".

Como se vê, a jurisprudência uniformizada do Tribunal Superior do Trabalho, que alterou entendimento anterior, dispõe que o recibo de quitação das verbas, pagas na rescisão contratual, perante a entidade sindical da categoria, tem eficácia liberatória "em relação às parcelas expressamente consignadas no recibo".

Agora, a Lei nº 9.958/2000 atribui "eficácia liberatória geral".

Por outro lado, o Enunciado nº 330/TST entende que a ressalva do empregado, no recibo de quitação, diz respeito ao "valor dado à parcela" ou "às parcelas impugnadas".

A Lei nº 9.958/2000 exclui da eficácia liberatória geral, resultante do termo de conciliação, perante a CCP, as "parcelas expressamente ressalvadas".

O cotejo da jurisprudência e da lei nos leva à conclusão de que praticamente não houve alteração dos efeitos da quitação do recibo dado pelo empregado na rescisão contratual.

Em suma, a eficácia liberatória é geral, mas abrange apenas as parcelas expressamente consignadas no termo de conciliação, até porque devem constar do termo de acordo, perante a CCP, todas as condições essenciais do ajuste, tais como o valor do acordo, a data e o local do pagamento, a multa ou indenização em caso de inadimplemento da obrigação assumida e, em especial, a abrangência da quitação, à semelhança do termo de conciliação celebrado perante a Justiça do Trabalho, precisamente para imprimir à quitação a necessária certeza, liquidez e transparência.

A abrangência da quitação pode reportar-se às parcelas objeto da demanda ou discriminar expressamente as verbas pagas. Para ser mais preciso: no termo de conciliação pode constar que o reclamante dá ao reclamado plena, geral e irrevogável quitação por todas as parcelas pleiteadas na petição inicial; ou no termo de conciliação pode ser consignado que o reclamante concede ao reclamado idêntica quitação por "tais e tais parcelas", devidamente discriminadas, com o respectivo valor, individualizado parcela por parcela, ou pela quantia global paga, desde que discriminadas na petição inicial.

Ora, até o direito comum exige a quitação regular, com a designação do valor e a espécie da dívida quitada, o nome do devedor, ou quem por este pagou, o tempo e o lugar do pagamento, com assinatura do credor, ou do seu representante (art. 940, do Código Civil).

Logo, a eficácia liberatória geral deve abranger necessariamente as condições expressas no termo de conciliação. É por isso que a quitação, para os efeitos da Lei nº 9.958/2000, pertine às parcelas expressamente consignadas no termo de acordo perante a CCP, e não ressalvadas.

A ressalva, se houver, deve mencionar expressamente as parcelas eventualmente excepcionadas dos efeitos da conciliação. Se a ressalva for alusiva apenas ao valor de alguma ou algumas parcelas, deve o fato ser consignado, de modo expresso e específico, no termo de conciliação.

Não deve ser aceita a conciliação, perante a CCP, que pretenda efetuar algum pagamento "por simples liberalidade". As Comissões de Conciliação Prévia destinam-se a tentar a conciliação de dissídios individuais trabalhistas entre empregados e empregadores. Logo, se o pagamento "por simples liberalidade" não decorre de uma relação de emprego, mas precisamente quando esta relação é contestada, como acontece no curso de processos perante a Justiça do Trabalho, nos quais se discute a existência do vínculo empregatício, penso que não pode a CCP lavrar termo de acordo com essa condição, sob pena de nulidade, por manifesta incompetência, em razão dos motivos já expostos.

Se o demandado pretende efetuar algum pagamento ao demandante, de natureza diversa da trabalhista, as partes devem procurar órgão distinto de uma Comissão de Conciliação Prévia (trabalhista), até mesmo o Juizado Especial instituído pela Lei nº 9.099/95.

É oportuno acentuar que a demanda perante a CCP pode ser formulada durante a vigência do contrato de trabalho ou após a extinção do pacto laboral. Deste modo, podem ser celebrados acordos, perante as Comissões de Conciliação Prévia, no curso da relação de emprego, e não apenas para efeito de quitação de verbas rescisórias. Todavia, creio que o mais comum serão os casos de conciliação após o rompimento do contrato de trabalho, considerando que o empregado, por não gozar de estabilidade no emprego, terá a mesma inibição de demandar que hoje se verifica quanto às ações perante a Justiça do Trabalho.

Questão delicada reside em saber quais são os limites da compensação perante a Comissão de Conciliação Prévia.

Em caso de rescisão contratual, "homologada" pelos órgãos mencionados nos parágrafos do art. 477, da CLT, qualquer compensação no pagamento das verbas rescisórias não poderá exceder o equivalente a um (1) mês de remuneração do empregado (§ 5º do art. 477, da Consolidação).

Perante a Justiça do Trabalho não há essa limitação. Exige-se apenas que a compensação seja argüída como matéria de defesa, na contestação, e que seja restrita a dívidas de natureza trabalhista (art. 767, da CLT, e Enunciados 18 e 48/TST). A respeito do tema, há os que entendem que, em juízo, a compensação deve ficar limitada ao valor do crédito do trabalhador, de modo que o excesso deve ser cobrado na justiça comum; e os que sustentam a tese de que não há limite para a compensação, mas desde que o empregador ofereça reconvenção.

Entendo que a limitação estabelecida no § 5º do art. 477, da CLT, não se aplica ao procedimento perante as Comissões de Conciliação Prévia. De fato, o referido dispositivo consolidado cuida da hipótese de mera assistência (que vulgarmente se chama de "homologação") ao ato de quitação das verbas rescisórias, enquanto que o termo de conciliação, celebrado perante a CCP, tem o atributo de título executivo extrajudicial, suscetível de cobrança perante a Justiça do Trabalho. A conciliação, tal como a jurisdição ou a arbitragem, é meio de solução dos conflitos. A assistência ou homologação é tão-somente uma cautela estabelecida na lei para melhor proteger o trabalhador no ato do pagamento ocorrido por ocasião da rescisão contratual ou do pedido de demissão.

Por conseguinte, a compensação, em caso de conciliação perante a CCP, deve ficar limitada apenas ao valor do crédito do trabalhador, porque incabível, naquele procedimento, a reconvenção. De fato, esta é incompatível com o rito informal, ali adotado, além do que deve ser considerado que a CCP não profere nenhuma decisão, uma vez que se restringe a intermediar a conciliação entre as partes. A compensação, porém, deve ser restrita a dívidas de natureza trabalhista, por analogia ao Enunciado nº 18, do E. TST.

É questionável a possibilidade de conciliação perante a CCP para a solução de questões pré-contratuais trabalhistas, até porque, em regra, nesse momento pode haver discussão sobre a existência do vínculo empregatício, que, a meu ver, não compete à Comissão apreciar.

Já dissemos que não poderão ser submetidos às Comissões de Conciliação Prévia os conflitos coletivos, considerando que as suas atribuições se restringem aos dissídios individuais de trabalho, conforme dispõe a Lei nº 9.958/2000.

Pode, entretanto, ser objeto de demanda, perante a CCP, dissídio individual trabalhista que verse sobre o cumprimento de normas coletivas (convenções coletivas, acordos coletivos e sentenças normativas), inclusive, se for o caso, em reclamação plúrima ou pelo sindicato profissional na qualidade de substituto processual, conforme já antevemos.

As normas coletivas devem continuar resultando da negociação direta entre os interessados, salvo se as partes desejarem nomear a Comissão como mediadora ou até mesmo como árbitro, para a solução de dissídios coletivos, o que, a meu juízo, é perfeitamente possível, nos termos do § 1º do art. 114, da CF, segundo o qual, "frustrada a negociação coletiva, as partes poderão eleger árbitros".

A conciliação (individual ou coletiva) pode ser tentada com ou sem o auxílio de mediador. Normalmente, é a Delegacia Regional do Trabalho que faz a mediação nos dissídios coletivos.

Não obstante, não vejo nenhum óbice para que os interessados venham a eleger mediador ou árbitro uma Comissão de Conciliação Prévia.

Se as partes optarem pela arbitragem perante a CCP, cabível somente nos dissídios coletivos, em face dos termos constantes do art. 114 e seus parágrafos, da Constituição Federal - que a prevê apenas para os casos dos conflitos coletivos -, obedecerá, em regra, às disposições da Lei nº 9.307, de 23.09.1996.

Se for celebrada convenção ou acordo coletivo, mesmo com a mediação da CCP, devem ser observados os requisitos determinados pela CLT, como o registro e arquivo da norma coletiva perante a Delegacia Regional do Trabalho, para efeito de publicidade e vigência, nos prazos e condições fixados em lei.

A atuação da CCP é preventiva, e, assim, foi concebida para anteceder ao ajuizamento da ação judicial. Pergunta-se: é possível haver conciliação perante a CCP no curso de processo judicial? Entendo que sim, desde que haja desistência da ação judicial, devidamente homologada pelo juiz competente. Caso contrário, o termo de conciliação extrajudicial, perante a CCP, será ineficaz. A declaração de ineficácia, por via de ação anulatória, ou como incidente no próprio processo judicial trabalhista, pode ser provocada por qualquer interessado ou pelo Ministério Público do Trabalho.

Não é possível que se instale a litispendência em razão do ajuizamento de processo trabalhista, perante a Justiça do Trabalho, e de outro procedimento intentado perante a CCP, uma vez que deve prevalecer a jurisdição estatal exercida pelo Judiciário Especializado. O conflito de competência somente poderia existir entre órgãos jurisdicionais do Estado, e não entre o Judiciário e um órgão de personalidade jurídica privada. As Comissões de Conciliação Prévia são órgãos privados. Por isso, a Justiça do Trabalho pode desconsiderar, ou até mesmo ignorar, o procedimento formulado perante a CCP, especialmente se a ação judicial foi proposta antes da demanda no âmbito daquela Comissão.

As partes não podem transigir, perante a CCP, sobre a coisa julgada resultante de decisão proferida pela Justiça do Trabalho, porque mesmo no processo trabalhista essa faculdade é bastante questionada. Caso isso ocorra, é possível obter a anulação do termo de conciliação celebrado perante a CCP, não só por iniciativa de qualquer interessado como também pelo Ministério Público do Trabalho, por via de ação anulatória, ou como incidente no próprio processo trabalhista. Na verdade, neste caso, a Justiça do Trabalho também pode desconsiderar, ou até mesmo ignorar, o procedimento formulado perante a CCP, dada a prevalência da jurisdição estatal e os efeitos da coisa julgada, assegurados pela Constituição Federal (art. 5º, XXXV e XXXVI).

Não cabe ação rescisória para atacar o termo de conciliação celebrado perante as Comissões de Conciliação Prévia, pois a rescisória somente pode ser manejada para desconstituir decisão judicial ou acordo homologado pela Justiça do Trabalho (art. 836, da CLT, e Enunciado nº 259/TST).

Para atacar o termo de conciliação perante a CCP, o interessado deve ajuizar ação anulatória perante a Justiça do Trabalho (art. 486, do CPC, e art. 114, da CF/88). Nesse caso, a competência originária é da Vara do Trabalho (antiga Junta de Conciliação e Julgamento) com jurisdição sobre a localidade em que funcionar a Comissão (arts. 651 e 652, "a", IV, da CLT), com recurso para o Tribunal Regional do Trabalho respectivo (art. 895, "a", da CLT). Pode também requerer a declaração de ineficácia do termo de conciliação, como incidente no processo judicial trabalhista que vier a ajuizar.

Apesar da omissão da Lei nº 9.958/2000, mas socorrendo-me da experiência do direito comparado, parece razoável entender que, por motivos éticos, os membros das Comissões de Conciliação Prévia estão desobrigados a depor em juízo, como testemunhas, sobre fatos relativos à negociação tratada perante aquele órgão conciliador, a respeito dos quais devam guardar sigilo (arts. 406, II, e 414, § 2º, do CPC). Em que pesem serem indisponíveis e irrenunciáveis os direitos trabalhistas fundamentais, por motivo de ordem pública, e, por isso mesmo, não podem ser objeto de conciliação perante a CCP, devem também ser resguardadas as informações que o conciliador tomou conhecimento, para poder exercer a sua profissão com independência e discrição.

Art. 625-F. As Comissões de Conciliação Prévia têm prazo de dez dias para a realização da sessão de tentativa de conciliação a partir da provocação do interessado.

Parágrafo único. Esgotado o prazo sem a realização da sessão, será fornecida, no último dia do prazo, a declaração a que se refere o § 2º do art. 625-D.

Comentários:

No processo trabalhista, perante a Justiça do Trabalho, a audiência deve ser marcada no prazo mínimo de cinco (5) dias (art. 841, da CLT) - salvo se a ação for ajuizada contra entidades públicas, quando esse prazo é quadruplicado (Decreto-Lei nº 779/69) -, e, no prazo máximo de quinze (15) dias, em caso de procedimento sumaríssimo (art. 852-B, inciso III, da CLT, acrescentado pela Lei nº 9.957/2000).

Na procedimento perante as Comissões de Conciliação Prévia, a sessão de tentativa de conciliação deve ser designada no prazo máximo de dez (10) dias, contados da apresentação da demanda naquele órgão conciliador.

Podem ser realizadas quantas sessões forem necessárias para novas rodadas de tentativa de conciliação.

O período para tentar a solução amigável, porém, não pode ultrapassar de dez (10) dias, a partir da provocação do interessado.

Note-se que o prazo de dez (10) dias, fixado na lei, é para que o empregado, em especial, não permaneça aguardando por muito tempo a solução de sua demanda. Esse prazo é o mesmo estabelecido na alínea "b" do § 6º, do art. 477, da CLT, para pagamento das verbas rescisórias.

A observância desse prazo é muito importante, porque se não puder ser realizada a sessão de tentativa de conciliação, por qualquer motivo, deve ser fornecida, no décimo dia (último dia do referido prazo), a partir da provocação do interessado (apresentação da demanda), a declaração da tentativa conciliatória frustrada, com a descrição de seu objeto, firmada pelos membros da Comissão, para fins de juntada à eventual reclamação trabalhista (art. 625-D, § 2º, da CLT). Como vimos, diz, a lei, que essa declaração será fornecida ao empregado e ao empregador.

Desnecessário relembrar sobre as observações que fizemos ao comentar o dispositivo que cuida daquela declaração. Remetemos o leitor àqueles comentários.

Parece oportuno acrescentar que, no rigor da lei, não pode a Comissão fornecer aos interessados nenhuma declaração após o décimo dia do prazo previsto para a realização da sessão de tentativa de conciliação.

Esta circunstância constitui, sem dúvida, motivo relevante que impossibilita o interessado de submeter-se ao procedimento de tentativa de conciliação prévia à CCP, e, por conseguinte, de declarar a circunstância na petição inicial da ação intentada perante a Justiça do Trabalho. Ademais, há a questão da suspensão do prazo prescricional.

Se ainda assim, a declaração vier a ser fornecida somente depois de esgotado o prazo de dez (10) dias, a lei não prevê nenhuma sanção.

A lei também não estipula qualquer sanção ao empregador que se recusa a comparecer ao chamamento para tentar a conciliação perante a CCP. O direito comparado prevê, para essa hipótese, uma sanção de natureza administrativa ou penal.

Todavia, o empregado não é obrigado a ficar esperando, para além desse prazo, pelo fornecimento da declaração, pois pode ser afetado pela prescrição. Ultrapassados os dez dias, pode, desde logo, ajuizar a ação perante a Justiça do Trabalho, independentemente da tentativa prévia de conciliação e sem necessidade de juntar a declaração, precisamente porque não fornecida pela CCP, em tempo hábil.

Quanto à necessidade, ou não, de fazer a declaração expressa na petição inicial, perante a Justiça do Trabalho, nos reportamos, uma vez mais, aos comentários alusivos ao art. 625-D, da CLT, linhas atrás.

Art.625-G. O prazo prescricional será suspenso a partir da provocação da Comissão de Conciliação Prévia, recomeçando a fluir, pelo que lhe resta, a partir da tentativa frustrada de conciliação ou do esgotamento do prazo previsto no art. 625-F.

Comentários:

O ajuizamento da ação judicial provoca a interrupção da prescrição, ainda que a citação do réu seja determinada por juiz incompetente (art. 219 e seu § 1º, do CPC). Da mesma forma, a propositura da execução (art. 617, do CPC).

Na interrupção, o prazo prescricional recomeça a correr da data do ato que a interrompeu, ou do último do processo para a interromper (art. 173, do Código Civil). Ou seja, o período anterior é desconsiderado na contagem do prazo prescricional. A recontagem é feita sem o aproveitamento do período já transcorrido. Em suma, o prazo prescricional começa a ser contado tudo de novo.

Na suspensão, o prazo prescricional não corre durante certo período, mas recomeça a fluir, pelo tempo que ainda sobejar, a partir da data em que o fato gerador do evento deixar de existir, de modo que, diferentemente da interrupção, o período anterior é considerado na contagem do prazo prescricional, aproveitando, dessa forma, o tempo já transcorrido antes da suspensão. Assim, o prazo prescricional recomeça a ser contado pelo período restante.

A jurisprudência sumulada do Tribunal Superior do Trabalho consagrou o entendimento de que "demanda trabalhista, ainda que arquivada, interrompe a prescrição" (Enunciado nº 268/TST).

Nos termos da Lei nº 9.958/2000, a apresentação de demanda, perante a CCP, é causa de suspensão do prazo prescricional dos direitos trabalhistas. A prescrição dos créditos trabalhistas dá-se em 5 anos na vigência do pacto laboral e 2 anos após o rompimento do contrato de trabalho, consoante o art. 7º, inciso XXIX, da CF/88.

O prazo prescricional fica suspenso desde a propositura da demanda perante a CCP e recomeça a sua contagem, pelo período que lhe resta, a partir dos seguintes eventos: (a) se, realizada a sessão de tentativa de conciliação, antes do transcurso do prazo legal de dez (10) dias, as partes logo verificarem, antes de esgotado esse período, que não é possível a solução amigável do conflito; ou (b) se, igualmente realizada a sessão, os interessados não conseguirem conciliar durante todo o transcurso e até o final do prazo de dez (10) dias, contados da apresentação da demanda perante a CCP. Daí a lei dispor que o prazo prescricional, suspenso, recomeça a fluir, pelo tempo restante, "a partir da tentativa frustrada de conciliação ou do esgotamento do prazo previsto no art. 625-F".

Em suma, a suspensão do prazo prescricional, no caso em tela, é de até dez (10) dias, dependendo do tempo utilizado para a tentativa de conciliação perante a CCP.

Art. 625-H. Aplicam-se aos Núcleos Intersindicais de Conciliação Trabalhista em funcionamento ou que vierem a ser criados, no que couber, as disposições previstas neste Título, desde que observados os princípios da paridade e da negociação coletiva na sua constituição.

Comentários:

A Lei nº 9.958/2000 é aplicável, no que couber, aos Núcleos Intersindicais de Conciliação Trabalhista que se encontrem em funcionamento ou que vierem a ser criados a partir da nova legislação. Em ambos os casos, devem ser observados os princípios da paridade, ou seja, de representantes de empregados e empregadores, em igual número, e da negociação coletiva na sua constituição. No mais, esses órgãos serão regulados pelas disposições previstas na lei ora comentada.

Há informações de que funcionam, com algum sucesso, no Brasil, os Núcleos Intersindicais de Conciliação Trabalhista de Patrocínio e Patos, em Minas Gerais, e de Maringá, no Paraná.

Merece registro, ainda, a experiência da categoria dos bancários, que instituiu, por via de acordo coletivo celebrado com o Banco Itaú S/A, em Campinas (SP), uma Comissão Permanente de Solução de Conflitos Individuais, conforme noticiado amplamente.

Art. 876. As decisões passadas em julgado ou das quais não tenha havido recurso com efeito suspensivo; os acordos, quando não cumpridos; os termos de ajuste de conduta firmados perante o Ministério Público do Trabalho e os termos de conciliação firmados perante as Comissões de Conciliação Prévia serão executados pela forma estabelecida neste Capítulo.

Comentários:

Pela redação anterior do art. 876, da CLT, eram considerados títulos executivos apenas as decisões passadas em julgado ou das quais não tenha havido recurso com efeito suspensivo, e os acordos, quando não cumpridos.

A Lei nº 9.958/2000 ampliou o rol de títulos executivos trabalhistas. Além das decisões e dos acordos, constituem, agora, títulos executivos os termos de ajuste de conduta firmados perante o Ministério Público do Trabalho e os termos de conciliação firmados perante as Comissões de Conciliação Prévia.

A novidade, então, são estes dois últimos: os termos de ajuste de conduta firmados perante o MPT e os termos de conciliação celebrados perante as CCP.

Os termos de ajuste de conduta perante o Ministério Público do Trabalho já era previsto na Instrução Normativa nº 1, de 23.04.1993, que dispõe sobre a instauração de inquéritos civis públicos no âmbito do MPT (art. 8º e seus parágrafos).

A referida Instrução Normativa reza que, "demonstradas, no decorrer do inquérito civil, a existência e a ilegalidade do ato, prática ou procedimento denunciados ou noticiados, poderá o Presidente do inquérito designar audiência para a composição do conflito. A composição do litígio dar-se-á mediante compromisso do denunciado de cessar a prática ilegal e/ou corrigir os efeitos danosos do ato, devidamente aceito pelos detentores do interesse lesado ou por seus representantes legais. O Ministério Público do Trabalho, em caso de acordo para a composição do litígio referente a interesses coletivos, atuará como intermediador, zelando pelo respeito aos direitos indisponíveis e firmando o instrumento do acordo".

O art. 585, II, do CPC, contém norma idêntica, ao considerar como título executivo extrajudicial "o instrumento de transação referendado pelo Ministério Público, pela Defensoria Pública ou pelos advogados dos transatores" (redação dada pela Lei nº 8.953/94).

Cumpre observar que o Ministério Público do Trabalho também pode atuar como árbitro, se assim for solicitado pelas partes, nos dissídios coletivos de competência da Justiça do Trabalho (art. 83, XI, da Lei Complementar nº 75/93).

As decisões e os acordos são títulos executivos judiciais, enquanto que os termos de ajuste de conduta junto ao MPT e os termos de conciliação perante a CCP são títulos executivos extrajudiciais.

Por conseguinte, não são considerados títulos executivos os acordos extrajudiciais, de natureza individual, porventura firmados fora das Comissões de Conciliação Prévia, diretamente entre as partes, salvo os termos de ajuste de conduta perante o Ministério Público do Trabalho.

Essa deve ser a interpretação mais adequada do atual art. 876, da CLT, porque fundada na evolução histórica do dispositivo.

A meu ver, a nova legislação, entretanto, perdeu uma oportunidade excelente para atribuir a qualidade de título executivo às convenções coletivas, aos acordos coletivos, às sentenças normativas e às sentenças arbitrais trabalhistas.

Como sabemos, a arbitragem é perfeitamente cabível nos dissídios coletivos (art. 114, §§ 1º e 2º, da CF/88). E o CPC, em seu art. 584, III, considera a sentença arbitral como título executivo judicial. A legislação trabalhista está atrasada, neste ponto. Deveria seguir o exemplo do direito processual civil, o que ainda não o fez. É questionável a aplicação subsidiária, no particular, diante da norma expressa do art. 876, da CLT.

Quanto às convenções coletivas, aos acordos coletivos e às sentenças normativas, há muito que venho sugerindo a necessária alteração legislativa, para que essas normas coletivas sejam consideradas títulos executivos trabalhistas especiais, as duas primeiras, como títulos executivos extrajudiciais, e a terceira, título executivo judicial, quanto às cláusulas que assegurem direitos patrimoniais, suscetíveis de cobrança de crédito resultante de obrigação para entrega de coisa certa ou incerta, de fazer e não fazer ou, ainda, por quantia certa.

Atualmente, a inobservância de normas coletivas, pelo empregador, leva o empregado, ou seu sindicato, a ter que ajuizar previamente uma ação de cumprimento na Justiça do Trabalho, nos termos do 872 e seu parágrafo único, da CLT, e da Lei nº 8.984, de 07.02.1995, e, em conseqüência, percorrer toda a exaustiva fase de conhecimento, sujeita aos inúmeros recursos legalmente possíveis, para, então, só depois, poder promover a execução.

Ora, melhor seria que a demanda, fundada em normas coletivas, iniciasse logo pela execução, cabendo ao demandado defender-se por via de embargos.

O procedimento proposto teria a virtude de abreviar sobremaneira a cobrança de direitos patrimoniais assegurados em normas coletivas, mas descumpridos pelo empregador, com amplos benefícios para a celeridade processual e nenhum prejuízo à defesa patronal.

A execução dos títulos indicados pelo dispositivo comentado far-se-á na forma estabelecida pela legislação processual trabalhista, inclusive no que toca às restrições quanto à matéria de defesa (art. 884, §§ 2º e 3º, da CLT), para os que entendem inaplicável, nesse ponto, as normas do direito processual comum.

Art. 877-A. É competente para a execução de título executivo extrajudicial o juiz que teria competência para o processo de conhecimento relativo à matéria.

Comentários:

A redação anterior do art. 877, da CLT, era a seguinte: "É competente para a execução das decisões o Juiz ou Presidente do Tribunal que tiver conciliado ou julgado originariamente o dissídio".

Afora a referência não mais justificável ao Presidente do Tribunal, o dispositivo consolidado mantinha coerência com a antiga redação do art. 876, da Consolidação, pois, como se observou, eram considerados títulos executivos (judiciais) apenas as decisões passadas em julgado ou das quais não tenha havido recurso com efeito suspensivo, e os acordos, quando não cumpridos.

Com a alteração imposta pela Lei nº 9.958/2000, passaram, ainda, a ser considerados títulos executivos trabalhistas (extrajudiciais) "os termos de ajuste de conduta firmados perante o Ministério Público do Trabalho e os termos de conciliação firmados perante as Comissões de Conciliação Prévia".

Logo, houve necessidade de adaptação legislativa, em virtude desse acréscimo ao rol de títulos executivos trabalhistas, daí a atual redação do art. 877, da CLT, a fim de que ficasse estabelecido que é competente para a execução de título executivo extrajudicial - justamente os termos de ajuste de conduta firmados junto ao MPT e os termos de conciliação celebrados perante as CCP - o juiz do trabalho que teria competência para o processo de conhecimento relativo à matéria.

Art. 4º Esta Lei entra em vigor no prazo de noventa dias da data de sua publicação.

Comentários:

A Lei nº 9.958, de 12 de janeiro de 2000, publicada no Diário Oficial da União de 13 seguinte, entra em vigor no dia 12 de abril de 2000, noventa (90) dias da data de sua publicação.

Isso significa que somente a partir da vigência da Lei nº 9.958 (12.04.2000) as demandas trabalhistas poderão ser submetidas à Comissão de Conciliação Prévia, evidentemente se, na localidade da prestação de serviços, houver sido instituída a Comissão no âmbito da empresa ou do sindicato da categoria.

Nada obsta que já sejam criadas as CCP, ou até que já estejam funcionando.

O seu funcionamento, nos moldes previstos no novo diploma comentado, sobretudo os efeitos jurídicos dos termos de conciliação, ali celebrados (eficácia liberatória geral, exceto quanto às parcelas expressamente ressalvadas, com atributo de título executivo trabalhista extrajudicial), somente poderão ser considerados, quanto às demandas ali formuladas, a partir de 12.04.2000, para todos os efeitos legais.

Os eventuais acordos ajustados em demandas porventura intentadas perante alguma CCP, antes dessa data, não desfrutam dos requisitos legais atribuídos pela Lei nº 9.958/2000.

As Comissões de Conciliação Prévia em funcionamento ou que vierem a ser criadas devem observar o princípio da paridade, que consiste em ser integrada por representantes de empregados e empregadores, em igual número, assegurada a estabilidade dos conciliadores representantes dos trabalhadores. E, em se tratando de Comissão sindical ou intersindical, a sua constituição depende de negociação coletiva.


VII – CONCLUSÕES

  1. A criação de normas jurídicas ou a solução dos conflitos trabalhistas não é obra exclusiva do Estado, num regime de pluralismo político.
  2. Como alternativa à jurisdição estatal, os conflitos individuais trabalhistas podem ser solucionados por meio de negociação extrajudicial, com intermediação de Comissões de Conciliação Prévia (CCP), observados certos requisitos que assegurem a independência do órgão conciliador, a segurança dos atos ali praticados e a celeridade na composição do litígio.
  3. Não obstante o direito comparado ofereça larga experiência na prática da solução autônoma dos conflitos entre o capital e o trabalho, em nosso país, especialmente, na região amazônica, onde a Justiça do Trabalho, mesmo diante da enorme quantidade de processos, goza de elevado grau de confiança da população, pela eficiência dos serviços realizados, é pouco provável que a Lei nº 9.958/2000, que dispõe sobre as Comissões de Conciliação Prévia (CCP), relativamente aos dissídios individuais trabalhistas, venha a ter, pelo menos em médio prazo, o sucesso esperado pelo legislador, inclusive por motivos sócio-econômico-culturais de nosso povo, ainda mais porque não é obrigatória, mas facultativa, a sua constituição, além do que a lei não prevê nenhuma sanção ao empregador que se recusa a comparecer perante a CCP, para a tentativa de conciliação.
  4. Os conciliadores, eleitos representantes dos empregados, titulares e suplentes, na CCP de âmbito empresarial, gozam de estabilidade no emprego, à semelhança dos dirigentes sindicais, pelo que só podem ser dispensados quando comprovado, por via de inquérito judicial, o cometimento de falta grave, nos termos da lei.
  5. A constituição das Comissões de Conciliação Prévia pode ocorrer, em regra, de quatro (4) modos: no âmbito de uma só empresa (empresarial); no âmbito de mais de uma empresa (interempresarial); no âmbito de um só sindicato (sindical); e no âmbito de mais de um sindicato (intersindical) . Em todos os casos, as Comissões deverão ter composição paritária, com representantes dos empregados e dos empregadores, com a atribuição de tentar conciliar os conflitos individuais do trabalho. A lei não exige que os representantes do empregador sejam seus empregados.
  6. Podem ser submetidas à CCP demandas formuladas por empregados, trabalhadores avulsos e pequenos empreiteiros.
  7. Para intentar demanda perante a CCP, de qualquer espécie, não é necessário que o trabalhador seja sindicalizado.
  8. A administração pública direta, autárquica e fundacional, pode submeter-se à Comissão de Conciliação Prévia instituída no âmbito da própria entidade, se assumir a condição de empregador, sendo, porém, impossível a instituição de CCP sindical, que depende de norma coletiva, inaplicável àquelas entidades públicas, nos termos da Constituição.
  9. As sociedades de economia mista e as empresas públicas, entidades de direito privado, submetem-se a qualquer tipo de Comissão, empresarial ou sindical.
  10. É recomendável que as reuniões ordinárias da CCP sejam realizadas durante o expediente normal da empresa, tais como as sessõas das Comissões Internas de Prevenção de Acidentes (CIPAs).
  11. É aconselhável que a constituição de Comissão empresarial ou interempresarial e seu funcionamento sejam definidos em regulamento próprio, aprovado pelos empregados, preferentemente com assistência sindical, para tornar o sistema mais democrático.
  12. A Comissão instituída no âmbito do sindicato terá sua constituição e normas de funcionamento definidas em convenção ou acordo coletivo.
  13. A demanda de natureza trabalhista poderá ser submetida à Comissão de Conciliação Prévia se, na localidade da prestação de serviços, houver sido instituída a Comissão no âmbito da empresa ou do sindicato da categoria. Se o empregado prestar serviço em diversas localidades, como os agentes ou viajantes, os pracistas, os motoristas intermunicipais ou interestaduais, deve aplicar-se, por analogia, o critério estabelecido no art. 651, § 1º, da CLT, com a redação dada pela Lei nº 9.851, de 27.10.1999, que define, nessas situações, a competência da Vara do Trabalho da localidade em que a empresa tenha agência ou filial e a esta o empregado esteja subordinado e, na falta, a Vara do Trabalho da localização em que o empregado tenha domicílio ou a localidade mais próxima.
  14. É inconstitucional a norma disposta no caput do art. 625-D, da CLT, com a redação dada pela Lei nº 9.958/2000, por condicionar o ingresso em juízo à prévia tentativa de conciliação, à luz do art. 5º, XXXV, da Constituição Federal, na medida em que a Carta Magna impôs essa condição apenas para o ajuizamento de dissídios coletivos (art. 114, § 2º, da CF/88). Portanto, o apelo à CCP não deve ser considerado obrigatório, mas facultativo.
  15. Em virtude da manifesta inconstitucionalidade da exigência de prévia tentativa de conciliação, para o ajuizamento de reclamação trabalhista, deve ser aceita a declaração tácita do reclamante quanto à impossibilidade de tentar a conciliação perante a Comissão, como válida manifestação unilateral de vontade, que independe de comprovação. Por isso, cabe a interpretação no sentido de que, por não ter antes submetido a sua demanda à CCP, o procedimento do interessado constitui, por si só, fato capaz de representar motivo relevante, sem nenhum prejuízo à imediata propositura da ação intentada perante a Justiça do Trabalho. Nesse caso, é desnecessária a concessão do prazo do art. 284, do CPC, eis que não se trata de inépcia da petição inicial.
  16. Não podem ser submetidos à conciliação extrajudicial questão que envolve discussão sobre a relação de emprego, insuscetível de livre negociação, ainda que perante uma Comissão de Conciliação Prévia, uma vez que abrange matéria de ordem pública, a respeito da qual as partes não podem transigir, salvo para reconhecer o vínculo empregatício. Da mesma forma, não podem negociar sobre direitos trabalhistas fundamentais, indisponíveis e irrenunciáveis pelo trabalhador, por princípio de ordem pública inerente à razão de ser do Direito do Trabalho, a exemplo do que ocorre na arbitragem.
  17. A demanda perante a CCP pode ser apresentada sob a forma de reclamação individual simples ou plúrima. Devem ser admitidos a substituição processual, pelo sindicato profissional, e o litisconsórcio passivo, bem como o jus postulandi, e, ainda, pedido de cumprimento de normas coletivas.
  18. A defesa dos direitos e interesses dos menores, incapazes e índios, perante a CCP, será exercida pelo Ministério Público do Trabalho.
  19. O direito de escolha à Comissão sindical ou de empresa incumbe ao próprio interessado, se estiverem funcionando, na mesma localidade e para a mesma categoria, as duas espécies de comissões, vedada a determinação de preferência. Será competente, por prevenção, a CCP que primeiro conhecer do pedido.
  20. É possível a transferência da demanda, para a tentativa de prévia conciliação, de uma para outra CCP, se ambos os interessados estiverem de acordo com essa providência, não havendo prejuízo para o trabalhador, especialmente quanto à prescrição.
  21. O conciliador tem o dever de revelar, em tempo hábil, qualquer fato que denote dúvida justificada quanto à sua imparcialidade e independência para o exercício da função.
  22. Na omissão da Lei nº 9.958/2000, devem ser aplicadas, subsidiariamente, as normas trabalhistas, quando compatíveis com as normas pertinentes às CCP.
  23. Tal como o ato de assistência na rescisão contratual, é gratuito o serviço realizado pelas Comissões de Conciliação Prévia, empresariais ou sindicais.
  24. O termo de conciliação, perante a CCP, deve conter todas as condições essenciais do ajuste, tais como o valor do acordo, a data e o local do pagamento, a multa ou indenização em caso de inadimplemento da obrigação assumida, a abrangência da quitação etc., à semelhança do termo de conciliação celebrado perante a Justiça do Trabalho, a fim de imprimir ao ato a necessária certeza, liquidez e transparência.
  25. O termo de conciliação constitui título executivo extrajudicial e tem eficácia liberatória geral relativamente às condições nele especificadas, exceto quanto às parcelas expressamente ressalvadas.
  26. Não deve ser aceita a conciliação, perante a CCP, que pretenda efetuar pagamento "por simples liberalidade".
  27. A demanda perante a CCP pode ser formulada durante a vigência do contrato de trabalho ou após a extinção do pacto laboral. É discutível a possibilidade de conciliação sobre questões pré-contratqais trabalhistas, no âmbito da CCP, quando houver discussão sobre a existência do vínculo empregatício.
  28. Deve ser admitida a compensação, até o valor do crédito do empregado, no termo de conciliação perante a CCP, sem a limitação prevista no art. 477, § 5º, da CLT, para dívidas de natureza trabalhista.
  29. É possível a conciliação, perante a CCP, no curso de processo judicial, desde que haja desistência da ação judicial, devidamente homologada pelo juiz competente, sob pena de ineficácia do acordo extrajudicial, que será desconsiderado pela Justiça do Trabalho, uma vez impossível o conflito de competência entre um órgão de jurisdição estatal e outro de conciliação extrajudicial, devendo prevalecer a autoridade do primeiro.
  30. As partes não podem transigir sobre a coisa julgada resultante de processo na Justiça do Trabalho.
  31. O interessado pode pleitear a declaração de ineficácia do termo de conciliação, celebrado perante a CCP, como incidente no processo judicial trabalhista que vier a ajuizar, como também pode atacá-lo por via de ação anulatória de competência originária da Vara do Trabalho.
  32. Por motivos éticos e para que possam exercer as suas funções com discrição e independência, os membros das Comissões de Conciliação Prévia estão desobrigados a depor em juízo, como testemunhas, sobre fatos relativos à negociação tratada perante aquele órgão conciliador, a respeito dos quais devam guardar sigilo.
  33. A Comissão de Conciliação Prévia dispõe do prazo máximo de dez (10) dias, contados da provocação do interessado, para intermediar a solução amigável entre as partes. Frustrada a conciliação, no último dia desse prazo, a CCP deve fornecer aos litigantes uma declaração atestando o fato, para juntada à eventual reclamação perante a Justiça do Trabalho.
  34. A partir da provocação do interessado e até o máximo de dez (10) dias, estabelecido para a CCP tentar a conciliação entre as partes, fica suspenso o prazo prescricional, que recomeça a fluir, pelo tempo restante, quando frustrada a tentativa de acordo ou esgotado aquele prazo para atuação da Comissão.
  35. As disposições da Lei nº 9.958/2000 aplicam-se, no que couber, aos Núcleos Intersindicais de Conciliação Trabalhista em funcionamento ou que vierem a ser criados, desde que observados os princípios da paridade e da negociação coletiva na sua constituição.
  36. Nos termos da Lei nº 9.958/2000, são considerados títulos executivos trabalhistas as decisões judiciais, os acordos homologados pela Justiça do Trabalho, os termos de conciliação celebrados perante as Comissões de Conciliação Prévia e os termos de ajuste de conduta firmados junto ao Ministério Público do Trabalho, os dois primeiros de natureza judicial e os dois últimos de natureza extrajudicial. A execução dos títulos judiciais e extrajudiciais dar-se-á na Justiça do Trabalho.
  37. Os acordos individuais celebrados extrajudicialmente não são títulos executivos trabalhistas, salvo quando firmados perante a CCP ou o MPT.
  38. Seria recomendável que a lei tivesse atribuído a qualidade de títulos executivos trabalhistas especiais às normas coletivas (convenções, acordos e sentenças normativas), quanto às cláusulas que assegurem direitos patrimoniais, suscetíveis de cobrança de crédito resultante de obrigação para entrega de coisa certa ou incerta, de fazer e não fazer ou, ainda, por quantia certa, a fim de evitar a propositura de ação de cumprimento, como hoje ocorre, que obriga o trabalhador a percorrer toda a exaustiva fase de conhecimento, sujeita aos inúmeros recursos legalmente possíveis, para, então, só depois, poder promover a execução. Melhor seria que a demanda, fundada em normas coletivas, iniciasse logo pela execução, cabendo ao demandado defender-se por via de embargos. A nova lei também deixou de atribuir à sentença arbitral, cabível nos dissídios coletivos, a força de título executivo.
  39. A Lei nº 9.958, de 12.01.2000, publicada no Diário Oficial da União de 13.01.2000, entra em vigor em 12.04.2000.
  40. O procedimento perante as Comissões de Conciliação Prévia deve, ao tempo em que é bastante rápido (máximo de 10 dias), ser informal e prático. Nada de burocracia e outros complicadores que possam inviabilizar o ideal de uma solução imediata da demanda.
  41. O procedimento conciliatório, perante as CCP, deve ser o mais enxuto possível, com a prevalência da oralidade e de modo que seja utilizado o mínimo de meios para se alcançar o máximo de eficiência na solução dos conflitos trabalhistas.
  42. Para tanto, é fundamental que os conciliadores, as partes e seus advogados adotem uma postura desburocratizante, que consiga, na verdade, "desprocessualizar" a metodologia de solução dos conflitos trabalhistas. É exatamente o excesso de valor que se tem dado ao processo, muitas vezes em prejuízo do direito material, que compromete a imagem do Poder Judiciário. O culto a filigranas processuais muitas vezes resulta na prática de injustiças irreversíveis, como alguns casos de incidentes injustificáveis, a extinção do processo, sem julgamento do mérito, e a interposição de recursos protelatórios, para ficar apenas nesses três exemplos.
  43. Todos os envolvidos no procedimento de tentativa prévia de conciliação extrajudicial devem adotar uma nova mentalidade de solucionar, de modo simples e imediato, os conflitos trabalhistas, tal como, aliás, já prevê a CLT, cujo processo nem sempre é observado.
  44. A rigor, não é necessário que sejam formados autos de processo para a tentativa de conciliação prévia perante a CCP. Os conciliadores podem e devem utilizar-se de métodos práticos e eficazes, a fim de que possam, antes de tudo, persuadir as partes a um acordo, em face das divergências verificadas. A Comissão pode utilizar simples anotações, em fichas, de modo bastante informal. Se houver condições, alguns apontamentos podem ser feitos em computador. Não é preciso registrar depoimentos de partes e testemunhas, nem tampouco realizar perícias.
  45. A solução extrajudicial dos conflitos individuais trabalhistas, por intermédio de Comissões de Conciliação Prévia, portanto, é, em tese, uma alternativa válida para pacificar as questões entre empregados e empregadores
  46. Não basta a simples previsão legal para instituição de meios extrajudiciais de solução dos conflitos entre empregados e empregadores. Faz-se necessário o desenvolvimento de uma cultura motivada para conduzir as partes aos mecanismos alternativos de pacificação das questões entre o trabalho e o capital, o que não se consegue sem que os interessados, sobretudo os trabalhadores, tenham a necessária confiança na atuação desses órgãos, tal como hoje confiam na Justiça do Trabalho, especialmente nesta 8ª Região.
  47. Por isso, a primeira condição, para que a idéia possa ser implementada, é dotar esses instrumentos alternativos de pessoas competentes e lhes proporcionar as estruturas adequadas para exercerem o seu papel de modo equilibrado, com experiência na composição dos conflitos trabalhistas e conhecimento técnico da matéria, além de imparcialidade, independência, diligência, discrição, eficiência, lisura, informalidade, transparência, segurança e, sobretudo, celeridade.
  48. Não basta legislar, ainda que válido o propósito do legislador. Mais importante do que a lei são as condições imprescindíveis para torná-la realmente eficaz.
  49. Impõe-se, pois, educar empregados e empregadores no sentido de buscarem alternativas não só para a criação de normas trabalhistas autônomas (convenções e acordos coletivos), como também mecanismos extrajudiciais para a solução dos conflitos entre o capital e o trabalho, na trilha percorrida por outros povos, numa época de globalização da economia. Isso demanda tempo, educação e incentivo, ou estímulo econômico à conciliação. Mudanças culturais não se adquirem do dia para a noite.
  50. Se for assim - e para que não se pense que somos pessimistas ou alheios ao que acontece ao redor do mundo -, talvez possamos alimentar, hoje ou amanhã, a expectativa de que, enfim, a pauta de processos na Justiça do Trabalho tenderá a ser desafogada. Caso isso ocorra, a Justiça do Trabalho, que atualmente vem recebendo para mais de 2.500.000 (dois milhões e quinhentos mil) novos processos por ano, somente deverá ser chamada a resolver os conflitos que os próprios interessados não conseguiram solucionar, agora com a intermediação de um órgão conciliador, o que importa em dizer que os julgamentos dos processos judiciais trabalhistas poderão ser mais qualificados e, portanto, mais justos. Oxalá, os propósitos do legislador brasileiro estejam no caminho certo e não seja mais um motivo de frustração como tantos outros ensaios que foram experimentados, sem êxito, em nosso sofrido país.

 APÊNDICE:

Resultado de consulta aos juízes participantes do
I Ciclo de Estudos sobre Comissões de Conciliação Prévia,
promovido pelo TRT da 8ª Região,
em 27 e 28 de janeiro de 2000

1. Haverá êxito nas atividades das Comissões de Conciliação Prévia, considerando, inclusive, a realidade da região amazônica?

          ( ) Sim - 4,34%
          ( ) Não - 95,65%

2. É pré-requisito para o ajuizamento de reclamação na Justiça do Trabalho o trabalhador buscar as Comissões de Conciliação Prévia?

          ( ) Sim - 45,65%
          ( ) Não - 52,17%

3. Os acordos extrajudiciais individuais celebrados sem a audiência das Comissões de Conciliação Prévia podem ser considerados títulos executivos?

          ( ) Sim - 8,69%
          ( ) Não - 91,30%

 4. A ressalva, que pode ser feita no momento da conciliação, perante à CCP, siginifica que as reclamações trabalhistas podem ser ajuizadas nos moldes da que é praticada pelos sindicatos, objeto do Enunciado nº 330/TST?

          ( ) Sim - 76,08%
         
( ) Não - 19,56%

5. A declaração de inobservância do procedimento extrajudicial deve ser feita na inicial da reclamação trabalhista (art. 625-D, § 3º). É necessário juntar a declaração da CCP (art. 625-D, § 2º)?

          ( ) Sim - 47,82%
          ( ) Não - 52,17%

Obs.: Na reunião do dia 28.01.2000 manifestaram-se sobre os quesitos 46 (quarenta e seis) magistrados.


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Informações sobre o texto

Artigo também publicado na home-page do TRT da 8ª Região (http://www.trt8.gov.br)

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

FONSECA, Vicente José Malheiros da. Comissões de conciliação prévia. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 5, n. 39, 1 fev. 2000. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/1236. Acesso em: 20 abr. 2024.