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Responsabilidade civil do anestesiologista

Responsabilidade civil do anestesiologista

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RESUMO

A presente pesquisa visa destacar a autonomia adquirida nos últimos tempos pelos especialistas em anestesiologista, bem assim demonstrar que a prestação obrigacional do anestesiologista insere-se em uma obrigação de meio, haja vista os riscos inerentes aos poderosos fármacos utilizados no ato anestésico. Embora se reconheça o considerável avanço científico e a eficácia de novas técnicas, mostra-se inviável analisar o ato anestésico sob o prisma de um contrato de resultado, pois se assim fosse, estar-se-ia compelindo o especialista a garantir o sucesso da recuperação do paciente, ou seja, reanimá-lo às condições normais.

Sucede que o ato anestésico se desenvolve junto ao corpo humano onde predomina o fator álea, onde poucas situações são previsíveis, elementos estes que se sobrepõem à vontade do agente e o resultado pretendido. Ademais, serão fornecidos subsídios para uma escorreita perquirição de culpa e, por sua vez, as variadas relações jurídicas que se instalam entre os profissionais da área de saúde a fim de identificar a quem caberá o dever de reparar. Torna-se relevante o estudo levando em consideração a enorme divergência doutrinária e jurisprudencial sobre o tema, fato que certamente torna o assunto ainda mais interessante àqueles que apreciam o debate jurídico.

Palavras-chave: autonomia do anestesiologista; prestação obrigacional de meio; responsabilidade subjetiva.


1 INTRODUÇÃO

A responsabilidade dos médicos tem sido enfrentada com circunspecção pelos estudiosos do direito, haja vista a complexidade que envolve a atividade desenvolvida por esses indispensáveis profissionais.

A grande distância existente entre as ciências biológicas - relativamente à Medicina -, e as ciências humanas – no que toca ao ramo do Direito -, indubitavelmente é um dos obstáculos à devida avaliação da conduta médica.

Mas, por outro lado, observa-se que a responsabilidade médica é regulamentada pelos mesmos princípios norteadores da responsabilidade civil em geral, tema este de grande interesse para os juristas.

Com efeito, na hipótese de o profissional, em sã consciência, agir culposamente ou intencionalmente, produzindo um dano em seu cliente, estará caracterizado o dever de reparar.

Sucede que a responsabilidade médica, em razão da classificação adotada pelo ordenamento jurídico, exige, incondicionalmente, o preenchimento de certos requisitos estabelecidos pelo direito material (Código Civil e Código de Defesa do Consumidor), dentre eles a presença do elemento subjetivo do agente.

Destarte, esse será o ponto de partida da presente pesquisa, uma vez que a prestação obrigacional dos médicos, a rigor, tem sido considerada dentro de uma obrigação de meio, ensejando, por conseguinte, a perquirição de eventual conduta culposa desses profissionais.

Sob outro aspecto, observa-se pairar intensa discussão doutrinária e jurisprudencial em relação à modalidade de obrigação existente em certas especialidades da medicina, como é o caso da cirurgia estética e da anestesiologia.

Colhem-se dos arestos nacionais entendimentos dos mais divergentes, vez que ora consideram a prestação obrigacional desses especialistas inserida no âmbito da obrigação de resultado, ora como uma obrigação de meio.

Persiste também a polêmica na escassa doutrina sobre o assunto, sendo que a maioria dos civilistas considera tal prestação como uma obrigação de resultado.

Diante dessa divergência, será necessário buscar "[...] munição no cadinho das informações técnicas e do embasamento científico [...]" a fim de arredar essa lacuna existente (GIOSTRI, 2004, p. 151).

Para tanto, preliminarmente, haverá que se tomar em conta as transformações ocorridas nas últimas décadas, que na análise de Venosa (2003), teriam acarretado um processo de despersonalização e socialização da medicina. Tal fato teria surgido com a massificação do atendimento médico, bem como com a criação de enormes centros hospitalares, originando, dessa maneira, uma profunda alteração na relação médico-paciente.

Partindo dessa premissa, analisar-se-á cada um dos pressupostos da responsabilidade civil do médico generalista para, então, com base na Resolução do Conselho Federal de Medicina n.º 1.363/1993, poder traçar os contornos da atuação do anestesiologista, que nada mais é que um facultativo bacharel em Medicina e graduado em curso de especialização em medicina.

Em razão disso, está o anestesiologista sujeito às normas insertas no Código de Ética Médica que uma vez desrespeitadas, o submeterão a julgamento pelo orgão competente.

Identificadas, assim, quais as atividades e deveres a ser cumpridos pelo especialista, será analisada a periculosidade que envolve o ato anestésico, fornecendo-se, na seqüência, importantes subsídios para a escorreita perscrutação da culpa.

Além disso, serão discriminadas as relações jurídicas que normalmente cercam os profissionais da área de saúde, destacando-se a autonomia adquirida pelo anestesiologista, como também o regime de responsabilização de tais avenças e suas respectivas nuanças.

Dessa maneira, buscar-se-á demonstrar pela presente pesquisa, que a atividade do anestesiologista, ao contrário daquilo que muitos pensam, não se restringe tão-somente a fazer o paciente "dormir", para depois "acordá-lo", sendo que somente uma análise detida das funções específicas desenvolvidas nesse ramo da Medicina identificará a crítica posição ocupada por esses especialistas.


2 CONTORNOS DA RESPONSABILIDADE CIVIL

2.1 RESPONSABILIDADE E DIREITO

Desde a antiguidade esteve incutida no seio da sociedade a ideia de responsabilizar alguém pelos seus atos danosos, pois caso contrário, estar-se-ia a favorecer a impunidade daqueles que contrariam os contratos, os costumes e as leis que regulam a vida social, hipótese essa diametralmente oposta à concepção comum de justiça.

Antes, prevalecia a idéia da vingança (vindicta), na qual se reparava um dano com a prática de outro dano. Impossibilitava-se, de fato, qualquer consideração sobre a noção de culpa, leve ou lata, uma vez que se equiparava a prática de um delito à outro, fundada na lei de talião, que limitava a represália da vítima sobre o agressor à proporcionalidade do dano causado (LISBOA, 2004).

Após, com a Lei das XII Tábuas (450 a. C), estabeleceu-se o procedimento da autocomposição, além de terem sido criadas as penas retributivas. "A disseminação da justiça retributiva contribuiu, ainda, para adoção de penas patrimoniais e tarifadas" (Id. ib., p. 423).

Nesse contexto, aparece o processo como importante instrumento de solução de conflitos, por meio de juízes privados ou públicos.

Já na fase republicana, instituiu o direito romano a Lex Aquilia de damnum (286 a. C), a qual determina a imprescindibilidade da culpa para que surja o dever de reparar o dano causado.

Diante disso, a culpa passou a integrar a noção de responsabilidade havida até o momento, sendo posteriormente inserida nas legislações codificadas, tal como no Código Civil Francês (1.804), que estabelecia no seu artigo 1.382 "que o agente causador do dano somente viria a se obrigar em repará-lo se fosse demonstrada a sua culpa" (LISBOA, op.cit., p. 425).

Quanto ao Brasil, "sobreveio o Código Criminal de 1830, cujo Capítulo V, intitulado Da Satisfação, enfeixava as regras que os tribunais brasileiros poderiam aplicar, como orientação para apreciar os casos de responsabilidade civil (arts. 21 a 32)" (SOARES, 1996, p. 4).

Após, nos idos de 1916, adveio a Lei n. 3.071 (antigo Código Civil Brasileiro), a qual, por sua vez, tratou da matéria no âmbito civil, trazendo em suas normas a necessidade de comprovação da culpa caracterizar a responsabilidade civil.

Sucede que, após a I Guerra Mundial (1914/1918), diversas transformações ocorreram nas áreas de produção, comunicação e transporte, provocando inúmeras vítimas de acidentes com maquinários. Diante disso, "algumas atividades passaram a ser consideradas perigosas por sua natureza ou por determinação legal, a saber: a produção industrial e os transportes coletivos" (LISBOA, op. cit, p. 426).

Nesse sentido, ante a grande dificuldade do empregado em demonstrar a culpa do seu empregador, caminhou a jurisprudência em direção ao abrandamento da rigorosa exigência da responsabilidade subjetiva, admitindo, pois, existir (em algumas hipóteses) a responsabilidade independente de culpa, em virtude da espécie de atividade desenvolvida pelo autor do ilícito.

Não obstante, antes de esclarecer as peculiaridades que diferenciam as espécies de responsabilidade, impende dissociar a idéia do que se entende por responsabilidade daquela havida em torno da obrigação.

A palavra responsabilidade advém do latim respondere, que significa "o fato de ter alguém se constituído garantidor de algo" (DINIZ, 2004, p. 39). Ocorre, que muitas vezes o vocábulo "responsabilidade" é confundido como uma obrigação, por ser justamente esse o seu sentido etimológico.

Em termos jurídicos, no entanto, entende-se que responsabilidade significa o dever jurídico [01] de reparar as conseqüências decorrentes da prática de um ato danoso ou de um abuso de direito.

Sérgio Cavalieri Filho, ao definir responsabilidade, elabora interessante distinção entre obrigação e responsabilidade, afirmando que

obrigação é sempre um dever jurídico originário; responsabilidade é um dever jurídico sucessivo, conseqüente à violação do primeiro. Se alguém se compromete a prestar serviços profissionais a outrem, assume uma obrigação, um dever jurídico originário. Se não cumprir a obrigação (deixar de prestar os serviços) violará o dever jurídico originário, surgindo daí a responsabilidade, o dever de compor o prejuízo causado pelo não cumprimento da obrigação (1999, p. 20).

Outra distinção a se fazer é que nem sempre há coincidência na mesma pessoa entre obrigado e responsável. Para corroborar tal assertiva, vale citar, como a exemplo, o menor que não possui carteira de habilitação para dirigir e, por sua culpa, acaba envolvendo-se em acidente automobilístico, causando prejuízos ao veículo abalroado. Nessa hipótese, obrigado seria o menor causador do dano, contudo, quem responderá pelos danos causados será o seu genitor.

Feita essa distinção, oportuno trazer os ensinamentos sobre o tema da professora Maria Helena Diniz:

A responsabilidade civil é a aplicação de medidas que obriguem uma pessoa a reparar dano moral ou patrimonial causado a terceiros, em razão de ato por ela mesma praticado, por pessoa por quem ela responde, por alguma coisa a ela pertencente ou de simples imposição legal (2004, p. 40).

Quanto à legislação, verifica-se que o atual Código Civil brasileiro tratou da responsabilidade civil em poucos dispositivos, Na Parte Geral, mais precisamente nos arts. 186, 187 e 188, regulamentou a responsabilidade aquiliana e alguma excludentes de ilicitude. Na Parte Especial, estabeleceu a regra básica da responsabilidade contratual no art. 389, e reservou um título específico da matéria sob a denominação "Da Responsabilidade Civil" (arts. 927/954).

2.2 ESPÉCIES DE RESPONSABILIDADE

Com a evolução dos estudos sobre a responsabilidade civil, foram surgindo novos fundamentos e pressupostos para caracterizá-la. Dessa maneira, criou-se a seguinte classificação:

Quanto á origem, em: responsabilidade contratual e responsabilidade extracontratual; quanto à culpa, em: responsabilidade subjetiva, responsabilidade subjetiva como presunção de culpa [02] e responsabilidade sem culpa (objetiva); quanto á causa, em: responsabilidade direta e responsabilidade indireta; quanto ao perigo: responsabilidade por atividade perigosa e responsabilidade por atividade não perigosa; e quanto à causa no perigo: responsabilidade pura e responsabilidade impura (LISBOA, op.cit., p. 458 e 459).

Com relação à responsabilidade contratual, "é aquela que decorre da violação de obrigação disposta em um negócio jurídico" (LISBOA, op. cit., p. 459). De outro lado, assinala Maria Helena Diniz que a responsabilidade extracontratual, seria resultante da violação de um dever geral de abstenção pertinente aos direitos reais ou de personalidade [03] (DINIZ, op. cit., p. 129).

No que tange à responsabilidade subjetiva, possível é conceituá-la como aquela que pressupõe a existência de culpa (em sentido amplo) para exsurgir o dever de reparar.

De modo distinto é a responsabilidade objetiva, apurada independentemente de culpa do agente causador do dano, pela atividade perigosa por ele desempenhada. Ainda nesse raciocínio, encontra-se a responsabilidade objetiva por risco exacerbado, que é aquela que é apurada independentemente de culpa do agente causador do dano, pela gravidade ou risco exacerbado da atividade perigosa por ele desempenhada [04] (LISBOA, op. cit., p. 461).

Seguindo a subdivisão elencada acima, tem-se como responsabilidade direta a que provém da conduta da própria pessoa a ser imputada pelo dano causado.

Por seu turno, a responsabilidade indireta é derivada da conduta de terceiro vinculado com o agente, bem assim pelo fato de coisa ou animal igualmente ligados ao agente.

Quanto à penúltima classificação, entende Lisboa ser responsabilidade nas atividades não perigosas aquela onde o dever de reparar os prejuízos patrimoniais e extrapatrimoniais decorre da apuração de culpa do agente ou então de culpa presumida. De outro vértice, apresentam-se as atividades perigosas, com uma única diferença, que seria a existência do dever de reparar o dano independentemente da apuração de culpa.

Como última subdivisão, tem-se a responsabilidade pura e impura. A primeira assume características semelhantes à responsabilidade direta, pois nas palavras de Lisboa (2004) é aquela que decorre de ato danoso praticado pelo próprio responsável, no exercício de sua atividade considerada pela lei como sendo perigosa ou não. Será a lei que irá reconhecê-la.

Atinente à segunda espécie, denota-se haver similitude com a responsabilidade indireta, vez que "decorre de ato danoso decorrente de culpa de terceiro cujo responsável é aquela que mantém a atividade considerada pela lei como sendo perigosa ou não" (LISBOA, op. cit., p.464). A responsabilidade impura poderá ser admitida pela lei ou jurisprudência.

2.2.1 Responsabilidade penal e civil

Para melhor delimitar esse tópico, é preciso mencionar a primeira distinção entre as responsabilidades em epígrafe, que se refere à origem da norma violada. A responsabilidade penal decorre de transgressão à norma de direito público, enquanto a responsabilidade civil provém da violação de direito privado.

Partindo dessa premissa básica, constata-se haver um interesse público em torno da responsabilidade penal, razão pela qual assume o Estado não só o papel de titular do direito de punir (ius puniendi), como também exerce, como regra, a titularidade da ação penal. [05]

Nesse sentido, cabe transcrever as lições do penalista Julio Fabbrini Mirabete que, ao descrever as características do Direito Penal, afirma:

A norma penal é valorativa porque tutela os valores mais elevados da sociedade, dispondo-os em uma escala hierárquica e valorando os fatos de acordo com a sua gravidade. Quanto mais grave o crime, o desvalor da ação, mais severa será a sanção aplicável ao autor" (2005, p. 24).

Desse modo, aparece como pressuposto da responsabilidade penal a tipicidade da conduta do agente, obedecendo, assim, à garantia fundamental inserta no art. 5º, inciso XXXIX, da Constituição Federal [06], segundo a qual "alguém só pode ser punido se, anteriormente ao fato por ele praticado, existir uma lei que o considere como crime." (Id. ib., p. 55).

Sob outro prisma, encontra-se a responsabilidade civil, cuja característica marcante consiste no desfalque patrimonial suportado pelo particular, ao qual oportuniza-se reivindicar ao autor do ilícito o ressarcimento dos prejuízos sofridos.

Ocorre que, na esfera civil, diferentemente da responsabilidade penal, incumbe à vítima, em muitos casos, o dever processual de comprovar a culpa do réu.

Outrossim, distingue-se a responsabilidade civil, da penal, no aspecto da imputabilidade, posto que naquela admite-se responsabilizar o menor de 18 anos,

"se as pessoas encarregadas na sua guarda ou vigilância não puderem fazê-lo, desde que não fiquem privados do necessário (art. 928, parágrafo único). Na esfera criminal, estão sujeitos apenas às medidas sócio-educativas do Estatuto da Criança e do Adolescente" (GONÇALVES, 2003, p. 20).

Por derradeiro, cumpre salientar que a responsabilidade penal é pessoal e intransferível, impossibilitando, assim, a apenação de pessoas jurídicas, seja pública, seja privada.

2.2.2 Responsabilidade contratual e extracontratual

Trata-se de classificação fundada no fato gerador da obrigação, que pode nascer de uma relação jurídica obrigacional preexistente, bem assim do descumprimento de um preceito legal.

Quando existe um vínculo contratual preexistente, onde as partes contratantes [07] estabelecem obrigações entre si (recíprocas ou não), na hipótese de não adimplemento, tem-se a responsabilidade contratual.

Nessa esteira, são os ensinamentos do magistrado carioca Sérgio Cavalieri Filho ao afirmar que "se preexiste um vínculo obrigacional, e o dever de indenizar é conseqüência do inadimplemento, temos a responsabilidade contratual, também chamada de ilícito contratual ou relativo" (CAVALIERI FILHO, 1999, p. 26).

De modo a facilitar a compreensão da responsabilidade contratual cita a doutrina exemplos conhecidos pelos acadêmicos como o caso do artista que não comparece para dar o espetáculo contratado; o inquilino que deixa de pagar o aluguel; quando o comodatário não devolve a coisa emprestada, etc. (DINIZ, op. cit., p. 127).

Destaca-se que, na responsabilidade contratual, incumbe ao devedor o ônus da prova de que não agiu com culpa ou de que ocorreu, na espécie, alguma das excludentes de responsabilidade, tal como a culpa exclusiva da vítima, caso fortuito ou força maior.

De outra parte, entende-se como responsabilidade extracontratual (por óbvio), aquela que não deriva de um contrato (GONÇALVES, 2003). É aquilo que o autor por último citado chama de responsabilidade derivada de ilícito extracontratual, também denominada aquiliana.

Em síntese, responsabilidade extracontratual é aquela que surge de um dever jurídico imposto pela lei ou, melhor, é a lesão a um direito, sem que entre o ofensor e o ofendido preexista qualquer relação jurídica. Por exemplo, se alguém atropela outrem, causando-lhe lesão corporal, deverá o causador do dano repará-lo (DINIZ, op. cit., p. 128).

Já nesse caso, impõe-se à vítima o ônus da prova, ou melhor, deverá a vítima demonstrar a culpa do autor do ilícito, cumprindo o que dispõe o art. 333, I, do Código de Processo Civil. [08]

A dualidade de tratamento exposta acima decorre da opção adotada na legislação nacional pela teoria dualista ou clássica, mas criticada pelos adeptos da teoria unitária ou clássica, que entendem pouco importar os aspectos sob os quais se apresente a responsabilidade civil no cenário jurídico, pois uniformes os seus efeitos (GONÇALVES, op. cit., p.26).

Aliás, quanto à legislação, constata-se que o Código Civil dispôs as duas espécies de responsabilidade da seguinte maneira: responsabilidade extracontratual, arts. 186 a 188 e 927 e seguintes; e a contratual, nos arts. 389 e seguintes e 395 e seguintes.

2.2.3 Responsabilidade subjetiva e objetiva

O critério utilizado para distinguir as responsabilidades em questão está fundado na culpa.

A responsabilidade subjetiva está ligada visceralmente à culpa, e assim, deverá a vítima provar que os danos por ela suportados ocorreram em virtude de culpa do autor do ilícito, seja por culpa em sentido estrito seja por dolo.

Conforme já destacado anteriormente, essa é norma geral adotada pela antiga legislação civil brasileira, e que continua em vigor com o atual Código Civil, consoante o estabelecido no art. 186.

No entanto, em virtude da enorme dificuldade encontrada pelas vítimas, em algumas situações, em comprovar a culpa do agente, notadamente nos acidentes de trabalho, achou por bem o legislador viabilizar em certos casos a responsabilidade independente de culpa.

Surge daí a idéia da responsabilidade objetiva, onde não se exige a prova da culpa do agente para subsistir o dever de reparar.

Do gênero responsabilidade objetiva, surgem duas espécies, a saber: responsabilidade objetiva imprópria ou impura e propriamente dita ou pura.

A primeira consiste na culpa presumida, onde há a inversão do ônus da prova, bastando ao autor (vítima) demonstrar que houve a conduta do agente e o dano, pois presume-se a culpa do agente (réu).

A ilustrar essa subdivisão, cita-se a responsabilidade do dono do animal que causa danos a outrem. Assim, tendo o animal atacado um transeunte, presume-se a culpa do seu dono - chamada pela doutrina de culpa in custodiendo -, fato esse, todavia, insuficiente para inviabilizar ao dono do animal a comprovação de alguma excludente de ilicitude, tal como a hipótese de ter a vítima provocado o animal que, ferozmente, reagiu e a atacou.

Haveria, nesse caso, culpa exclusiva da vítima, excluindo o dono do animal de quaisquer responsabilidades (a contrario sensu do que dispõe o art. 936 do Código Civil). [09]

Já a responsabilidade objetiva própria ou pura consubstancia a teoria do risco propriamente dito, eis que dispensa a vítima de qualquer ônus probatório. Para tanto, basta que a mesma demonstre o nexo de causalidade entre o ato comissivo ou omissivo e o dano.

Para solidificar essa definição, insta mencionar as teorias que justificam a responsabilidade objetiva, pontuadas por Serpa Lopes nos seguintes termos:

[...] a) teoria do risco proveito – é justo que aquele que obtém o proveito de uma empresa, o patrão, venha se onerar com a obrigação de indenizar os que forem vítimas de acidentes durante o trabalho; b) teoria do risco criado – pelo simples fato de agir, o homem cria riscos para os demais, por isso deve responder em caso de dano. Como se vê, na teoria do risco, toda ação gerando risco a terceiros, faz com que o agente responda por eventuais danos, independentemente de culpa (SERPA LOPES, 2000, p. 1999).

Nesse raciocínio encontra-se o Código de Defesa do Consumidor [10], que visivelmente ampliou o espectro de aplicação da responsabilidade objetiva, tudo em vista da proteção do consumidor, parte geralmente enfraquecida de uma relação de consumo [11].

É certo, porém, que o §4º do art 14 do Código de Defesa do Consumidor admite a responsabilidade subjetiva, mas com a ressalva de aplicabilidade tão somente aos profissionais liberais, como é o caso do médico, bem como do anestesiologista.

2.3 ELEMENTOS OU PRESSUPOSTOS DA RESPONSABILIDADE CIVIL

O art. 186 do Código Civil [12] regula a responsabilidade aquiliana e, por conseguinte, consagra uma regra intrínseca ao ser humano e universalmente aceita: a de que todo aquele que causa dano a outrem é obrigado a repará-lo.(GONÇALVES, 2003).

Por outro lado, há divergências doutrinárias quanto aos pressupostos da responsabilidade civil (extracontratual). No entanto, consente a maioria dos autores em afirmar a sua composição pelos seguintes elementos: ação ou omissão do agente, culpa ou dolo, nexo de causalidade e dano suportado pela vítima.

Desse modo, imperiosa a análise pormenorizada de cada uma desses elementos, como se observará nos tópicos abaixo.

2.3.1 Ação ou omissão do agente

Ação é elemento primário de todo ato ilícito, e que se manifesta no plano físico através de uma conduta humana voluntária e livre. Assim como ocorre na esfera penal, exige-se uma exteriorização da conduta do agente lesiva ao direito subjetivo de outrem, pois é inadmissível a repressão tão somente do pensamento leviano do agente.

Esclarece Rui Stoco que "não há responsabilidade civil sem determinado comportamento humano contrário á ordem. A ação ou omissão constituem, por isso mesmo, tal com no crime, o primeiro momento da responsabilidade civil" (STOCO, 1999, p. 64).

Outro ponto a merecer destaque, muito bem lembrado pela professora Maria Helena Diniz, é que a conduta deverá ser voluntária no sentido de ser controlável pela vontade à qual se imputa o fato, de sorte que excluídos estarão os atos praticados sob coação absoluta; em estado de inconsciência, sob o efeito de hipnose, delírio febril, ataque epilético, sonambulismo, ou por provocação de fatos invencíveis como tempestades, incêndios desencadeados por raios, naufrágios, terremotos, inundações etc (op. cit., p. 44).

Com efeito, "[...] os atos que passam de um centro sensório a um centro motor, produzindo o movimento sem transitarem pela zona da consciência não alcançam a dignidade da pessoa humana" (STOCO, op. cit., p. 65).

Outrossim, conforme já observado linhas atrás, prevê o Código Civil a responsabilidade por ato próprio, de terceiros ou então pelo fato da coisa ou de animal que estejam sob a guarda do agente.

Por sua vez, o comportamento omissivo pode ser compreendido pela inércia do agente quando determinada situação lhe exigia um comportamento ativo em prol da vítima. [13] Segundo exprime Stoco, "omissão é uma conduta negativa. Surge porque alguém não realizou determinada ação. A sua essência está propriamente em não ter agido de determinada forma" (STOCO, op. cit., p. 65).

Portanto, em certas ocasiões, exige o Direito uma "obrigação de fazer" do agente com o fim de evitar que resultados nocivos venham efetivar-se contra determinado bem jurídico.

2.3.2 Culpa do agente

Da leitura do art. 186 do Código Civil extrai-se a expressão "[..] ação ou omissão voluntária, negligência, ou imprudência [...]", indicando ser fundamento da responsabilidade civil subjetiva o dolo e a culpa, denominado no âmbito civil pela locução "culpa em sentido amplo".

Diante disso, para haver o dever de indenizar, geralmente, é necessário provar que o autor do ilícito agiu com dolo ou com culpa. Ressalva-se, entretanto, a existência de algumas hipóteses que prescindem da comprovação da culpa, quando adotada a teoria do risco pertinente à responsabilidade objetiva, visto que "exigir que a vítima prove a culpa do agente causador do dano é a mesma coisa que deixá-la irressarcida" (RODRIGUES, 2002, p.17).

Assim, inicialmente mister se faz distinguir dolo e culpa, pois embora haja uma inclinação a dizer que o dever de reparar será o mesmo na existência de qualquer um, "há certas hipóteses, em que só o dolo ou só a culpa originam o dever ressarcitório (Código Civil, art. 392)" (DINIZ, op. cit., p. 46).

O dolo é a vontade, a intenção do sujeito em provocar um resultado. Já a culpa insere-se no campo da falta de previsibilidade do agente, ou melhor, na inobservância de um dever de cuidado. [14]

Essa falta de cuidado pode ser exteriorizada nas seguintes formas: imprudência, negligência e imperícia. [15]

Segundo o magistrado Sérgio Cavalieri Filho,

"Imprudência é falta de cautela ou cuidado por conduta comissiva, positiva, por ação. Age com imprudência o motorista que dirige em excesso de velocidade, ou que avança sinal. Negligência é a mesma falta de cuidado por conduta omissiva. Haverá negligência se o veículo não estiver em condições de trafegar, por deficiências de freios, pneus, etc. O médico que não toma os cuidados devidos ao fazer uma cirurgia, ensejando a infecção do paciente, ou que lhe esquece uma pinça no abdômen, é negligente" (op.cit., p. 41).

Quanto a imperícia, entende o penalista Mirabete que,

"[...] é a incapacidade, a falta de conhecimentos técnicos no exercício de arte ou profissão, não tomando o agente em consideração o que sabe ou deve saber. Ex.: não saber dirigir um veículo, não estar habilitado para uma cirurgia que exija conhecimentos apurados etc [...] A imperícia pressupõe sempre a qualidade de habilitação legal para a arte (motorista amador, por exemplo) ou profissão (motorista profissional, médico, engenheiro etc.)" (op.cit., p. 149-150).

Aprofundando o estudo da teoria subjetiva, observa-se que existem várias modalidades de culpa, classificadas por Maria Helena Diniz da seguinte maneira: a) em função da natureza do dever violado: culpa contratual e culpa extracontratual; b) quanto á sua graduação: culpa grave, leve, levíssima; c) relativamente aos modos de sua apreciação: in concreto e in abstracto; e d) quanto ao conteúdo da conduta culposa: culpa in committendo, in omittendo, in eligendo, in vigilando e in custodiendo (DINIZ, op. cit., p. 49-50). [16]

Considera-se culpa contratual, quando existe uma pactuação preexiste entre as partes, ou seja, há violação de uma obrigação contratual.

Na culpa extracontratual ou aquiliana, há violação de um dever jurídico imperativo a todos cidadãos, originário de lei ou de preceito geral de Direito (CAVALIERI FILHO, 1999).

Carvalho Santos, com base em Vampré e Chironi, ainda faz as seguintes distinções:

1) na culpa contratual só responde o agente capaz; na culpa aquiliana não é necessária capacidade especial; 2) na culpa contratual incumbe ao devedor provar que não cumpriu a obrigação, por caso fortuito ou força maior; na aquiliana, o ônus da prova incumbe a quem alega ter sido injustamente ofendido; 3) a culpa aquiliana envolve fatos diversos, como a intenção de prejudicar, a imperícia, a negligência, a imprudência, a falta de vigilância, o abuso de direito, a falta de cuidado ou fiscalização de coisas ou pessoas; a culpa contratual consiste em não cumprir a obrigação contratada (1958., p. 316).

A culpa grave ou lata é aquela que mais se aproxima do dolo, mais precisamente do dolo eventual [17] - também denominado como dolo indireto -, do Direito Penal. Para Carlos Roberto Gonçalves "culpa lata ou ‘grave’ é a falta imprópria ao comum dos homens" (2003, p. 33).

Atinente à culpa leve "[...] ocorrerá quando a lesão de direito puder ser evitada com atenção ordinária, ou adoção de diligências próprias do bônus pater famílias" (DINIZ, op. cit., p. 48).

Quanto à culpa levíssima, tem-se como um erro escusável, pois somente uma diligência extraordinária seria capaz de impedir o resultado. [18]

Essa divisão em níveis de culpa, úteis ao Direito Penal para a quantificação da pena, apresentam, no âmbito civil, relevante fator a ser considerado na quantificação da indenização, haja vista o que preleciona o art. 944 e parágrafo único do Código Civil. [19]

Menciona o citado dispositivo legal que "se houver excessiva desproporção entre a gravidade da culpa e o dano, poderá o juiz reduzir, eqüitativamente, a indenização."

Quanto ao modo de apreciação, tem-se culpa in concreto como aquela a ser analisada no caso concreto pelo Juiz, e culpa in abstracto quando se adota como critério de parâmetro a conduta do homem médio, ou então, do diligens pater famílias de que fala Maria Helena Diniz.

Cumpre, ainda, ressaltar que prevalece na jurisprudência e legislação civil o critério de aferição pela culpa in abstrato.

E, no que tange ao conteúdo da conduta culposa, Carlos Roberto Gonçalves assinala que a culpa pode ser,

in eligendo: decorre da má escolha do representante, do preposto; in vigilando: decorre da ausência de fiscalização; in comittendo: decorre de uma ação, de um ato positivo; in omittendi: decorre de uma omissão, quando havia o dever de não se abster; in custodiendo: decorre da falta de cuidados na guarda de algum animal ou de algum objeto (op. cit, p. 33).

Ademais, vale lembrar o contido na Súmula 341 do Supremo Tribunal Federal, que por sua vez consagra a culpa in eligendo, nos seguintes termos: "É presumida a culpa do patrão ou comitente pelo ato culposo do empregado ou preposto."

Dentre os vários exemplos de aplicação da aludida súmula, destaca-se o caso dos hospitais que, em razão da natureza da atividade exercida, freqüentemente, ocupam o pólo passivo de demandas indenizatórias.

Em última análise, ressalta-se a culpa concorrente, a qual muito interessa em demandas judiciais ligadas à atividade médica. Diz-se culpa concorrente quando existe uma conduta culposa do autor do ilícito bem como da vítima.

Nessa esteira é o disposto no art. 945, do Código Civil, o qual preleciona que a "[...] indenização será fixada tendo-se em conta a gravidade de sua culpa em confronto com a do autor do dano." Dessa forma, deverá o magistrado analisar no caso concreto o grau de culpa do agente e da vítima para, então, repartir proporcionalmente os prejuízos.

2.3.3 Dano experimentado pela vítima

Inicialmente, deve-se estabelecer a premissa de que o dano é requisito elementar de qualquer espécie de responsabilidade civil. Sem dano, não há dever de reparar.

Contudo, para que o dano venha a ser sancionado pelo ordenamento jurídico, indispensável se faz a presença de dois requisitos: i) prejuízo e i) lesão jurídica (MONTENEGRO, 2001, p. 7).

Com base nesses requisitos, percebe-se que na esfera civil a noção de ato ilícito é bem diferente da esfera penal, pois nesta existe possibilidade de reprimir a mera conduta do sujeito, enquanto naquela necessariamente deve haver um prejuízo, um delito material. Desse modo, mesmo que não haja dano, poderá haver responsabilidade penal, mas não responsabilidade civil [20] (CAVALIERI FILHO, 1999, p. 70).

Diante dessas considerações, embora não seja fácil tarefa, pode-se definir dano como "[...] todo mal ou ofensa que tenha uma pessoa causado a outrem, quer em razão da existência dum vínculo contratual, ou extracontratual (fora do contrato)" [Sic] (SOARES, op. cit., p. 67).

Nessa linha, em que pese a variedade de classificações de danos adotadas pelos civilistas, deve-se enumerar ao menos os principais.

Assim, consiste a primeira espécie no dano patrimonial, entendido como um prejuízo ligado ao patrimônio da vítima ou então, em sucintos termos, um prejuízo econômico. Tal diminuição patrimonial, nos termos do art. 402 do Código Civil, abrange tanto os prejuízos efetivamente suportados pela vítima (danos emergentes), quanto "[...] o que ela razoavelmente deixou de lucrar" (lucros cessantes). [21]

A seguir, excluídos os bens de cunho patrimonial, restam os bens da personalidade tais como a liberdade, a honra, a saúde, a integridade psicofísica, os quais uma vez ofendido ensejam danos morais [22] (MONTENEGRO, 2001).

E, por último, há os danos personalíssimos, que seriam aqueles causados à própria pessoa, e que não raro é confundido com os danos de ordem moral.

Saliente-se, ademais, que não subsistirá nenhuma indenização caso o dano não seja certo e atual.

"Dano certo é aquele cuja existência acha-se completamente determinada, de tal modo que dúvidas não pairem quanto à sua efetividade" (MONTENEGRO, op. cit., p. 25).

E dano atual é aquele já existente no momento da propositura da demanda. ‘ Com efeito, leciona Lisboa que a noção de atualidade abrange, por óbvio, o passado, pois o fato que o determinou é pretérito, porém os seus efeitos são prejudiciais aos interesses da vítima (op. cit., p. 480).

Nesse passo, interessante a colocação feita por Montenegro quando diz "que o dano atual não precisa ser certo, mas, em relação ao fato ilícito, deve estar consumado com todas as suas conseqüências" (op.cit., p. 25).

Convém, ainda, lembrar o que a doutrina denomina de "dano em ricochete", o qual envolve um terceiro prejudicado indiretamente em virtude de um dano causado outrem.

Assim, com o intuito de visualizar melhor essa situação, cita o autor Carlos Roberto Gonçalves o caso em que o ex-marido, que deve pensão à ex-mulher ou aos filhos em conseqüência de separação, vem a ficar incapacitado para prestá-la, em conseqüência de um dano que sofreu (GONÇALVES, 2003).

Nessa hipótese, conquanto a ex-mulher ou os filhos da vítima não tivessem sofrido diretamente o dano provocado pelo autor do ilícito, certamente sofreram eles os efeitos reflexos dele, preenchendo, pois o requisito da certeza do dano.

2.3.4 Relação de causalidade

Em síntese, nexo de causalidade é a relação de causa e efeito entre a conduta do agente e o dano. Não basta ter havido uma ação (ou omissão) antijurídica, não basta que a vítima sofra um dano. É necessário que se estabeleça uma relação de causalidade entre a injuridicidade da ação e o mal causado (STOCO, 1999).

Nessa linha, não há se confundir nexo de causalidade com imputabilidade, pois nesta inserem-se os elementos subjetivos da responsabilidade, tal como a capacidade de entendimento (ou discernimento) e de autodeterminação do agente (DINIZ, 2004).

Por sua vez, admite a legislação algumas causas excludentes de responsabilidade, que rompem o nexo de causalidade entre a conduta do agente e o dano. São elas: culpa exclusiva da vítima, caso fortuito e força maior. Ocorrendo qualquer uma dessas causas, considerar-se-á o agente isento de responsabilidade.

Ademais, enfrentam doutrina e jurisprudência em certos casos uma grande dificuldade em determinar qual foi a causa efetiva motivadora do evento danoso. Diante disso, algumas teorias foram criadas a fim de auxiliar os operadores do direito nessa árdua tarefa.

De acordo com a teoria da equivalência dos antecedentes (conditio sine qua non), todas as causas anteriores ao resultado são tratadas de maneira idêntica, sem distinção valorativa. [23]

Nesse sentido, esclarecedora é a opinião de Sérgio Cavalieri Filho ensinando que,

para se saber se uma determinada condição é causa, elimina-se mentalmente essa condição, através de um processo hipotético. Se o resultado desaparecer, a condição é causa, mas, se persistir, não o será. Destarte, condição é todo antecedente que não pode ser eliminado mentalmente sem que venha a ausentar-se o efeito (CAVALIERI FILHO, 1999, p. 50).

Contudo, como observou Lisboa:

Os antecedentes do evento danoso não podem ser analisados sob absoluta equivalência, uma vez que tão-somente aqueles que foram diretamente necessários para concretização do prejuízo é que devem ser valorados pelo aplicador da norma jurídica. Caso contrário, chegar-se-ia ao absurdo de se falar, por exemplo, que o fabricante do veículo também poderia ser responsabilizado pelo atropelamento de um pedestre (op. cit., 523).

De modo diverso, explica a teoria da causalidade adequada ou subjetiva, que a causa é o antecedente necessário e adequado à produção do resultado. Oportuno trazer novamente os ensinamentos de Lisboa, quando diz:

A necessariedade da causa para o evento danoso deve ser apurada mediante o critério da probabilidade. Quanto maior a probabilidade que determinada causa tenha efetivamente gerado ao dano, ela pode ser considerada mais adequada em relação ao prejuízo. Assim, apenas aquilo que se demonstrou imprescindível para a concretização do resultado integra o nexo de causalidade [...] Além de necessária, a causa deve ser adequada, para a produção concreta do resultado lesivo. Apenas a condição mais adequada a produzir concretamente o resultado é causa direta e imediata (Id. ib., p. 524).

Essa foi a teoria adotada pelo Código Civil Brasileiro, identificada expressamente em seu texto tão-somente no art. 403, verbis: "Ainda que a inexecução resulte de dolo do devedor, as perdas e danos só incluem os prejuízos efetivos e os lucros cessantes por efeito dela direto e imediato." [24]

Destarte, quando o julgador for avaliar qual foi a causa imprescindível à ocorrência do evento danoso, deverá analisar qual foi a causa mais direta e mais determinante, consoante estabelecido naquele dispositivo legal (CAVALIERI FILHO, 1999).


3 RESPONSABILIDADE CIVIL DO MÉDICO

3.1 BREVES CONSIDERAÇÕES INICIAIS

Antigamente, até o início do século XX, os profissionais da área de saúde eram vistos pela sociedade como um "ser" superior, revestido de conhecimentos até mesmo confundidos como uma extensão dos poderes divinos.

Ao habilitar-se na medicina, o antigo acadêmico de medicina passava a ser tratado como uma majestade, cuja atividade jamais poderia ser questionada por alguém, uma vez que se a cura do paciente não foi alcançada, tal fato seria mera conseqüência da vontade de Deus.

Para bem explicar essa magnificência dos profissionais da área de saúde, oportuno transcrever os ensinamentos de Miguel Reale, que afirma:

Durante muitos séculos, a medicina esteve revestida de caráter religioso e mágico, atribuindo-se aos desígnios de Deus a saúde e a morte. Neste contexto, não se responsabilizava o médico que apenas participava de um ritual, talvez inútil, mas dependentemente da vontade Divina. O médico era visto como um profissional cujo título lhe garantia a onisciência, médico da família, amigo e conselheiro, figura de uma relação social que não admitia dúvida sobre a qualidade de seus serviços, e, menos ainda, a litigância sobre eles. O ato médico se resumia na relação entre uma confiança e uma consciência (Revista dos Tribunais, 1977, p. 47).

Todavia, os tempos mudaram e com as transformações ocorridas na sociedade através da Revolução Industrial, houve um significativo avanço nas técnicas diagnósticas e terapêuticas, bem como uma ampliação do conhecimento médio do cidadão, que passou a questionar a conduta médica (Revista dos Tribunais, op. cit., p. 87).

Além disso, o surgimento de grandes centros médicos, aliados à massificação do atendimento médico, transformou a relação até então havida entre médico e paciente. [25]

"Hoje, o médico, mesmo em pequenas comunidades, deve participar de clínica, hospital, entidade associativa pública ou privada, convênio; na maioria das vezes, em múltiplas atividades concomitantemente" (VENOSA, op. cit., p. 89). Tornou-se comum o paciente buscar atendimento médico pela lista de associados que mantém vínculo com o seu plano de saúde, e não pelos requisitos pessoais do facultativo.

Esse contraste entre o passado remoto e a modernidade decorre daquilo que Venosa chama de socialização e despersonalização da Medicina. Isso porque a "[...] necessidade premente de especialização faz com que a relação médico-paciente seja quase que exclusivamente profissional. O paciente, nessas premissas, raramente terá condições de ponderar e escolher o profissional e o tratamento adequado para o seu mal" (op. cit.., p. 89).

Conforme assinala o Ministro Aguiar Júnior, até

a própria denominação dos sujeitos da relação foi alterada, passando para usuário e prestador de serviços, tudo visto sob a ótica de uma sociedade de consumo, cada vez mais consciente de seus direitos, reais ou fictícios, e mais exigente quanto aos resultados (Revista dos Tribunais, 1995, p. 33).

Neste contexto, diante da evolução técnico-científica da Medicina, bem como da pressão social por resultados compatíveis com tal desenvolvimento, passou-se a exigir uma alta especialização dos profissionais da área da saúde, dentre elas a anestesiologia.

Sucede que, diversamente do que pretendem alguns, embora existam técnicas refinadas, aparelhos de alta tecnologia e eficientes fármacos, não se pode perder de vista que o campo de trabalho desses especialistas é o corpo humano, onde poucas são as situações previsíveis (fator álea).

Com efeito, não se pretende aqui ignorar as más práticas existentes na área da saúde (assim como em todas as profissões), mas sim colocar em pauta que os esculápios estão sujeitos a situações críticas, onde a precisão de segundos pode definir o seu futuro profissional, razão pela qual o assunto merece ser abordado com circunspecção pelos estudiosos do direito.

3.2 NATUREZA DA RESPONSABILIDADE MÉDICA

De acordo com José de Aguiar Dias (1997), não restam dúvidas quanto ao aspecto contratual da responsabilidade civil dos médicos, em que pese o Código Civil Brasileiro tê-la inserida no capítulo dos atos tos ilícitos (art. 186).

Dessa forma, pelo fato de ser contratual a responsabilidade médica, poder-se-ia presumir que, na hipótese de inadimplemento da obrigação, haveria a presunção de culpa do devedor (facultativo). Ocorre, todavia, ser de correntia ciência que incumbe ao cliente provar o inadimplemento da obrigação do médico.

O motivo dessa controvérsia é esclarecido por José de Aguiar Dias, ao reproduzir o pensamento de Savatier, demonstrando que,

[...] a prova, na responsabilidade civil contratual, recai sobre o devedor ou sobre o credor, conforme se trate de obrigação de meio ou de resultado. Assim aconteceu com o transporte, a cujo propósito, antigamente, se exigia, do viajante, a prova da culpa do transportador. Se hoje, ao contrário, se exige do último a prova de que não pode ser responsabilizado, não é porque se negasse, até então, o caráter contratual das relações entre eles, mas porque, antigamente, o contrato de transporte não se encarava como obrigação de resultado. Assim, a responsabilidade contratual pode ou não ser presumida, conforme se tenha o devedor comprometido a um resultado determinado ou a simplesmente conduzir-se de certa forma. É o que sucede na responsabilidade do médico, que não se compromete a curar, mas a proceder de acordo com as regras e os métodos da profissão [26] [Grifo nosso] (op. cit. , p. 254).

Não obstante, cumpre ressaltar que nem sempre a responsabilidade médica decorrerá de um negócio como, por exemplo, ocorre quando um médico, fora de serviço, atende alguém acidentado em via pública; nos casos de pronto-socorro de nosocômio, onde a urgência da situação imponha um atendimento imediato, etc. [27]

Entretanto, conforme propõe-se a demonstrar, na área médica pouco importa a distinção entre responsabilidade contratual e extracontratual.

É possível chegar a essa conclusão considerando os seguintes aspectos: i) a obrigação do médico é uma obrigação de meio, e assim sendo, seja qual for a origem do dever violado, contratual ou extracontratual, competirá ao seu cliente (credor) demonstrar eventual culpa do respectivo facultativo (devedor); e ii) a responsabilidade do profissional da área médica é subjetiva, sendo imprescindível a apuração de culpa.

Nesse sentido, conquanto insista a doutrina tradicional em debater o caráter contratual da responsabilidade médica, procurando afastá-la da responsabilidade aquiliana, inexiste diferença ontológica entre as duas modalidades de responsabilidade contratual ou extracontratual [28] (VENOSA, 2003).

Na mesma linha o entendimento do professor Aguiar Dias que embora sustente (inicialmente) que a responsabilidade do médico seja de natureza contratual, termina por concluir que "[...] as duas ações, contratual e extracontratual, conduzem ao mesmo resultado" (DIAS, op. cit., p. 253).

Em última análise, segundo Roberto Godoy, é possível sintetizar essa discussão em poucas palavras: responsabilidade médica é contratual, mas tratada como aquiliana. (Revista dos Tribunais, 2000, p. 95).

De outro vértice, quanto à natureza do contrato médico, há muita divergência entre os doutrinadores para conceituá-la.

Informa o desembargador Sérgio Cavalieri Filho que os Códigos da Suíça e da Alemanha consideram o contrato médico como mera locação de serviços (op.cit., 1999).

O desembargador paranaense Miguel Kfouri, por sua vez, noticia que, "[...] no Direito Romano, o médico era considerado mandatário do enfermo [...], passando após a criticar essa linha, pois, "[...] o mandato, em sua essência, direciona-se à realização de negócios [...]" (1998, p. 59).

Logo em seguida, o mesmo autor por último citado, menciona que os Espanhóis, inicialmente, intitularam o contrato médico como "contrato inominado", mas posteriormente passaram a ter outro entendimento, ante a grande semelhança daquele com o contrato de locação de serviços, "[...] pois a atividade profissional, não submetida à legislação trabalhista, consiste em prestar ao seu contratante um serviço certo, mediante pagamento – daí repelir a configuração, in casu, de um contrato inominado" (op. cit, p. 59).

Por conseguinte, José de Aguiar Dias denomina a avença celebrada entre médico e paciente de contrato sui generis [29] (específico), pois "[...] a soma excepcional de poderes do médico corresponde à característica limitação das faculdades do cliente" o que por si só inocorre na locação de serviços (op. cit., p. 254).

No entanto, independentemente da denominação dada à natureza jurídica do contrato, o que interessa saber é qual modalidade de obrigação gerada pela avença entre médico e paciente, se de meio ou resultado.

Tal distinção, conforme poderá ser observado no tópico abaixo, revela-se de extrema importância à responsabilidade civil médica, pois decidirá, dentre outros aspectos, a quem competirá o ônus probatório.

3.2.1 Da obrigação de meio e resultado

Para o deslinde da responsabilidade civil do médico, mister é a distinção entre obrigação de meio e de resultado, [30] haja vista ser esse o divisor de águas no tocante ao ônus probatório.

Nessa linha, é uníssono o entendimento no sentido de que, em regra, assume o facultativo uma obrigação de meio, ou seja, não se compromete o mesmo com o resultado, com a cura do paciente, mas sim, em tratar o paciente com cautela e diligência. A obrigação por ele assumida é a própria atividade em si, e não o resultado contratado.

Até porque "[...] a ciência médica é, por definição, uma ciência incompleta, que a cada dia busca e encontra novas fronteiras mas que defronta-se com enfermidades novas ou incuráveis" (STOCO, op.cit, p. 288).

Por essa razão, incumbe ao credor (paciente) o ônus da prova da inexecução obrigacional por parte do devedor (médico), face à conduta culposa do mesmo (negligência, imprudência ou imperícia).

Essas são, aliás, as regras consagradas no art. 951, do Código Civil e no § 4º do art. 14 do Código de Defesa do Consumidor, tendo este último inserido a responsabilidade do médico no campo subjetivo.

De outro lado, fugindo à regra geral, certa doutrina sustenta existir, em certas especialidades médicas, uma obrigação de resultado, como por exemplo, em exames laboratoriais, radiológicos, transfusões de sangue e na cirurgia estética. [31]

No que toca à cirurgia plástica, sustenta a maioria da doutrina que neste caso o facultativo contrai uma obrigação de resultado perante o paciente, sendo que tal característica, conforme assinala Gerson Luiz Carlos Branco,

[...] se deve ao fato de que a motivação moral para sua intervenção para a sua realização, embora seja socialmente aceita, não tenha a mesma relevância da intervenção para o salvamento da vítima ou para eliminação da dor. A questão é extremamente delicada na medida em que na generalidade das vezes a cirurgia estética tem como objeto pessoa sã, sem nenhuma enfermidade, não podendo a intervenção cirúrgica alterar este quadro [32] (Revista de Direito Civil e Processual Civil, 2000, p. 131).

De outro lado, contudo, outra corrente doutrinária entende que a obrigação do cirurgião plástico não difere daquela assumida pelos demais cirurgiões, qual seja, uma obrigação de meio, [33] tendo em vista situações imprevisíveis e alheias ao controle humano, igualmente presentes nessa especialidade.

Permeando essa discussão doutrinária, oscila o Superior Tribunal de Justiça, ora adotando a primeira corrente (obrigação de resultado), [34] ora optando pela segunda (obrigação de meio). [35]

Não obstante, seja qual for a modalidade de obrigação (de resultado ou de meio), devem paciente e médico obedecer ao princípio da boa-fé consagrado pelo Código de Defesa do Consumidor, e ratificado pelo atual Código Civil, buscando assim perfectibilizar a relação contratual pactuada e, por conseguinte, alcançar o objetivo inicialmente planejado por ambos os contratantes.

3.2.2 Conteúdo da obrigação do médico

Compete ao médico uma gama de deveres ao regular adimplemento da obrigação assumida perante o paciente. Nesse contexto, consistirá a prestação do profissional da área médica não só de conhecimentos técnicos adquiridos, como também de deveres de humanidade inerentes à arte médica.

Essa idéia reflete o espírito incorporado pelo Código de Ética Médica (Resolução do Conselho Federal de Medicina n.º 1.246, de 08.01.1988), bem assim o princípio da boa-fé inserido no Código de Defesa do Consumidor e ratificado pelo atual Código Civil.

Destarte, ao decompor as prestações constantes do contrato médico, o autor Gustavo Tepedino as enquadra em três categorias centrais, a saber:

a) o dever de fornecer ampla informação quanto ao diagnóstico e ao prognóstico; b) o emprego de todas as técnicas disponíveis para a recuperação do paciente, aprovadas pela comunidade científica e legalmente permitidas; c) a tutela do melhor interesse do enfermo em favor de sua dignidade e integridade física e psíquica [36] (2003, p. 295).

O dever de informação, inserto no art. 6º, III, do Código de Defesa do Consumidor [37], consubstancia-se em dizer ao paciente em linguagem clara e de fácil compreensão quais são os riscos dos tratamentos e seus respectivos custos, se é necessário internamento, qual a melhor técnica a ser adotada para enfrentar a moléstia do paciente; quais são as conseqüências de eventual procedimento cirúrgico.

Corroborando tal dever de esclarecimento, Aguiar Dias afirma que,

[...] a ausência de pormenores técnicos não impede mostre sumariamente os riscos do tratamento aconselhado; a necessidade de salvaguardar o moral não deve ser superestimada em relação ao direito de saber para onde o conduzem (DIAS, 1997, p. 257).

Importante, porém, salientar que existem situações especiais em que deverá o facultativo ter discernimento ético em ocultar certas informações do paciente, quando este não tem condições psicológicas para tomar ciência da verdade. [38] Nesses casos, a comunicação será feita aos seus familiares ou responsáveis. É o que diz o art 59 do Código de Ética Médica:

[...] é vedado ao médico deixar de informar ao paciente o diagnóstico, o prognóstico, os riscos e objetivos do tratamento salvo quando a comunicação direta ao mesmo possa provocar-lhe dano, devendo, nesse caso, a comunicação ser feita ao seu responsável legal.

Como decorrência do dever de informação, aparece a necessidade de obter-se o consentimento válido do paciente. Para tanto, o médico deverá expor, de forma clara e objetiva, os riscos e perigos possíveis. [39]

Segundo os escólios de José Aguiar Dias, será obrigatório o consentimento do paciente quando,

a) nas operações cirúrgicas; b) na anestesia; c) na inoculação de vírus ou sérum; d) no tratamento ou na investigação por meio de eletricidade ou radiologia; e) de modo geral, em tudo quanto possa oferecer perigo real mais ou menos certo [Grifo nosso] (op. cit, p. 267).

Com efeito, determina o Código de Ética Médica em seu capítulo "Relação com Pacientes e Familiares", mais precisamente no art. 56, ser vedado ao médico "desrespeitar o direito do paciente de decidir livremente sobre a execução de práticas de diagnóstico ou terapêutica, salvo em caso de iminente perigo de vida." [40]

Dessa forma, quando for o caso de cirurgia de urgência, ou então venha a surgir algum fato novo no decorrer de intervenção cirúrgica, estará o médico autorizado a proceder em favor do melhor interesse do paciente, ou seja, dispensado estará de obter o seu consentimento.

De maneira exemplificativa, Aguiar Dias enumera algumas situações que dispensam o médico de obter o consentimento do paciente, tais como,

a) quando se trata de alienado ou de menor: o consentimento não pode, evidentemente, ser obtido deles, mas sim das pessoas sob cuja guarda estejam; com a mulher casada, já não ocorre o mesmo: não precisa, só por isso, do consentimento do marido para o tratamento ou operação a que tenha decidido submeter-se; b) quando a operação ou tratamento se imponha como decisão de emergência, em face do estado de necessidade ou de situação de perigo; se é possível obter o consentimento dos parentes da pessoa em iminente perigo de vida, e claro que o médico não agirá sem o haver obtido; c) quando em face do propósito suicida do paciente: o médico não poderia, decerto, ater-se à considerações da vontade de quem manifesta claramente não a possui, intentando um gesto que se considera revelador de perturbação mental" (op. cit., p. 259).

Vencida essa questão, mister é tecer algumas considerações em torno de outra obrigação implícita ao contrato médico: o dever de cuidar.

Deverá o médico, mormente em casos moléstias que exijam cuidados especiais, acompanhar com a maior diligência possível o tratamento desenvolvido, cercando-se de informações sobre as reações do paciente, enfim, do seu estado clínico. "Isso não significa que deva o médico ficar de plantão ao lado do leito de todos os seus clientes, mas trabalhar de forma que sempre possa, em tempo hábil, colher as informações necessárias para suas intervenções técnicas" (Revista Síntese de Direito Civil e Processual Civil, 2000, p. 129).

Esse ponto afigura-se de extrema importância, posto que, na atualidade, enfrenta o profissional da medicina uma grande dificuldade em cumprir rigorosamente, ou até mesmo da maneira por ele mesmo pretendida, esse dever de assistência.

Isso porque está ocorrendo uma despersonalização do atendimento médico. Não existe mais aquele médico de família, de inteira confiança, até mesmo amigo particular de seus clientes. Não raro, os médicos não sabem ao menos o nome de seu assistido.

Tentando explicar essa transformação de relacionamento entre médico e paciente, pontua Silvio de Salvo Venosa as seguintes questões:

Atualmente, os problemas são reflexos de uma medicina de massa. Cuida-se da sociedade invadida por princípios econômicos. Nesse contexto, não há como pretender que os médicos fiquem fora dela. Com isso, porém, não se afirma que a medicina deixou de ser exercida como um sacerdócio por muitos profissionais. No entanto, com freqüência valores de sobrevivência falam mais alto. A situação do médico em nosso país, como reflexo global de nossos problemas, muito longe está do aceitável. A massa da população vê-se lançada a um sistema de medicina social absolutamente ineficiente (VENOSA, 2003, p. 94).

Ademais, não caracteriza abandono quando um médico se faz substituir por outro de mesma capacidade técnica, desde que haja a anuência de seu paciente (ou de seus familiares), ou então na hipótese de "ser possível o seu comparecimento pessoal" (TEPEDINO, op. cit., p. 296).

Faculta-se ao médico, inclusive, rejeitar os seus serviços ao doente que manda lhe chamar, mas não ao seu cliente. Contudo, o médico que, na via pública, testemunha um acidente de trânsito que causa vítimas em estado grave, poderá sofrer as conseqüências pela abstenção havida no âmbito civil e penal (DIAS, 1997).

Além disso, incumbe ao médico o dever de vigilância sobre o paciente quando houver a possibilidade de o paciente autoflagelar-se em virtude de alucinações ou depressões provocadas por medicamentos pesados, bem como nos casos de doença mental.

De outro vértice, embora a arte médica esteja em constante evolução técnica e científica, e mesmo considerando que o crescimento da apelidada "indústria da indenização por erro médico" possa vir a afetar a liberdade de atuar dos médicos, não há espaço para que o paciente seja transformado em cobaia pelo facultativo (abuso de poder) [41], uma vez que está sob os seus cuidados um direito fundamental indisponível, qual seja, o direito à vida (art. 5°, caput, da Constituição Federal).

Outrossim, subsiste o dever de sigilo do médico estabelecido pelo art. 102 do Código de Ética Médica, o qual preceitua ser vedado ao médico "revelar o fato de que tenha conhecimento em virtude do exercício de sua profissão [...]"

Por fim, destaca-se que deverá o esculápio desempenhar a sua atividade profissional sempre com vistas ao princípio da boa-fé, tanto na fase pré-contratual, quanto na pós-contratual (art. 422, do Código Civil), pois assim certamente razão não haverá para exercer o seu mister com a bravura que lhe é peculiar.

3.3 CULPA MÉDICA E SUA PROVA

O elemento subjetivo do ato médico, como já afirmado, mostra-se indispensável para caracterizar a sua responsabilidade civil.

O direito brasileiro adotou a teoria da responsabilidade subjetiva para os médicos, regulamentando-a nos artigos 186 e 951 do atual Código Civil [42], assim como no art. 14, § 4.º do Código de Defesa do Consumidor.

E, obedecendo à máxima de "não causar dano a outrem", cuidou de considerar como causa de ressarcimento até mesmo a culpa levíssima, pois "em se tratando da vida humana, não há lugar para culpas ‘pequenas’" (KFOURI NETO, op.cit., p. 61).

Sucede que em muitos casos, por ser o magistrado leigo no assunto, encontra grande dificuldade em adentrar no cerne da questão.

Por isso, enuncia o processualista Humberto Theodoro Júnior que, na árdua tarefa de evidenciar a culpa médica, têm os Tribunais Nacionais se utilizado de

"[...] princípios antigos universalmente aceitos como o da previsibilidade o da razoabilidade. O julgador segue sua experiência da vida, e da observação do que comumente acontece pode chegar a juízos de valor sobre a conduta profissional, quando se mostre muito difícil uma conclusão puramente técnica sobre a causa da lesão" (Revista Síntese de Direito Civil e Processual Civil, 2000, p. 157-158)

No entanto, ensina a doutrina mais moderna ser possível ao magistrado percorrer os sinuosos caminhos para a apuração do erro médico, levando-se em conta o princípio do livre convencimento, pois "o Juiz não está adstrito ao laudo pericial, podendo formar a sua convicção com outros elementos ou fatos provados nos autos" (art. 436 do Código de Processo Civil).

Dessa forma, considerar-se-ão os documentos carreados aos autos pelas partes, as provas testemunhais, o prontuário médico da vítima, [43] as obras médicas de referência etc.

Assim, com o intuito de dar um simples aparato aos insipientes no assunto, oportuno tecer inicialmente alguns esclarecimentos específicos acerca das modalidades de culpa (negligência, imprudência e imperícia) na área da saúde.

Quanto à negligência, reiterando a sua conceituação, é uma conduta negativa revelada por uma inércia psíquica, ou melhor, pelo facultativo não fazer aquilo que razoavelmente se espera por parte de um profissional diligente.

A título de exemplo de condutas negligentes na área médica, cita Miguel Kfouri Neto os seguintes casos:

[...] o abandono ao doente, a omissão de tratamento, a negligência de um médico pela pontualidade do colega (um médico confiando na pontualidade do colega, deixa o plantão, mas o substituto não chega e o doente, pela falta de profissional, vem a sofrer graves danos. É a negligência vicariante); mais: a prática ilegal por estudantes de medicina, acarretando a responsabilidade, por negligência, do responsável pelo estágio; a prática ilegal de pessoal técnico (enfermeiro que realiza punção no doente, advindo complicações e danos) – responde o médico; a letra do médico (receita indecifrável – em geral vê-se que os médicos têm letra ruim – levando o farmacêutico a fornecer remédio diverso do prescrito) também conduz à responsabilidade por negligência: deve-se prescrever à máquina ou de forma legível e sempre com cópia; esquecimento, em cirurgia, de corpo estranho no abdômen do paciente (pinça ou gaze, p. ex.), causando dano (op. cit., p. 77).

No tocante à imprudência, do latim imprudentia, é falta de cuidados, de precaução no agir, de cautela, ou, enfim, pela própria denominação, o contrário de prudência.

Para visualizar, na prática, vale mencionar alguns exemplos de imprudência médica:

Clínico geral que, sem ter estagiado em serviço de clínica cirúrgica, propõe-se a realizar, por sua conta e risco, uma apendicectomia; médico que avalia um diagnóstico a distância e receita produto farmacológico por telefone; médico cirurgião que acarreta resultado danoso ao paciente por utilizar outro tipo de técnica operatória que a consagrada nos meios científicos, médico que prescreve ou ministra culposamente substância entorpecente ou que determine a dependência física ou psíquica em dose evidentemente maior que a necessária ou em desacordo com determinação legal ou regulamentada pelo art. 15 da Lei de Tóxicos (CROCE, D.C.J, 2002, p. 26).

Ainda nesse tema, o paranaense Kfouri, ao ressaltar a dificuldade em distinguir a imprudência da imperícia, faz interessante colocação quando disserta:

o médico, ao se definir por determinada intervenção, agiu com imperícia, pois não conhecia a fundo o risco que ela envolvia, ou porque tendo perfeita consciência do risco, resolveu avançar sua ação além dos limites da licitude"(op. cit, p. 82-83).

Para, então, em seguida concluir: "a imprudência sempre deriva da imperícia, pois o médico, mesmo consciente de não possuir suficiente preparação, nem capacidade profissional necessária, não detém sua ação" [44] (KFOURI NETO, op. cit, p. 83).

Por seu turno, no que concerne à imperícia, afirma-se que é a falta de conhecimentos técnicos da profissão, "[...] a incapacidade para exercer determinado ofício, por falta de habilidade ou ausência dos conhecimentos necessários, rudimentares, exigidos numa profissão" (Ib. id., p. 83).

De forma isolada, entende o professor Genival Veloso de França que,

o médico habilitado, profissional e legalmente, não pode ser considerado imperito, em nenhuma circunstância, por mais palpável que seja essa situação, pois se um homem tem em mãos um diploma que lhe confere o grau de doutor, e uma habilitação legal, será extremamente difícil a alguém provar que essa pessoa seja imperita (1994, p. 137).

No entanto, a repelir tal posicionamento, citam os autores Delton Croce e Delton Croce Júnior, os seguintes casos de imperícia:

O obstetra, durante uma cesariana segmentar transversa, no ato de praticar a manobra de Fucks (abertura bidigitada arciforme de concavidade superior do útero) lesa a bexiga; o facultativo, ao examinar uma paciente, supondo-a despucelada e grávida, provoca, em toque bimanual, ruptura do hímen, não o escusando apresentar ela um quadro clínico de amenorréia, náuseas, modificações das mamas, galactorréria, melasma, aumento de piriforme ou globoso do ventre, porque estes constituem apenas sinais de probabilidade de gravidez, inclusive encontradiços nos casos de pseudociese ou prenhez espúria, ou de aparentes sintomas de abortamento; provocar queimaduras em radioterapia [45] (op.cit., p. 25).

Passo seguinte, após essa noção mínima em torno das modalidades de culpa, é possível aprofundar a análise do tema no sentido de diferenciar a imperícia da "[...] inobservância de regra técnica de profissão, arte ou ofício.", qualificadora do homicídio culposo (art. 121, § 4.º do Código Penal).

Num exame superficial, poder-se-ia imaginar que o legislador agrava pena do homicídio culposo quando se trata de imperícia,

[...] mas isso não corresponde à realidade, porque na imperícia o causador do evento desconhece a regra técnica [...] enquanto no homicídio culposo por inobservância de regra técnica de profissão, o autor [...] a conhece, mas deixa de cumpri-la" (PIERANGELI, op. cit., p. 80-81).

Outrossim, por causar a espécie tamanho interesse dos profissionais da área médica – posto que atinge tanto o direito de liberdade, quanto a eventual responsabilidade civil -, oportuno traçar uma linha demarcatória entre o erro profissional (ou escusável) e a imperícia.

Jean Penneau, ao fazer tal distinção colaciona em sua obra interessante trecho de um julgado da Corte de Cassação da França, cujo entendimento é que

[...] a culpa supõe uma falta de diligência ou de prudência em relação ao que era esperável de um bom profissional escolhido como padrão; o erro é a falha do homem normal, conseqüência inelutável da falibilidade humana (apud, Revista dos Tribunais, 1995, p. 37).

Para o desembargador Sérgio Cavalieri Filho, "há erro profissional quando a conduta médica é correta, mas a técnica empregada é incorreta; há imperícia quando a técnica é correta [!], mas a conduta médica é incorreta" (op. cit., p. 273).

Entende-se, no entanto, que para tal distinção, é aconselhável recorrer à esfera penal, a fim de extrair convincentes conclusões no tocante à culpa médica.

Dessarte, paralelamente ao erro profissional (ou erro escusável), há no âmbito penal o que a doutrina denomina de erro inevitável (invencível). Neste, se o agente atuou com erro apesar dos cuidados objetivos, o erro é invencível e exclui o dolo e a culpa. Entretanto, se poderia tê-lo evitado com as cautelas exigíveis nas condições em que se apresentava o agente, ocorrerá erro culposo, no qual insere-se a imperícia (MIRABETE, 2005).

Nessa linha, embora não seja motivo para comemorações, encontra-se a ciência em estágio muito avançado, mas não para vencer todos os desafios que lhe surgem com o passar dos anos.

Nessas circunstâncias, nada mais plausível que eximir o facultativo de eventual responsabilidade penal e civil no caso de erro profissional, porquanto ainda está sujeito a certas imperfeições da ciência médica.

Ainda nesse passo, prossegue Mirabete,

"[...] como muitas atividades humanas podem provocar perigo para os bens jurídicos, sendo inerentes a elas um risco que não pode ser suprimido inteiramente [...], somente se poderá verificar o âmbito do cuidado exigido no caso concreto se foram considerados os aspectos particulares relacionados com a ocorrência (op. cit., p. 146).

Assim, para apurar "o cuidado exigido no caso concreto" na medicina, faz-se necessário indagar, conforme observação de Kfouri, "[...] se, naquelas circunstâncias o profissional não desviou crassamente da conduta prevista para aquele caso [...]" (op. cit., p. 75).

Sucede que, para apreciar a conduta prevista para aquele caso, entende parte dos civilistas não ser lícito ao julgador discutir qualquer questão técnica do evento danoso, uma vez que não possui conhecimentos na área biológica.

Dessa maneira, estaria restrito o campo de atuação do magistrado somente aos casos de erro grosseiro do médico. [46]

Nessa linha, visando auxiliar a solução de questões na área médica, sustenta Carvalho Santos que

[...] os Tribunais não podem decidir sobre a oportunidade e a eficácia de modos de tratamento, medicinais, ou outros, e não podem imiscuir-se em questões científicas, cuja solução deve ser deixada à consciência e à capacidade do médico assistente [47] (op. cit., p. 265).

Não obstante, como dito anteriormente, quer parecer não ser essa solução a mais acertada para resolver lides envolvendo profissionais da área de saúde.

O que pretende Carvalho Santos é que esteja o julgador restrito aos laudos técnicos elaborados pelos peritos.

Ocorre que, embora o comando do art. 82 do Código de Ética Médica determine ao médico, quando nomeado perito, atuar com absoluta isenção, na prática, defronta-se com um certo corporativismo da classe, apelidado por alguns de "Máfia de Branco".

Dessa forma, não raro verifica-se uma parcialidade nas conclusões obtidas pelos peritos, visando isentar seu colega de algum erro cometido, pois como médico, está o perito igualmente submetido a sofrer eventual demanda judicial.

De qualquer modo, visando afastar qualquer irregularidade do laudo pericial, assinala o médico e jurista Roberto Godoy que,

os laudos periciais não devem ser baseados, exclusivamente, na opinião do perito; ao contrário, deve o magistrado exigir que esta venha consubstanciada em literatura científica pertinente. [...] Ora, se o laudo estiver baseado em publicação técnica, não é difícil, tanto para o magistrado quanto para o advogado do autor ter acesso a ela diretamente ou solicitar parecer de médico conhecido, ainda que informalmente, a fim de firmar convicção de veracidade [48] (Revista dos Tribunais, 2000, p. 101).

Ainda assim, vale a pena insistir que não está o magistrado vinculado em nenhum momento ao laudo pericial (princípio da livre convicção), podendo socorrer-se aos outros meio de prova em direito admitidos (documental, testemunhal, etc.).

3.4 DANO MÉDICO

Preambularmente, deve-se ressaltar que o dano médico provém de um ato lícito por ele praticado, pois em caso o facultativo utilize a sua profissão para a prática de conduta ilícita (aborto, atestado falso, etc.), haverá a sua punição como qualquer cidadão (CROCE, D.C.J, 2002).

Feita a ressalva, vale reforçar o conceito: dano é uma lesão provocada contra a vítima, proveniente de ação humana ou fenômeno natural.

Trata-se de elemento indispensável para configurar a responsabilidade civil, pois não basta apenas conduta culposa do agente, mas que esta tenha causado dano a outrem.

Os danos causados por profissionais da área da saúde atingem, geralmente, a incolumidade física do paciente (prejuízo corporal), tendo em vista que o corpo humano é o seu campo de atuação.

Além do dano físico, o dano provocado pelo médico também pode ser material (perdas materiais: lucros cessantes, gastos com hospital, compra de remédios, pensão aos parentes da vítima etc.), e moral, (abalo psíquico, dor, saudades, vergonha, distúrbios sexuais, lesão estética etc.).

Nas palavras de Kfouri, "[...] o dano estético, como dano moral, representa uma ofensa a um direito da personalidade" (op. cit., p. 94).

E, para quantificar a indenização no juízo cível desses casos,

"[...] importará a extensão dos danos, a localização, [...] possibilidade de completa (ou parcial) de remoção, as características pessoais da vítima (sexo, idade, profissão, estado civil etc.), as restrições de ordem pessoal decorrentes da irreparabilidade da lesão (alijar-se do convívio social, dado ao aspecto repugnante do ferimento) – tudo deverá ser levado em linha de conta, no momento de se definir a indenização (KFOURI NETO, op. cit., p. 94).

Destaca ainda o magistrado paranaense Kfouri que no Brasil somente é parte legítima a pleitear indenização a vítima do dano, enquanto na França, há possibilidade de um terceiro requerer a indenização por dano estético, por exemplo, "[...] se a estabilidade conjugal [...] resultar abalada pela deformidade da mulher, o marido poderia pleitear a reparação: vendo a mulher, foi ele acometido de trauma [...]" (op. cit., p. 95).

Com base nas argumentações articuladas por Sérgio Cavalieri Filho, no entanto, admite o ordenamento jurídico brasileiro o chamado "dano reflexo ou dano em ricochete", sendo a hipótese acima mencionada passível de indenização.

Para tanto, basta saber se a repercussão do dano, isto é, o trauma de seu marido foi realmente decorrente da deformidade da indigitada mulher.

Ainda no âmbito do dano médico, oportuno conceituar a chamada teoria da perda de uma chance (perte d´une chance), um tipo específico de responsabilidade concebido pela jurisprudência francesa.

Para o jurista Roberto Senise Lisboa,

há a possibilidade de se proceder à reparação pela chance perdida, isto é, daquilo que a vítima poderia, dentro de um critério de probabilidade, vir a obter para si, caso não tivesse sido influenciada pelo agente a se conduzir de forma diversa (op. cit., p. 479).

Como exemplo da aludida teoria, pode-se referir a hipótese do médico não diagnosticar, quando do exame clínico das mamas, a existência de câncer de mama, vindo a paciente descobrir tardiamente o mal através de exame feito por outro profissional de saúde.

Nesse caso, quando descoberto logo na fase inicial, há um surpreendente índice de cura da moléstia, motivo pelo qual haveria grandes probabilidades de a paciente ter-se livrado da doença, se não houvesse a imperícia médica.

Deve-se ressaltar, entretanto, que a teoria da perda de uma chance incide sobre a chance de recuperação, mas não sobre o risco de sobreviver do paciente (Revista Síntese de Direito Civil e Processual Civil, 2000, p. 140).

No Brasil, ainda há um certo receio na utilização da teoria da perda de uma chance, mas por outro lado vê-se que a jurisprudência mais recente está a cada dia ampliando o seu espectro de aplicação, como demonstram os seguintes julgados:

EMENTA: RESPONSABILIDADE CIVIL. PRONTO SOCORRO MUNICIPAL. MORTE DE PACIENTE. ATENDIMENTO INADEQUADO. CULPA COMPROVADA. PERDA DE UMA CHANCE. DANOS MORAIS DEVIDOS. O MUNICIPIO E RESPONSAVEL PELO RESSARCIMENTO DOS DANOS MORAIS PERPETRADOS POR MEDICO QUE, NA QUALIDADE DE AGENTE PUBLICO DE PRONTO SOCORRO MUNICIPAL, NAO FORNECE ATENDIMENTO ADEQUADO A PACIENTE QUE APRESENTA FORTES DORES NO PEITO, E LOGO DEPOIS VEM A FALECER POR INFARTO AGUDO DO MIOCARDIO. PARA O CASO, REVELA-SE MANIFESTA A CULPA DO MEDICO QUE, AGINDO NEGLIGENTE E IMPRUDENTEMENTE, CONTRIBUI PARA A PERDA DA CHANCE DE SOBREVIVENCIA DA PACIENTE. RECURSO NAO PROVIDO. SENTENCA MANTIDA. [Grifos nossos] (TJPR, 2004a)

EMENTA: RESPONSABILIDADE CIVIL. MÉDICO PEDIATRA. MORTE DE RECÉM NASCIDO POR MÁ ROTAÇÃO ASSOCIADA A VOLVO. AUSÊNCIA DE PRÉVIO, POSSÍVEL, NECESSÁRIO E SINGELO EXAME DIAGNÓSTICO. NEGLIGÊNCIA. DANOS MORAIS CONFIGURADOS. Age com culpa, por descura da prática médica e nessa a realização de exame singelo e prévio que poderia dar à criança, ante o diagnóstico, chance de vida, o médico que não considera paciente o recém-nascido prematuro, entregando o atendimento médico à enfermagem e a estudante do sexto ano de medicina, em plantão, malgrado a criança apresentasse no parto sugestiva quantidade de sangue na orofaginge, vindo sua situação a complicar-se não antes de manifestar, ainda no hospital, manchas roxas pelo corpo e constantes dores abdominais, falecendo por má rotação associada a volvo. Responde o hospital objetiva e solidariamente pelos danos ocasionados à autora no âmbito do hospital por médico de seu corpo clínico, que, no caso dos autos, cumula, ainda, a função de Diretor Clínico da entidade. Readequação da verba reparatória aos padrões adotados pela Corte. APELO DOS RÉUS PROVIDO EM PARTE. RECURSO ADESIVO NÃO PROVIDO. (TJRS, 2005b)

Com efeito, como pode ser observado nas ementas transcritas acima, estão os julgadores sensibilizando-se à teoria da perda de uma chance, repelindo assim a má conduta dos profissionais da área médica.

3.5 RELAÇÃO DE CAUSALIDADE

Além da prova da conduta culposa, existe outro elemento a ser demonstrado pela vítima no âmbito da responsabilidade médica: a relação (ou nexo) de causalidade.

Não basta que a vítima tenha sofrido um dano, não basta tenha o médico tenha agido culposamente, se não se comprovar a relação de causa e efeito entre o dano sofrido e a ação ou omissão do agente.

Assim, incumbida está a vítima em evidenciar que o resultado lesivo sofrido não teria se concretizado, se porventura o facultativo tivesse agido diligentemente.

Por conseguinte, preleciona Kfouri, "o laço causal deve ser demonstrado às claras, atando as duas pontas que conduzem à responsabilidade" (op. cit., p. 98).

Ademais, a precariedade na colheita de provas prejudica a quem detém o ônus da prova. Destarte, como afirma Humberto Theodoro Júnior, "prova insuficiente, lacunosa ou inconveniente é o mesmo que ausência de prova" (Revista Síntese de Direito Civil e Processual Civil, 2000, p. 159).

Por seu turno, questão de difícil solução surge quando múltiplas causas influenciam na produção do resultado lesivo. Nesses casos, segundo Kfouri, deverão os juízes "dirimir as questões ligadas à causalidade guiando-se por critérios que, em cada caso, leve à decisão mais justa, ponderando todas as circunstâncias, em vez de aplicar teorias abstratas" (op. cit., p. 99).

Colhe-se da jurisprudência do Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul, interessante julgado acerca do nexo causal, cuja ementa é a seguinte:

RESPONSABILIDADE CIVIL. DANO MATERIAL E MORAL. CIRURGIA DE COLUNA. PERDA DE FORÇA NO PÉ ESQUERDO DA AUTORA. Tratando-se de obrigação de meio, a responsabilidade do médico é de ordem subjetiva, nos termos do art. 14, § 4º, do CDC. Assim, comprovado que o procedimento adotado pelo profissional foi adequado, não há falar em ato ilícito. Ausência do nexo de causalidade entre a perda de força no pé esquerdo da autora e a intervenção cirúrgica praticada pelo médico. Apelo desprovido [Grifo nosso] (TJRS, 2005c).

Cuida-se o julgado acima compilado, em sucintos termos, de apelação cível contra decisão monocrática que julgou improcedente ação de indenização intentada por paciente visando a reparação por danos morais e materiais decorrentes de suposto erro médico.

Alegou a vítima (apelante), que após intervenção cirúrgica para retirada de hérnia de disco realizada de forma culposa pelo médico (apelado), acabou por sofrer a perda de força no pé esquerdo, também denominada de "pé de eqüino".

No entanto, extrai-se do voto lançado pelo Desembargador Leo Lima, que não houve relação direta entre o ato praticado pelo médico e a perda de força no pé da vítima, eis que "[...] a perda de força no pé foi caracterizada pela hérnia de disco que, comprimindo o nervo, debilitou-o, ocasionando a lesão diagnosticada como "pé eqüino", agravada pela demora na realização da cirurgia [...]." Saliente-se, apenas, que esta "demora na realização da cirurgia" decorreu da inércia da vítima em procurar um médico.

Calha destacar, ainda, que a força maior e a culpa exclusiva da vítima rompem o nexo causal, eximindo o agente de reparar o dano. Diverso é o caso da culpa concorrente, em que permanece o dever de reparar, porém em quantitativo menor.


4 RESPONSABILIDADE CIVIL DO ANESTESIOLOGISTA

4.1 ANESTESIOLOGISTA

Preambularmente, faz-se necessário identificar, em sucintos termos, o que se entende por anestesia. Para tanto, oportuno trazer a opinião dos especialistas em medicina legal Delton Croce e Delton Croce Júnior, a saber:

Nomeia-se anestesia (anaisthésia) à supressão de sensibilidade dolorosa seguida da perda das sensibilidades térmicas e táctil, podendo ser ou não acompanhada de perda da consciência. Quando ocorre apenas a abolição da dor, diz-se analgesia e, se a ela se associa inconsciência, anestesia geral (op. cit., p. 148).

Adiante, complementam os citados autores:

Anestesia é uma forma de procedimento preliminar concomitante com o ato operatório no qual o médico anestesiologista promove a intoxicação deliberada e controlada do organismo objetivando estabelecer um quadro, o mais seguro possível, de insensibilidade para o indivíduo que se submete a uma cirurgia (Id. ib., p. 148).

Antigamente, a anestesiologia não passava de mera atividade acessória da cirurgia e, quando não ficava ao encargo do próprio cirurgião, poderia ser aplicada por qualquer um, tal como estudantes de medicina, auxiliares de hospitais, irmãs de caridade, etc.

Sucede que, a partir da segunda metade da década de 50, conquistou a anestesiologia uma posição de destaque na medicina, na medida em que adquiriu maior autonomia científica na área médica.

Atualmente, de acordo com a recente Resolução do Conselho Federal de Medicina n.º 1.763/05, só é conferido o direito de proceder anestesia aos profissionais que tenham cumprido com o Programa de Residência Médica em Anestesiologia, cuja duração é de 3 (três) anos.

Dessa forma, deve o anestesiologista, além de cursar o período normal da Faculdade de Medicina (6 anos), fazer residência por mais 3 anos para tornar-se um especialista.

Dessa maneira, há uma nova concepção em torno do anestesiologista, requisitando-se dele maiores conhecimentos e habilidades do que um médico "comum".

Diante desse novo cenário, o anestesiologista não mais figura (como antes) na condição de submisso ao cirurgião-chefe, vez que detém autoridade até mesmo para "[...] propor a interrupção ou até a suspensão da cirurgia, em razão de alguma complicação que possa comprometer a vida do paciente" (GIOSTRI, 2003, p. 155).

Nesse sentido é o pensamento da professora argentina Rosana Perez de Leal, quando afirma que

la relación cirujano-anestesita es um caso típico de división horizontal de trabajo, en función de que en ella se destaca la nota característica de esta modalidad de desempeño de funciones, la que reside em um idéntico nível de formación técnico-científica cada cual en su especialidad. Esta división horizontal de funciones, en la que cada profesional asume en forma personal las tareas que competen a su formación, conlleva una responsabilidad también personal por las tareas que desempeñe cada facultativo (1995, p. 164).

Essa separação inicial entre as condutas profissionais, conforme será demonstrado adiante, [49] será de grande importância no momento da avaliação da responsabilidade de cada profissional em caso de erro médico.

4.1.1 Deveres

Para melhor delimitar as inúmeras tarefas do anestesiologista, costuma a doutrina agrupá-las tomando em conta três momentos distintos da atuação do facultativo, quais sejam: a) etapa pré-anestésica; b) etapa anestésica propriamente dita, e c) etapa pós- anestésica (PÉREZ DE LEAL, op. cit., p. 166).

Na etapa pré-anestésica, deverá o facultativo obter informações acerca da história clínica do paciente a fim de elaborar a anamnese (histórico do paciente); requisitar exames que entenda pertinentes e, de posse deles, verificar se há necessidade de outros exames complementares; fazer testes de sensibilidade; [50] informar com clareza ao paciente sobre os procedimentos a serem realizados, isto é, qual o tipo de anestesia e drogas que serão utilizados, bem como os seus riscos, pois "uma vez bem informado, pode o paciente dar a fiel expressão de seu consentimento, aperfeiçoando, assim, o contrato entre ambas as partes" (GIOSTRI, op. cit., p. 167).

O dever de informação atenua-se, no entanto, nas hipóteses em que o paciente não está em condições psicológicas para tomar ciência do prognóstico, bem assim quando o risco anestésico for grande. Nesses casos, o anestesiologista deverá fazer a comunicação aos seus responsáveis, nos termos do art. 59 do Código de Ética Médica.

No Brasil, o dever de informação está estabelecido legalmente nos artigos 6.º, III. da Lei Consumerista, no art. 59 do Código de Ética Médica (contrario sensu) e no art. 422 do Código Civil, que estatui o princípio da boa-fé, dentro do qual se insere o dever de informação, de esclarecimento, de lealdade, etc.

Inclui-se ainda na etapa pré-anestésica, o dever de obter o consentimento do paciente, conseqüente lógico do dever anterior, pois

Uma vez estando o paciente bem informado é o momento oportuno para obter a autorização prévia e por escrito, com base no principio de que a autodeterminação forma a base jurídica da doutrina do consentimento informado moderno (GIOSTRI, op. cit., p. 167).

Nesse contexto, abordam os autores Urrutia interessante questão, acerca da obtenção do consentimento do paciente independentemente da autorização dada para o ato cirúrgico, podendo ocorrer, nessa situação, dois possíveis desmembramentos:

a) o consentimento é necessário para a administração da anestesia, tendo a sua essência, na prática, dado margem à denúncia por má prática médica, com pertinente ação reparatória; b) sendo que todo paciente que vai ser operado tem como certa a necessidade de uma anestesia (local ou geral), é possível supor que no consentimento para ser operado já está, obviamente, incluída sua acordância para ser anestesiado (apud, GIOSTRI, p. 168).

Os aludidos autores ressalvam, entretanto, "[...] que se deve pedir autorização expressa para a anestesia geral, quando o paciente – em razão do tipo de intervenção – poderia supor que só seria submetido a uma anestesia local" (Id. id., p.168).

Por outro lado, como bem recomendou Hildegard, é necessário que conste um item específico no contrato informando o paciente sobre imprevistos que podem surgir durante a intervenção, fazendo com que haja mudança da tática anestésica anteriormente acordada (op. cit, p. 168).

Além disso, por evidente, nos casos de urgência onde devem ser tomadas providências imediatas para resguardar a saúde do paciente, fica o especialista dispensado de obter o consentimento do paciente.

Tomadas essas precauções, vem em seguida a fase de maior relevo da atividade anestésica, chamada por Rosana Leal de "etapa anestésica propriamente dita".

Como se pode observar pela própria denominação, trata-se do momento em que ocorre a insensibilização do paciente, a fim de prepará-lo para o ato subseqüente, que é a intervenção cirúrgica.

Assim, em virtude da periculosidade que envolve os fármacos utilizados no ato anestésico [51], assume destaque o dever do anestesiologista em acompanhar ininterruptamente o ato operatório, monitorando atentamente as reações vitais do paciente para saber exatamente o grau que a anestesia atingiu, verificando, dessa forma, as reações nervosas, perturbações cardíacas ou respiratórias e a pressão sangüínea (KFOURI NETO, op. cit. p.140).

Nesse sentido é o que estabelece a Resolução n.º 1363/93, do Conselho Federal de Medicina, que no art. 1.º, impõe ao médico anestesiologista o dever de "[...] manter a vigilância permanente ao paciente anestesiado durante o ato operatório [...]" além de "[...] estar sempre junto a este paciente."

Essas obrigações estão inseridas pelos doutrinadores Urrutia no chamado "dever de colaborar", censurando o profissional que se retira prematuramente da sala de cirurgia (apud GIOSTRI, op. cit., p.169).

Aliás, sobre o tema, vale reproduzir o trecho de uma decisão colacionada na obra da professora Rosana Leal, que diz:

Incurre em gravíssima negligência el médico anestesista que se ausentó de la sala de operaciones para efectuar llamada telefônicas antes de la finalización del acto quirúrgico, cuando se produjo en el ínterin una pérdida de oxigeno incontrolada en el aparato de anestesia que causó la destrucción completa de la massa cerebral de la paciente falleciendo ésta meses más tarde (op. cit, p. 169-171).

De qualquer sorte, registra Fabrício Zamprogna Matielo que mesmo incorrendo nessas infrações nem sempre haverá a responsabilização do facultativo, eis que a mera conduta temerária do especialista sem a ocorrência de danos, não é suficiente à caracterização da responsabilidade civil. Convém, pois, transcrever a literalidade de sua lição:

A simples ausência da sala de cirurgia, sem relação de causa e efeito entre a conduta e o dano, não dá ensejo à responsabilização civil do anestesiologista, embora constitua atitude temerária que, fosse hipótese de verificação do nexo causal, agravaria a responsabilidade do infrator (1998, p. 127).

Ademais, considera-se ato atentatório á Ética Médica, o facultativo que realiza anestesia de forma simultânea em dois ou mais pacientes, ainda que seja no mesmo ambiente cirúrgico. (art. 1.º, IV, da Resolução n.º 1.363/93).

Outrossim, deve o anestesiologista, além de avaliar as condições de segurança do ambiente hospitalar (art. 1.º, VI, da Resolução n.º 1.363/93), certificar-se do perfeito funcionamento dos instrumentos e aparelhos a ser utilizados no ato anestésico e, por sua vez, manter "[...] um bom entrosamento com todo o corpo clínico [...]", [52] mormente com o cirurgião que com quem atuará de forma conjunta (GIOSTRI, op. cit., p. 160).

Demais disso, cumpre ao especialista permanecer ao lado paciente até que o mesmo se recupere de todos os efeitos da anestesia ministrada, evitando dessa maneira acidentes, como a obstrução das vias respiratórias e as manifestações de choque bem como para ministrar-lhe líquidos fisiológicos. [53]

Com base nesses cuidados adicionais, possuirá o anestesiologista condições de avaliar o momento oportuno para dar alta ao paciente, como determina do art. 2.º, VIII, da Resolução n.º 1.363/93.

Ademais, a fim de complementar e sintetizar as informações delineadas acima, vale mencionar a conhecida lista de deveres do anestesiologista elaborada pelos professores Osvaldo Loudet e Jean Marquez Miranda, da Sociedade de Psiquiatria e Medicina Legal de La Plata, e atualizada pela paranaense Hildegard:

1) o risco representado pela anestesia não deve ser maior que o risco da cirurgia em si [54]; 2) o ato anestésico – a não ser em certas ocasiões precisas e especialíssimas – deve ter o consentimento de seus representantes legais; 3) a anestesia deve sempre ser precedida de exames prévios e de entrevista pessoal com o paciente, daí advindo a possibilidade de uma melhor avaliação física e de uma confiança maior por parte do doente em relação ao profissional e ao próprio ato cirúrgico; 4) conferir os frascos de todos os medicamentos a serem utilizados antes do ato anestésico, bem assim as saídas dos condutores de gás; 5) instrumentos e aparelhos pertinentes ao ato anestésico devem ser testados pelo anestesiologista antes que aquele inicie; 6) proceder o ato anestésico em presença de membros da equipe cirúrgica; 7) não se afastar, jamais, e sob o pretexto algum, da cabeceira do paciente anestesiado [55]; 8) não deixar subalterno, alheio à especialidade, responsável pelo ato anestésico, seja no seu início, meio ou fim [56] (op. cit., p. 55-56).

Ainda nesse panorama, acrescenta a professora Maria Helena Diniz que o anestesiologista deverá observar as seguintes normas:

[...] não deve proporcionar anestesia a operações ilícitas ou fraudulentas, p. ex., aborto criminoso, alteração da fisionomia para fugir da identificação policial, reconstituição do hímen etc.; não usar entorpecentes senão nas condições necessárias para aliviar a dor (op. cit., p. 304).

Portanto, dessume-se de tudo isso que em todas as etapas das atividades laborais do anestesiologista, há que prevalecer aquilo que for de melhor interesse ao paciente de sorte que, na medida do possível, seja a ele assegurada a legítima expectativa do resultado final esperado.

4.1.2 Responsabilidade ético-profissional do anestesiologista

"A Ética, como ciência, trata da moral e dos costumes, do mundo do dever-ser. Cuida do modo de proceder da pessoa dentro do grupo social. Daí existir uma ética profissional e, por conseguinte, a ética médica" [57] (VENOSA, op. cit., p. 99).

A norma fundamental da ética médica encontra-se plasmada logo no art. 1.º do Código de Ética Médica, que diz: "A Medicina é uma profissão a serviço da saúde do ser humano e da coletividade e deve ser exercida sem discriminação de qualquer natureza."

Essa é a norma inspiradora da conduta profissional do médico, "[...] que nada mais é que o juramento de seu grau" (VENOSA, op. cit., p. 100).

Nesse sentido, aliás, é o contido no § 2.º, do art. 9.º, da resolução n.º 05/2002 da Comissão Nacional de Residência Médica que determina,

[...] seja ministrado obrigatoriamente curso de Ética Médica aos residentes nas atividades teóricos-complementares, sendo que no artigo 13.º determina que na avaliação periódica sejam incluídos atributos como comportamento ético, relacionamento com a equipe de saúde e com o paciente.

A responsabilidade ética dos profissionais da área de saúde decorre da infração a qualquer dos artigos do Código de Ética Médica. A apreciação dessas infrações ocorre junto aos Conselhos Regionais de Medicina [58], "[...] onde o médico estiver inscrito ao tempo do fato impunível ou da ocorrência." (art. 2.º, da resolução do Conselho Federal de Medicina n.º 1.617/01 – Código de Processo Ético-Profissional). [59]

Em atenção aos princípios constitucionais do devido processo legal, da ampla defesa e do contraditório, estabelece o atual Código de Processo Ético-Legal todo o trâmite processual para apuração das infrações médicas, obedecendo a forma de autos judiciais.

O rito dos processos ético-profissionais, em síntese, consubstancia-se nos seguintes atos procedimentais:

a) instaura-se sindicância mediante denúncia de terceiros, por escrito e devidamente assinada, ou então, ex officio, pelo próprio Conselho;

b) a sindicância elabora um relatório que será submetido a julgamento;

c) uma vez aprovado o relatório, instaura-se o processo ético-profissional, momento em que será nomeado um Conselheiro Instrutor, que terá um prazo máximo de 60 dias para instruir o feito;

d) cita-se o denunciado para apresentar defesa prévia no prazo de 30 dias;

e) o acusado será interrogado;

f) concede-se um prazo de 5 dias para as partes arrolarem testemunhas;

g) abre-se vistas dos autos, para razões finais, sucessivamente, por 15 dias, ao denunciante e, após, ao denunciado;

h) os autos seguem para a assessoria jurídica emitir parecer sobre a infração cometida;

i) em seguida, o Conselheiro Instrutor proferirá relatório circunstanciado, o qual será remetido ao Presidente ou Corregedor do Conselho Regional de Medicina;

j) designa-se o Conselheiro Relator e o Revisor, que ficarão responsáveis pela elaboração de relatórios a serem entregues em até 30 e 60 dias, respectivamente;

k) julgamento do processo;

l) do resultado do julgamento caberá recurso no prazo fatal de 30 dias; [60]

m) , dependendo da origem da decisão, o recurso poderá ser remetido às Câmaras de Sindicância do Conselho Federal de Medicina, ao Pleno do Conselho Regional de Medicina, às Câmaras do Conselho Federal de Medicina, ou ao Pleno do Conselho Federal de Medicina;

n) julgado o recurso e transitada em julgado a decisão, serão os autos remetidos à instância de origem, para execução da sanção eventualmente aplicada;

o) as penalidades aplicáveis aos médicos podem ser: i-) advertência em aviso reservado; ii-) censura confidencial em ofício reservado; iii-) censura pública em publicação oficial e em jornal de grande circulação; iv-) suspensão do exercício profissional por até 30 dias; e v-) cassação do direito de exercício profissional, ad referendum do Conselho Federal de Medicina. [61] (art. 37. da Resolução do Conselho Federal de Medicina n.º 1.541/98).

Registre-se, por oportuno, que o processo ético-profissional admite a denominada "revisão do processo" - instituto similar à revisão criminal e à ação rescisória, pertinentes ao processo penal e civil, respectivamente -, desde que fundada "[...] em provas que possam inocentar o médico condenado ou por condenação baseada em falsa prova." (art. 52, parágrafo único, do Código de Processo Ético-Profissional).

Em última análise, lembre-se que ético é o facultativo que colabora com a justiça quando lhe são requisitados conhecimentos técnicos; que emprega todos os esforços possíveis em favor do seu cliente; é o anestesiologista que cumpre com todos os deveres que lhe são afetos, empenhando habilidades e conhecimentos técnicos para atender o melhor interesse do paciente.

4.2 NATUREZA DA PRESTAÇÃO OBRIGACIONAL DO ANESTESIOLOGISTA

Inicialmente, há que se reiterar que o anestesiologista - assim como médicos, advogados, dentistas -, é agasalhado pelo conceito de profissional liberal, isto é, aquele que detém autonomia técnico-científica para decidir qual o melhor modo de proceder, desaparecendo, assim, um dos pressupostos do vínculo trabalhista, que é a alterabilidade.

Destarte, partindo dessa premissa geral, mister se faz aproximar a atividade desenvolvida pela especialista em anestesiologia e aquela exercida pelo médico generalista.

Como demonstrado alhures, tem-se que a responsabilidade civil do médico geralmente é contratual – diz-se geralmente, pois como visto há casos de responsabilidade aquiliana como, por exemplo, nas emergências -, porém tratada como se fosse extracontratual, ou seja, fundamentada na teoria da culpa.

Diante disso, pretendendo o paciente responsabilizar algum doutor em medicina, deverá demonstrar não só o nexo de causalidade, como também a conduta culposa do agente, em qualquer uma de suas modalidades (negligência, imprudência ou imperícia).

Logo, está o profissional médico submetido ao regime da responsabilidade subjetiva, cujo dever de reparar somente exsurge quando provada a ação ou omissão culposa.

Essa foi a classificação adotada pelo legislador quanto aos profissionais da área médica, consoante dicção dos arts. 186 e 951 do Código Civil e art. 14, § 4.° do Código de Defesa do Consumidor.

Vale destacar, como bem lembrou a professora Hildegard, que a responsabilização pessoal dos profissionais liberais é a única exceção ao regime geral da responsabilidade objetiva (independente de culpa), estabelecido pela lei de consumo. Segue a mesma docente lecionando que "essa diversidade de tratamento deve-se à natureza dos trabalhos profissionais que, na maioria das vezes, são intuitu personae" (Repensando o Direito do Consumidor, 2005, p.146-147).

Dessas ponderações extrai-se uma conclusão lógica, pois, se o anestesiologista é considerado antes de tudo um profissional liberal, cuja atividade consiste em um ramo da medicina, inexoravelmente estará submetido aos mesmos regimes de responsabilização estabelecidos para os médicos.

Sopesadas essas circunstâncias, passo seguinte é verificar qual a natureza da prestação obrigacional do anestesiologista, o que certamente não será tarefa fácil, pelo fato dessa questão fomentar intensos debates jurídicos entre os civilistas.

Parte da doutrina enquadra a prestação obrigacional do anestesiologista como sendo de resultado, [62] desde que tenha tido oportunidade de avaliar o paciente antes da cirurgia e concluir pela existência de condições para anestesiá-lo. Além disso, argumentam, em síntese, que

[...] o profissional somente se libera do dever cumprindo com a tarefa a que se propôs, ou seja, anestesiar o paciente e trazê-lo de volta ao estado de consciência e sensibilidade. Resultado diverso do previsto será de responsabilidade do anestesiologista [...] Logo, ao lesado é lícito demandar com base na simples verificação de produto final diverso do pactuado na contratação [...] (MATIELO, op. cit., p. 128-129).

De acordo com esse entendimento, o anestesiologista estaria comprometido a fazer o paciente retornar ao mesmo estado de saúde que se encontrava antes da intervenção cirúrgica (status quo ante), pouco importando a diligência empenhada pelo especialista quando da execução do seu mister.

Logo, uma vez que o anestesista assume perante o paciente uma obrigação de resultado, supondo-se o caso de não alcance do fim proposto consubstanciado na plena recuperação do cliente, resultaria automático o inadimplemento por parte do facultativo.

Diante da inexecução obrigacional do devedor (anestesiologista), caberia ao credor (paciente) provar tão somente o aludido descumprimento, posto que, nesse caso, haveria presunção de culpa do devedor.

Não obstante, com a devida vênia, quer parecer não ser esse o melhor posicionamento doutrinário sobre o tema, pois ao inserir o ato anestésico dentro de uma obrigação de resultado, evidencia-se não ter havido uma análise mais detida acerca das peculiaridades que envolvem a prestação obrigacional do anestesiologista.

Inicialmente, destaque-se que a arte médica é uma "[...] área conjectural, em que bem poucas situações há, que podem ser consideradas como totalmente previsíveis", sendo assim, merecedora de maiores considerações (GIOSTRI, op. cit., p. 152).

Nesse passo, quando se fala em atividade médica - mormente no tocante á anestesiologia, cuja prática exige a utilização constante de poderosos fármacos -, não há como olvidar do fator álea, [63] considerada a principal característica divisória entre obrigação de resultado e de meio, "[...] vez que será ele o elemento que poderá se interpor entre a vontade e diligência do devedor e o resultado a ser alcançado" (GIOSTRI, op. cit., p. 172).

Trata-se de acontecimento imprevisível ao homem médio, ou mais especificamente, ao profissional da área médica que, mesmo adotando todos aqueles cuidados e técnicas aceitáveis pela comunidade científica, acabou por não alcançar o resultado pretendido.

Em razão disso, conclui a professora Hildegard:

A nosso ver deveria ser óbvio que, quando a prestação obrigacional se desenvolvesse em um campo aleatório, sua conceituação deveria situar-se dentro da catagoria de uma obrigação de meio, já que não seria razoável garantir um resultado em seara onde o fator álea estivesse presente, o que, conseqüentemente, propiciaria algo imprevisível [...] [Sublinhamos] (op. cit., p.138).

Dessa forma, tendo em vista que a ciência médica ainda não conseguiu desvendar certos segredos ligados à natureza humana, ficam anestesiologistas e demais profissionais da medicina impossibilitados de prometer um resultado certo e determinado ao seu paciente.

Ademais, há outro aspecto a militar em favor da inserção da obrigação do anestesiologista como de meio e não de resultado: "[...] o papel ativo do credor na execução da obrigação, que pode ser representado por sua participação ou pelo estado de dependência do devedor em relação ao credor" (GIOSTRI, op. cit., p. 140).

Destarte, pode o credor (paciente) participar de forma ativa ou passiva no resultado final, interação essa explicada pela professora Hildegard da seguinte maneira:

A participação ativa é aquela que diz respeito à interação obrigatória e necessária do paciente na relação contratual médico-paciente e está representada por atos, tais quais: fornecer dados sobre a sua pessoa para uma avaliação mais ampla de suas condições físicas (e também psíquicas); voltar ao consultório médico nas datas previstas; notificar o seu facultativo em caso de qualquer anormalidade no pré e no pós-operatório e/ou no tratamento clínico; tomar a medicação prescrita de maneira correta; observar a dieta recomendada, quando for o caso; manter a postura corporal indicada em determinados tipos de cirurgia, entre outros. A participação passiva é representada pela resposta orgânica do paciente, estando intimamente relacionada e ligada ao fator álea, caracterizado pelas reações individualizadas de cada paciente, frente a um mesmo tratamento, seja clínico ou cirúrgico [64] (Id. id, p. 140).

Oportuno, aliás, não olvidar a natureza bilateral da relação contratual médico-paciente, não sendo justo que as obrigações recaiam unicamente sobre a pessoa do facultativo. Nesse sentido é o entendimento de Caio Mário da Silva:

O contrato bilateral caracteriza-se pela reciprocidade das prestações. Cada uma das partes deve e é credora, simultaneamente. Por isso mesmo, nenhuma delas, sem ter cumprido o que lhe cabe, pode exigir que a outra o faça. A idéia predominante aqui é a da interdependência das prestações (2004, p. 159).

Sendo assim, como disserta a professora Hildegard, seriam essas considerações mais um suporte para analisar se a obrigação é de meio ou de resultado, posto que sob o prisma do princípio da eqüidade e da boa-fé, não seria justo, nem razoável, creditar o resultado final da prestação obrigacional apenas sobre o anestesiologista. (op. cit., p. 140).

De outro lado, a fim de ampliar a visão daqueles que pensam que a função do anestesiologista é apenas fazer o paciente dormir e depois acordá-lo [65], cabe mencionar interessantes dados coletados pela Revista Argentina de Anestesiologia sobre o risco anestésico, verbis:

I) O anestesiologista administra de forma pessoal e em um período de tempo muito breve (desde minutos até algumas horas) o maior número de drogas que qualquer outro médico. II) Nenhum outro médico enfrenta tão freqüentemente, de fora direta e pessoal, quadros de hipotensão arterial. III) Nenhum outro médico enfrenta tão freqüentemente e resolve de forma direta e pessoal, a parada respiratória seja induzida ou não. IV) Em nenhuma outra especialidade o médico produz necessariamente, situações para a desestabilização e obstrução da via aérea superior. V) Nenhuma outra especialidade médica utiliza tantas drogas com tão alta potencialidade letal intrínseca. VI) Nenhuma outra especialidade assume a responsabilidade de resolver situações vinculadas com a atividade de outros profissionais (cirurgiões, especialistas em diagnósticos por imagens, etc.), já que se trata de uma especialidade que não é terapêutica, mas dirigida a auxiliar no sentido que outras especialidades cumpram seus objetivos. VIII) Os anestesiologistas dispõem de muito pouco tempo para a tomada de decisões críticas e esta situação não só é produto de situações de emergência, com pode estar afeita aos procedimentos normais no exercício de sua especialidade. VIII) Pelas circunstâncias apontadas nos parágrafos precedentes, em nenhuma especialidade é imperativo diferenciar prematuramente uma reação normal e esperada a uma droga ou a contingências associadas com a operação e anestesia, de uma reação inesperada ou de uma situação anormal que possa repercutir negativamente no paciente. IX) Nenhuma outra especialidade deve assimilar, analisar e processar de forma permanente e em um curto espaço de tempo (desde minutos até horas) uma gama tão ampla de dados e informações sobre as condições e a evolução do paciente (apud, GIOSTRI, op. cit., p. 174-175).

Portanto, em face dos argumentos aduzidos acima, resta plausível o enquadramento do ato anestésico como uma obrigação de meio, [66] cujo cumprimento consiste na própria atividade desenvolvida pelo especialista em anestesiologia, e não pelo resultado alcançado.

No tocante ao aspecto processual, deve-se apontar outro equívoco quanto ao ônus da prova nas obrigações de meio e de resultado.

Isso porque, mesmo após o desacerto – com a devida vênia -, daqueles que pensam ser o ato anestésico uma obrigação de resultado, continuam tais doutrinadores a cometer outro equívoco, ao confundir inversão do ônus da prova com culpa presumida.

A sanar essa confusão, oportuno novamente trazer as lições da professora Hildergard, a saber:

Entendemos que do simples fato de ocorrer a inversão do ônus da prova não decorre a presunção de culpa. Nas obrigações de resultado essa inversão é automática e, no entanto, não se pode falar aí em culpa presumida, pois esta presunção pertence à responsabilidade objetiva (Repensando o Direito do Consumidor, op. cit., p. 157).

Assim, tendo em vista que o legislador considerou a responsabilidade dos profissionais liberais como subjetiva, não há como se falar em culpa presumida nas obrigações prestadas pelos médicos, mas sim inversão automática do ônus da prova, uma vez que aquela pertence à responsabilidade objetiva.

Se não fosse assim, estaria o intérprete exorbitando de sua competência para criar uma nova classe de responsabilidade civil dos profissionais liberais, função essa reservada privativamente aos membros do Congresso Nacional (arts. 2.º e 60, § 4.° da Constituição Federal).

Por tais motivos, considerar a prestação obrigacional do anestesiologista no âmbito das obrigações de resultado, traze sérias conseqüências jurídicas, tanto no direito material quanto processual, razão porque a matéria merece maior apreço por parte dos civilistas que a enfocam sob esse prisma.

De outro vértice, vê-se na prática forense que em demandas envolvendo erro médico, ambos os litigantes acabam trazendo aos autos todo material probatório que possuem, independentemente de quem seja o ônus probatório. Vale a pena insistir, há inversão do ônus probatório, e não culpa presumida.

Além disso, levando em conta que o consumidor quase sempre é a parte mais fraca frente aos fornecedores e prestadores de serviços (médicos), prevê o art. 6.°, VIII, do Código de Defesa do Consumidor a inversão do ônus da prova quando for verossímil a alegação do consumidor (paciente) ou quando for ele hipossuficiente. [67]

Dessa forma, preenchidos esses requisitos no caso concreto, o julgador deverá inverter o ônus da prova, sem que com isso haja presunção de culpa,

[...] pois esta presunção pode estar alicerçada apenas e tão somente na hipossuficiência da parte e não na suposição de culpa do profissional; ou, ainda, a inversão pode estar alicerçada na dúvida do julgador, que não só pode inverte este ônus como dispensá-lo (Repensando o Direito do Consumidor, op. cit., p. 158).

Em última análise, consoante se infere das argumentações deduzidas acima, inexiste diferença ontológica alguma entre o anestesiologista e o médico generalista, pois ambos enfrentam em suas rotinas situações inesperadas, imprevisíveis, decorrentes muitas vezes da própria limitação científica (fator álea), não sendo justo, por isso, receberem um tratamento jurídico tão distinto, como pretendem alguns.

4.2.1 Culpa na seara da anestesiologia

Antes de tudo, convém destacar que todas as regras e princípios aplicados ao médico generalista são perfeitamente aproveitados aos especialistas em anestesiologia, uma vez que a responsabilidade civil de ambos os profissionais está estritamente ligada à culpa.

Isso porque a responsabilidade dos anestesiologistas e dos médicos é subjetiva, de modo que somente haverá o dever de reparar mediante a comprovação de culpa em qualquer uma de suas modalidades (imprudência, negligência ou imperícia).

Uma vez já definidas essas modalidades de culpa na área médica [68] - conceitos esses aos quais se remete neste momento -, torna-se conveniente demonstrar as suas manifestações no âmbito da anestesiologia.

A começar pela negligência, informa Hildegard que geralmente essa modalidade culposa não ultrapassa os limites ético-legais da anestesiologia, como nos casos de "[...] abandono de um paciente em detrimento de outro, mas que também está submetido ao ato anestésico. Ou ainda, e que é pior: as saídas desnecessárias da sala de cirurgia ou, se mesmo quando lá permanece, viesse a se descuidar de seu paciente" (op. cit., p. 164).

Complementa, ainda, a autora retrocitada, que

[...] caracterizar-se-á negligência quando não executar os exames ou estudos pré-anestésicos que requer o caso, bem como por deficiência no cuidado do paciente e/ou do instrumental anestésico. Quando praticar anestesia em uma intervenção cirúrgica que possa vir a apresentar complicações cardíacas, sem assegurar-se do funcionamento do desfibrilador (op.cit., p. 164).

Ademais, consideram Delton Croce e Delton Croce Júnior, igualmente culposo o ato anestésico que,

causa lesões cerebrais irreversíveis, por parada cardiorrespiratória provocada no paciente, logo reanimado, mas persistindo estado de coma indefinidamente, em intervenção em que não foi empregada, pelo anestesista, os cuidados técnicos adequados (op. cit., p. 24).

Salientam, mais à frente, que

[...] se a descerebração ou morte da vítima durante a cirurgia a que se submeteu escapava à previsibilidade, não se pode exigir do atento e competente anestesiologista que não aplicasse as drogas ordinariamente empregadas nas intervenções cirúrgicas, sem que houvesse informes desaconselhadores de tal conduta, ou tivesse comportamento diverso nas circunstâncias em que atuou (Id. ib., p. 24).

Noutro giro, segundo entendimento de Hildegard, agiria com imprudência o profissional que

[...] ao invés de se servir dos medicamentos e das técnicas adequadas e aceitas para o ato anestésico, viesse a fazer uso de improvisações, tanto na técnica quanto no uso de medicamentos de reação ou efeito ainda desconhecido. Ou, ainda, ter qualquer outro tipo de conduta que fosse caracterizada pela insensatez e/ou pela intempestividade, fugindo aos padrões da normalidade e da segurança [...] (op. cit., p. 163).

Colhem-se da obra de Delton Croce e Delton Croce Júnior os seguintes exemplos de imprudência na seara do anestesiologista, a saber: submeter paciente a anestesia geral sem que antes se tenha solicitado exames pré-anestésicos; praticar anestesia sem observância das cautelas e cuidados legais atinentes à espécie; atender simultaneamente a dois ou mais pacientes, etc.

Por sua vez, embora não seja pacífico na doutrina, [69] entendem os autores Urrutia ser possível um especialista incorrer em imperícia, nas seguintes circunstâncias:

por deficiente aplicação das técnicas anestésicas; por uso de dose excessiva de anestésico ou por mal uso de fármacos em geral e, ainda, por utilizar procedimentos inadequados para determinado caso (apud, GIOSTRI, op. cit., p. 163-164).

Dentre essas inúmeras condutas culposas, é possível ainda fazer outra discriminação com base no tipo de erro causado, catalogada pelo ministro Aguiar Júnior da seguinte forma: a) erro de diagnóstico (avaliar o risco anestésico, a resistência do paciente); b) erro de terapêutica (medicação pré-anestésica ineficaz, omissões durante a aplicação); e c) erro de técnica (uso de substância inadequada, oxigenação insuficiente, etc.) (Revista dos Tribunais, 2000).

4.2.2 Subsídios à aferição da culpa

É de correntia ciência que a atividade do anestesiologista realiza-se juntamente com outros especialistas, como cirurgiões, radiologistas, gastroenterologistas, ginecologistas, obstetras, etc.

Por outro lado, em face do desenvolvimento e da autonomia da anestesiologia, é possível destacar a conduta do anestesiologista dos demais integrantes de uma equipe médica, sendo essa a orientação consagrada no inciso V, do art. 1.º, da Resolução do Conselho Federal de Medicina n.º 1.383/93. [70]

Nesse sentido, salienta o ministro Aguiar Júnior que "[...] o anestesista ocupa hoje uma posição especial, em razão da autonomia que alcançou a especialidade: em relação a este, tem sido aplicável a noção de ato destacável, própria do direito administrativo" (Revista dos Tribunais, op. cit., p. 42).

Sucede que, mesmo persistindo a aludida autonomia em agir, existem certas situações em que há um entrelaçamento de condutas entre anestesiologista e médico, o que certamente dificulta a individualização da culpa de cada agente.

Diante disso, costumam os civilistas a dividir a atuação do anestesiologista em três fases distintas:

[...] pré-operatória, quando procede seu diagnóstico, em que avalia o risco anestésico, em face dos exames clínicos do paciente a fase operatória, em que ministra os anestésicos e controla os seus efeitos, de acordo com a evolução da intervenção cirúrgica; e a pós-operatória, momento em que deve monitorar a recuperação dos sentidos do paciente, verificando a temperatura, oxigenação, pressão arterial, etc. [71] (TEPEDINO, op. cit., p. 301).

Nas fases pré e pós-operatórias, a responsabilidade do anestesiologista é autônoma, destacada do ato cirúrgico em si, prevalecendo o princípio da incontangiabilidade da culpa. Entretanto, na fase operatória (ou intra-operatória), não se pode dizer o mesmo, eis que "[...] as competências se interferem e superpõem [...]" de sorte que somente o exame do caso concreto possibilitará essa discriminação, não desconsiderando a possibilidade de culpa concorrente (KFOURI NETO, op. cit., p. 141).

Em que pese o valor da distinção retro assinalada, o que deve ser levado em conta em quaisquer das aludidas fases é se houve conduta culposa do especialista, sendo esta composta por dois fatores: a possibilidade do exercício da previsibilidade e a análise da diligência do profissional da área de saúde.

Para melhor esclarecer o assunto, convém anotar as lições da professora Hildegard:

[...] quando existe uma certa previsibilidade e aquele resultado nefasto previsível – apontado como possível de acontecer dentro de uma certa porcentagem – vem a se concretizar, o dado mais importante a ser sopesado, sem dúvida, será o da diligência empregada pelo profissional: qual o seu esforço, qual o empenho efetivado por ele para que aquele resultado negativo – ainda que previsto – não se verificasse. [72] (op. cit., p. 153).

Isso porque a prestação obrigacional do anestesiologista é de meio, onde o que se avalia é a própria atividade em si por ele desenvolvida, e não o resultado a ser alcançado.

Nesse passo, no tocante à apuração da diligência empregada pelo anestesiologista, interessante a colocação feita pelo autor lusitano Luiz da Cunha Gonçalves quando afirma: "[...] deverá o julgador formular a si próprio esta pergunta: ´um médico prudente, encontrando-se nas mesmas condições externas, teria procedido como o autor do prejuízo?’" (apud KFOURI NETO, op. cit., p. 69).

Inicialmente, dentre as condições externas mencionadas por Cunha Gonçalves, assumem destaque no âmbito da anestesiologia os elementos tempo e lugar.

Quanto ao fator tempo, mister se faz um tratamento mais brando para o especialista que atende a uma emergência, posto que nestes casos fica o mesmo impossibilitado de tomar as precauções e cautelas ordinariamente utilizadas. Nesta hipótese, admite-se até mesmo a improvisação "[...] desde que destinada a preservar a integridade do paciente e inexistam outros meios disponíveis no local, sendo impraticável o deslocamento para busca de melhores recursos" [73] (MATIELO, op. cit., p. 140).

A docente Hildegard acrescenta, todavia, que nessa improvisação "não há que se cobrar, de um profissional, técnica ou método não disponível ou ainda não em uso na data dos fatos" [74] (op. cit., p. 166).

Outrossim, deve-se ponderar o momento em que acontecerá a intervenção cirúrgica, se de dia, à tarde ou à noite, tendo em vista que fatores biológicos predisponentes, tanto do profissional quanto do paciente, podem interferir no resultado final ou no desenrolar do ato cirúrgico/anestésico (GIOSTRI, op. cit., p. 165).

Demais disso, informam os autores Urrutia que,

[...] a emergência incrementa os riscos próprios de uma cirurgia comum, dentro de uma proporção de quatro a cinco vezes, bem como os riscos de morte atribuíveis a causas anestésicas são dez vezes maiores em uma cirurgia de urgência que em outra de cunho eletivo (apud Id. ib., p. 165).

No que tange ao elemento lugar, embora a legislação determine a prática do ato anestésico somente se estiverem asseguradas as condições mínimas de segurança (art. 1º, VI, da Resolução n.º 1.363/93), nota-se que na prática nem sempre os nosocômios possuem uma infra-estrutura adequada para tanto, mormente quando se trata de hospital público. Demais disso, há que se considerar se os equipamentos do estabelecimento hospitalar estavam disponíveis para uso no momento do infortúnio e se os mesmos se encontravam em bom estado de funcionamento (GIOSTRI, op. cit., p. 166).

Diante dessas circunstâncias, resta identificar qual seria o médico prudente a ser adotado como parâmetro pelo julgador.

Como demonstrado alhures, em que pese a complexidade que o tema suscite aos profissionais de ciências humanas, é possível ao julgador razoavelmente culto, avaliar a culpa médica sem que necessariamente seja preciso adentrar em discussões técnicas, ou pior, restringir-se aos suspeitos laudos periciais. [75]

Vale insistir que, pelo fato da classe médica ser muito solidária e fechada - ganhando por isso a pecha de Máfia de Branco -, há uma certa suspeição em torno das provas periciais, cuja análise merece cautela do julgador.

Com efeito, a fim de contornar esse obstáculo, é de bom alvitre que o magistrado se utilize do bom senso, de sua experiência de vida, bem assim de todos os meios de prova admitidos pelo ordenamento jurídico, mormente os depoimentos das testemunhas e documentos trazidos pelas partes (prontuário médico).

4.2.3. Responsabilidade objetiva do anestesiologista

A regra geral é de que a responsabilidade dos profissionais liberais é subjetiva, e tendo em vista que a prestação obrigacional do anestesiologista é de meio, caberá à vítima (paciente) o ônus da prova da culpa do autor do ilícito.

Sucede, porém, que excepcionalmente poderá o anestesiologista responder pelos seus atos de forma objetiva, isto é, basta que a vítima prove a ação ou omissão do agente, o dano e a relação de causa e efeito entre a conduta do agente e o dano.

Conforme informação da professora Hildegard, haverá responsabilidade objetiva do anestesiologista pelo fato das coisas, quando se auto-inseriu em uma obrigação de resultado e pelo fato das pessoas (op. cit., p. 176).

Quanto ao fato das coisas, é sabido que o desenrolar do ato anestésico exige todo um aparato de equipamentos tecnológicos e de potentes fármacos para viabilizar a regular insensibilização do paciente. [76]

Nesse sentido, assevera Hildegard que "[...] o mau funcionamento, ou funcionamento incorreto ou inadequado daquele equipamento, correrão por sua inteira responsabilidade, não interessando a perquirição de culpa" (op. cit., p. 176).

No entanto, como demonstra a percuciente análise feita pela docente argentina Rosana Leal, duas distinções hão de ser registradas, a saber:

[...] Cuando para el cumplimiento de su prestación profesional se vale de aparatología e instrumetal con el que ocasionalmente le provoca un daño al paciente, se hará necesario distinguir entre daño causado "con" las cosas y daño causado "por" las cosas, según éstas respondan al manejo dócil del facultativo o posean autonomía propria para dañar. En el primer supuesto la responsabilidad es subjetiva y em el segundo es objetiva. [Grifo nosso] (op. cit., p. 245).

Portanto, em relação ao fato da coisa nem sempre haverá responsabilidade objetiva do especialista.

Por outro lado, embora seja reprovável uma conduta dessa espécie na área da saúde, é possível que o próprio anestesiologista – em razão da autonomia de vontade - , garanta ao seu cliente a obtenção de um resultado. Nesta hipótese, caso não atinja a meta avençada, responderá objetivamente.

Por fim, atinente ao fato das pessoas, tem-se que o anestesiologista, igualmente ao cirurgião chefe de equipe, é diretamente responsável pelos danos provocados pelos seus prepostos, tal como instrumentador, estagiário, residente, etc. Nestes casos, haverá culpa in vigilando ou in eligendo por parte do especialista.

4.3 A RESPONSABILIDADE DOS ESTABELECIMENTOS HOSPITALARES

A avaliação da responsabilidade civil dos hospitais [77], no que se refere às entidades privadas, deve ser analisada diante de quatro relações jurídicas que se instauram simultaneamente ao momento da internação do paciente: a) o contrato entre médico e paciente; b) o contrato entre médico especialista em anestesiologista e paciente; c) o contrato entre paciente e clínica médica; e d) o contrato entre os médicos e a clínica médica para a realização do tratamento (TEPEDINO, op. cit., p. 299).

No que toca à primeira relação jurídica, conforme já assinalado, para que o médico responda pessoalmente pelos seus atos, deverá o paciente comprovar cabalmente que os danos sofridos decorreram de conduta culposa do esculápio.

Nessa mesma linha, encontra-se o especialista em anestesiologia, visto que, assim como o médico generalista, ele contrai perante o paciente uma obrigação de meio pela qual somente responderá se agir de forma culposa. [78]

De outra parte, a clínica médica celebra com o paciente um contrato de prestação de serviços de conotação muito peculiar, vez que comporta uma duplicidade de deveres, delineados por Aguiar Dias da seguinte forma: compreende assistência médica, ao mesmo tempo que obrigações de hospedeiro (1997).

Entende-se como obrigação de hospedeiro, aqueles serviços ligados ao alojamento, à alimentação, à limpeza, aos exames laboratoriais, a medicamentos, à enfermaria, à equipe de apoio ambulatorial, à manutenção de aparelhos. Pelos defeitos relativos à prestação destes serviços, [79] bem assim pela falha dos prepostos (pessoal paramédico), responderá o estabelecimento hospitalar independentemente de culpa, conforme preceitua o caput do art 14 do Código de Defesa do Consumidor (TEPEDINO, op. cit., p. 300).

Ainda nesta categoria, inclue-se a "[...] infecção hospitalar associada a um serviço de assepsia defeituoso, ou seja, as infecções que não provêm de caso fortuito, derivadas de alarmantes desenvolvimentos de novos vírus e bactérias" [80] (Id. ib., p. 300).

Quanto à assistência médica, conquanto haja divergência doutrinária e jurisprudencial, entende-se haver uma mitigação da responsabilidade objetiva do estabelecimento nosocomial.

Nesse sentido, parte da doutrina sustenta que os danos causados a paciente por ato médico e imputados aos nosocômios, nem sempre estarão abrangidos pelas regras do art. 14, do Código de Defesa do Consumidor, onde despreza-se por completo a comprovação de culpa (responsabilidade objetiva irrestrita). [81]

Abstraindo-se um pouco dos conceitos legais para entender de maneira prática essa tese, cita a professora Hildegard como exemplo uma empresa retífica de motores. Tendo o consumidor se utilizado dos serviços dessa empresa, este só poderá esperar e aceitar que, ao receber de volta o motor que lhe pertence, este se encontre devidamente retificado e apto para uso.

Nesta hipótese, só o bom funcionamento do motor interessa ao consumidor, tendo em vista que o motor é uma coisa inerte, inanimada, sem vida, incapaz de interferir no resultado final esperado.

No entanto, prossegue Hildegard,

[...] a mesma aferição sob a ótica de uma responsabilidade irrestrita, tem se mostrado inadequada no que diz respeito à avaliação do atendimento prestado por hospitais e clínicas, pelo simples fato de que aquele que se serve dos serviços de tais entidades (e às vezes até os familiares do paciente), tem participação ativa no resultado final e, portanto, pode interferir de maneira tanto positiva quanto negativa na "qualidade" dos serviços prestados pelo hospital ou pela clínica. Aqui não se trata de um motor (Repensando o Direito do Consumidor, op. cit., p. 148).

Alguém poderia dizer que se houve interferência, no resultado final, de alguma causa externa prejudicial capaz de romper o nexo de causalidade, poderia o nosocômio se valer do próprio Código de Defesa do Consumidor que expressamente prevê excludentes de responsabilidade.

Advirta-se que não se está a ignorar as excludentes de ilicitude, mas há de ser salientada a dificuldade do nosocômio em provar que foi o próprio paciente (ou familiar seu) que interferiu negativamente na prestação do serviço frustrando o resultado final almejado (Repensando o Direito do Consumidor, 2005).

A ilustrar tal obstáculo legal imposto aos estabelecimentos hospitalares, cumpre valer-se novamente da fértil imaginação da professora Hildegard, que cita a seguinte hipótese:

[...] o paciente que antes de entrar para o centro cirúrgico, queixa-se de boca seca (pela própria tensão do momento), mas está proibido de ingerir qualquer alimento, seja líquido, sólido ou pastoso, já que lhe foi recomendado jejum absoluto, em razão de que se submeterá, logo a seguir, à anestesia geral. Todavia, seu familiar acompanhante, movido pela "pena" do paciente e entendendo que alguns goles de água em nada poderão prejudicá-lo. Este gesto é o suficiente para que o paciente venha a apresentar vômitos durante o ato cirúrgico, podendo aspirar parte desse vômito, cujas conseqüências podem ser: a) nenhuma; b) uma broncopneumonia ou, c) o óbito (Repensando o Direito do Consumidor, op. cit., p. 149).

Adiante, conclui a autora retrocitada:

Se o anestesiologista, nesse caso, fosse preposto do hospital, onde ocorreu este fato hipotético (mas não impossível), o nosocômio seria responsabilizado. E tudo ocorreria de forma "legal", já que, em nome de uma responsabilidade objetiva irrestrita, bastariam, para caracterizá-la o dano e o nexo. (Repensando o Direito do Consumidor, op. cit., p. 149).

Diante desse exemplo fica bem claro o porquê da mitigação da responsabilidade objetiva, pois na hipótese em comento seria praticamente impossível ao estabelecimento hospitalar provar que o acompanhante do paciente forneceu-lhe um gole de água, o qual acabou por causar o evento danoso.

Não menos interessante é a opinião de Gustavo Tepedino que, ao encarar a questão sob um ponto de vista técnico, assevera o seguinte:

A matéria é controvertida, já que a responsabilidade subjetiva cinge-se às atividades dos profissionais liberais, na dicção do art. 14. § 4.º, do CDC. Entretanto, na hipótese em que o ato lesivo não se relaciona com os demais serviços prestados pela clínica, jungindo-se a erro profissional típico, seria difícil vislumbrar qualquer defeito, pressuposto da responsabilidade objetiva nos termos do art. 14, § 3.º, diverso da conduta subjetiva do médico – a atividade defeituosa -, não se podendo negar, nesta perspectiva, que somente a demonstração de culpa é que poderá desencadear a responsabilidade do profissional e, em conseqüência, do hospital, solidariamente (op. cit., p. 300).

Ademais, argumentam os defensores dessa tese que a responsabilidade do hospital é contratual, sendo que a avença celebrada entre o paciente e o hospital, embora tenha por finalidade alcançar o melhor resultado possível, não tem o condão de garantir a cura ao paciente, ante "[...] a interferência de fatores imponderáveis e aleatórios [...]"pertinentes à área médica. Trata-se, pois, de um contrato de meio, e não de resultado (Repensando o Direito do Consumidor, 2005).

Em decorrência disso, uma vez descumprido o que fora pactuado, presume-se que houve culpa por parte do estabelecimento hospitalar, fato que não inibe o direito deste em elidir a existência de tal culpa.

A ratificar tudo o que foi dito, vale colacionar recente julgado do Superior Tribunal de Justiça, a saber:

CIVIL. INDENIZAÇÃO. MORTE. CULPA. MÉDICOS. AFASTAMENTO. CONDENAÇÃO. HOSPITAL. RESPONSABILIDADE. OBJETIVA. IMPOSSIBILIDADE. 1 - A responsabilidade dos hospitais, no que tange à atuação técnico-profissional dos médicos que neles atuam ou a eles sejam ligados por convênio, é subjetiva, ou seja, dependente da omprovação de culpa dos prepostos, presumindo-se a dos preponentes. Nesse sentido são as normas dos arts. 159, 1521, III, e 1545 do Código Civil de 1916 e, atualmente, as dos arts. 186 e 951 do novo Código Civil, bem com a súmula 341 - STF (É presumida a culpa do patrão ou comitente pelo ato culposo do empregado ou preposto.). 2 - Em razão disso, não se pode dar guarida à tese do acórdão de, arrimado nas provas colhidas, excluir, de modo expresso, a culpa dos médicos e, ao mesmo tempo, admitir a responsabilidade objetiva do hospital, para condená-lo a pagar indenização por morte de paciente. 3 - O art. 14 do CDC, conforme melhor doutrina, não conflita com essa conclusão, dado que a responsabilidade objetiva, nele prevista para o prestador de serviços, no presente caso, o hospital, circunscreve-se apenas aos serviços única e exclusivamente relacionados com o estabelecimento empresarial propriamente dito, ou seja, aqueles que digam respeito à estadia do paciente (internação), instalações, equipamentos, serviços auxiliares (enfermagem, exames, radiologia), etc e não aos serviços técnicos-profissionais dos médicos que ali atuam, permanecendo estes na relação subjetiva de preposição (culpa). 4 - Recurso especial conhecido e provido para julgar improcedente o pedido [Grifo nosso] (STJ, 2005d).

Frise-se, ainda, não haver dúvidas de que inexiste responsabilidade dos nosocômios na hipótese em que facultativo apenas se utiliza das instalações do estabelecimento hospitalar para o atendimento dos seus clientes, sem que com este mantenha qualquer vínculo, seja empregatício, seja de ordem técnica.

Não obstante, salienta Aguiar Junior que, em relação aos médicos que integram o quadro clínico como funcionários ou prestadores de serviços, é preciso discriminar duas situações:

[...] se o paciente procurou o hospital, e ali foi atendido por integrante do corpo clínico, ainda que não empregado, responde o hospital pelo ato culposo do médico, em solidariedade com este; se o doente procura o médico, e este o encaminha à baixa no hospital, o contrato é com o médico e o hospital não responde pela culpa deste, embora do seu quadro [...] (Revista dos Tribunais, op. cit., p. 41).

A culpa do estabelecimento hospitalar (do patrão ou comitente) pelos atos de integrantes do corpo clínico, na hipótese primeiramente referida, reflete o atual posicionamento do Superior Tribunal de Justiça sobre a questão [82] ao interpretar extensivamente o contido na súmula 341 do Supremo Tribunal Federal, bem assim dos arts. 932, III e 934 do Código Civil.

4.3.1. Responsabilidade de hospitais públicos

O Código Civil de 1916, acolhendo a doutrina subjetivista dominante em sua época, estabeleceu no art. 15 que as pessoas jurídicas de Direito Público são civilmente responsáveis por atos de seus representantes que nessa qualidade causem dano a terceiros, procedendo de modo contrário ao direito ou faltando a dever prescrito por lei, salvo o direito regressivo contra os causadores do dano (MEIRELLES, 2005).

Embora muito controverso, prevalecia, nesses tempos, o entendimento de que o Código Civil de 1916 enquadrava o dever de reparar do Estado nos moldes da responsabilidade civil atribuída aos estabelecimentos hospitalares privados, isto é, subjetiva.

Ocorre, que com o advento da Constituição Federal de 1946 (art. 194), a responsabilidade do Estado passou a ser tratada de forma objetiva, baseada na teoria do risco, revogando-se assim, parcialmente, o disposto no art. 15 do antigo Código Civil.

Outrossim, como sucedâneo da orientação adotada pelas demais cartas políticas, consagrou o § 6.º do art 37 da atual Constituição Federal, a tese responsabilidade objetiva do Estado, prevendo que "as pessoas jurídicas de direito público e as de direito privado prestadoras de serviços públicos responderão pelos danos que seus agentes, nessa qualidade, causarem a terceiros, assegurado o direito de regresso contra o responsável nos casos de dolo ou culpa."

Diante disso, fácil é perceber que os hospitais públicos estariam abrangidos pelas regras do aludido dispositivo constitucional. Neste particular, aliás, oportuno lembrar que o atendimento efetuado em hospitais públicos é considerado pela doutrina e jurisprudência como expressão tutela constitucional à saúde pública (art. 196 e seguintes da Constituição Federal) (TEPEDINO, 2003).

No entanto, conforme anotações de Gustavo Tepedino, parte da doutrina e jurisprudência passou a interpretar restritivamente o contido no art. 37, § 6.º, da Constituição Federal, limitando a sua aplicação exclusivamente aos atos comissivos (ações) dos serviços públicos, uma vez que, em relação aos atos omissivos, continuava vigendo a regra estabelecida no art. 15 do Código Civil de 1916, que, por sua vez, consagrava a teoria subjetiva da falta de serviços.

Segundo os defensores dessa tese, [83] embora haja previsão legal expressa, se o dano for derivado de ato omissivo do Estado, este somente será compelido ao pagamento de indenização mediante comprovação de culpa.

Como fundamento, apontam que o Estado apenas responde na hipótese de uma inação ilícita, ou seja, quando devia agir e assim não o fez, de sorte que a apuração de eventual responsabilidade estatal ensejaria a perquirição de culpa. [84] Trata-se, pois, da teoria da faute de service (falta de serviço) adotada pelos franceses.

Além disso, argumentam que seria um absurdo atribuir à Administração o dever de reparar o cidadão em decorrência de qualquer ato omissivo, fato que oneraria excessivamente o erário público e, como conseqüência, acarretaria uma ruptura do sistema.

Sustentam, ainda, que os atos omissivos, ao contrário dos comissivos, não causam imediata e diretamente o dano, senão de forma mediata, apenas permitindo que este ocorresse (TEPEDINO, op. cit., p. 303).

De outro lado, com o intuito de rechaçar as deduções aduzidas acima, salienta inicialmente Tepedino que "[...] não é dado ao intérprete restringir onde o legislador não restringiu, sobretudo em se tratando do legislador constituinte – ubi lex non ditinguit nec nos distinguere debemus" (Id. ib., p. 303).

Adiante, prossegue o autor retrocitado asseverando que

[...] essa limitação ao texto constitucional partiu de premissa equivocada, segundo a qual o ato omissivo não seria capaz de, só por si, dar causa imediata e direta ao dano. Como se sabe, em termos de causalidade prevalece no Brasil a teoria do dano direto e imediato (ou da necessariedade do dano), sufragado pela melhor doutrina e pelo Supremo Tribunal Federal. De maneira que, ou bem a atividade do Estado não gera necessariamente o dano, hipótese em que não há nexo de causalidade, descartando-se, em conseqüência, o dever de reparar, seja qual for a doutrina que se adote, subjetiva ou objetiva; ou, ao revés, admite-se o dano necessário e portanto, a responsabilidade civil, independentemente de a conduta ter sido positiva ou negativa (op. cit., p. 304).

De qualquer forma, há que se considerar que a responsabilidade objetiva consagrada pela Constituição Federal comporta causas excludentes de ilicitude, posto que se baseia na teoria do risco administrativo, cuja concepção visivelmente afasta-se da teoria do risco integral.

Nesse raciocínio, esclarece Hely Lopes Meirelles que

[...] embora dispense a prova da culpa da Administração, permite que o Poder Público demonstre a culpa da vítima para excluir ou atenuar a indenização. Isso porque o risco administrativo não significa que a Administração deva indenizar sempre e em qualquer caso o dano suportado pelo particular; significa, apenas e tão somente, que a vítima fica dispensada da prova da culpa da Administração, mas esta poderá demonstrar a culpa total ou parcial do lesado no evento danoso, caso em que a Fazenda Pública se eximirá integral ou parcialmente da indenização [Grifo nosso] (op. cit.., p. 632).

Nesse sentido, ante a adoção pela Constituição Federal da teoria do risco administrativo, admite-se a possibilidade de isenção de responsabilidade por parte dos prestadores de serviços públicos de saúde - assim como ocorre com os demais serviços públicos -, desde que, entretanto, comprove a existência de alguma das excludentes de ilicitude tal como, força maior, caso fortuito ou culpa exclusiva da vítima. [85]

Dessume-se disso, portanto, haver atualmente uma nova noção em torno da responsabilidade objetiva do Estado, cuja configuração exige o preenchimento de outros requisitos que não apenas a demonstração da conduta do agente, do dano e a relação de causa e efeito entre a conduta e o dano.

Assim, o dever de reparar da Administração somente subsistirá desde que presentes alguns pressupostos, elencados pelo constitucionalista Alexandre de Moraes da seguinte forma:

[...] ocorrência do dano; nexo de causalidade entre o eventu damni e a ação ou omissão do agente público ou prestador de serviços públicos; oficialidade da conduta lesiva; inexistência de causa excludente da responsabilidade civil do Estado (2005, p.337- 338).

Em decorrência disso, vislumbra-se a presença de certos elementos subjetivos quando da avaliação da responsabilidade objetiva do Estado - o que não importa dizer que a responsabilidade estatal tornou-se subjetiva.

Nessa mesma linha, vale transcrever a observação extraída do voto lavrado pela Ministra Eliane Calmon, onde consta:

[...] Se há ação causadora de dano, não há dúvida de que temos a RESPONSABILIDADE OBJETIVA, ou seja, a vítima de uma ação estatal deve ser objetivamente ressarcida, muito embora, no exame do nexo de causalidade, seja necessária, muitas vezes, incursão no aspecto subjetivo do preposto estatal. Outras vezes, é preciso analisar o elemento subjetivo para que comprove o Estado culpa da vítima, o que afasta a sua responsabilidade (STJ, 2005e).

Diante desse cenário, portanto, nota-se haver uma mitigação da responsabilidade objetiva do Estado, pois se de um lado não exige da vítima a comprovação de culpa do serviço, de outro não afasta o direito da Administração em elidir a culpa que contra ela se presume.

Por derradeiro, impende esclarecer que os serviços públicos prestados na área da saúde são considerados inerentes ao Poder Público, cuja remuneração decorre do recolhimento de tributos junto ao próprio contribuinte (serviços públicos uti universi), razão pela qual não se instaura entre contribuinte e prestador de serviços públicos uma relação de consumo, mas sim uma relação jurídica tributária.

Portanto, a rigor, os hospitais públicos não estão submetidos às normas estatuídas no Código de Defesa do Consumidor, mas sim ao regime de direito administrativo, conforme salientado acima.

4.3.2 Equipe médica e solidariedade no dever de reparar

Antigamente, prevalecia o entendimento de que em virtude de o médico estar no comando do ato cirúrgico, seria ele responsável tanto por atos próprios como por atos de terceiros.

Neste contexto, considerava-se que o cirurgião seria responsável por qualquer infortúnio ocorrido no desenrolar do ato cirúrgico, mesmo por aqueles causados pelos demais integrantes da equipe médica.

Todavia, é inadmissível tal concepção nos tempos atuais, haja vista que o enorme progresso já alcançado nessa área "[...] conduziu inexoravelmente, à especialização, de modo que a equipe médica, embora comandada por um médico-chefe, é composta por profissionais altamente especializados, em áreas diversas e heterogêneas" (STOCO, op. cit., p. 302).

Tal desenvolvimento, assim, possibilitou uma nítida divisão de tarefas entre os vários médicos que atuam em uma mesma cirurgia. [86] Nessa linha, esclarece Sérgio Cavalieri Filho que "[...] embora a equipe médica atue em conjunto, não há, só, por isso, solidariedade entre todos os que a integram" (CAVALIERI FILHO, op. cit., p. 277).

Com isso, não se pretende afastar a responsabilidade do cirurgião chefe pelo que se passa dentro da sala de cirurgia; ao contrário, o princípio geral é o da responsabilidade dele, dependendo sempre do caso concreto (DIREITO; CAVALIERI FILHO, 2004, p. 446).

Imperioso analisar se, entre os integrantes de uma equipe médica, existe uma relação de subordinação, pois se cada profissional exerce a sua atividade de forma autônoma, sem qualquer ingerência por parte do cirurgião chefe, não há porque responsabilizá-lo.

Nesta direção, é a orientação de Rui Stoco, ao concluir que

[...] se o dano verificado não está na linha causal do procedimento, ação ou omissão do chefe da equipe, mas decorre de ato independente de qualquer dos membros da equipe, só se poderá imputar culpa a quem lhe deu causa. [87] (op. cit., p. 302).

Como demonstração, vale tomar como exemplo, o anestesiologista que possui uma conduta nitidamente destacável da atuação dos demais profissionais médicos.

Nesse sentido, ao tecer comentários sobre a anestesiologia e a divisão de funções dentro de uma equipe médica, assinala Rosana Leal que as relações cirurgião-anestesiologista é um caso típico de "división horizontal de trabajo", tendo em vista a autonomia técnica-científica do anestesiologista (op. cit., p.164).

Sublinhe-se, contudo, que no caso de o anestesiologista ter sido escolhido pelo cirurgião-chefe para integrar uma equipe médica, haverá culpa in eligendo de tal facultativo (comitente) em havendo eventual dano anestésico.

Outrossim , "cuidando de equipe médica vinculada a determinado hospital, hipótese em que não é o paciente a escolher o anestesista, profissional designado pelo nosocômio, responde o hospital pelos erros na anestesia" (TEPEDINO, op. cit., p. 302).

Nestes casos, pois, haveria incidência dos arts. 942, 932, III e 933 do Código Civil, bem como da Súmula 341 do Supremo Tribunal Federal, havendo culpa presumida do cirurgião-chefe e do estabelecimento hospitalar, respectivamente.

Sendo assim, em atenção ao princípio da incontangiabilidade da culpa, há que se verificar no caso concreto se houve relação de causalidade entre a conduta do cirurgião chefe e o dano provocado, pois, se este não concorreu para o acontecimento do evento danoso, certamente não deve ser imputado a reparar o dano. [88]

4.4 CASUÍSTICA E AFERIÇÃO DE CULPA

O Conselho Federal de Medicina, ao apreciar em grau recursal algumas infrações cometidas por anestesiologistas, assim decidiu: "considera-se faltoso o anestesista quando não se vale de recursos ao seu alcance para conferir ao doente maior segurança nos atos que pratica, recebendo a reprimenda de censura confidencial com aviso reservado; comete infração ética o anestesiologista que não proporciona o procedimento anestésico mais seguro para o caso e não toma as precauções devidas para evitar as complicações [...]": aplicada a pena de censura pública em publicação oficial; e, em última análise, comete infração ética o anestesista que deixa de registrar ocorrências referentes ao trabalho que realizar e omite dos familiares informações relativas ao paciente que esteve sob seus cuidados: pena de advertência confidencial com aviso reservado.

Mencionados alguns casos de responsabilidade ético-profissional do anestesiologista, veja-se como a matéria tem sido tratada pelos tribunais nacionais.

O Tribunal de Justiça do Estado de Minas Gerais, ao apreciar ação de indenização ajuizada em face de Hospital, considerou ter havido culpa por parte do seu preposto (anestesiologista), que aplicou anestesia sem as devidas cautelas (TJMG, 2001f).

Consta do voto relator que a autora/apelada foi submetida a eletroneuromiografia, entendido com uma espécie de exame pré-operatório, onde constatou-se que a vítima apresentava sintomas compatíveis com a aracnoidite (que é uma das complicações das mais graves da anestesia peridural).

De qualquer sorte, a paciente seguiu para a mesa de cirurgia e, em decorrência da aplicação da peridural, ocorreu a paralisação completa e definitiva em uma das pernas, sintoma este próprio da prevista aracnoidite.

Dessume-se disso, nas palavras do relator, que

[...] ou o exame não se fez corretamente ou não se observou a compatibilidade, que recomendaria cuidados especiais ou busca de alternativa. O resultado mostra que a apelante não poderia ser anestesiado como o foi (TJMG, 2001f).

O relator destacou, ainda, que o laudo pericial fora recebido com muita reserva, pois, ora afirma que a vítima não está inválida para o trabalho e que o mal é temporário, em seguida, contraditoriamente, conclui que não existe terapia para a aracnoidite medular a menos que um agente infeccioso específico e sensível ao tratamento seja indicado.

Diante desse quadro, por unanimidade de votos, entenderam os julgadores ter havido culpa do anestesiologista, pelo que deverá o nosocômio onde o especialista laborava responder pelos prejuízos causados.

Em outro julgado, o Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo, houve por bem reformar decisão monocrática em que o cirurgião fora responsabilizado pela ação médica globalmente considerada, de intervenção para retirada de hérnia de disco intervertebral, haja vista que o profissional levou adiante a intervenção cirúrgica mesmo depois de o autor apresentar sintomas de hipotensão, náuseas e vômitos (TJSP, 1999g).

Após uma análise detida dos fatos, observou o relator que o cirurgião/apelante somente iniciou a intervenção após 15 (quinze) minutos de recuperação do paciente, o que fez mediante autorização do anestesiologista.

O laudo pericial, por sua vez, foi conclusivo no sentido de considerar que a cirurgia em si de forma alguma contribuiu para os males sofridos pela vítima, uma vez que a intervenção operou-se ao nível L 4 e L5 da coluna lombar, enquanto a lesão decorreu de incisão realizada em nível L1, da mesma coluna lombar.

Ademais, identificou o relator que

a vítima conserva a sensibilidade superficial e profunda em todos os membros inferiores, com paralisia motora, o que conforma, em conformidade com o parecer do "expert", que a sua origem decorre de lesão em nível LI, onde foram feitas as incisões para a ultimação da anestesia. Ainda consoante o laudo pericial e referida testemunha, se as seqüelas decorressem de lesão ocorrida em nível L4 e L5, local onde operou-se a intervenção para remoção de hérnia do disco intervertebral, o resultado seria a paralisação motora dos membros inferiores com a conseqüente perda da sensibilidade, o que na hipótese, como visto, inocorreu (TJSP, 1999g).

Por tais razões, por admitir-se que a ação médica não pode ser considerada unitária, haja vista que o anestesista atua em dimensão própria e específica, bem apartada do ato cirúrgico estritamente considerado, a condenação do cirurgião implicaria negativa do princípio da incontangiabilidade da culpa, e por isso entendeu o relator de isentar o cirurgião de quaisquer responsabilidades e, por conseguinte, condenar o anestesiologista a reparar os danos provocados na vítima.

Colhe-se do Tribunal de Justiça do Estado do Paraná, outro interessante aresto envolvendo responsabilidade civil do anestesiologista. Cuida-se de ação de indenização por danos morais e materiais decorrentes de conduta culposa do anestesiologista e do respectivo nosocômio onde aconteceu o infortúnio (TJPR, 1999h).

Ao fazer exames de rotina, diagnosticou-se que a autora [89] (de cujus, representada pelos seus genitores) estava com apendicite aguda, cujo tratamento exigia intervenção cirúrgica (apendiceptomia), a qual realizou-se naquela mesma tarde.

A operação transcorreu normalmente, tendo o cirurgião prescrito a devida medicação pós-operatória à paciente e retornado ao seu consultório, deixando-a sob os cuidados do anestesiologista. Sucede que uns quarenta minutos após o término da cirurgia, o médico recebeu um chamado de urgência do nosocômio, e lá chegando recebeu a notícia de que a paciente havia desenvolvido Hipertermia Maligna e entrado em óbito.

Ao avaliar o caso, o Relator designado, Desembargador Noeval de Quadros, iniciou a discussão através da seguinte análise:

Em primeiro lugar, impõe-se examinar a afirmação do próprio cirurgião de que "a hipertermia maligna é um caso muito raro de acontecer e só acontece com a anestesia geral, se fosse aplicada a raqui (anestesia raquidiana) não teria ocorrido" (f.218). Essa afirmação é confirmada pelo próprio anestesista: "a HM ocorre quando utilizados anestésicos halogenados, tipo halotano ou quelecin; que é possível a realização de anestesia geral sem aplicação desses anestésicos" (f.219). É incontroverso nos autos que a hipertermia maligna só ocorre em casos de anestesia geral e que a anestesia geral pode ser realizada sem a utilização desses medicamentos, que provocam a Hipertermia. Logo, impõe-se verificar se esse tipo de anestesia era indispensável para o ato cirúrgico (TJPR, 1999h).

Afirma o anestesiologista que a própria paciente havia escolhido o tipo de anestesia, pois a mesma "não queria ver nada". No entanto, salientou o relator, em primeiro lugar, tal escolha não cabia à paciente, eis que somente um profissional dotado de conhecimentos técnicos poderia saber qual anestésico deveria ser empregado, conforme disposição do art. 1.º da Resolução n.º 1.363/1993 do Conselho Federal de Medicina.

Além disso, verificou-se não ter o anestesiologista cumprido com o seu dever de informação à paciente, uma vez que se a autora soubesse das conseqüências da anestesia geral, certamente não teria optado por ela. Outrossim, não se realizou qualquer espécie de exame pré-operatório.

Em segundo lugar, faltou novamente com o dever o anestesiologista ao praticar duas anestesias simultâneas, pois os registros clínicos dão conta que atendeu a uma paciente (Y. M. de F.) das 12:45 até as 14:15 horas, atendeu a vítima E. das 14:00 às 16:00 horas, e uma terceira paciente (S. M. A.) das 15:15, quando esta paciente, que se submetida a uma cesária, recebeu a anestesia, até às 16:40 horas, quando retornou da sala de cirurgia.

Destacou-se que, neste caso, a cesária não era um ato médico de urgência, tendo em vista que a parturiente estava parindo estava em condições clínicas normais. Ademais, houve negligência do nosocômio e do anestesiologista que, diante de tantos atendimentos, deixaram de contactar com o outro especialista da cidade, que se encontrava disponível naquela ocasião.

Em terceiro, tem-se que a Hipertermia Maligna é uma doença rara, mas não impossível de acontecer, sendo que o único medicamento capaz de combatê-la chama-se dantrolene sódico. Este fármaco, de acordo com pesquisas colacionadas no acórdão, aliado a diagnóstico precoce da aludida moléstia, chega a reduzir o índice de mortalidade de 70% (setenta por cento) para 10%.(dez por cento).

Todavia, no momento do infortúnio não dispunha o hospital desse medicamento, sob a escusa de que tal produto é muito caro (custa em torno de R$ 4.000,00) e tem prazo de validade de apenas seis meses. De outro lado, contesta a autora "[...] dizendo que o medicamento custa R$ 3.000,00 e tem prazo de validade de três anos, sendo que o fabricante repõe o medicamento que chegar, sem uso, ao término do prazo de validade."

Como o juízo singular não logrou definir quem estava com a verdade, entendeu o relator que, pelo fato de a intervenção cirúrgica ter sido realizada por plano de saúde privado, fatalmente todas as despesas seriam acobertadas, tornando inócua a alegação do nosocômio.

Ademais, é verdade que, como dizem os apelados, "[...] mesmo tivesse sido aplicado o Dantrolene, não haveria absoluta certeza de que o quadro seria revertido. Porém, a paciente perdeu a chance de receber essa medicação, fato que não afasta o dever de reparar, apenas minorizando-o" (TJPR, 1999h).

Desta feita, houve a reforma da decisão monocrática para o fim de condenar o anestesiologista em montante superior ao estabelecimento hospitalar, levando-se em conta o grau de culpa do especialista para com o evento danoso.

Diametralmente oposto foi o posicionamento do relator originário, Eduardo Fagundes que, em voto isolado, sustentou pela manutenção da decisão monocrática.

Iniciou o seu arrazoado afastando qualquer responsabilidade do estabelecimento nosocomial. Para tanto, afirmou que a vítima, embora relativamente incapaz - possuía 18 (dezoito) anos-, detinha plenas condições de escolher o tipo de anestesia. De qualquer sorte, eventual descumprimento de questões burocráticas, tal como assinatura dos pais autorizando a realização da intervenção, foi completamente suprida pela presença do pai da vítima, que tudo acompanhou.

Fora isso, através de testigos ouvidos pelo Juízo a quo, constatou-se que a vítima fora claramente informada dos riscos que a cirurgia poderia trazer. Ademais, considerou-se inexistir culpa in omitendo do hospital em relação ao evento danoso, tendo em vista que os médicos (cirurgião e anestesiologista) não mantinham com ele qualquer vínculo empregatício, sendo que as suas obrigações eram apenas como hospedeiros.

Quanto à falta de medicamento (dantrolene), acrescentou que em hospitais do porte do apelado torna-se inviável manter fármacos tão custosos e de curta validade, mormente considerando a crise que assola esse ramo.

Destarte, afastada e responsabilidade do nosocômio, passou o condutor do voto vencido a perscrutar a culpa do anestesiologista. No que toca à simultaneidade do atendimento do especialista, argumentou que naquela localidade só existem dois anestesiologistas, de modo que enquanto o apelado estava no hospital, o outro estava atendendo a região.

No entanto, não foI eventual simultaneidade a causadora dos danos, mas sim "[...] a surpreendente incidência da hipertermia maligna [...]" que, em razão da urgência da cirurgia, não pode ser diagnosticada a tempo pelo anestesiologista.

Por derradeiro, conclui que o anestesiologista "[...] ministrou a medicação necessária que estava a seu alcance (ANCORON), sendo que na hora em que percebeu a incidência de hipertermia maligna fez uso da novalgina endovenosa [...]," procedimento este considerado pela testemunha e colega de profissão [90] como o mais escorreito para o caso.


5 CONCLUSÕES

A presente pesquisa visou verificar se, hodiernamente, o anestesiologista assume um papel de extrema importância para o desenrolar do ato cirúrgico. Trata-se de um ramo da medicina recente, que se constituiu como especialidade autônoma somente a partir da segunda metade da década de 1950, mas que ultimamente vem ganhando espaço nas intervenções cirúrgicas.

Nesse sentido, tendo em vista as peculiaridades que envolvem o ato anestésico, fez-se necessário aprofundar os estudos em torno do assunto, cujo resultado levou às seguintes deduções:

a) Para que surja aos profissionais da área de saúde o dever de reparar, pressupõe-se a existência de uma ação (ou omissão), culpa ou dolo, evento danoso e relação de causalidade (ou relação etiológica) entre a conduta do agente e o dano;

b) A principal diferença entre responsabilidade civil e penal, é que nesta última subsiste um relevante interesse social em reprimir o ilícito cometido pelo agente, tanto que, em certos delitos, pune-se até mesmo a mera conduta do sujeito, enquanto que no âmbito civil ignora-se a má conduta do agente, desde que não produza danos a outrem;

c) Seguindo orientação da jurisprudência francesa, há uma crescente aplicação da teoria da perda de uma chance (perte d´une chance) pelos Tribunais brasileiros, que excepcionalmente considera possível a indenização por dano eventual;

d) A responsabilidade civil dos facultativos é classificada como contratual, porém, tratada como extracontratual, considerando que o elemento subjetivo (dolo ou culpa) é pressuposto para exsurgir o dever de reparar;

e) Independentemente da classificação dada ao contrato médico, o que interessa saber é o conteúdo da obrigação assumida pelo facultativo que, a rigor, consiste em uma obrigação de meio, cabendo à vítima o ônus da prova;

f) O erro profissional (ou escusável) pode ser equiparado à figura do erro inevitável (ou invencível) proveniente do direito penal, de modo que se o esculápio adotou a técnica e os conhecimentos corretos, haverá a exclusão do dolo e da culpa, isentando-o de responsabilidade tanto na esfera penal quanto na civil. Por sua vez, se o dano pudesse ter sido evitado com as cautelas esperadas de um profissional cuidadoso, subsistirá a culpa do agente, em quaisquer de suas modalidades (negligência, imprudência e imperícia);

g) Ao apreciar demanda envolvendo erro médico, o julgador não está adstrito ao laudo pericial - cuja validade é posta sob suspeita em razão do espírito corporativista da classe médica -, vez que poderá formar a sua convicção com base nos demais meios de prova admitidos pelo ordenamento jurídico;

h) Atualmente, uma vez consolidada a autonomia do anestesiologista, não há se falar em submissão ao cirurgião-chefe, eis que entre eles há uma divisão horizontal de trabalho, cada qual em sua respectiva especialidade. Com efeito, nas fases pré e pós-operatórias, a responsabilidade do anestesiologista é autônoma, destacada do ato cirúrgico em si, prevalecendo o princípio da incontangiabilidade da culpa. Já na fase intra-operatória, somente o exame do caso concreto possibilitará essa discriminação, não desconsiderando a possibilidade de culpa concorrente;

i) O ato anestésico envolve uma série de procedimentos, controle de funções vitais, técnicas apuradas, fármacos com alta potencialidade letal, e considerando que muitas reações do organismo do paciente fogem ao controle do especialista, vislumbra-se que a prestação obrigacional do anestesiologista insere-se dentro de uma obrigação de meio;

j) Destarte, o que será objeto de avaliação da conduta do anestesiologista não é o resultado alcançado, mas sim a atividade em si por ele desenvolvida. Nesse raciocínio, a avaliação da culpa médica, necessariamente, perpassa por dois elementos, a saber: o exercício da previsibilidade e a análise da diligência;

k) A responsabilidade dos estabelecimentos hospitalares pelos erros médicos (em sentido amplo), sejam privados, sejam públicos, está vinculada à idéia de culpa, razão pela qual há uma mitigação da responsabilidade objetiva prevista pelo direito substantivo;

l) A antiga visão de que o chefe da equipe médica responde objetivamente pelos danos causados pelos seus integrantes está ultrapassada, posto que, com o desenvolvimento das especialidades e o aprimoramento de técnicas, tornou-se possível identificar individualmente a atividade de cada profissional, a exemplo do ato anestésico. Nesse sentido, há que se estabelecer se o dano suportado pela vítima decorreu da ação ou omissão do chefe da equipe, bem como se havia uma relação de subordinação entre o causador do dano e o cirurgião.

Diante do exposto, com o intuito de afastar as persistentes discussões sobre o tema, entende-se que, independentemente do avanço científico e tecnológico, há uma perfeita correspondência entre a prestação obrigacional do anestesiologista e as características da obrigação de meio, sendo imprescindível a perquirição da culpa do agente para que exsurja o dever de reparar.


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Notas

  • Sérgio Cavalieri Filho conceitua ser o dever jurídico "a conduta externa de uma pessoa imposta pelo Direito positivo por exigência da convivência social. Não se trata de simples conselho, advertência ou recomendação, mas de uma ordem ou comando dirigido à inteligência e à vontade dos indivíduos, de sorte que impor deveres jurídicos importa criar obrigações."
  • Embora seja didática a classificação adotada por Lisboa, quer parecer melhor a denominação adotada por Gonçalves que, ao invés de utilizar a expressão "responsabilidade subjetiva com presunção de culpa", utiliza responsabilidade objetiva imprópria ou impura".
  • Sobre este tema, veja-se o Sub-título 2.2.2.
  • A Professora Hildegard Tagessell Giostri denomina essa espécie de "responsabilidade objetiva irrestrita."
  • Diz-se como regra, posto que Direito Processual Penal reservou, em algumas hipóteses, a faculdade ao particular em buscar a tutela jurisdicional penal.
  • "Art. 5º, XXXIX – Não há crime sem lei anterior que o defina nem pena sem prévia cominação legal.". O Código Penal, no seu art. 1º, consagra dispositivo semelhante.
  • Maria Helena Diniz ressalva que uma relação contratual pressupõe a capacidade para contratar.
  • Art. 333. O ônus da prova incumbe: I – ao autor, quanto ao fato constitutivo do seu direito.
  • Art. 936. O dono ou detentor, do animal ressarcirá o dano por este causado, se não provar culpa da vítima ou força maior.
  • Carlos Roberto Gonçalves acrescenta que, além da legislação consumerista, foi a responsabilidade objetiva sancionada em outras leis, tais como: "Lei de Acidentes de Trabalho, Código Brasileiro de Aeronáutica, Lei n. 6.453/77 (que estabelece a responsabilidade do operador de instalação nuclear) Decreto legislativo n. 2.681, de 1912 (que regula a responsabilidade civil das estradas de ferro), Lei n. 6.938/81 (que trata dos danos causados ao meio ambiente) [...]"
  • Art. 4º A Política Nacional das Relações de Consumo tem por objetivo o atendimento das necessidades dos consumidores, o respeito à sua dignidade, saúde e segurança, a proteção de seus interesses econômicos, a melhoria da sua qualidade de vida, bem como a transparência e harmonia das relações de consumo, atendidos os seguintes princípios: I – reconhecimento da vulnerabilidade do consumidor no mercado de consumo.
  • Art. 186. Aquele que, por ação ou omissão voluntária, negligência ou imprudência, violar direito e causar dano a outrem, ainda que exclusivamente moral, comente ato ilícito.
  • O sempre lembrado Carvalho Santos informa que "há quem sustente que se a pessoa não presta um auxílio ao ferido que encontra ou não avisa ao indivíduo que passa de que mais adiante há um perigo, e se o primeiro vem a falecer por falta de aviso, existe responsabilidade pela omissão [...] Mas não nos parece que a pessoa que pudesse evitar o dano e não o impede incida em culpa e seja responsável pelo dano."
  • Lisboa, assevera que "na apreciação da culpa, deve-se verificar o comportamento do agente e previsibilidade do evento danoso, atendendo-se a um critério de observância ou não do dever de cuidado que todas as pessoas devem se pautar para realizarem atos jurídicos não prejudiciais aos interesses alheios."
  • Silvio Rodrigues, ao argumentar sobre ponto de vista de Carlos de Carvalho, sustenta que na idéia de negligência se inclui a de imprudência, bem como a de imperícia, pois aquele que age com imprudência, negligencia em tomar as medidas de precaução aconselhadas para a situação em foco; como, também a pessoa que se propõe a realizar uma tarefa que requer conhecimentos especializados ou alguma habilitação e a executa sem ter aqueles ou esta, obviamente negligenciou em obedecer às regras de sua profissão e arte; todos agiram culposamente."
  • Sobre o assunto, veja-se também: Cavalieri Filho; Lisboa; Orlando Soares; e Rui Stoco.
  • José Henrique Pierangeli explica que o dolo eventual o indireto "[...] ocorre quando o agente aceita o risco de causação do resultado, demonstrando um total desprezo para com a vida alheia: se a morte dele ocorrer, que me importa, azar dele."
  • Sobre o assunto, veja-se o art. 392, do Código Civil
  • Art. 944. A indenização mede-se pela extensão do dano. Parágrafo único. Se houver excessiva desproporção entre a gravidade da culpa e o dano, poderá o juiz, eqüitativamente, a indenização.
  • A corroborar a impunidade do agente no âmbito civil, Sérgio Cavalieri Filho cita os seguintes exemplos: "Se o motorista, apesar de ter avançado o sinal, não atropela ninguém, nem bate em outro veículo; se o prédio desmorona por falta de conservação pelo proprietário mas não atinge nenhuma pessoa ou outros bens, não haverá o que indenizar."
  • Art. 402. Salvo as exceções expressamente previstas em lei, as perdas e danos devidos ao credor abrangem, além do que ele efetivamente perdeu, o que razoavelmente deixou de lucrar.
  • Montenegro entende que a denominação dano imaterial ou ideal seria tecnicamente melhor para caracterizar a ofensa àqueles direitos inerentes à personalidade.
  • Sérgio Cavalieri Filho acrescenta que "essa teoria, elaborada por von Buri, com base nas idéias de Stuart Mill, tem ampla aplicação no Direito Penal de vários países, inclusive no nosso, com alguma mitigação."
  • Informa o desembargador Sérgio Cavalieri Filho, que dispositivos semelhantes ao art 403 são encontrados no Código Civil francês, italiano e argentino.
  • Luzia Chaves Vieira expressa essa ruptura ideológica da medicina através de reluzentes palavras: "A medicina, arte de curar, profissão de amor e respeito ao ser humano, santuário de afeto e compaixão pela dor alheia, receptáculo das grandezas de espírito, divina força dos que buscam mitigar os seus males e altar de fé daqueles que a exercem, vem perdendo a sua alvitez e a aureolar seriedade que sempre a envolveu mergulhando no fosso nocivo da incompetência."
  • A professora Hildegard Taggesell Giostri salienta que na obrigação de resultado, ‘[...] há a inversão do ônus da prova, mas sem que isso represente presunção de culpa [...] pois esta presunção pertence à responsabilidade objetiva."
  • O Ministro Ruy Rosado de Aguiar Júnior considera [...] igualmente extracontratual a relação da qual participa o médico servidor público, que atende em instituição obrigada a receber os segurados dos institutos da saúde pública, e também o médico contratado pela empresa para prestar assistência a seus empregados."
  • Sérgio Cavalieri Filho, concorda com Aguiar Dias, acrescentando que "[...] o médico não se limita a prestar serviços estritamente técnicos, acabando por se colocar numa posição de conselheiro, de guarda e protetor do enfermo e de seus familiares [...]."
  • Sérgio Cavalieri Filho, concorda com Aguiar Dias, acrescentando que "[...] o médico não se limita a prestar serviços estritamente técnicos, acabando por se colocar numa posição de conselheiro, de guarda e protetor do enfermo e de seus familiares [...]."
  • Essa divisão foi criada pelo jurista francês René Demogue, sendo aceita pacificamente pela doutrina.
  • Esse posicionamento é defendido por Caio Mário da Silva Pereira, Rui Stoco, Sérgio Cavalieri Filho, Serpa Lopes e Silvio de Salvo Venosa.
  • José Aguiar Dias, ao citar um julgado francês colacionado por Carvalho Santos relata um interessante caso onde uma jovem modelo, bonita e com perfeita saúde, procura um médico a fim de fazer uma cirurgia estética para extrair o excesso de gordura existente em suas pernas. Durante a intervenção cirúrgica, acabou o médico por retirar além do excesso de gordura, uma volumosa massa muscular, sendo essa intervenção cercada de complicações. O médico não conseguiu unir os bordos da incisão, pois os pontos de sutura saltavam pela pressão dos músculos. Por tal razão, a perna da jovem teve que ser envolvida por bandagem, para fechar o corte operatório. Ocorre que a mesma somente foi retirada após cerca de três dias, ante o forte cheiro exarado pela gangrena formada em sua perna, a qual ao cabo de três semanas, ensejou a amputação do membro doente.
  • Nesse sentido, Hildegard Tagessell Giostri, José de Aguiar Dias e Ruy Rosado de Aguiar Junior.
  • Nesse sentido, veja-se Recurso Especial n.º 10.536/RJ, Ministro Relator Dias Trindade; Recurso Especial n.º 81.101/PR, Ministro Relator Waldemar Zveiter, com voto vencido do Ministro Carlos Alberto Menezes Direito.
  • Nessa linha, veja-se: Agravo Regimental n.º 37060/RS. Relator Ministro Eduardo Ribeiro.
  • José Aguiar Dias subdivide os deveres em três classes: "1) conselhos; 2) cuidados; 3) abstenção de abuso ou desvio de poder."
  • Art. 6º São direitos básicos do consumidor: III – a informação adequada e clara sobre os diferentes produtos e serviços, com especificação correta de quantidade, característica, composição, qualidade e preço, bem como sobre os riscos que apresentem.
  • Diverso, porém, é o entendimento do Professor Caio Mário da Silva Pereira o qual sustenta que "[...] modernamente, e no rumo do que se denomina a ‘escola americana’, reverte-se a tendência, já no sentido oposto, de informar o paciente ou a família sobre o estado dele e sobre a possível evolução da doença."
  • O especialista Roberto Godoy informa que o consentimento, em casos de pesquisa médica em seres humanos, é tratado pela Resolução 1/88, subscrita pelo Presidente do Conselho Nacional de Saúde.
  • Art. 15. Ninguém pode ser constrangido a submeter-se, com risco de vida, a tratamento médico ou a intervenção cirúrgica.
  • A limitação ao poder do médico encontra-se sedimentada no art. 124 do Código de Ética Médica, cuja redação impede "usar experimentalmente qualquer tipo de terapêutica ainda não liberada para uso no País, sem a devida autorização dos órgãos competentes e sem consentimento do paciente ou de seu responsável legal, devidamente informados da situação e das possíveis conseqüências."
  • O Código Civil de 1916, disciplinava a matéria de modo similar nos artigos 159 e 1.545.
  • O capítulo V do Código de Ética Médica (Lei n.º 1.246/88) estabelece: "É vedado ao médico: [...] Art. 69 - Deixar de elaborar prontuário médico para cada paciente; Art. 70 - Negar ao paciente acesso a seu prontuário médico, ficha clínica ou similar, bem como deixar de dar explicações necessárias à sua compreensão, salvo quando ocasionar riscos para o paciente ou para terceiros." [Grifos nossos]
  • Em sentido contrário, Pio Avecone, citado por Kfouri, para quem "[...] imperícia e imprudência não podem coexistir: num mesmo comportamento, uma exclui necessariamente a outra. O médico é imprudente quando, tendo perfeito conhecimento do risco e também não ignorando a ciência médica (não sendo, pois imperito), toma a decisão de agir assim mesmo." Finaliza, ainda, exemplificando o caso de um cirurgião que opera com um bisturi não esterilizado: "[...] se não conhece os perigos de infecção será notavelmente imperito; se o conhece e todavia prossegue sua ação, será imprudente."
  • Nesse sentido: José Aguiar Dias; Miguel Kfouri Neto.
  • Gustavo Tepedino discorda da tese de imputar ao médico o dever de reparar tão-só na culpa grave (erro grosseiro), vez que, a rigor, "[...] o erro grosseiro não torna necessariamente mais fácil a prova da culpa, e porque "[...] há condutas culposas que, embora capazes de causar grave dano, não podem ser caracterizadas como culpa grave."
  • Na mesma direção Maria Helena Diniz.
  • Com o intuito de auxiliar os leigos na área da saúde, enumera Roberto de Godoy, em artigo sob a titulação de "A Responsabilidade Civil no Atendimento Médico e Hospitalar", uma extensa lista de quesitos a serem formulados para peritos. Em seguida, responde detalhadamente cada um desses quesitos.
  • Sobre o assunto, veja-se o tópico 4.4.2 desta monografia.
  • Fabrício Zamprogna Matielo registra, ao comentar sobre os testes de sensibilidade, que a sua eficácia tem sido muito combatida por especialistas, sob o argumento de que "[...] a inoculação de dose medicamentosa suficiente para provocas a reação em indivíduos predispostos a tanto já seria hábil a causar o resultado danoso que pretendia evitar, tornando o procedimento não apenas inútil, como perigoso." Logo adiante, porém, afirma que "[...] na medida do possível é importante que o anestesiologista se valha de todos os métodos à disposição para impedir a consumação de efeitos indesejáveis, adotando as precauções, para que ao depois não venha a ser taxado de incauto e negligente por descurar das providências prévias destinadas a constatar a presença de rejeição aos fármacos anestésicos."
  • A periculosidade do ato anestésico é tão grave que Miguel Kfouri Neto chega a comparar "[...] a anestesia a ao leite posto a ferver: basta um instante de desatenção e o líquido derrama."
  • Nesse sentido é o disposto no art 18 do Código de Ética Médica: "A relação médico com os demais profissionais em exercício na área de saúde devem basear-se no respeito mútuo, na liberdade e independência profissional de cada um, buscando sempre o interesse e o bem estar do paciente."
  • Informa Miguel Kfouri Neto que "[...] dentre as complicações pós-anestésicas, destacam-se: edema agudo de pulmão, embolia, laringoespasmo, hipoxemia, aspiração pulmonar."
  • Informa Miguel Kfouri Neto que os anestesistas rebatem com veemência essa regra afirmando que "[...] vez por outra, o risco da anestesia pode tornar-se maior que o perigo decorrente do ato cirúrgico. Sendo cardiopata e de avançada idade o paciente que se submete a cirurgia singela, mas necessária para se reduzir fratura, p. ex., - onde haja a necessidade de indução anestésica, esta representará um risco sobremodo elevado. Em reforço a tal afirmativa, os anestesistas põem em relevo o grande estresse a que se submetem nas cirurgias a céu aberto e de longa duração, monitorando ininterruptamente o paciente e proporcionando condições ideais de intervenção ao cirurgião."
  • Embora tenha havido a revogação da Resolução n.° 851/78, na qual se estabelecia expressamente o dever do anestesiologista de "[..] permanecer todo o tempo junto do doente [...]", deduz-se do art. 1, II, da resolução vigente, continuar válido tal dever de assistência.
  • Sobre o tema, veja-se Silvio de Salvo de Venosa.
  • Tal é a importância do assunto que instituições da área da saúde como a Comissão de Ética Médica e o Conselho Regional de Medicina do Estado de São Paulo, ministraram conjuntamente, nos idos de 2005, um curso temático denominado "Aspectos Práticos da Ética Médica." Logo no preâmbulo do anúncio do curso, extrai-se o seguinte trecho: "A Ética é constituída por princípios da conduta humana que definem diretrizes no exercício de uma profissão, estipulando os deveres no desempenho de uma atividade profissional. É também denominada filosofia moral. Apresenta-se como compromisso voluntário (assumido por uma pessoa ou grupo social diante de si ou de uma comunidade – Juramento de Hipócrates) ou imposto pela autoridade (códigos legais antigos, como o de Hamurábi e outros – ética deontológica). As profissões estão sujeitas à formação controlada pelo Estado, exigindo-se que atuem submetidos a algum controle moral, geralmente baseado em um código de ética profissional e um mecanismo de fiscalização. Os códigos de ética contêm normas e regras de conduta, referindo-se a direitos e deveres, ou seja, o que os profissionais são obrigados a fazer ou as proibições que devem respeitar. O que é vedado ao médico corresponde ao que é direito do paciente. A sua observância é fundamental não só para evitar uma demanda judicial, mas também para situar o seu dever na sociedade contemporânea, já que a convivência cada vez mais complexa precisa ser disciplinada."
  • A resolução do Conselho Federal de Medicina n.º 1.541/98, estabelece o "Estatuto para Conselhos de Medicina", cuja observância é obrigatória aos estatutos dos Conselhos Regionais de Medicina.
  • Até meados de 2001, o Código de Processo Ético-Profissional era regulamentado pela resolução do Conselho Federal de Medicina n.º 1.464/96. Essa resolução foi revogada pela de n.º1.617/01.
  • O recurso no processo ético-profissional comporta efeito suspensivo e, diferentemente do processo civil e penal, admite-se a reformatio in pejus.
  • O art.59, do Código de Processo Ético-Profissional, dispõe: "Decorridos 5 (cinco) anos após o cumprimento da pena e sem que tenha sofrido qualquer outra penalidade ético-disciplinar, poderá o médico requerer sua reabilitação ao Conselho Regional de Medicina onde está escrito, com a retirada de seu prontuário dos apontamentos referentes a condenações anteriores."
  • A esse entendimento, soma-se Delton Croce e Delton Croce Júnior, Guilherme Chaves Sant´Anna, Luzia Chaves Vieira e Vanderby Lacerda Panasco (apud Miguel Kfouri Neto).
  • O autor espanhol Lobato Gomes, citado por Hildegard, assim define o fator álea: "Se estima, en efecto, que las particularidades de las reacciones de cada paciente a um mismo tratamiento conjuntamente com la evalución peculiar de la enfermidad constitue el alea."
  • Nesse sentido, acrescenta Miguel Kfouri Neto: "Os médicos dizem que não há doenças, há doentes – porquanto dois pacientes, acometidos pelo mesmo mal e tratados de modo idêntico, podem apresentar reações absolutamente distintas à terapia: num caso, a cura; noutro, o agravamento da enfermidade e, até, a morte."
  • Esclarece, ainda, Genival Veloso de França que "A abrangência da competência do anestesiologista o leva não apenas aos conhecimentos das técnicas usuais e aos cuidados pré, trans e pós-operatório, mas ao domínio da função respiratória, aos cuidados da atividade circulatória, da prevenção do choque, da supressão do estímulo nervoso, da correção das alterações dos líquidos eletrolíticos. E mais: exige-se dele o conhecimento e a execução simultânea e, às vezes, imediata do acesso vascular superficial ou profundo, permeabilidade das vias respiratórias,[...] controle sobre os equipamentos , domínio sobre os órgãos principais e acessórios da respiração, controle das alterações gasosas, da capacidade residual funcional e controle da redução do volume minuto."
  • Nesta direção: Carlos Alberto Menezes Direito, Carlos Roberto Gonçalves, Genival Veloso de França, Hildegard Taggessel Giostri, Humberto Theodoro Júnior, Rosana Pérez Leal, Rui Rosado de Aguair Júnior, Rui Stoco, Sérgio Cavalieri Filho e Silvio de Salvo Venosa.
  • De acordo com Humberto Theodoro Júnior, "a verossimilhança é o juízo de probabilidade extraída do material probatório de feitio indiciário, do qual se consegue formar opinião de ser provavelmente verdadeira a versão do consumidor [...]. Quanto à hipossuficiência, trata-se de impotência do consumidor, seja de origem econômica seja de outra natureza, para apurar a causa do dano cuja responsabilidade é imputada ao fornecedor. Pressupõe uma situação em que concretamente se estabeleça uma dificuldade muito grande para o consumidor de desincumbir-se de seu natural onus probandi, estando o fornecedor em melhores condições para dilucidar o evento danoso."
  • Sobre esse assunto, veja-se o tópico 3.3.
  • De acordo com Genival Veloso de França e Hidegard Tagessell Gisotri, é inadmissível haver imperícia por parte do médico especialista, tendo em vista as habilidades e conhecimentos técnicos pertinentes a esses profissionais.
  • Art. 1.º. – Determinar aos médicos que praticam anestesia que: [omissis] V- Todas as conseqüências decorrentes do ato anestésico são de responsabilidade direta e pessoal do anestesista.
  • Nesse linha, Miguel Kfouri Neto.
  • Delton Croce e Delton Croce Júnior, por considerar o ato anestésico uma obrigação de resultado, destoam desse entendimento ao afirmar que "[...] o acidente respiratório, durante uma anestesia geral, não é fato imprevisível, sendo, ao contrário, sempre cogitado pelos cirurgiões. Não pode ser, por isso, equiparado a caso fortuito ou força maior. Mesmo porque, para tanto, é mister a afirmativa de que, em ocorrendo o acidente respiratório, o paciente estaria irremediavelmente decretado à morte, o que mór das vezes, não é exato" [sic].
  • Nesse sentido, dispõe o art. 62 do Código de Ética Médica, verbis: "Prescrever tratamento ou outros procedimentos sem exame direto do paciente, salvo em casos de urgência e impossibilidade comprovada de realizá-lo, devendo, nesse caso, fazê-lo imediatamente cessado o impedimento."
  • A esse respeito, veja-se o art. 124 do Código de Ética Médica.
  • Sobre esse assunto, veja-se o tópico 3.3.
  • O art. 2.º da Resolução n.º 1.363/93, especifica quais são os equipamentos básicos para garantir condições mínimas de segurança para a prática de anestesia.
  • Ensina Aguiar Junior que "o hospital é uma universalidade de fato, formada por um conjunto de instalações, aparelhos, e instrumentos médicos e cirúrgicos destinados ao tratamento da saúde, vinculada a uma pessoa jurídica, sua mantenedora, mas que não realiza ato médico."
  • Note-se, conforme assinalado do tópico 4.2.3, que o anestesiologista, excepcionalmente, poderá responder objetivamente.
  • Sérgio Cavalieiri Filho, ao traçar um paralelo entre a atividade dos médicos e hospitais com as espécies de periculosidade dos produtos e serviços, conclui que médico e hospital só podem ser responsabilizados pelos riscos adquiridos que, diferentemente do riso inerente ou intrínseco, decorrem de um defeito do serviço.
  • Miguel Kfouri Neto, ao reproduzir uma matéria jornalística, informa que "em 1990, mais de 1 milhão de brasileiros contraíram infecção hospitalar e 53 mil acabaram morrendo." Acrescenta, adiante que o o risco de infecção é inerente ao ato cirúrgico e que o problema afeta todos os hospitais, até mesmo nos países de Primeiro Mundo. Recomenda, em ações dessa espécie, a análise pelos julgadores do grau de eficiência da Comissão de Desinfecção Hospitalar. "Se deficiente ou inexistente, firma-se a procedência dos pedidos do autor. Se existente e atuante [...] nenhuma culpa poder-se-á imputar ao estabelecimento, pois o risco de infecção é ínsito ao ato cirúrgico." Ainda sobre o assunto, o desembargador paranaense colaciona diversas jurisprudências, doutrinas e dados estatísticos.
  • Em sentido contrário Sérgio Cavalieiri Filho.
  • Conforme Recurso Especial, unânime, 3.ª Turma, STJ, j. em 18.04.2005, Rel. Min. Carlos Alberto Menezes Direito.
  • Nesta direção Celso Antônio Bandeira de Mello e Sérgio Cavalieri Filho.
  • Sobre a possibilidade de responsabilização subjetiva do Estado, veja-se o Recurso Especial n.º 602102, STJ, 2.ª Turma, j. em 21.02.2005, Ministra Relatora Eliana Calmon.
  • Nesse sentido, veja-se Recurso Extraordinário, unânime, n.º 217389/SP, 2.ª Turma, j. em 02/04/2002, Relator Ministro Néri da Silveira.
  • Sobre a divisão de tarefas da equipe médica, veja-se a Apelação Cível n.º 0096327-7, 8.ª Câmara Cível do Tribunal de Justiça do Estado do Paraná, j. em 19.10.1998, Relator Sérgio Arenhart.
  • Rui Stoco facilita a compreensão da falta de nexo de causalidade entre a conduta do chefe de equipe e o dano, colocando seguinte hipótese: "Suponha-se um trabalho de parto em que o cirurgião dá nascimento a uma criança através da chamada ‘cesariana´, com absoluto sucesso, entregando-a em seguida ao pediatra, pertencente à equipe médica, e este, por atitude negligente e autônoma, coloca a criança de bruços, de modo a asfixiá-la, causando-lhe a morte." Logo em seguida, conclui, "[...] Não se consegue atinar como seria possível responsabilizar o chefe da equipe, considerando que seu atuar estaria fora da linha causal."
  • Nesse sentido é o posicionamento reproduzido por Alvino Lima, quando diz: "Desde que o médico se vale dos serviços do preposto de terceiros, dirigindo-o sob as suas ordens, dando-lhe as necessárias instruções, implicitamente aceita a transferência da situação entre comitente e preposto. [...] É preciso, no entanto, esclarecer que o médico, como comitentes ocasional ou temporário, só responderá pelas culpas dos enfermeiros ou auxiliares que decorram das ordens particulares e precisas dadas aos mesmos e das que resultem de uma negligência pessoal ou falta de fiscalização. Pelas culpas provenientes de iniciativa pessoal do próprio enfermeiro, ou do erro não perceptível, não responderá o médico comitente ocasional, cabendo a responsabilidade ao hospital ou clínica do qual o enfermeiro ou auxiliar é preposto."
  • Onde se diz ‘autora´, leia-se, vítima.
  • Destaque-se que a referida testemunha era o outro anestesiologista da região, o que leva a crer na parcialidade de depoimento.

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    Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

    LIMA, Diogo de Araujo. Responsabilidade civil do anestesiologista. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 14, n. 2146, 17 maio 2009. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/12912. Acesso em: 26 abr. 2024.