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Direitos do presidiário.

Uma análise da Constituição de 1988

Direitos do presidiário. Uma análise da Constituição de 1988

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"O saber a gente aprende com os mestres e com os livros. A sabedoria, se aprende é com a vida e os humildes."

Cora Coralina

"O problema grave do nosso tempo, com relação aos direitos do homem, não é mais o de fundamentá-los, e sim o de protegê-los."

Norberto Bobbio


RESUMO

A prática de delitos e a aplicação de penas ocorre desde a organização do homem em sociedade. Ao longo da história, muitos são os exemplos de punições cruéis, desproporcionais ao prejuízo causado e fortemente marcadas pela retribuição, isto é, comumente ocorria a imposição do mal da pena pelo mal do crime. O Iluminismo e as Revoluções do século XVIII promoveram uma grande mudança na concepção da pena, humanizando-a e trazendo uma série de garantias ao condenado. Seguindo esta tendência, desde a Constituição de 1824, o Brasil adota um regime com amplos direitos aos penitenciários, mas foi a Carta Magna de 1988 que considerou definitivamente o detento um sujeito de direitos, que deve ter sua dignidade conservada. É nesse contexto que nesta monografia far-se-á uma análise dos direitos assegurados aos presidiários pela Constituição Federal e pela legislação ordinária, traçando um histórico da aplicação das penas e analisando cada direito in specie. Para tanto, utilizaremos os métodos histórico comparativo e sistemático, fazendo um estudo predominantemente bibliográfico e tendo por principal referencial teórico a hermenêutica constitucional.

SUMÁRIO: INTRODUÇÃO. IA EVOLUÇÃO DA APLICAÇÃO DAS PENAS NOS SISTEMAS PENAIS. 1.1. As Teorias da Pena. 1.2. A punição na Antigüidade e na Idade Média. 1.3. O Iluminismo e a nova concepção da pena . 1.4. As penas nas Legislações Brasileiras . 1.4.1.As Ordenações do Reino. 1.4.2.O Código Penal do Império.1.4.3.O Código Criminal da República. 1.4.4.O Código Penal de 1940 e as tendências atuais. II-Os direitos dos presidiários na Constituição de 1988. 2.1. Princípios, Valores e Regras Constitucionais. 2.2. O Valor Fundamental da Dignidade da Pessoa Humana. 2.3.Princípios Constitucionais Penais. 2.3.1.Princípio da Humanidade. 2.3.2.Princípio da Retroatividade da Lei Penal mais benéfica. 2.3.3.Princípio da Responsabilidade Pessoal. 2.3.4.Princípio do acesso à Justiça. 2.3.5.Princípio da vedação da penas de morte, de caráter perpétuo, de trabalhos forçados, de banimento e cruéis. 2.4.Direitos Constitucionais dos Presidiários. 2.4.1.Direito à integridade física e moral. 2.4.2.Direito à assistência religiosa. 2.4.3.Direito de petição. 2.4.4.Direito à assessoria jurídica integral e gratuita. 2.4.5.Direito ao aleitamento materno. 2.4.6.Direito à indenização por erro judiciário ou por prisão além dos limites estabelecidos na pena. III-Direitos do Presidiário na Legislação Ordinária. 3.1. Assistência material, à saúde, jurídica, educacional, social e religiosa. 3.2. Atribuição de trabalho e sua remuneração e proporcionalidade na distribuição do tempo de trabalho, de descanso e de recreação. 3.3. Remição da pena pelo trabalho . 3.4. Previdência social. 3.5. Constituição de pecúlio. 3.6. Exercício de atividades profissionais, intelectuais, artísticas e desportivas. 3.7. Representação de petição e proteção contra qualquer forma de sensacionalismo. 3.8. Entrevista pessoal e reservada com o advogado. 3.9. Visita. 3.10.Chamamento nominal. 3.11.Igualdade de tratamento. 3.12.Entrevista pessoal com o diretor do estabelecimento 3.14.Contato com o mundo exterior por meio de correspondência escrita ou demais meios de informação. 3.15.Obtenção de atestado anual de que conste pena a cumprir. 3.16.Progressão de regime. 3.17.Livramento condicional. CONCLUSÃO. REFERÊNCIAS


LISTA DE ABREVIATURAS

CF – Constituição da República Federativa do Brasil de 1988

CF⁄1824 – Constituição do Império do Brasil de 1824

CP – Código Penal Brasileiro

CPP – Código de Processo Penal Brasileiro

LEP – Lei de Execução Penal (Lei nº 7210, de 11 de julho de 1984)

ONU – Organização das Nações Unidas


INTRODUÇÃO

[Damiens fora condenado, a 2 de março de 1757], a pedir perdão publicamente diante da porta principal da Igreja de Paris [aonde devia ser] levado e acompanhado numa carroça, nu, de camisola, carregando uma tocha de cera acesa de duas libras; [em seguida], na dita carroça, na praça de Grève, e sobre um patíbulo que aí será erguido, atenazado nos mamilos, braços, coxas e barrigas das pernas, sua mão direita segurando a faca com que cometeu o dito parricídio, queimada com fogo de enxofre, e às partes em que será atenazado se aplicarão chumbo derretido, óleo fervente, piche em fogo, cera e enxofre derretidos conjuntamente, e a seguir seu corpo será puxado e desmenbrado por quatro cavalos e seus membros e corpo consumidos ao fogo, reduzidos a cinzas, e suas cinzas lançadas ao vento. [01]

É com esta notícia que Michel Foucault inicia sua obra Vigiar e Punir: nascimento da prisão. E, inspirada nestas mesmas palavras, que tocam pela crueldade dos acontecimentos narrados, esta monografia se inicia a fim de desenvolver um estudo sobre os direitos dos presidiários, buscando, ao final, analisar qual o tratamento dado às pessoas submetidas à aplicação de penas na atualidade.

Objetiva-se, dessa forma, nesta monografia, um estudo dos valores da Constituição e das disposições do Código Penal e da Lei de Execução Penal numa perspectiva que valorize a materialização dos valores constitucionais no conteúdo da Execução Penal e que permita uma análise da concepção atual de aplicação da pena adotada pelo legislador brasileiro.

Buscar-se-á responder a perguntas como: Quais os Princípios Constitucionais, que refletidos no Direito Penal, asseguram os Direitos do Presidiário? O que a Constituição Federal de 1988, a Lei de Execuções Penais e o Código Penal garantem ao preso? Os direitos dos carcerários possuem efetividade plena?

Para tanto, utilizar-se-á, nesta pesquisa, o método histórico-comparativo, em sua primeira etapa, para que se possa analisar o panorama histórico em que se deu o desenvolvimento da aplicação das penas até a atualidade; e, num segundo momento, a fim de se analisar como os direitos do presidiário estão dispostos na legislação constitucional e infraconstitucional, adotar-se-á o método sistêmico, o qual permite fazer uma análise conjuntural dos direitos resguardados pelo ordenamento jurídico.

Esta monografia terá por principal referencial teórico a hermenêutica jurídica, para que se possa analisar como os direitos dos presidiários estão inseridos em no ordenamento jurídico em uma perspectiva global e como vem se dando a efetivação destes direitos na realidade social.

O ponto de partida deste trabalho é o fato de que a concepção de crime existe desde que o homem vive em sociedade; que a punição para os delitos acompanha a formação cultural dos homens; que a aplicação das penas sofreu uma evolução significativa através dos tempos e que vivemos um período de máxima humanização da pena com inúmeros direitos atribuídos aos apenados.

Assim, no Capítulo I, far-se-á uma análise que se inicia com o argumento de que o crime nasce com a organização humana em sociedade e que a pena foi, durante uma longa parte da história, intimamente relacionada à vingança: num primeiro momento, a vingança privada, promovida pela própria família do ofendido; e, mais tarde, a vingança pública, em que o Estado toma para si o direito de punir e propicia espetáculos supliciais ao povo. Todavia, as novas idéias advindas do movimento Iluminista, ao valorizarem o homem, promoveram uma mudança profunda na compreensão da punição nas sociedades a partir do século XVI. As penas de degredo, banimento, trabalhos forçados e os suplícios foram, aos poucos, sendo substituídos pela pena privativa de liberdade e, mais modernamente, pelas penas restritivas de direito e de multa.

Atualmente, a aplicação da pena vem revestida de toda uma carga humanística, herança do Iluminismo e das Revoluções do século XVIII, e não mais se admite o tratamento desumano dos presos, sendo a eles garantida uma série de direitos. Não somente as legislações pátrias são responsáveis por garantir um tratamento digno aos presos como há também tratados internacionais humanitários da Organização das Nações Unidas – ONU, como as Regras Mínimas para o Tratamento dos Reclusos e as Regras Mínimas das Nações Unidas sobre as Medidas não privativas de Liberdade – Regras de Tókio.

Foi a partir desse contexto histórico que a Constituição de 1988, consagrando a grande evolução constitucional brasileira pós-ditadura, estabeleceu em seu art. 5º, no rol dos direitos individuais, uma série de direitos assegurados especificamente aos presidiários. Dessa maneira, no Capítulo II, serão analisados quais os direitos dos presidiários contidos na Carta Magna de 1988, fazendo uma relação entre os Direitos Constitucional e Penal e analisando a diferença entre valores, princípios e regras. E, num segundo momento será feito um estudo sobre o valor fundamental da dignidade da pessoa humana, sobre os princípios constitucionais penais relacionados aos presidiários e, finalmente, sobre os direitos constitucionalmente assegurados aos presos.

No último capítulo, estudar-se-á os direitos dos presidiários contidos na legislação ordinária, fazendo uma análise de cada um dos direitos contidos no art. 41 da Lei de Execução Penal, além dos institutos da remissão da pena, da liberdade condicional e da progressão de regime.

Assim, ao longo desta monografia, procurar-se-á, primeiramente, dar uma abordagem geral de como as penas foram aplicadas ao longo da história até chegarmos ao momento atual de plena humanização da pena, para somente depois analisar os direitos dos presidiários em espécie.

Tendo em vista a relevância da garantia dos direitos do presidiário e de sua efetivação para a consolidação de um Estado Democrático de Direito, baseado na democracia e apto a construir uma sociedade solidária e inclusiva, esta monografia foi elaborada no intuito de prestar uma colaboração à discussão deste tema e aprofundar uma hermenêutica da Constituição que valorize o homem, estando ele encarcerado ou não.


CAPÍTULO I

A prática de delitos é uma decorrência da organização do homem em comunidades e remonta aos primórdios da civilização, todavia não se pode falar em princípios penais desde esse período.

Nos tempos primitivos, o homem relacionava freqüentemente os fenômenos da natureza com a encolerização dos deuses por conta das práticas humanas que os desagradavam. Assim, para reparar o erro com os deuses, costumou-se estabelecer algumas proibições (vedações morais, religiosas e sociais), conhecidas como "tabus", que, uma vez desobedecidas, resultavam em castigo.

Como bem explica Júlio Fabbrini Mirabete,

A infração totêmica ou a desobediência tabu levou a coletividade à punição do infrator para desagravar a entidade, gerando-se assim o que modernamente, denominamos ‘crime’ e ‘pena’. O castigo infligido era o sacrifício da própria vida do transgressor ou a ‘oferenda por este de objetos valiosos (animais, peles e frutas) à divindade, no altar montado em sua honra’. A pena, em sua origem remota, nada mais significa senão a vingança, revide à agressão sofrida, desproporcionada com a ofensa e aplicada sem preocupação de justiça. [02]

A concepção de crime ou delito relaciona-se, assim, desde os primórdios, à idéia de vingança, concepção que só nos últimos séculos vem sofrendo algumas mudanças. Assim, neste capítulo, analisar-se-á a evolução da aplicação da pena ao longo dos tempos e o tratamento dado por nossa legislação a este tema.

1.1. As Teorias da Pena

A finalidade da aplicação das penas é um tema que vem sendo discutido desde a Antigüidade. Há três modalidades de teorias sobre as penas: teorias absolutas, teorias relativas e teorias da união ou mistas.

Para as teorias absolutas, todo o sentido (essência) da pena radica-se na retribuição, isto é, ocorre a imposição do mal da pena pelo mal do crime (punitur quia peccatum est), e o fim da pena exaure-se nisso. "A pena é, pois, conseqüência justa e necessária do crime praticado, entendida como uma necessidade ética (imperativo categórico), segundo Kant, ou necessidade lógica (negação do crime e afirmação da pena), segundo Hegel" [03].

As teorias relativas atribuem à pena a prevenção geral ou especial, por meio da cominação em abstrato da punição [04]. O sentido da pena consistiria, assim, em seus efeitos face ao futuro (poena relata ad effetum) e poderia se dar no âmbito da prevenção geral ou da prevenção especial ou individual.

A pena sob enfoque da prevenção geral serve como um fator de luta contra a criminalidade: ao ver a punição adequada dada ao criminoso, os outros membros da sociedade evitarão ao máximo cometer um delito.

Já a prevenção especial ou individual identifica-se com a ressocialização. O objetivo da pena seria promover a adequada ressocialização do preso à vida em sociedade, pois se evitaria que este indivíduo cometesse outro delito. O regime penitenciário ressocializador permite que a sociedade resgate sua culpa pela socialização deficiente do indivíduo e prima pela visão de que a pena deve propiciar uma ressocialização adequada.

A teoria da união concebe a pena tanto do ponto de vista da retribuição como do da prevenção. Assim, a pena deve atender a quatro pressupostos: a) serve à reinserção social do delinqüente (ressocialização) e à proteção de comunidade (prevenção geral); b) não pode exceder em sua gravidade o grau de culpabilidade do delinqüente (função limitadora do princípio da culpabilidade); c) pode ser inferior à que corresponde ao grau de culpabilidade; e d) não deve ser imposta em virtude da proteção da comunidade, numa extensão maior do que a exigida para a reinserção do delinqüente [05].

As modernas legislações penais trazem a concepção de que o objetivo da pena passa pela ressocialização do delinqüente e visa especialmente sua reeducação e adequada reinserção na vida em sociedade, considerando-se sempre o princípio da humanização máxima da pena. Todavia, como veremos, muitas foram as vidas perdidas e grande o sofrimento causado a muitos inocentes até chegarmos a este período de evolução na aplicação das penas.

1.2.A punição na Antigüidade e na Idade Média

Na Antigüidade, a vingança prevalecia como o princípio justificador e orientador da aplicação da pena e esta possuía um caráter tipicamente retributivo. Era comum que a vítima ou seus parentes promovessem a vingança, condenando o criminoso a penas duras e cruéis aplicadas sem a mínima proporcionalidade.

Assim, num primeiro momento, durante a fase da vingança privada, "cometido um crime, ocorria a reação da vítima, dos parentes ou até do grupo social (tribo) que agiam sem proporção à ofensa, atingindo não só o ofensor, como também todo o seu grupo [06]". Posteriormente, surgiram as primeiras concepções de que a justiça penal era realizada para "satisfazer o desejo da autoridade divina, pois esta era interessada em punir o criminoso, ao mesmo tempo, que este era autor de pecado [07]", inaugurando a fase da vingança divina. E, num terceiro momento, surgiu o período da vingança pública, na qual caberia ao príncipe estabelecer as penas, esquecendo-se os interesses do particular e desvinculando a satisfação divina do objetivo da pena.

Nas fases da vingança, a pena era muito desproporcional e concebida apenas como um meio para a satisfação de alguém (ora o particular, ora Deus, outra o príncipe). Uma das primeiras formas de resposta às injustiças advindas da vingança foi a composição, mecanismo pelo qual o ofendido fixava um preço a ser pago pelo agressor, inaugurando a idéia de proporcionalidade entre o dano causado e o valor a ser pago.

Os primeiros ordenamentos que limitavam as penas a serem aplicadas ao infrator são de, aproximadamente, 2400 a.C. e surgiram na região da Mesopotâmia. O Código de Ur-Nammu, o Código mais antigo conhecido atualmente, data de 2040 a. C., e já trazia disposições como a seguinte:

Col. VIII. Um cidadão fracturou um pé ou uma mão a outro cidadão durante uma rixa pelo que pagará 10 siclos de prata. Se um cidadão atingiu outro com uma arma e lhe fracturou um osso, pagará uma "mina" de prata. Se um cidadão cortou o nariz a outro cidadão com um objecto pesado pagará dois terços de "mina". [08]

Mas o documento jurídico mais importante da Antigüidade é o Código de Hamurabi (aproximadamente 1694 a.C.), que determinava a pena do agressor no mesmo grau da ofensa por ele feita. Assim, o Código de Hamurabi ficou famoso por trazer determinações como:

1. Se alguém acusou um homem, imputando-lhe um homicídio, mas se ele não pôde convencê-lo disso, o acusador será morto.

(...)

195. Se um filho agrediu o seu pai, ser-lhe-á cortada a mão por altura do pulso.

196. Se alguém vazou um olho de um homem livre, ser-lhe-á vazado o olho.

197. Se ele partiu um osso de um homem livre, ser-lhe-á partido um osso. [09]

Na Idade Média, prevalecia ainda a aplicação de penas cruéis, de trabalhos forçados, de degredo e especialmente de morte. Eram comuns os suplícios, rituais públicos de execução no qual o delinqüente era, muitas vezes, queimado, esquartejado e arrastado pelas ruas num procedimento no qual a morte é lenta e cruel. Predominava nesse período uma justiça dúbia: uma aplicada aos senhores feudais e outra a seus vassalos; e, na falta de um Estado forte, a Igreja exercia grande influência na vida dos feudos.

A partir do século IV, a Igreja Católica criou um tribunal eclesiástico próprio para o julgamento dos hereges e pessoas suspeitas de se desviarem da ortodoxia católica. Era crime, para o Santo Ofício, qualquer ofensa à fé ou aos costumes, como judaísmo, heresia protestante, feitiçaria, usura, blasfêmia, bigamia, sodomia, etc.

Os processos para julgamento e condenação dos delitos de heresia eram sumários e a obtenção de confissões se dava habitualmente pela prática de tortura. A pena de morte na fogueira era a mais comum, mas mesmo a punição dos que se declaravam arrependidos era rigorosa e podia incluir a condenação às galés, à prisão perpétua, ao desterro para lugares distantes, ao confinamento em uma aldeia pelo resto da vida, ao confisco dos bens do herege e à imposição de restrições à sua família [10].

A crueldade das penas aplicadas nesse período estendeu-se até princípios do século XVIII quando as medidas penais foram reavaliadas e iniciou-se a fase de humanização da pena e de alargamento dos direitos humanos.

1.3.O Iluminismo e a nova concepção da pena

Somente com o Iluminismo, movimento que balançou a Europa a partir dos séculos XVII e XVIII, os modelos de aplicação da pena começaram a ser repensados.

No século XVIII, o protesto contra os suplícios encontrava-se por toda a parte. Era necessário um outro modo de punição, era preciso que a justiça criminal punisse em vez de se vingar. Michel Foucault observa que essa necessidade de um castigo sem suplício é formulada primeiro como um grito do coração ou da natureza indignada: no pior dos assassinos, uma coisa pelo menos deve ser respeitada quando punimos: sua "humanidade" [11].

Como relata José A. Sáinz Cantero, as leis penais eram muito semelhantes em todos os países da Europa neste período e poderiam ser caracterizadas do seguinte modo:

Desde un ángulo de pura justicia, era un Derecho generador de desigualdades, cargado de privilegios, que permitia juzgar a los hombres en atención a su condición social; desde el punto de vista legislativo, constituía un Derecho heterogéneo, caótico, cimentado sobre un conglomerado incontrolable de ordenanzas, leyes arcaicas, edictos reales y costumbres; en la vertiente de la seguridad individual, contenía múltiples arbitrariedades, que acrecentaban tanto los jueces como el Monarca; era además excesivamente riguroso y cruel. Fundado sobre el doble pilar de la expiación moral y la intimidación colectiva, prodigaba los castigos corporales y la pena de muerte, para cuya ejecución se preveían refinamientos de crueldad cuando se trataba de determinados delitos. [12]

Entre os Iluministas que fizeram a crítica do sistema penal no século XVIII, há de se destacar o pensamento de Voltaire. Este autor defendia como aceitáveis apenas as penas privativas de liberdade e as de trabalhos perpétuos, censurava o confisco de bens ("que arruína a los hijos por los crimenes de los padres") e a pena de morte, por sua inutilidade, ainda que em alguns casos a admita. Condenava a tortura, alegando que "es un medio casi seguro para salvar a un culpable robusto y condenar a un inocente de débil constitución" e, quando criticado por preferir os trabalhos perpétuos à pena capital, explicava que não se tratava de avaliar qual a pena mais leve, mas qual a mais útil [13].

Voltaire abriu grandes precedentes para a crítica dos sistemas penais de sua época e influenciou decisivamente a mais importante obra do período Dei delitti e delle pene, de Cesare Bonessana, o Marquês de Beccaria.

Nesta obra, Beccaria, alcunha pela qual este autor se tornou conhecido, trata da origem do direito de castigar, do procedimento penal, do sistema de penas, dos delitos, da forma de preveni-los, etc. Fundamenta o direito de punir e a origem das penas no contrato social, pelo qual cada homem abre mão de parte de sua liberdade para poder viver em sociedade.

Todavia, é incisivo ao afirmar que a pena deve ser útil, proporcional e justa. Para ele, se a pena é inútil, deve-se "considerá-la como odiosa, revoltante, contrária a toda a justiça e à própria natureza do contrato social [14]". Assim, para Beccaria,

el fin de la pena, que ‘no es el de atormentar y afligir a un ser sensible, ni el de deshacer un delito ya cometido’, sino el de atender a la prevención general y a la utilidad de todos. La pena debe ser necesaria, aplicada con prontitud, cierta y suave. Ha de existir proporción entre el delito y la pena que se impone a su autor. [15]

Beccaria coloca-se contrário à pena de morte, pois, no contrato social, um homem não deixaria a outros homens o arbítrio de matá-lo. A pena capital só seria admissível quando o indivíduo, mesmo preso, resulte perigo para a forma de governo estabelecida ou quando sua morte seja o único meio de fazer com que os demais cidadãos abstenham-se de cometer delitos. Aprova a aplicação do desterro no caso de delitos cruéis, o confisco de bens e a pena de trabalhos forçados. Para ele,

O espetáculo atroz, mas momentâneo, da morte de um criminoso, é para o crime um freio menos poderoso do que longo e contínuo exemplo de um homem privado de sua liberdade, tornado até certo ponto uma besta de carga e que repara com trabalhos penosos o dano que causou à sociedade. (...)

A impressão produzida pela visão dos suplícios não pode resistir à ação do tempo e das paixões, que logo apagam da memória dos homens as coisas mais essenciais. [16]

Cesare Bonessana, o Marquês de Beccaria, foi o primeiro grande autor a criticar incisivamente o modelo penal vigente à sua época e foi vanguarda no movimento de humanização da pena.

A substituição histórica das sanções mais drásticas, como a morte e a mutilação (tão facilmente exeqüíveis), por penas detentivas é expressão do princípio liberal, conquista da Humanidade [17], e demonstra a grande evolução dos direitos humanos conseguido com as Revoluções do século XVIII.

Desde esse período a concepção da pena mudou muito. Os suplícios são uma prática do passado, a pena de morte foi abolida de inúmeros países e a pena de reclusão é cercada por uma série de direitos atribuídos aos presos que resguardam sua integridade física e, especialmente, sua dignidade. Há inúmeros tratados internacionais que regulam os direitos humanos e estabelecem regras asseguradoras de sua dignidade no âmbito macro-nacional, dos quais são exemplos o Pacto de São José da Costa Rica, as Regras Mínimas da ONU para o Tratamento dos Reclusos e as Regras Mínimas da ONU sobre as medidas não privativas de Liberdade (Regras de Tókio).

1.4.As penas nas Legislações Brasileiras

O Brasil foi muito influenciado pelas idéias européias sobre a concepção da pena por ter sido uma colônia portuguesa e somente ter tido uma legislação própria após sua independência em 1822. Assim, a seguir, far-se-á uma análise de qual o tratamento dado à aplicação das penas em nossa legislação pátria ao longo do tempo.

1.4.1 As Ordenações do Reino

As Ordenações Afonsinas vigeram no Brasil até a entrada em vigor das Ordenações Manuelinas, apesar de terem sido reformadas a partir de 1505. Em seu Livro V, estas ordenações tratavam dos delitos, das penas e dos processos penais e trazia um tratamento da pena sem vista para seus fins e não previa uma proporção entre o delito e a pena a ser aplicada, procurando inibir a prática de crimes pelo terror e pelo sangue.

Eugenio Raúl Zaffaroni e José Henrique Pierangeli relatam que nesta ordenação:

o crime de feitiçaria e encantos, o trato ilícito de cristão com judia ou moura e o furto do valor de um marco de prata são igualmente punidos com pena de morte. O crime de lesa-majestade foi adotado com tudo o que de odioso se apresentava nas leis imperias romanas, não só quanto à qualidade do crime, como quanto ao modo de processar. Na imposição da pena, facilmente se reconhece a desigualdade do sistema feudal: aos nobres impõem-se sempre penas menores do que aos plebeus. O marido podia, em flagrante, matar impunemente o adúltero, exceto se este fosse cavaleiro ou fidalgo de solar, em atenção à sua pessoa e fidalguia. [18]

As Ordenações Manuelinas sucederam as Afonsinas e tiveram aplicação em grande parte do Século XVI, tendo vigorado de 1521 a 1603. Este documento possuía disposições bem parecidas com as contidas na legislação anterior, trazendo apenas sua modernização.

Todavia, a legislação penal que vigorou no Brasil por mais de dois séculos foram as Ordenações Filipinas, reflexo direto do Direito Penal nos tempos medievais. Estas Ordenações, como o próprio nome sugere, foram organizadas a mando do rei luso-espanhol Filipe I, entraram em vigor no reinado de Filipe II e vigeram de 1603 até o advento do Código Criminal do Império em 1830.

O Livro V das Ordenações do Rei Filipe II foi, efetivamente, o primeiro Código Penal Brasileiro mais conhecido como Código Filipino. Estas Ordenações representaram um marco na luta contra a justiça privada, tendo o Estado assumido para si amplamente a responsabilidade de punir os criminosos, apesar de aceitar a vingança privada nas hipóteses de morte dada à adúltera e ao seu parceiro e na admissão da vingança particular consistente na perda da paz (Títulos XXXVIII e CXXVI, § 8º).

Esta legislação fundamentava-se largamente em preceitos religiosos, trazia uma concepção de crime que o confundia com pecado e com ofensa moral e punia severamente aos hereges, apóstatas, feiticeiros e benzedores.

O Código Filipino foi rico na imposição de penas severas e cruéis como os açoites, o degredo, as mutilações, as queimaduras, etc., visando infundir o temor pelo castigo. Além disso, preconizavam pela larga cominação da pena de morte, executada pela força com torturas, pelo fogo etc. Eram comuns ainda as penas infamantes, o confisco e os galés.

Era de aplicação corrente, até mesmo, a chamada "morte para sempre", em que o corpo de condenado ficava suspenso e, putrefazendo-se, vinha ao solo assim ficando, até que a ossamenta fosse recolhida pela Confraria da Misericórdia, o que se dava uma vez por ano.

No Brasil, a aplicação das penas previstas no Código Filipino foram comuns. Um bom exemplo de condenação à morte atroz e por todos bem conhecido foi a morte de Tiradentes. Acusado e condenado ao crime de lesa-majestade, Tiradentes foi enforcado, esquartejado, sendo os seus membros fincados em postes colocados à beira das estradas, nas cercanias de Vila Rica, com slogans destinados a advertir ao povo sobre a gravidade dos atos de conspiração contra o monarca, além de ter-lhe sido imposta a pena de infâmia até a quarta geração [19].

1.4.2. O Código Penal do Império

Proclamada a independência, já em 04.03.1823, o Imperador D. Pedro I abriu solenemente os trabalhos da Assembléia Nacional Legislativa Constituinte, que viria a ser dissolvida em 12 de novembro desse mesmo ano. Por Carta de Lei de 25.03.1824, o Imperador outorgou a Constituição que viria a se constituir na única do período imperial.

Essa Constituição, segundo a afirmação de vários historiadores, apresentou-se muito mais liberal do que aquela que vinha sendo elaborada na Assembléia Constituinte. Essa Carta foi decisivamente influenciada pelas idéias advindas da Revolução Francesa e dos Estados Unidos, as quais também se mostraram fortemente presentes na elaboração do Código Criminal do Império.

A Constituição de 1824 trouxe em seu art. 179 disposições como a que determinava a necessidade de utilidade pública para as leis (inciso II) e a de seu inciso III que fixava o princípio da irretroatividade da lei, que veio constituir uma das precisas garantias do direito humano de liberdade.

O art. 179 trazia ainda garantias como: XIII – "A lei será para todos, quer proteja, quer castigue, e recompensará em proporção dos merecimentos de cada um"; XIX "Desde já ficam abolidos os açoites, a tortura, a marca de ferro quente, e todas as mais penas cruéis"; XX – "nenhuma pena passará da pessoa do delinqüente. Portanto, não haverá em caso de alguns confiscação de bens, nem a infância do réu se transmitiria aos parentes de qualquer grau que seja"; e XXI – "As cadeias serão seguras, limpas e bem arejadas, havendo diversas casas para separação dos réus, conforme suas circunstâncias, e natureza de seus crimes".

Foi, pois, sob a ótica das idéias iluministas advindas da Europa e aqui aportadas com a vinda da Família Real para o Brasil, que a primeira codificação penal brasileira se organizou, fundando-se "nas sólidas bases da Justiça, e Equidade" (art. 179, XVIII, da CF⁄1824).

Assim, o Código Criminal de 1830, que tanto encantou a cultura jurídico-política de sua época, tinha as suas linhas mestras fixadas na Constituição e foi acolhido com grande interesse na Europa, tendo inclusive influenciado largamente o código espanhol de 1848-1850 e sua versão de 1870, além de ter se tornado fonte de inspiração para muitas legislações do restante da América Latina.

O Código Imperial apresentou um texto retributivo, marcado pelo pensamento contratualista de seu tempo, ainda que apresentasse idéias de Bentham. Seu sistema de "penas fixas", tabuladas quase que matematicamente, constitui herança do pensamento Francês da Revolução. Uma de suas mais importantes contribuições está na maneira como regulava a multa, que era estabelecida de acordo com o sistema do dia - multa com uma grande analogia com aquele que, no presente século, se conhece como "sistema nórdico" [20].

De índole liberal, inspirou-se na doutrina utilitária de Betham, bem como no Código francês de 1810 e o Napolitano de 1819 e trazia um esboço do princípio da individualização da pena, previa a existência de atenuantes e agravantes e estabelecia um julgamento especial para os menores de 14 anos. Ainda trazia entre suas disposições a possibilidade de pena de morte, a ser executada pela força, mas esta somente foi aceita após acalorados debates entre liberais e conservadores no congresso e visava coibir, especialmente, a prática de crimes pelos escravos. Todavia, não separada definitivamente a Igreja do Estado, continha ainda diversas figuras delituosas, representando ofensas à religião estatal.

1.4.3. O Código Criminal da República

O advento da República trouxe consigo, logo em 11 de outubro de 1980, um novo Código Criminal para o Brasil.

Como a Constituição de 1981 havia abolido a pena de morte, a de galés e a de banimento judicial, o Código Republicano de 1980 trouxe as sanções de: a) prisão; b) banimento (o que a Carta Magna punia era o banimento judicial que consistia em pena perpétua, diversa, portanto, desse, que importava apenas em privação temporária); c) interdição (suspensão dos direitos políticos, etc); e d) suspensão e perda de emprego público e multa.

Este Código constitui um grande avanço na legislação da época, vez que, marcado por seu caráter humanístico, aboliu de morte e instalou o regime penitenciário de caráter correcional no Brasil. Todavia, também sofreu inúmeras críticas, tendo sido posteriormente substituído pelo Decreto nº 22.213, de 14 de dezembro de 1932, que continha a Consolidação das Leis Penais de Piragibe que vigorariam até 1940.

1.4.4. O Código Penal de 1940 e as tendências atuais

O Código Penal de 1940 foi fruto de um ano de intensa discussão legislativa sobre os rumos da política criminal brasileira, tendo vigorado a partir de 01 de janeiro de 1942.

Esta legislação foi bastante inspirado na estrutura decididamente neo-idealista do código italiano de 1930, sendo um código rigoroso, rígido, autoritário no seu cunho ideológico, impregnado de "medidas de segurança" pós–delituosas, que operavam através do sistema do duplo binário ou da dupla via.

Através deste sistema de medidas e da supressão de toda norma reguladora da pena concurso real era comum que se burlasse a proibição constitucional da pena perpétua. Seu texto corresponde a um "tecnicismo jurídico" autoritário que, com a combinação de penas retributivas e medidas de segurança indeterminadas, desemboca numa clara deterioração da segurança jurídica e converte-se num instrumento de "neutralização de indesejáveis", pela simples deterioração provocada pela institucionalização demasiadamente prolongada.

O Código de 1940 foi sancionado na vigência da Carta Política de 1937, de tendência claramente autoritária. Seu sistema de penas e medidas de segurança (que na prática constituem recursos formais para prolongar as penas indefinidamente), apesar de não compatível com a nova Constituição de 1946, manteve-se, embora atenuado pela ação da doutrina e da jurisprudência.

Este Código Penal, apesar de algumas tentativas de mudança, somente foi efetivamente modificado com a reforma de sua parte geral aprovada em 1984. Tendo por base especialmente o princípio de nullum crimen sine culpa e a idéia de reformulação dos institutos tradicionais de aplicação da pena, essa reforma trouxe para a legislação penal brasileira um forte influxo liberal e, influenciada por uma mentalidade humanista, optou por criar penas mais "leves" para delitos de pequena relevância e mecanismos de respeito à dignidade do preso.

Com a nova Parte Geral do Código Penal, foi promulgada também a nova Lei de Execução Penal – Lei nº 7.210 de 11 de julho de 1984. Esta legislação regulou especificamente a execução das penas e das medidas de segurança, trazendo uma série de garantias ao presidiário e disciplinando o modo de cumprimento das penas.

Recentemente, a Lei nº 9.714/1998 trouxe algumas mudanças à nossa legislação penal no que concerne às penas restritivas de direitos. Foram incluídos mais dois tipos de penas em nosso sistema penal: a prestação pecuniária e a perda de bens e valores. Ademais, no que tange à substituição da pena privativa de liberdade por restritivas de direitos, poderá ela se dar quando, atendidos os requisitos específicos do art. 44 do Código Penal – não reincidência, culpabilidade, antecedentes, conduta social, personalidade, motivos e circunstâncias do crime favoráveis – e a pena aplicada não for superior a quatro anos. Vale salientar que, em sendo o crime culposo, haverá a substituição, qualquer que se seja a pena aplicada.

A Lei nº 9.099, de 26 de setembro de 1995, e a Lei nº 10.259, de 12 de julho de 2001, seguindo também a tendência de se punir somente as condutas que atentam contra os bens jurídicos realmente relevantes, criou os Juizados Especiais Criminais nos âmbitos estadual e federal para julgarem os denominados "crimes de menor potencial ofensivo". As infrações de menor potencial ofensivo são as contravenções penais e os crimes a que a lei comine pena máxima não superior a dois anos ou multa e, nestas hipóteses, o Ministério Público poderá deixar de oferecer denúncia e o juiz primará por aplicar penas não privativas de liberdade, evitando-se a prisão desnecessária da pessoa que cometeu um pequeno delito.

Como se pode ver, a evolução da aplicação das penas na legislação brasileira se deu sob forte influência do ideário das revoluções do século XVIII. Atualmente, não mais se admite a aplicação de penas de morte, de caráter perpétuo, de trabalhos forçados, de banimento e cruéis (CF, art. 5º, XLVII, e preconiza-se pela aplicação das penas restritivas de direitos ou de multa sempre que estas puderem ser aplicadas em lugar das penas privativas de liberdade.

O aprisionamento cada vez mais deixa de ser a regra para se tornar a exceção e no século XX foram constantes as reuniões de organizações internacionais com líderes dos diversos países para se estabelecerem regras com melhores condições para o cumprimento das penas. Todavia, muito ainda falta para que o Brasil esteja entre os países que mais respeitam os direitos da população carcerária e que possuam um alto índice de efetividade da pena. Apesar de não faltarem dispositivos legais que assegurem o adequado cumprimento das penas, a realidade ainda não fornece aos presos as garantias necessárias à sua adequada reeducação e reinserção na sociedade.


CAPÍTULO II

A Constituição é o ordenamento jurídico máximo do sistema normativo de uma nação e deve ser considerada como uma obra aberta à percepção do sentido dos valores fundamentais a nortearem a sociedade. Assim, é a Carta Constitucional o documento que delineia os objetivos, princípios e regras norteadores de um determinado Estado-Nação e define sua estrutura organizacional e suas políticas.

A Constituição Brasileira de 1988 traz, em seu art. 5º, uma série de direitos e garantias individuais assegurados aos cidadãos. Todavia, há de sempre se lembrar que mesmo os direitos e garantias fundamentais são relativos, de modo que esta Carta também traça limitações a alguns desses direitos, atribuindo legitimidade ao Direito Penal. Dessa dinâmica resulta a estreita relação existente entre o Direito Penal e o Direito Constitucional.

Eugenio Raúl Zaffaroni e José Henrique Pierangeli observam que:

A relação do direito penal com o direito constitucional deve ser sempre muito estreita, pois o estatuto político da Nação – que é a Constituição Federal – constitui a primeira manifestação legal da política penal, dentro de cujo âmbito deve enquadrar-se a legislação penal propriamente dita, em face do princípio da supremacia constitucional. [21]

Mauricio Antonio Ribeiro Lopes, compartilhando da visão destes autores, pontua que:

O Direito Penal funda-se na Constituição, no sentido de que as normas que o constituem ou são elas próprias normas formalmente constitucionais ou são autorizadas ou delegadas por outras normas constitucionais. A Constituição – como regra geral – não contém normas penais completas, isto é, não prevê condutas nem as censura através de penas ou medidas de segurança, mas contém disposições de Direito Penal que determinam em parte o conteúdo de normas penais. [22]

Como se pode ver, não há como se negar que o Direito Penal mantém uma íntima relação com o ordenamento constitucional, vez que é este que fornece ao primeiro sua autorização e fundamentação legal. Como observou Hans Kelsen, as normas jurídicas postam-se em posição de subordinação e de coordenação, integrando a chamada hierarquia das normas jurídicas. As primeiras (a Constituição) fundamentam e dão suporte legal às segundas (Direito Penal), que, no mesmo nível, cumprem revelar harmonia no sentido de seu conteúdo material, formando uma unidade para o sistema.

A imposição de penalidades aos cidadãos somente pode ser justificada com base num sistema jurídico hierarquicamente superior e legítimo que a autorize. Assim, cabe à Constituição estabelecer a normatização jurídica que fundamenta os diversos "direitos" da sociedade, e somente uma hermenêutica que sempre leve em conta sua importância pode valorizar e contribuir para a consolidação do Estado Democrático de Direito por ela estabelecido.

Assim, neste capítulo, far-se-á a abordagem dos princípios constitucionais penais e dos direitos constitucionalmente atribuídos aos presidiários. Adotar-se-á uma visão que se projeta da Carta Magna para o Direito Penal, na qual ambos estabelecem formas de diálogo e devem ser considerados como "reservatório das liberdades humanas, de modo que apenas um afinado concerto entre eles torna possível a legitimação jurídica de uma incriminação [23]".

Princípios, valores e regras constitucionais

Para Jorge Miranda:

A Constituição é o elemento conformado e conformador das relações sociais, bem como o resultado e factor de integração política. Ela reflete a formação, as crenças, as atitudes mentais, a geografia e as condições econômicas de uma sociedade e, simultaneamente, imprime-lhe carácter, funciona como princípio de organização, dispõe sobre os direitos e os deveres de indivíduos e grupos, rege os seus comportamentos, racionaliza as suas posições recíprocas e perante a vida colectiva como um todo pode ser agente ora de conservação, ora de transformação. [24]

A Constituição reúne em si, como nota J. J. Gomes Canotilho, o sistema jurídico do Estado Democrático de Direito Brasileiro, sendo este um sistema normativo aberto de regras e princípios [25]. Assim a Carta Constitucional é: a) um sistema jurídico, pois é um sistema dinâmico de normas; b) um sistema aberto, porque tem uma estrutura dialógica, refletida na sua capacidade de captar influências da realidade e estar aberta à variação de concepções sobre ‘verdade’ e ‘justiça’; c) um sistema normativo, vez que a estruturação das expectativas referentes a valores, programas, funções e pessoas, é feita por normas; e d) um sistema de regras e de princípios, já que as normas do sistema tanto podem revelar-se sob a forma de princípios como sob a forma de regras [26].

Por ser o ordenamento jurídico supremo, a Constituição é a sede normativa dos valores dominantes num dado contexto cultural e que nela recebem uma positivação. Assim, a Carta Magna é um documento formado por normas, e estas normas subdividem-se, por um lado, em regras e, por outro, em princípios e valores.

As regras "são normas que, verificados determinados pressupostos, exigem, proíbem ou permitem algo em termos definitivos, sem qualquer excepção (direito definitivo)" [27]. Enquanto os princípios são

normas que exigem a realização de algo, da melhor forma possível, de acordo com as possibilidades fácticas e jurídicas. Os princípios não proíbem, permitem ou exigem algo em termos de "tudo ou nada"; impõem a optimização de um direito ou de um bem jurídico, tendo em conta a ‘reserva do possível’ fáctica ou jurídica. [28]

Já os valores, diferentemente dos princípios e regras, somente têm eficácia interpretativa. Manuel Aragon explica que:

Essa eficácia opera de modo distinto segundo o intérprete seja o legislador (intérprete político da Constituição) ou o juiz (intérprete jurídico). Só o primeiro, o legislador, pode, ao interpretar a Constituição emanando uma lei, projetar (ou inverter) o valor em uma norma, é dizer, criar uma norma com projeção de um valor; o juiz, ao contrário, não pode efetuar essa mesma operação (porque não pode suplantar ao legislador em nosso sistema de Direito), senão unicamente anular o valor a uma norma (para interpretá-la) que lhe vem dada e que ele não pode criar. [29]

Assim, as intervenções dos princípios constitucionais são mais pontuadas, incidem sobre um território normativo mais restrito, embora possam contribuir com maior profundidade técnica. Já os valores constitucionais, ao contrário, incidem sobre a noção de sistema, posto que o valor não é apenas intrínseco a um objeto, mas ao âmbito global de sua inserção; se sob o aspecto positivo parece faltar a normatividade concreta dos valores, não se pode deixar de reconhecer que essa impressão é ilusória. Os valores são a base crítica moral ou ética que se projeta sobre o sistema e atinge o grau, mesmo, de desconsideração da positividade jurídica [30].

O Valor Fundamental da Dignidade da Pessoa Humana

A Constituição Brasileira de 1988 inicia-se com o seguinte dispositivo:

Art. 1º. A República Federativa do Brasil, formada pela União indissolúvel dos Estados e Municípios e do Distrito Federal, constitui-se em Estado Democrático de Direito e tem como fundamentos:

I – a soberania;

II – a cidadania;

III – a dignidade da pessoa humana;

IV – os valores sociais do trabalho e da livre iniciativa;

V – o pluralismo jurídico. (grifo nosso)

Assim, nossa Constituição, ao instituir a dignidade da pessoa humana como um de seus fundamentos, adotou uma concepção que faz da pessoa fundamento e fim da sociedade [31] e conferiu "uma unidade de sentido, de valor e de concordância prática ao sistema dos direitos fundamentais" [32].

Jorge Miranda explica que aceitar o princípio da dignidade humana como fundamento de um Estado implica aquiescer que a dignidade da pessoa humana reporta-se a todas e cada uma das pessoas e é a dignidade da pessoa individual e concreta que se refere à pessoa desde a concepção, e não só desde o nascimento [33].

Assim, é com base nessa concepção valorativa que se fundamentam as intervenções constitucionais que velam pelo princípio da dignidade humana a vedação de suspensão total de direitos, mesmo uma vez declarado estado de sítio; a garantia de integridade pessoal, com a condenação do crime de tortura e de tratos e penas cruéis, degradantes ou desumanos; atribui garantias processuais às pessoas acusadas de terem cometido delitos e uma série de direitos aos presidiários, etc.

Todavia, é importante notar que inúmeras vezes, especialmente na aplicação do mais duro dos Direitos, o Direito Penal, ocorrem inúmeras violações à dignidade humana. Como relata Thomas Fleiner:

Os ataques contra a dignidade humana não se limitam à utilização de técnicas sutis e sofisticadas, tais como a droga da verdade, difamação e escárnio públicos de certas raças, discriminação social de determinadas nacionalidades, raças ou comunidades religiosas. Quando o homem não pode mais dispor de seu corpo, quando ele é humilhado de maneira desumana e reduzido física e mentalmente, a sua dignidade é atingida de maneira irreparável. A integridade corporal é o último reduto em que um homem pode ser ele mesmo. Quando este espaço de identidade é destruído, não resta mais nada da qualidade de ser humano. [34]

É necessário que se tenha sempre em mente que o valor constitucional supremo da dignidade humana deve ser preservado, pois é baseado neste princípio que todo o arcabouço constitucional de proteção aos direitos e liberdades fundamentais é fundamentado. Se a dignidade da pessoa humana, maximizada no direito ao próprio corpo, não for respeitada, não há que se falar em respeito aos outros princípios assegurados constitucionalmente.

Princípios Constitucionais Penais

A Constituição Brasileira de 1988, em seu art. 5º, estabeleceu um rol de direitos e garantias fundamentais. Foi exatamente neste artigo que nossa Carta Magna trouxe os princípios constitucionais penais. Assim, necessária se faz uma análise desses princípios-garantia para que se possua uma pré-compreensão acerca da questão de como os direitos dos presidiários estão inseridos em nossa Lei Maior.

2.3.1. Princípio da Humanidade

"O réu deve ser tratado como pessoa humana." [35] É dessa forma que Damásio Evangelista de Jesus explica o que seja o princípio da humanidade.

Apesar de vir contido em sentença tão simples, correlato do valor fundamental da dignidade humana, este é, dos princípios constitucionais, o que deve ser mais respeitado, vez que sua violação implica na violação de todos os demais direitos atinentes à personalidade humana.

Eugenio Raúl Zaffaroni e José Henrique Pierangeli explicam que:

o princípio da humanidade é o que dita a inconstitucionalidade de qualquer pena ou conseqüência do delito que crie um impedimento físico permanente (morte, amputação, castração ou esterilização, intervenção neurológica, etc.), como também qualquer conseqüência jurídica indelével do delito. [...] A república pode ter homens submetidos à pena, ‘pagando suas culpas’, mas não pode ter ‘cidadãos de segunda’, sujeitos considerados afetados por uma capitis diminutio para toda a vida. [36]

Como se pode ver, a aplicação da pena deve ser norteada pelo princípio da humanidade. É imprescindível que a análise do indivíduo que praticou um delito parta sempre do ponto comum de que ele é um homem, que os homens erram e que têm o direito de tentar fazer melhor.

A racionalidade na aplicação da pena, aliada ao princípio da humanidade, levam à vedação das penas de morte, perpétua, de banimento, trabalhos forçados e cruéis, além de garantir o direito à integridade física e moral. O processo de reintegração do "delinqüente" à sociedade não passa por sua "desdignificação", e sim por seu justo tratamento e pelo oferecimento a ele de novas oportunidades.

2.3.2. Princípio da Retroatividade da Lei Penal mais benéfica

Ao dispor em seu inciso XL do art. 5º que a lei penal não retroagirá, salvo para beneficiar o réu, nossa Carta Magna optou, mais uma vez, por um regime de preservação da pessoa humana.

Este princípio desdobra-se em duas importantes regras para a aplicação do Direito Penal: a) a lei penal não pode retroagir; e b) a lei penal pode retroagir se trouxer algum benefício ao réu no caso concreto. Estabelece-se, assim, constitucionalmente, os princípios da retroatividade da lei penal mais benéfica e da irretroatividade da lei penal que contenha mais limitações de direitos.

Este princípio, ao mesmo tempo que proíbe a aplicação de pena mais severa, exige que se aplique a lei mais benigna dentre todas as que tenham vigorado desde a prática do delito até o momento do término dos efeitos da condenação.

Eugenio Raul Zaffaroni e José Henrique Pierangeli notam que

O princípio da retroatividade da lei penal mais benigna encontra seu fundamento na própria natureza do direito penal. Se o direito penal regula somente as situações excepcionais, em que o Estado deve intervir para a reeducação social do autor, a sucessão de leis que alteram a ingerência do Estado no círculo de bens jurídicos do autor denota uma modificação na desvaloração de sua conduta. Essa modificação significa que a lei considera desnecessária uma ingerência da mesma intensidade nos bens jurídicos do autor o que diretamente, ou que diretamente é dispensável qualquer ingerência. Disso resulta que já não tem sentido a intervenção do Estado, por desnecessária, não se podendo sustentar apenas no fato de que foi considerada necessária no momento em que o autor cometeu o delito. [37]

Estes autores observam ainda que este princípio, como decorrência do princípio republicano de governo, deve ser aplicado por meio da ação racional do Estado, de modo que só porque um indivíduo praticou um delito anteriormente a outro pode ser punido de maneira diferente [38].

Tratando-se de questão de ordem pública, a retroatividade da lei mais benéfica opera-se de pleno direito e, por uma questão de segurança jurídica, este princípio não pode ser invertido.

2.3.3. Princípio da Responsabilidade Pessoal

Eugenio Raúl Zaffaroni e José Henrique Pierangeli explicam que:

Nunca se pode interpretar uma lei no sentido de que a pena transcende a pessoa que é autora ou partícipe do delito. A pena é uma medida de caráter estritamente pessoal, em virtude de consistir numa ingerência ressocializadora sobre o apenado. Daí que se deva evitar toda conseqüência da pena que afete a terceiros. [39]

É seguindo esta orientação, que o inciso XLV do art. 5º de nossa Carta Magna determina que "nenhuma pena passará da pessoa do condenado, podendo a obrigação de reparar o dano e a decretação do perdimento de bens ser, nos termos da lei, estendida aos sucessores e contra eles executadas, até o limite do valor do patrimônio transferido".

Este dispositivo constitucional traz duas limitações expressas à aplicação das penas. Primeiramente, veda a prática que perdurou durante muito tempo de que a infâmia do réu estendia-se a seus parentes que também eram condenados. E, num segundo momento, estabelece a responsabilidade civil do condenado, limitando a responsabilidade dos herdeiros até os limites da herança.

O princípio da responsabilidade pessoal do apenado corresponde a um dos corolários do Estado Democrático de Direito insculpidos em nossa Constituição, refletindo, assim, um direito do preso que possui suma importância para o adequado funcionamento da sistemática garantística de nossa Carta Constitucional.

2.3.4. Princípio do acesso à Justiça

A garantia do acesso aos tribunais é um dos princípios estruturantes do Estado de Direito, na medida em que é um mecanismo de defesa dos direitos fundamentais. J. J. Gomes Canotilho caracteriza, em termos sintéticos, a garantia do acesso à Justiça como o "direito à protecção jurídica através dos tribunais" [40].

A Constituição Brasileira de 1988 consubstancia, em seu art. 5º, XXXV, LIV e LV, este princípio, através das garantias da independência e imparcialidade do juiz, do juiz natural, do direito de ação e de defesa. Estas disposições constitucionais garantem a todos os cidadãos que venham solicitar a proteção do Judiciário em toda e qualquer situação de ameaça ou lesão a direito. Assim, a garantia de acesso à justiça torna-se um forte instrumento na defesa do valor fundamental da dignidade humana, especialmente no tocante às violações dos direitos do presidiário.

Todas as vezes que o homem ver-se ceifado em seus direitos constitucionalmente resguardados deve procurar o Poder Judiciário, o qual não pode furtar-se a efetivar a atividade jurisdicional regularmente requerida pela parte, já que a indeclinabilidade da prestação judicial é um princípio básico da jurisdição.

José Afonso da Silva defende que "o princípio da proteção judiciária, também chamado princípio da inafastabilidade do controle jurisdicional, constitui, em verdade, a principal garantia dos direitos subjetivos" [41].

Todavia, J. J. Gomes Canotilho, alerta para o fato de que

A garantia do acesso aos tribunais perspectivou-se, até agora, em termos essencialmente ‘defensivos’ ou garantísticos: defesa dos direitos através dos tribunais. Todavia, a garantia do acesso aos tribunais pressupõe também dimensões de natureza prestacional, na medida em que o Estado deve criar órgãos judiciários e processos adequados (direitos fundamentais dependentes da organização e procedimento) e assegurar prestações (‘apoio judiciário’, ‘patrocínio judiciário’, dispensa total ou parcial do pagamento de custas e preparos), tendentes a evitar a denegação da justiça por insuficiência de meios econômicos. O acesso à justiça é um acesso materialmente informado pelo princípio da igualdade de oportunidades. [42](grifo nosso)

Desse modo, cabe ao Estado, na busca da efetivação dos direitos e garantias constitucionalmente assegurados aos cidadãos, organizar uma ampla rede de assistência judiciária à população, especialmente aos encarcerados. Considerando que a restrição ao direito à liberdade é um dos maiores atos atentatórios ao Estado Democrático de Direito e que sua limitação somente se justifica nos termos estabelecidos pela Carta Magna, o acesso ao judiciário mostra-se como uma das principais garantias de proteção dos presidiários em relação às constantes ameaças de violações ou violações de seus direitos.

2.3.5. Princípio da vedação da penas de morte, de caráter perpétuo, de trabalhos forçados, de banimento e cruéis

Durante um longo período da história dos sistemas penais, as penas foram aplicadas com um sentido retributivo. A lei do "olho por olho, dente por dente" preponderava e eram comuns as condenações à forca, à guilhotina, ao degredo, a trabalhos forçados, etc.

Todavia, a evolução da legislação penal levou a uma reformulação do conceito de pena. A pena já não é mais concebida como um modo de fazer o condenado sofrer da mesma maneira que causou sofrimento à vítima, mas num sentido de reeducação para a vida em sociedade.

Foi aderindo definitivamente a esta concepção de caráter atributivo da pena, que nossa Constituição, em seu art. 5º, XLVII, vedou a existência das penas de morte, de caráter perpétuo, de trabalhos forçados, de banimento e cruéis.

A pena de morte pode constitucionalmente ser aceita no sistema legislativo brasileiro nos casos de guerra declarada, conforme o art. 84, XIX da Constituição.

No moderno estágio de evolução da pena como um instituto ressocializador, a pena de morte não condiz nem com o objetivo da punição nem com os fundamentos básicos do Estado de Direito.

A proibição das penas de caráter perpétuo decorre do princípio da natureza temporária, limitada e definida da pena e compatibiliza-se com a garantia constitucional à liberdade e à dignidade humana [43]. Como relata Celso Bastos:

A prisão perpétua priva o homem da sua condição humana. Esta exige sempre um sentido de vida. Aquele que estiver encarcerado sem perspectiva de saída, está destituído dessa dimensão espiritual, que é a condição mínima para que o homem viva dignamente [44].

As penas de trabalhos forçado, de banimento e cruéis foram vedadas pelo constituinte em atendimento ao princípio da dignidade humana e às expressas disposições constitucionais que resguardam a integridade física e moral e vedam a tortura ou tratamento desumano ou degradante.

Sem sombra de dúvida, a vedação das penas acima mencionadas demonstra a definitiva opção constitucional de nosso constituinte por estabelecer no Brasil um Estado Democrático de Direito, baseado na pessoa humana e cujo fim é valorizá-la.

2.4.Direitos Constitucionais dos Presidiários

Além de trazer os princípios norteadores da política penal e penitenciária do Estado, a Constituição traz diversos direitos aos presidiários. Assim, a partir deste momento far-se-á uma análise de quais são os direitos constitucionalmente assegurados aos presos.

2.4.1. Direito à integridade física e moral

A Constituição de 1988 determina, no inciso III de seu art. 5º, que "ninguém será submetido a tortura nem a tratamento desumano ou degradante" e completa, no inciso XLIX, assegurando aos presos o direito à integridade física e moral.

Estes direitos contidos no art. 5º da Constituição Federal são reflexo direto do princípio da dignidade humana, expresso em seu art. 1º, III, e do princípio da prevalência dos direitos humanos (CF, art. 4º, II) explicitados como fundamento e como princípio norteador do Brasil.

No momento em que nosso constituinte condenou a tortura, o tratamento desumano ou degradante e assegurou o direito à integridade física e moral, fez uma opção política muito importante e colocou o Brasil entre os países de vanguarda na proteção dos direitos do homem.

Todavia, é crucial que nosso país adote políticas de resguardo aos direitos humanos que garantam a eficácia de tais normas constitucionais. Se não podemos dispor de nosso próprio corpo e somos violentamente agredidos a todo instante, como o que ocorre com a maioria de nossa população carcerária, colocamos em perigo a validade do próprio Estado de Direito, advindo daí a justificação deste dispositivo constitucional.

2.4.2. Direito à assistência religiosa

O inciso VII, do art. 5º da Constituição Federal assegura, nos termos da lei, a prestação de assistência religiosa nas entidades civis e militares de internação coletiva.

O direito de assistência religiosa, como norma de eficácia limitada, está mais detidamente regulado pela Lei de Execução Penal. Esta legislação, em seu art. 24, estabelece que a assistência religiosa, com liberdade de culto, será prestada aos presos e aos internados, permitindo-se-lhes a participação nos serviços organizados no estabelecimento penal, bem como a posse de livros de instrução religiosa.

O direito à prestação de assistência religiosa nas prisões como direito constitucionalmente assegurado não contradiz a essência do Estado Laico, sendo antes expressão do pluralismo e da cidadania.

A reabilitação do "criminoso" não passa somente pelo fato de ser privado de sua liberdade, mas especialmente pela maneira como se dá essa privação relacionada com as assistências material, religiosa e cultural.

2.4.3.Direito de petição

"O direito de petição enquanto instrumento de defesa dos direitos fundamentais pode considerar-se de Direito natural" [45] e remonta ao right of petition já insinuado na Magna Carta Inglesa de 1215.

No dizer de José Afonso da Silva:

O direito de petição define-se ‘como o direito que pertence a uma pessoa de invocar a atenção dos poderes públicos sobre uma questão ou situação’, seja para denunciar uma lesão concreta, e pedir a reorientação da situação, seja par solicitar uma modificação do direito em vigor no sentido mais favorável à liberdade [46].

O direito de petição cabe a qualquer pessoa e possui eficácia constitucional, de modo que as autoridades públicas endereçadas são obrigadas ao recebimento, exame e reposta em prazo razoável acerca da manifestação feita, sob pena de violação a direito líquido e certo do peticionário, passível de interposição de mandado de segurança.

No meio carcerário, o direito de petição é um dos instrumentos constitucionais adequados para a denúncia e apuração de casos de tortura e demais abusos cometidos. E, caso o preso não tenha seu pedido apreciado pela autoridade competente, poderá interpor mandado de segurança, remédio constitucional adequado para assegurar direito líquido e certo do detento, vez que o responsável pelo abuso é uma autoridade pública.

2.4.4. Direito à assessoria jurídica integral e gratuita

A Carta Magna de 1988, em seu art. 5º, LXXIV, declara: "o Estado prestará assistência jurídica integral e gratuita aos que comprovarem insuficiência de recursos". E seu art. 134 completa este mandamento ao proclamar a Defensoria Pública como instituição essencial à função jurisdicional do Estado, incumbindo-lhe a orientação jurídica e a defesa, em todos os graus, dos necessitados.

As disposições constitucionais acima mencionadas relacionam-se intimamente aos direitos dos presidiários, vez que na maioria das vezes estes não possuem condições financeiras de pagar um advogado particular e a Constituição não admite a autodefesa do condenado.

É um direito do preso possuir, à sua disposição, um defensor público que lhe preste as devidas informações e auxilie-o na defesa de seus direitos e cabe ao Estado prover esta garantia constitucional sob pena de grave infração aos direitos dos presos.

2.4.5. Direito ao aleitamento materno

Dispõe o art. 5º, L da Constituição Federal que "às presidiárias serão asseguradas condições para que possam permanecer com seus filhos durante o período de amamentação". Este direito atribuído às presidiárias possui dupla função: "ao mesmo tempo que garante à mãe o direito ao contato e amamentação com seu filho, garante a esse o direito à alimentação natural, por meio do aleitamento" [47].

Wolgran Junqueira Ferreira analisa esta disposição constitucional como uma garantia ao cumprimento do preceito de que a pena não passará da pessoa do condenado, pois, como explica este autor, "seria uma espécie de contágio da pena retirar do recém-nascido o direito ao aleitamento materno" [48].

Já Alexandre de Moraes defende que o direito de amamentar reflete, precipuamente, o respeito do constituinte à dignidade da pessoa humana no que ela tem de mais sagrado: a maternidade; e somente num segundo plano representaria uma garantia de respeito ao princípio da responsabilidade penal [49].

2.4.6.Direito à indenização por erro judiciário ou por prisão além dos limites estabelecidos na pena

A Constituição de 1988 garante, em seu art. 5º, LXXV, que o Estado indenizará o condenado por erro judiciário, assim como o que ficar preso além do tempo fixado na sentença, constituindo este mais um direito do presidiário.

O erro judiciário corresponde às situações previstas no art. 621 do Código de Processo Penal e pode ocorrer nos seguintes casos: a) quando a sentença condenatória for contrária ao texto expresso da lei penal ou à evidência dos autos; b) quando a sentença condenatória se fundar em depoimentos comprovadamente falsos; e c) quando, após a sentença, se descobrirem novas provas de inocência do condenado ou de circunstância que determine ou autorize diminuição especial da pena. Enquanto o cumprimento de prisão além dos limites estabelecidos na sentença é a permanência do condenado ou sua manutenção em cárcere por tempo superior ao nominalmente determinado na sentença.

Em ambas as hipóteses, o Estado possui responsabilidade objetiva de indenizar o condenado, pois a ilegítima atuação estatal, isto é, ato lesivo ao particular, será sempre fonte de indenização se o benefício coletivo for conseguido à custa do sacrifício da liberdade individual. Nesse sentido Luiz Antonio Soares Hentz observa que:

Não se trata de comparação entre o valor protegido e ofendido. A proteção da liberdade pessoal ‚ é dever inarredável do Estado - uma conquista do cidadão contra o poder soberano -, impondo, em qualquer circunstância, a obrigação de indenizar, sempre que alguém sofrer prisão indevida. [50]

Desse modo, o condenado por erro judiciário e o mantido preso além dos limites estabelecidos pela pena devem socorrer-se da revisão criminal e do habeas corpus como meios para resolver imediatamente sua situação de ilegalidade, tendo direito, ainda, a receber indenização pelos danos morais e materiais advindos de sua privação de liberdade além do período necessário.


CAPÍTULO III

Além dos direitos garantidos constitucionalmente, a Lei de Execução Penal e o Código Penal trazem uma série de garantias complementares ao presidiário. Assim, neste capítulo, analisar-se-á quais os direitos atribuídos aos presos pela legislação ordinária e qual sua extensão.

Assistência material, à saúde, jurídica, educacional, social e religiosa

As Regras Mínimas das Nações Unidas para o tratamento dos reclusos especificam que para a obtenção da reinserção social do condenado, o regime penitenciário deve empregar, conforme as necessidades de tratamento individual dos delinqüentes, todos os meios curativos, educativos, morais, espirituais e de outra natureza, e todas as formas de assistência que pode dispor.

A Lei de Execução Penal dispõe, em seu art. 10: "A assistência ao preso e ao internado é dever do Estado, objetivando prevenir o crime e orientar o retorno à convivência em sociedade". Cabe, assim, ao Estado fornecer ao detento assistência material, à saúde, jurídica, educacional, social e religiosa, nos temos dos arts. 11 e 41 da referida lei.

A assistência material consiste no fornecimento de alimentação, vestuário e instalações higiênicas para a manutenção do preso (LEP, art. 12).

O direito à alimentação e ao vestuário é uma garantia elementar do preso. Uma vez sob a tutela estatal, cabe ao Estado dar ao detento condições dignas de vida, o que passa necessariamente pelo fornecimento de uma alimentação bem equilibrada, bem preparada e que considere as suas condições de saúde.

As Regras Mínimas da ONU trazem disposição neste sentido ao declarar que

20. 1) Todo recluso recibirá de la administración, a las horas acostumbradas, una alimentación de buena calidad, bien preparada y servida, cuyo valor nutritivo sea suficiente para el mantenimiento de su salud y de sus fuerzas. 2) Todo recluso deberá tener la posibilidad de proveerse de agua potable cuando la necesite.

A questão da alimentação nas prisões é de grande importância, não apenas porque o interno tem direito a alimentação sã e suficiente para sua subsistência normal, mas especialmente devido ao fato de que esse é um poderoso fator que pode incidir positiva ou negativamente no regime disciplinar dos estabelecimentos penitenciários.

Este documento da Organização das Nações Unidas também que quando o preso não puder usar suas roupas pessoais, cabe ao Estado fornecer-lhe um conjunto delas, sendo que estas devem ofertar ao detento condições de mantê-lo em boa saúde.

Júlio Fabbrini Mirabete, ao dispor sobre o assunto, relata que seria interessante que todo estabelecimento penal previsse, como regram o uso de uniformes, desde que estes não prejudicassem à saúde ou ofendessem a dignidade e o auto-respeito do detento [51].

Além do fornecimento de alimentação e vestuário, o estabelecimento prisional deve possuir instalações e serviços que atendam às necessidades pessoais dos presidiários, além de locais destinados à venda de produtos e objetos permitidos e que não forem fornecidos pela Administração (LEP, art. 13).

O direito a viver em um ambiente saudável e com qualidade de vida garantida pelo art. 225 da Constituição Federal também deve ser respeitado no cárcere. A própria Organização das Nações Unidas reconhece que os locais das prisões devem corresponder às exigências mínimas de higiene, espaço físico mínimo, iluminação, calefação e arejamento [52].

A saúde do preso também constitui um direito seu, devendo o Estado fornecer-lhe atendimento médico, farmacêutico e odontológico. As Regras da ONU prevêem que o estabelecimento prisional deve contar com os serviços de pelo menos um médico com conhecimento de psiquiatria, o que tem estreita relação com o dispositivo do Código Penal que menciona o recolhimento do detento ao qual sobrevém doença mental a hospital de custódia ou, à falta deste, a outro estabelecimento adequado (CP, art. 41). A assistência médica garantida aos presos deve abranger tanto a medicina curativa como a preventiva.

O direito à assistência jurídica, já mencionado no rol dos direitos constitucionalmente assegurados, também foi consagrado pela Lei de Execução Penal. Sobre a importância da assistência jurídica são as seguintes palavras de Manoel Pedro Pimentel:

Os três pilares básicos da disciplina em uma penitenciária, tão importantes quanto o trabalho e o lazer, são as visitas, a alimentação e a assistência judiciária. Destas três exigências comumente encarecidas pelos sentenciados, a mais importante, parece-nos, é a assistência judiciária. Nenhum preso se conforma com o fato de estar preso e, mesmo quando conformado esteja, anseia pela liberdade. Por isso, a falta de perspectiva de liberdade ou a sufocante sensação de indefinida duração da pena são motivos de inquietação, de intranqüilidade, que sempre se refletem, de algum modo, na disciplina. É importante que o preso sinta ao seu alcance a possibilidade de lançar mão de medidas judiciais capazes de corrigir eventual excesso de pena, ou que possa abreviar os dias de prisão. Para isso, deve o Estado – tendo em vista que a maior parte da população carcerária não dispõe de recursos para contratar advogados - propiciar a defesa dos presos [53].

Já a assistência educacional prevista pela Lei de Execução Penal compreende a instrução escolar e a formação dos presos. Este direito tem fundamento no dispositivo constitucional do art. 205 da Constituição que determina: "A educação, direito de todos e dever do Estado e da família, será promovida e incentivada com a colaboração da sociedade, visando ao pleno desenvolvimento da pessoa, seu preparo para o exercício da cidadania e sua qualificação para o trabalho".

Como o objetivo da pena é a ressocialização do condenado, a assistência educacional mostra-se como um ótimo instrumento de reinserção do preso na sociedade, vez que lhe fornecerá melhor preparo profissional e possibilitará que se aperfeiçoe.

Já a assistência social consiste no auxílio prestado ao preso para minorar seu sofrimento na prisão e, especialmente, para auxiliá-lo em sua volta à sociedade. Esse direito é crucial no processo de ressocialização do detento vez que pode ser determinante com relação à sua reinserção bem-sucedida na sociedade e pode influir diretamente no grau de reincidência dos condenados.

A assistência religiosa, direito assegurado pela Constituição, também é mencionado pela Lei de Execução Penal, nos seguintes termos: "A assistência religiosa, com liberdade de culto, será prestada aos presos e aos internados, permitindo-se-lhes a participação nos serviços organizados no estabelecimento penal, bem como a posse de livros de instrução religiosa".

A liberdade religiosa deve ser preservada nos estabelecimentos prisionais, de modo que, toda e qualquer religião pode lá realizar atividades, conforme a solicitação dos detentos.

Atribuição de trabalho e sua remuneração e proporcionalidade na distribuição do tempo de trabalho, de descanso e de recreação

"O trabalho dignifica o homem". É com base nessa lição que a Lei de Execução Penal atribui ao preso o direito de trabalho remunerado, havendo proporcionalidade entre o tempo de trabalho, de descanso e de recreação (LEP, art. 41, II e V).

O trabalho exerce um papel muito importante no processo de reeducação do preso, vez que o trazendo ocupado e fazendo-o sentir-se útil, evita problemas disciplinares e rebeliões.

A ociosidade é um dos maiores problemas enfrentados pelo Estado no trato com os detentos e somente traz prejuízos ao estabelecimento prisional, além de que, como pontua René Ariel Dotti,

O resguardo da dignidade do preso, com o oferecimento de meios ao trabalho, com uma adequada remuneração, constitui um dever do Estado que possibilitará não mais distinguir-se entre o cidadão livre e o cidadão preso, permitindo a este seu retorno para a sociedade sem a recidiva. A participação ativa do presidiário no programa de reinserção social pressupõe não somente que tal processo revela a sua voluntária adesão como também a passagem de um direito penal social para um direito que pretenda, também, ser democrático. [54]

A inserção do trabalho na rotina dos estabelecimentos prisionais é um dos grandes desafios para a política penitenciária nacional, pois ocupa produtivamente os presidiários, oferece uma utilidade econômica ao estabelecimento e serve como mecanismo para a remição da pena.

Todavia, há de se observar que o tempo de trabalho deve ser proporcional ao tempo de descanso e recreação do detento. O presidiário deve ter a oportunidade de participar de atividades de lazer, nas quais se exercite, se divirta e se sinta mais humano.

As Regras Mínimas da ONU também contêm dispositivo nesse sentido, prevendo que devem ser organizadas no estabelecimento prisional atividades recreativas e culturais que preservem o bem-estar físico e mental dos presidiários.

Remição da pena pelo trabalho

O art. 126 da Lei de Execução Penal dispõe que "o condenado que cumpre a pena em regime fechado ou semi-aberto poderá remir, pelo trabalho, parte do tempo de execução da pena".

Pela sistemática adotada por nossa legislação, a contagem do tempo para efeitos de remição da pena será feita à razão de 1 (um) dia de pena por 3 (três) dias trabalhados (LEP, art. 126, § 1º). Caberá ao juiz da execução declarar a remição, sendo que se o preso ficar impossibilitado para o trabalho por acidente continuará recebendo o benefício da remição (LEP, art. 126, § 2º) e se for punido por falta grave perderá o tempo remido, que será contado novamente a partir da infração disciplinar (LEP, art. 127).

O benefício da remição da pena pelo trabalho é um ótimo mecanismo de incentivo à diminuição do ócio nas prisões e de reinserção do condenado na sociedade. Se o detento já trabalha no estabelecimento prisional, tem a oportunidade de se readaptar à vida social de maneira muito mais rápida e eficaz, além de ter maiores chances de voltar à sociedade inserido no mercado de trabalho.

Necessário se faz que as prisões mantenham o maior contato possível com o mundo exterior e busquem alternativas que minorem seus altos gastos e produzam uma maior reabilitação de seus custodiados. A combinação entre o trabalho dos detentos e a remição da pena pelo trabalho é um dos fortes instrumentos a serem utilizados para atingir esses objetivos.

Previdência social

O art. 39 do Código Penal Brasileiro estabelece que o trabalho do preso será remunerado, sendo-lhe garantidos os benefícios da Previdência Social. Como se vê, o legislador mais uma vez ofereceu uma garantia aos presidiários ao protegê-los contra acidentes de trabalho e enfermidades causadas pelo exercício de proteção.

Mais do que justa essa disposição legislativa atende à lógica sistemática do ordenamento jurídico, vez que se é dado ao presidiário a oportunidade de trabalhar, este também deve ser protegido pelo sistema de seguridade instituído pelo Estado.

Constituição de pecúlio

Se são atribuídos ao preso os direito ao trabalho remunerado e à remição da pena, a Lei de Execução Penal também lhe garante que seja constituído pecúlio em favor do presidiário, a fim de que seja guardada sua remuneração.

Sobre a remuneração recebida pelo presidiário ocorrerá, primeiramente, o desconto para o pagamento de indenização fixada em sentença transitada em julgado advinda dos danos causados pelo crime. O segundo desconto ocorre para a assistência à família do preso, a qual está materialmente desamparada com a ausência deste. Há também o desconto para cobrir gastos pessoais do detento (v. g., objetos, revistas, jornais, etc.) e o desconto para ressarcimento do Estado das despesas tidas com a manutenção do condenado.

O produto resultante da remuneração menos os descontos acima mencionados será depositado em conta poupança em favor do preso. A constituição de pecúlio mostra-se como um importante direito atribuído ao presidiário, vez que poderá auxiliá-lo a reiniciar sua vida após a prisão e poderá evitar, num primeiro momento, que ingresse no mundo do crime novamente por não ter como se sustentar.

Exercício de atividades profissionais, intelectuais, artísticas e desportivas

As Regras Mínimas da ONU sobre os direitos do recluso trazem as seguintes disposições:

77. 1) Se tomarán disposiciones para mejorar la instrucción de todos los reclusos capaces de aprovecharla, incluso la instrucción religiosa en los países en que esto sea posible. La instrucción de los analfabetos y la de los reclusos jóvenes será obligatoria y la administración deberá prestarle particular atención. 2) La instrucción de los reclusos deberá coordinarse, en cuanto sea posible, con el sistema de instrucción pública a fin de que al ser puesto en libertad puedan continuar sin dificultad su preparación.

78. Para el bienestar físico y mental de los reclusos se organizarán actividades recreativas y culturales en todos los establecimientos.

Como se pode ver, é garantido ao preso ocupar seu tempo, sempre que possível, com atividades desportivas, profissionais, intelectuais e artísticas. Armida Bergamini Miotto explica que o lazer-cultura também é atividade, cuja finalidade é a satisfação do enriquecimento intelectual ou artístico, do aperfeiçoamento ou refinamento da personalidade [55].

Assim, as atividades de recreação contribuem decisivamente para a eficiente recuperação do preso, vez que permite que este

mantenha sua autonomia íntima, exercite sua liberdade interior e sua imaginação, sublime ou, pelo menos, canalize pulsões e cargas emocionais ou tensões físicas e psíquicas, mantendo assim o equilíbrio necessário para uma vida o quanto possível normal [56].

Representação de petição e proteção contra qualquer forma de sensacionalismo

A Lei de Execução Penal assegura ao preso sua proteção quanto à ação sensacionalista de certos meios de comunicação em massa (jornais, revistas, rádio, televisão, etc.), sendo defeso ao integrante dos órgãos de execução penal, e ao servidor, a divulgação de ocorrência que exponha o preso a inconveniente notoriedade, durante o cumprimento da pena, conforme dispõe o art. 198.

Reiterando este dispositivo, a Resolução nº 14, de 11-11-1994, do Conselho Nacional de Política Criminal e Penitenciária, dispõe que a pessoa presa ou sujeita a medida de segurança não deve ficar exposta à execração pública, prescrevendo normas que vedam o constrangimento a participar, ativa ou passivamente, de atos de divulgação de informações aos meios de comunicação social, especialmente no que diz respeito à fotografia e filmagem (art. 47) bem como a divulgação desnecessária de informações sobre a vida privada e a intimidade do preso (art. 47, parágrafo único).

Entrevista pessoal e reservada com o advogado

O inciso XI do art. 41 da Lei de Execução Penal garante ao preso o direito de entrevista pessoal e reservada com o advogado. Este direito também vem consubstanciado no Estatuto da Advocacia – Lei nº 8.906, de 04 de julho de 1994, que especifica, em seu art. 7º, III, como direito do advogado comunicar-se com seus clientes pessoal e reservadamente, mesmo sem procuração, quando estes se acharem presos, detidos ou recolhidos em estabelecimentos civis ou militares, ainda que considerados incomunicáveis.

Júlio Fabbrini Mirabete observa que o fundamento constitucional deste direito correlaciona-se à previsão do direito de ampla defesa, com os meios e recursos a ela inerentes (CF, art. 5º, LV), e do princípio da inafastabilidade do Judiciário (CF, art. 5º, XXXV). Este autor coloca a entrevista com o advogado como um importante direito do preso tanto durante o processo como durante a execução e defende que os estabelecimentos prisionais sejam dotados de locais que permitam essa comunicação entre preso e advogado de maneira reservada e sigilosa [57].

Visita

O direito de receber visitas do cônjuge, da companheira, de parentes e amigos posta-se como um dos mais sagrados direitos dos presidiários, vez que um dos princípios fundamentais do regime penitenciário reside no fato de que o preso deve manter contato com o mundo exterior e não ser afastado ainda mais de sua família. Assim, tanto o art. 41, X, da LEP quanto as Regras Mínimas da ONU resguardam o direito de o preso receber visitas.

Todavia, um objeto que deve ser também analisado é a questão da visita íntima, prática que tem se tornado comum em nossos presídios nos últimos anos. A visita íntima ainda não está regulamentada em lei, mas tem sido permitida em muitos estabelecimentos prisionais.

Júlio Fabbrini Mirabete observa que a abstinência sexual pode causar graves danos à pessoa humana, podendo desequilibrar a pessoa e favorecer condutas inadequadas. Desse modo, vem ganhando corpo nas legislações a orientação de se conceder permissão de saída ou visita íntima como solução do problema sexual das prisões [58].

O projeto de lei nº 4.685 de 1999, visa inserir o direito à visita íntima na Lei de Execução Penal, propondo que o art. 41 desse diploma legal passe a vigorar acrescido, em seu inciso XVI, do direito do preso ao pleno exercício da sua sexualidade por meio de periódica visitação de natureza íntima.

A Resolução nº 01, de 30 de março de 1999, do Conselho Nacional de Política Penitenciária e Criminal, inclusive já materializou a recomendação aos estabelecimentos penitenciários de que o direito à visita íntima seja assegurado aos homens e mulheres mantidos presos. E, reconhecendo este direito como constitucionalmente assegurado aos detentos, esta resolução recomenda que o direito a receber visita íntima seja assegurado pelo menos uma vez por mês (art. 3º) e que não seja suspenso mesmo nos casos de sanção disciplinar (art. 4º).

Assim, a visita íntima do marido, mulher, companheiro ou companheira, deverá estar sempre condicionada ao comportamento do preso, à segurança do presídio e às condições da unidade prisional sem perder de vista a preservação da saúde das pessoas envolvidas e a defesa da família. Trata-se de uma questão delicada a ser encarada com muita responsabilidade, em benefício da própria população carcerária. No entanto, a visita da família é um direito incontestável, que deve ser incentivado, como elemento de grande influência na manutenção dos laços afetivos e na ressoacialização do preso.

3.10 Chamamento nominal

O inciso XI do art. 41 da Lei de Execução Penal também resguarda aos presos o direito de serem chamados pelo próprio nome, direito este intimamente ligado ao princípio da dignidade humana.

Júlio Fabbrini Mirabete relata que

[esta] prescrição visa preservar a dignidade humana e a intimidade pessoal do preso. O sentido de ressocialização do sistema penitenciário exige que o preso seja tratado como pessoa e não coisa, com rótulos que têm, por si mesmos, conteúdo vexatório e humilhante. Trata-se, portanto, de um direito que corresponde ao preso como pessoa, em razão da dignidade inerente a tal condição. [59]

O direito de ser chamado pelo nome é um dos primeiros a ser violado no ambiente prisional. Na maioria das vezes, o tratamento do detento nem sequer faz menção ao fato de que ele é um ser humano, quem dera que é um homem com nome. A prisão acaba por negar ao preso até mesmo sua identidade.

3.11.Igualdade de tratamento

A individualização da pena constitui-se num dos princípios basilares na execução penal brasileira. Por este procedimento, a pena é aplicada, partindo de uma pena base, atendendo às condições específicas do crime e do réu.

Todavia, este princípio não justifica o tratamento discriminatório racial, político, de opinião, social, religioso ou de qualquer outra espécie do preso. Cada condenado, como ser humano que é, merece ser tratado igualmente, independente de usa raça, cor, credo ou delito praticado, e possui os mesmos direitos e deveres que os demais. "Qualquer limitação que não se refira às medidas e situações referentes à individualização da pena previstas na própria legislação está vedada." [60]

3.12.Entrevista pessoal com o diretor do estabelecimento

Ao estabelecer a audiência com o diretor do estabelecimento prisional como um direito do presidiário, a Lei de Execução Penal buscou propiciar aos detentos um modo a mais de se defender das inúmeras discriminações, torturas e abusos sofridos pelos reclusos no dia-a-dia.

O dispositivo do inciso XIII, do art. 41, desta lei foi uma das maneiras encontradas pelo legislador de democratizar o espaço carcerário, na medida em que atribui aos detentos o direito de manter contato direto com o diretor da prisão em qualquer dia da semana, a fim de lhe fazer reclamação ou comunicação.

Todavia, o exercício deste direito pode gerar problemas, como rebeliões e protestos no estabelecimento prisional, se não houver abertura suficiente do diretor prisional aos detentos, um alheamento deste em relação a suas manifestações e sua cumplicidade para com os abusos cometidos pelos agentes policiais e carcerários.

3.12.Contato com o mundo exterior por meio de correspondência escrita ou demais meios de informação

O art. 41, XV, da Lei de Execução Penal, declara como direito do preso o contato com o mundo exterior por meio de correspondência escrita, da leitura e de outros meios de informação que não comprometam a moral e os bons costumes.

Este dispositivo procurou conservar um vínculo entre o presidiário e sua família e entre aquele e a sociedade em geral, vez que o objetivo da pena é exatamente a reinserção do preso no convívio social. Assim, constitui direito do presidiário ter notícias da família e dos acontecimentos do mundo, seja por meio de carta, rádio, revistas, jornais, televisão, pois sua passagem pela prisão não significa sua marginalização ou exclusão total da vida comum.

3.13. Obtenção de atestado anual de que conste a pena a cumprir

A Lei nº 10.713, de 14 de agosto de 2003, inseriu o inciso XVI no art. 41 da LEP, acrescentando o direito de obtenção de atestado anual de pena a cumprir. Apesar de que durante a Execução Penal é uma prática comum se elaborar, no apenso de liquidação de penas, a atualização da conta de liquidação, além de que a cada atualização o preso recebe (ou pelo menos deveria receber) uma cópia da conta de liquidação atualizada, onde consta não só o tempo de pena que lhe resta cumprir, mas a pena cumprida e extinta, eventual detração, remição, datas prováveis para obtenção de benefícios como progressão de regime, livramento condicional etc., o legislador optou por especificar mais este direito aos presidiários.

3.14.Progressão de regime

A Lei de Execução Penal traz o seguinte dispositivo:

Art. 112 – A pena privativa de liberdade será executada em forma progressiva com a transferência para regime menos rigoroso, a ser determinada pelo juiz, quando o preso tiver cumprido ao menos 1⁄6 (um sexto) da pena no regime anterior e ostentar bom comportamento carcerário, comprovado pelo diretor do estabelecimento, respeitadas as normas que vedam a progressão.

Conforme o sistema progressivo adotado pela lei penal brasileira, existem três regimes para a execução das penas privativas de liberdade: fechado, semi-aberto e aberto (CP, art. 33). Ao determinar a pena do réu, cabe ao juiz especificar qual será seu regime inicial de cumprimento.

No regime fechado, o preso está submetido a regime de segurança máxima ou média, ficando sujeito a trabalho no período diurno e isolamento durante o repouso noturno, não sendo admitido o trabalho externo (CP, art. 34 e parágrafos).

O regime semi-aberto submete o presidiário a trabalho em comum durante o período diurno, em colônia agrícola, industrial ou estabelecimento similar, além de admitir o trabalho externo, bem como a freqüência a cursos supletivos, profissionalizantes, ou regulares de 1º e 2º grau (CP, art. 35 e parágrafos).

E, por fim, no regime aberto, baseado nos princípios da autodisciplina e do senso de responsabilidade, o condenado deverá permanecer fora do estabelecimento durante o dia para trabalhar, estudar ou exercer outra atividade autorizada, devendo se recolher no período noturno e nos dias de folga à casa do albergado (CP, art. 36 e parágrafos).

Para a concessão do benefício da progressão de regime, o preso deve ter cumprido 1⁄6 (um sexto) da pena, se primário, e 1⁄4 (um quarto), se reincidente, e apresentar um bom comportamento carcerário. Esse benefício fundamenta-se no fato de que a pena objetiva a reinserção do condenado na vida em sociedade, desse modo, na medida em que o preso apresenta um bom comportamento e cumpre o período de pena especificado em lei, deve progredir de regime, readquirindo sua liberdade gradativamente.

3.1.14. Livramento condicional

Conforme disposição do art. 83 do Código Penal Brasileiro,

O juiz poderá conceder livramento condicional ao condenado a pena privativa de liberdade igual ou superior a 2 (dois) anos, desde que:

I – cumprida mais de um terço da pena, se o condenado não for reincidente em crime doloso e tiver bons antecedentes;

II – cumprida mais da metade se o condenado for reincidente em crime doloso;

III – comprovado comportamento satisfatório durante a execução da pena, bom desempenho no trabalho que lhe foi atribuído e aptidão para prover à própria subsistência mediante trabalho honesto;

IV – tenha reparado, salvo efetiva impossibilidade de fazê-lo, o dano causado pela infração;

V – cumprido mais de dois terços da pena nos casos de condenação por crime hediondo, prática de tortura, tráfico ilícito de entorpecentes e drogas afins, e terrorismo, se o apenado não for reincidente específico em crimes dessa natureza.

Embora a letra da lei disponha que a concessão de livramento condicional é uma faculdade do juiz (poderá conceder), vem prevalecendo o entendimento de que se trata de um direito do sentenciado. Assim, uma vez cumpridos os requisitos objetivos e subjetivos do livramento condicional, este deve ser concedido mediante requerimento do sentenciado, de seu cônjuge ou de parente em linha reta, ou por proposta do diretor do estabelecimento penitenciário ou por iniciativa do Conselho Penitenciário (CPP, art. 712).

Como o fim da sanção penal é a plena readaptação do preso, necessário se faz que o sistema penal analise o processo de regeneração do detento, permitindo que complete o tempo de pena em liberdade caso já demonstre ter se reeducado. Esta é a finalidade do instituto do livramento condicional.

O livramento condicional constitui a última etapa de cumprimento da pena privativa de liberdade, de modo que seu tempo de duração corresponde ao restante da pena que está sendo executada, ficando ela extinta quando decorrido este prazo ou sua eventual prorrogação, sem que ocorra caso de revogação.


CONCLUSÃO

A Constituição de 1988 atribuiu aos presos inúmeros direitos, numa amplitude nunca antes vista em outras cartas constitucionais brasileiras. Seu art. 5º, ao definir os direitos e garantias individuais, especificou uma série de garantias aos presidiários, além dos direitos assegurados pela Lei de Execução Penal e pelo Código Penal.

No decorrer desta monografia, procurou-se abordar como as penas foram aplicadas ao longo da história, qual a concepção atual da pena, quais os direitos assegurados constitucionalmente aos presidiários e quais os direitos a eles garantidos pela legislação ordinária.

A análise feita permite fazer algumas considerações sobre a questão dos direitos dos presidiários e, agora sim, traçar alguns apontamentos sobre sua efetividade.

Primeiramente, é importante destacar que a Carta Constitucional de 1988 foi muito bem ao elencar uma série de direitos específicos para os reclusos, vez que o estabelecimento dessas garantias aos presos coaduna com os fundamentos designados em seu art. 1º e com os objetivos (art. 3º da CF) da República Federativa do Brasil.

Na medida em que o Constituinte fez a opção de tratar os presidiários como os sujeitos de direito que realmente são, deu um grande passo rumo à consolidação de uma sociedade livre, justa e igualitária; que colabore para o desenvolvimento nacional; onde não haja pobreza, marginalização ou grandes desigualdades sociais; e que promova o bem de todos, sem preconceitos de qualquer natureza.

Mais do que isso, ao elevar a dignidade da pessoa humana e a cidadania como seus fundamentos, a Constituição, complementada pela legislação ordinária, institui um novo tratamento aos presidiários, partindo da concepção de que todos os homens têm o direito de serem reincluídos na vida em sociedade como seres livres, dignos e aptos a atuar no mercado de trabalho.

Todavia, apesar da evolução demonstrada pela aplicação das penas no decorrer dos tempos, o que se percebe é que, apesar do imenso arcabouço constitucional garantidor de direitos aos presos, na maioria de nossas penitenciárias a realidade denuncia celas superlotadas, alimentação de má qualidade, péssimas condições de higiene, falta de trabalho para todos os presos, falta de acesso à qualificação profissional e, além de tudo, um sério preconceito em relação aos apenados.

O descumprimento contínuo e reiterado dos direitos dos reclusos além de reduzi-los, muitas vezes, a condições subumanas, desvia a finalidade reeducacional da pena, tornando os presídios verdadeiras escolas para o crime e colaborando para o clima de violência e incerteza que assola a sociedade atual.

O caráter retributivo da pena, pelo qual se busca devolver ao apenado sofrimento idêntico ao por ele causado, está há muito superado. É necessário que os aplicadores do Direito (Juízes e Desembargadores, membros do Ministério Público, Advogados, Administradores de Penitenciárias, etc.) atuem incisivamente na conquista da efetividade dos direitos dos presos.

De que adiantam tantos direitos consignados em nossa legislação constitucional e ordinária se os detentos mal contam com um espaço adequado onde possam ser aprisionados? De que resolve falar orgulhosamente em um Estado Democrático de Direito enquanto cidadãos sobrevivem amontoados em celas superlotadas, sem higiene, sem dignidade? [61]

Apesar de a Constituição e a legislação ordinária estabelecerem uma série de garantias aos presidiários, a análise da realidade prisional não demonstra a ampla efetividade desses direitos e aponta para um grave problema a ser resolvido pelos governos e pela sociedade.

Nesse contexto, necessário se faz o desenvolvimento de políticas públicas voltadas para a proteção e ressocialização dos apenados e torna-se premente que cada cidadão comece a se conscientizar da importância de uma população carcerária que esteja sendo reeducada e ressocializada adequadamente, vez que indivíduos maltratados por tanto tempo em penitenciárias não têm condições de delas saírem melhores que os que nelas entraram.

A questão dos presidiários não é um problema a ser tratado como problema do outro. É um problema de todos e de cada um: ninguém é infalível a ponto de não correr o risco de um dia ir parar numa casa de detenção condenado por um crime e, caso isso aconteça, é preciso que existam penitenciárias que cumpram a finalidade de reeducação e reinserção do detento na sociedade.

O sistema presidiário não deve ser tomado como um método para excluir indivíduos da sociedade, e sim como um modo de reinserção do apenado nela.

Preso, sim. Sem dignidade, não. Homem, sim. Desrespeitado, não.

Propiciar alimentação, roupas limpas, ambiente saudável, trabalho, estudos, lazer aos detentos não significa sustentar "bandido" com luxo. Pelo contrário, passa exatamente por evitar que uma pessoa de bem torne-se um alguém amargo, vingativo e sem perspectivas.

Medidas que visem à conservação da dignidade humana não são, em circunstância nenhuma, excessos ou luxos. Toda e cada pessoa merece ser tratada igualmente e com respeito, sendo preta ou branca, pobre ou rica, estando atrás das grades ou não.

Essa regra vale especialmente para o tratamento dado aos presos nas prisões. Apesar de a Constituição garantir o direito à integridade física e moral do detento, os presídios são palco das mais violentas agressões aos direitos humanos. Ainda é comum que policiais torturem presos, que detentos agridam policiais, que presos matem outros presos, além de tantas outras barbaridades.

A cultura de respeito e de conservação da dignidade humana é não só um processo que deve ocorrer entre homens livres, mas também entre estes e os apenados, devendo crescer continuamente dentro da própria prisão. A reabilitação de um ser humano somente ocorrerá alcançando a finalidade da pena a partir do momento em que cada homem passar a ver o outro como um sujeito possuidor dos mesmos direitos que ele.

Os direitos assegurados pelo ordenamento jurídico exercem um papel importantíssimo na concepção e aplicação das penas, contudo, somente com a prática reiterada de cumprimento desses direitos será possível uma vida mais livre, justa e solidária.

Se a prática contínua de infrações aos direitos humanos gera cada vez mais violência, é de se acreditar que uma cultura de respeito a esses mesmos direitos humanos prime por uma sociedade mais equilibrada e mais justa.

Respeito e dignidade são conceitos que caminham juntos e a efetivação dos direitos dos presidiários passa pela combinação dessas duas variáveis.


REFERÊNCIAS

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Notas

  1. Michel FOUCAULT. Vigiar e Punir: nascimento das prisões, p. 11.
  2. Júlio Fabbrini MIRABETE. Manual de Direito Penal: Parte Geral, p. 35.
  3. Jason ALBERGARIA. Das Penas e da Execução Penal, p. 20.
  4. Sidio Rosa de MESQUITA JÚNIOR. Manual de Execução Penal: Teoria e Prática, p. 52.
  5. Jason ALBERGARIA. Ibidem, p. 30.
  6. Idem. Ibidem, p. 35.
  7. Luiz Vicente CERNICCHIARO. Estrutura do direito penal, p. 11-12, apud: MESQUITA JÚNIOR, Sidio Rosa de. Manual de Execução Penal: Teoria e prática, p. 54.
  8. E. SZLECHTER, ‘Le Code de Ur-Nammu’ Revue d’assyriologie, t. 49. 1955, pp. 169-177, apud: John GILISSEN. Introdução Histórica ao Direito, p. 64.
  9. A. FINET, Le Code de Hammurapi, Introduction, traduction et annotations, Paris 1973, apud: John GILISSEN. Introdução Histórica ao Direito, p. 65-66.
  10. Nova Enciclopédia Barsa, v. 8, p. 130.
  11. Michel FOUCAULT. Vigiar e Punir: o nascimento das prisões, p. 69-70.
  12. José A. Sáinz CANTERO. La Ciencia del Derecho Penal y su Evolución, p. 46.
  13. Idem. Ibidem, p. 48.
  14. Cesare de BECCARIA. Dos Delitos e das Penas, p. 19.
  15. José A. Sáinz CANTERO. La Ciencia del Derecho Penal y su Evolución, p. 55.
  16. Cesare Bonessana BECCARIA. Dos Delitos e das Penas, p. 50-51.
  17. José Roberto ANTONINI. O preso e o presídio. In: Revista dos Tribunais, ano 72, nov. de 1983, vol. 577, p. 479.
  18. Eugenio Raúl ZAFFARONI e José Henrique PIERANGELI. Manual de Direito Penal Brasileiro: Parte geral, p. 193-194.
  19. Eugenio Raúl ZAFFARONI e José Henrique PIERANGELI. Idem, p. 200.
  20. Eugenio Raúl ZAFFARONI e José Henrique PIERANGELI. Idem, p. 209.
  21. Eugenio Raúl ZAFFARONI e José Henrique PIERANGELI. Manual de Direito Penal Brasileiro, p. 132.
  22. Mauricio Antonio Ribeiro LOPES. Teoria Constitucional do Direito Penal, p. 199.
  23. Mauricio Antonio Ribeiro LOPES. Teoria Constitucional do Direito Penal, p. 175.
  24. Jorge MIRANDA. Manual de Direito Constitucional, tomo II, pp. 67-68.
  25. J. J. Gomes CANOTILHO. Direito Constitucional, p. 165.
  26. Idem. Ibidem, p. 165.
  27. Idem. Ibidem, p. 533.
  28. J. J. Gomes CANOTILHO. Direito Constitucional, p. 534.
  29. Manuel ARAGON. Constitución y democracia, apud: Mauricio Antonio Ribeiro Lopes. Teoria Constitucional do Direito Penal, p. 126.
  30. Mauricio Antonio Ribeiro LOPES. Teoria Constitucional do Direito Penal, p. 128-129.
  31. Jorge MIRANDA. Manual de Direito Constitucional, tomo IV, p. 180.
  32. Flávia PIOVESAN. Direitos Humanos e Direito Constitucional Internacional. Apud: Alexandre BIZZOTTO. Valores e Princípios Constitucionais, p. 138.
  33. Jorge MIRANDA. Manual de Direito Constitucional, tomo IV, p. 183.
  34. Thomas FLEINER. O que são direitos humanos? p. 13.
  35. Damásio Evangelista de JESUS. Direito Penal: Parte Geral, p. 11.
  36. Eugenio Raúl ZAFFARONI e José Henrique PIERANGELI. Manual de Direito Penal Brasileiro, p. 172.
  37. Eugenio Raúl ZAFFARONI e José Henrique PIERANGELI. Manual de Direito Penal Brasileiro, p. 220.
  38. Idem. Ibidem, p. 220.
  39. Idem. Ibidem, p. 171.
  40. J. J. Gomes CANOTILHO. Direito Constitucional, p. 652.
  41. José Afonso da SILVA. Curso de Direito Constitucional Positivo, p. 429.
  42. Idem. Ibidem, p. 654.
  43. Alexandre de MORAES. Direitos Humanos Fundamentais, p. 239.
  44. Apud: Idem. Ibidem, p. 239.
  45. Jorge MIRANDA. Manual de Direito Constitucional, p. 278.
  46. José Afonso da SILVA. Curso de Direito Constitucional Positivo, p. 441.
  47. Alexandre de MORAES. Direitos Humanos Fundamentais, p. 246.
  48. Wolgran Junqueira FERREIRA. Direitos e Garantias Fundamentais, p. 401, apud: Alexandre de MORAES. Ibidem, p. 246.
  49. Alexandre de MORAES. Direitos Humanos Fundamentais, p. 246.
  50. Luiz Antonio Soares HENTZ. Responsabilidade do Estado por prisão indevida, p. 5.
  51. Júlio Fabbrini MIRABETE. Execução penal, p. 64. Apud: Renata Soares Bonavides de MATTOS. Direitos do presidiário e suas violações, p. 55.
  52. Reglas Mínimas para el tratamiento de los reclusos, nº 10.
  53. Apud: Renata Soares Bonavides de MATTOS. Direito do Presidiário e suas violações, p. 67.
  54. René Ariel DOTTI, apud Sérgio Salomão SHICARIA. Pena e Constituição, p. 71, apud: Renata Soares Bonavides de MATTOS. Direitos do presidiário e suas violações, p. 57.
  55. Armida Bergamini MIOTTO. Curso de Ciência Penitenciária, p. 504. Apud: Júlio Fabbrini MIRABETE. Manual de Execução Penal, p. 123.
  56. Júlio Fabbrini MIRABETE. Manual de Execução Penal, p. 123.
  57. Júlio Fabbrini MIRABETE. Execução Penal, p. 121.
  58. Júlio Fabbrini MIRABETE. Manual de Execução Penal, p. 125.
  59. Júlio Fabbrini MIRABETE. Execução Penal, p. 122.
  60. Júlio Fabbrini MIRABETE. Manual de Execução Penal, p. 127.
  61. Cf. Drauzio VARELLA. Estação Carandiru. 16ª ed. São Paulo: Companhia das Letras, 2001.

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Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

CARVALHO, Márcia Silveira Borges de. Direitos do presidiário. Uma análise da Constituição de 1988. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 14, n. 2131, 2 maio 2009. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/12714. Acesso em: 20 abr. 2024.