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O triênio de estágio probatório no serviço público federal.

A não-recepção constitucional do teor original do art. 20 da Lei nº 8.112/90 e do art. 22 da Lei Complementar nº 73/93

O triênio de estágio probatório no serviço público federal. A não-recepção constitucional do teor original do art. 20 da Lei nº 8.112/90 e do art. 22 da Lei Complementar nº 73/93

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O estágio probatório na Administração Pública Federal tem prazo de três anos. As decisões contrárias violam o art. 41 da Carta, assim como os princípios da legalidade, da separação de Poderes e da segurança jurídica.

1.Introdução

Desde o advento da Emenda Constitucional nº 19/98, a Constituição da República passou a exigir 03 (três anos) a título de estágio confirmatório do servidor no serviço público. Apesar disso, normas infraconstitucionais nascidas sob a égide da redação original da Carta de 1988, previam o prazo de 02 (dois) anos para referido estágio, tais como o caput do art. 22 da Lei Complementar nº 73, de 10 de fevereiro de 1993 (Lei Orgânica da Advocacia-Geral da União), e o teor original do caput do art. 20 da Lei nº 8.112, de 11 de dezembro de 1990 (Lei do Regime Jurídico Único).

De fato, esse conflito aparente de normas tem gerado inúmeras disputas judiciais e extrajudiciais sobre o real prazo de estágio probatório no âmbito das diversas esferas da Administração Pública. Confiram-se, a propósito, os dispositivos mencionados:

"Art. 22. Os dois primeiros anos de exercício em cargo inicial das carreiras da Advocacia-Geral da União correspondem a estágio confirmatório" (grifou-se).

"Art. 20.  Ao entrar em exercício, o servidor nomeado para cargo de provimento efetivo ficará sujeito a estágio probatório por período de 24 (vinte e quatro) meses durante o qual a sua aptidão e capacidade serão objeto de avaliação para o desempenho do cargo, observados os seguinte fatores:" (grifou-se).

Com efeito, à época da publicação dos referidos diplomas legais, a Constituição da República vigorava com disposição, no caput de seu art. 41, do seguinte teor:

"Art. 41. São estáveis, após dois anos de efetivo exercício, os servidores nomeados em virtude de concurso público" (destacou-se).

Como se percebe, a Lei Orgânica da Advocacia-Geral da União, no seu art. 22, caput, e o caput do art. 20 da Lei nº 8.112/90 apresentavam-se perfeitamente de acordo com o citado dispositivo constitucional. Apesar de este se referir aos requisitos para aquisição de estabilidade pelo servidor público e, aqueles, ao estágio confirmatório na carreira, todos tratam da mesma matéria. A rigor, estabilidade e estágio confirmatório são as duas faces de uma mesma moeda. Por meio do estágio confirmatório, chega-se à estabilidade. Pela confirmação do estágio, com um determinado prazo, o servidor adquire a estabilidade, em igual lapso de tempo, nos quadros da Administração Pública, e esse prazo, como dito, ao tempo das publicações das normas legais em epígrafe, era, pela Constituição Republicana e assim também pelas próprias regras legais que nasciam, de dois anos.

Entretanto, a conhecida reforma administrativa levada a cabo pela Emenda Constitucional nº 19, de 04 de junho de 1998, imprimiu nova redação ao caput do art. 41 da Carta Magna, que passou, desde então, a prever:

"Art. 41. São estáveis após três anos de efetivo exercício os servidores nomeados para cargo de provimento efetivo em virtude de concurso público" (destacou-se).

O texto dessa Emenda Constitucional, a propósito, e corroborando o entendimento de que estágio probatório ou confirmatório e estabilidade são figuras indissociáveis, estabeleceu, em seu art. 28, litteris:

"Art. 28. É assegurado o prazo de dois anos de efetivo exercício para aquisição da estabilidade aos atuais servidores em estágio probatório, sem prejuízo da avaliação a que se refere o § 4º do art. 41 da Constituição Federal" (destacou-se).

A partir dessa modificação da Carta Federal, nomeadamente do novo conteúdo expresso e inequívoco de seu art. 41, caput, as disposições infraconstitucionais perderam sua legitimidade. Em razão dessa desconformidade constitucional superveniente, tornou-se exigível, no âmbito da Advocacia-Geral da União, assim como no serviço público em geral, o prazo de três anos para a estabilidade e, por conseqüência inevitável, para o estágio confirmatório.

Ilustrativamente, no caso específico das carreiras da Advocacia-Geral da União, há tempos, muitos têm sido os problemas e os questionamentos administrativos e judiciais acerca do prazo do estágio confirmatório; de dois anos, em conformidade com o texto expresso do caput do art. 22 da Lei Complementar nº 73/93, ou de três, segundo disposto, também em caráter explícito, no caput do art. 41 da Lei Fundamental Brasileira.

Assim, o então Advogado-Geral da União, Alvaro Augusto Ribeiro Costa, editou a Portaria nº 342, de 07 de julho de 2003, que dispõe sobre o estágio confirmatório e probatório de Advogado da União, Procurador da Fazenda Nacional e Procurador Federal, firmando, em seu bojo, o prazo de 36 (trinta e seis) meses aplicável à espécie.

Não obstante a legitimidade constitucional dessa portaria, diversas decisões judiciais foram prolatadas, assegurando a advogados públicos federais o mero biênio como suficiente ao estágio confirmatório.

Esse contexto de insegurança culminou com a elaboração do Parecer nº AC-17, assinado pelo Advogado-Geral da União em 12 de julho de 2004, e devidamente aprovado pelo Presidente da República na mesma data, nos termos do art. 40, § 1º, da Lei Complementar nº 73/93 [01], vinculando, dessa maneira, órgãos e entidades da Administração Pública Federal. Confira-se a conclusão do mencionado ato, verbis:

"16. Ante o exposto, penso que se deve reconhecer a exata legalidade da Portaria nº 342/AGU, de 7 de julho de 2003, e firmar o entendimento, válido para toda a Administração Pública Federal Direta, de que o estágio probatório ou confirmatório do art. 20 da Lei nº 8.112, de 1990, por força da superveniência da nova redação do art. 41 da Constituição Federal, passou a 3 anos desde 5 de outubro de 1998 (data da Emenda Constitucional nº 19, de 1988)".

Apesar do teor do parecer, fundado na inequívoca inconstitucionalidade superveniente do caput do art. 22 da Lei Orgânica da Advocacia-Geral da União, bem como do conteúdo do art. 20 da Lei nº 8.112/90, continuaram a ser proferidas decisões judiciais no sentido de que o estágio probatório ou confirmatório seria de 02 (dois) anos, em flagrante desrespeito à ordem constitucional.

Quanto aos servidores públicos em geral, no sentido da adequação à densidade normativa da Constituição em vigor, recentemente, tentou-se modificar o caput do art. 20 da Lei nº 8.112/90 por meio do art. 172 da Medida Provisória nº 431, de 14 de maio de 2008, para tornar expressamente exigível, para o estágio confirmatório, o período de 36 (trinta e seis) meses. Contudo, após a tramitação da medida provisória no Congresso Nacional e a publicação de sua lei de conversão, a Lei nº 11.784, de 22 de setembro de 2008, o teor original do caput do dispositivo em análise foi mantido.

Com atenção a essas circunstâncias, o presente estudo tem por objeto o exame da (in)constitucionalidade superveniente do caput do art. 22 da Lei Complementar nº 73/93 e do caput do art. 20 da Lei nº 8.112/90; tudo conforme se observa adiante.


2-Alguns exemplos dos desencontros jurisprudenciais sobre a matéria

De modo bastante nítido, os pronunciamentos judiciais que concedem o prazo de dois anos para o estágio confirmatório, indevidamente e a despeito da eficácia normativa da Lei Constitucional, colocam em xeque preceitos fundamentais da Constituição da República.

Apontam-se, exemplificativamente, no sentido da aplicação do prazo de dois anos ao estágio confirmatório dos membros das carreiras da Advocacia-Geral da União, as decisões proferidas pela juíza federal substituta da 6ª Vara Federal do Distrito Federal nos autos da ação ordinária nº 2008.34.00.010385-1 e pelo Desembargador Relator do Agravo de Instrumento nº 2008.01.00.005788-5, no Tribunal Regional Federal da 1ª Região, ambas sobrestadas pelo Ministro Gilmar Mendes nas STAs nºs 263 e 264, respectivamente.

Em posição diametralmente oposta, nos autos da própria Suspensão de Tutela Antecipada nº 264, em trâmite no Supremo Tribunal Federal, proposta contra decisório que concedia aos substituídos do Sindicato Nacional dos Procuradores da Fazenda Nacional – SINPROFAZ que tivessem cumprido o período de dois anos o direito de concorrer em certames de promoção da respectiva carreira, o Ministro Gilmar Mendes, ao suspendê-lo, afirma:

"(...) A nova norma constitucional do art. 41 é imediatamente aplicável. Logo, as legislações estatutárias que previam prazo inferior a três anos para o estágio probatório restaram em desconformidade com o comando constitucional. Isso porque, não há como se dissociar o prazo de estágio probatório do prazo de estabilidade.

A vinculação lógica entre os dois institutos restou muito bem demonstrada pelo Ministro Maurício Corrêa, ao analisar o Recurso Extraordinário nº 170.665:

‘3.1. A estabilidade é a garantia constitucional de permanência no serviço público outorgada ao servidor que, nomeado por concurso público em caráter efetivo, tenha transposto o estágio probatório de dois anos (art. 100, EC-01/69; art. 41 da CF/88). O estágio, pois, é o período de exercício do funcionário durante o qual é observada e apurada pela Administração a conveniência ou não de sua permanência no serviço público, mediante a verificação dos requisitos estabelecidos em lei para a aquisição da estabilidade.’ (RE 170.665, Ministro Maurício Corrêa, DJ 29.11.1996)" (Destacou-se).

O Supremo Tribunal Federal, em sede de controle difuso de constitucionalidade, assentara que estágio probatório e estabilidade cuidam de categorias inseparáveis, conferindo-lhes idêntico lapso temporal. Ademais, da jurisprudência da Corte, sobreleva que o prazo de dois anos de estágio operava efeitos apenas no contexto anterior à Emenda Constitucional nº 19/98. Aprecie-se, por exemplo, apesar de tratar de empregado público, trecho do voto-condutor do Ministro Relator Cezar Peluso, proferido nos autos do Agravo Regimental no Agravo de Instrumento nº 510.994-2, litteris:

"(...) É jurisprudência assente que, se o empregado público foi admitido mediante aprovação em concurso público e se cumpriu o prazo de dois anos de estágio probatório, tudo isso antes do advento da EC 19/98, passou a fazer jus à estabilidade prevista no art. 41 da Constituição, na sua redação original. Nesse sentido, confiram-se: RE nº 384.856, Rel. Min. ELLEN GRACIE, DJ de 24.11.2003; AI nº 492.845, Rel. Min. CELSO DE MELLO, DJ de 07.12.2004; AI nº 417.499-AgR, Rel. Min. CARLOS VELLOSO, DJ de 13.04.2005" (AgReg no AI nº 510.994-2-SP, 1ª Turma, Relator Ministro Cezar Peluso, ac. 21/02/06, DJ 24/03/06; destacou-se).

O Superior Tribunal de Justiça, por sua vez, possui inúmeros arestos concluindo pela distinção entre estágio e estabilidade, não aplicando, pois, o conteúdo normativo do art. 41 da Constituição da República. Ilustrativamente, observem-se as ementas abaixo transcritas:

"MANDADO DE SEGURANÇA. PROCURADOR FEDERAL. PROMOÇÃO. ESTÁGIO PROBATÓRIO DE VINTE E QUATRO MESES. ESTABILIDADE NO SERVIÇO PÚBLICO.

TRÊS ANOS. INSTITUTOS DISTINTOS. EFEITOS RETROATIVOS DESDE A DATA EM QUE DEVERIA SER PROMOVIDO. PRECEDENTE TERCEIRA SEÇÃO. SEGURANÇA CONCEDIDA.

1. A Terceira Seção do Superior Tribunal de Justiça firmou entendimento no sentido de que, a estabilidade no serviço público e

o estágio probatório são institutos distintos, razão pela qual é incabível a exigência de cumprimento do prazo constitucional de três anos para que o servidor figure em lista de promoção na carreira.

2. Segurança concedida, para declarar o direito das impetrantes de serem avaliadas no prazo de vinte e quatro meses para fins de estágio probatório, com os efeitos funcionais e financeiros decorrentes desde a data em que deveriam ser promovidas" (MS nº 12389-DF, 3ª Seção, Relatora Ministra Jane Silva, ac. 25/06/2008, DJe 04/08/08; cópia anexa); e

"MANDADO DE SEGURANÇA. ADMINISTRATIVO. PROCURADOR FEDERAL. PROMOÇÃO. ESTÁGIO PROBATÓRIO DE VINTE E QUATRO MESES. EFEITOS RETROATIVOS DESDE A DATA EM QUE DEVERIA SER PROMOVIDO. PRECEDENTES.

1. A Terceira Seção deste Superior Tribunal de Justiça firmou entendimento de que a estabilidade no serviço público e o estágio probatório são institutos distintos, razão pela qual é incabível a exigência de cumprimento do prazo constitucional de três anos para que o servidor figure em lista de promoção na carreira. Precedentes.

2. Segurança concedida, para declarar o direito da impetrante de ser avaliada no prazo de vinte e quatro meses para fins de estágio probatório, com os efeitos funcionais e financeiros decorrentes desde a data em que deveria ser promovida" (MS nº 12418-DF, 3ª Seção, Relatora Ministra Maria Thereza de Assis Moura, ac. 23/04/08, DJ. 08/05/08, p. 01; cópia anexa).

Entre os precedentes mencionados nos acórdãos transcritos, destaca-se o julgamento do Mandado de Segurança nº 9.373-DF, de Relatoria da Ministra Laurita Vaz, assim ementado:

"MANDADO DE SEGURANÇA. SERVIDORES PÚBLICOS. ESTÁGIO PROBATÓRIO. ART. 20 DA LEI N.º 8.112/90. ESTABILIDADE. INSTITUTOS DISTINTOS. ORDEM CONCEDIDA.

1. Durante o período de 24 (vinte e quatro) meses do estágio probatório, o servidor será observado pela Administração com a finalidade de apurar sua aptidão para o exercício de um cargo determinado, mediante a verificação de específicos requisitos legais.

2. A estabilidade é o direito de permanência no serviço público outorgado ao servidor que tenha transposto o estágio probatório. Ao término de três anos de efetivo exercício, o servidor será avaliado por uma comissão especial constituída para esta finalidade.

3. O prazo de aquisição de estabilidade no serviço público não resta vinculado ao prazo do estágio probatório. Os institutos são distintos. Interpretação dos arts. 41, § 4º da Constituição Federal e 20 da Lei n.º 8.112/90.

4. Ordem concedida" (MS nº 9.373-DF, 3ª Seção, Relatora Ministra Laurita Vaz, ac. 25/08/04, DJ 20/09/04, p. 182).

No âmbito dos Tribunais Regionais Federais, a mesma orientação pretoriana do Superior Tribunal de Justiça, no mais das vezes, tem sido utilizada, como se vê, por exemplo, das duas ementas a seguir colacionadas:

"PROCESSUAL CIVIL E ADMINISTRATIVO. AGRAVO DE INSTRUMENTO. SERVIDOR. CONCURSO DE PROMOÇÃO. ESTÁGIO PROBATÓRIO. PRAZO DE 24 MESES. DISPONIBILIZAÇÃO DE VAGAS NO CURSO DO CERTAME. INOCORRÊNCIA. ADEQUAÇÃO DO EDITAL AO SEU ATO NORMATIVO MATRIZ. AGRAVO DESPROVIDO. 1. É firme a jurisprudência desta Corte no sentido de que o estágio probatório e a estabilidade do servidor são institutos distintos, daí porque permanece aplicável, em relação ao primeiro, o prazo previsto no art. 20 da Lei nº 8.112/90. 2. Todavia, a retificação do Edital nº 87/2007, com a correção do número de vagas por ele disponibilizadas, não agrediu, em princípio, as regras atinentes aos concursos de promoção da carreira de Advogado da União, por não ter aparentemente se tratado, na espécie, do oferecimento de vagas novas durante o transcurso do certame, mas de mera inclusão daquelas que já existiam antes de que ele tivesse se iniciado, e que não haviam sido desde o início incluídas por um erro da administração.
3. De toda forma, a minudente apreciação da questão deve ficar a cargo do magistrado a quem incumbe julgar o processo principal, não cabendo a esta Corte, em sede de agravo de instrumento, decidir o pedido de fundo nele formulado.
4. Agravo de instrumento desprovido"
(AG 2007.01.00.054725-9-DF, Tribunal Regional Federal da 1ª Região, 2ª T., Relatora Desembargadora Federal Neuza Maria Alves da Silva, ac. 14/04/08, e-DJF1 de 26/05/08, p. 136; destacou-se); e

"ADMINISTRATIVO – SERVIDOR PÚBLICO – ESTABILIDADE – AUMENTO DO PRAZO PARA SUA AQUISIÇÃO - ART. 41 DA CONSTITUIÇÃO FEDERAL – TRÊS ANOS A PARTIR DA EMENDA CONSTITUCIONAL Nº 19/98 - ESTÁGIO PROBATÓRIO – VINTE E QUATRO MESES – ART. 20 DA LEI Nº 8.112/90 - INSTITUTOS DISTINTOS. I – Estabilidade e estágio probatório são institutos jurídicos distintos. Por tal razão, a alteração do prazo para aquisição de estabilidade no serviço público, levada a efeito a partir do advento da Emenda Constitucional nº 19/98 (dois para três anos), não implicou idêntico aumento do período de estágio probatório, estabelecido pelo art. 20 da Lei nº 8.112/90 em vinte e quatro meses. Precedentes jurisprudenciais dos Colendos STJ e STF. II – Recurso provido" (MAS nº 61444, Tribunal Regional Federal da 2ª Região, 7ª T. E., Relator Desembargador Federal Sérgio Schwaitzer, ac. 28/09/05, DJU 18/01/06, p. 201);

Ainda entre as Cortes Regionais Federais, destaque-se o acórdão da 2ª Turma do Tribunal da 3ª Região, que negou provimento a agravo de instrumento em que se buscava a concessão de tutela antecipada para se considerar de dois anos o prazo de estágio probatório de servidor, após o advento da Emenda Constitucional nº 19/98. Confira-se:

"ADMINISTRATIVO E PROCESSUAL CIVIL. SERVIDOR PÚBLICO. PRAZO DE ESTÁGIO PROBATÓRIO E DE AQUISIÇÃO DE ESTABILIDADE. EFETIVO EXERCÍCIO. ART. 41, DA CONSTITUIÇÃO FEDERAL, COM A REDAÇÃO DADA PELA EMENDA Nº 19/98. TUTELA ANTECIPADA. AGRAVO IMPROVIDO.

1.A antecipação dos efeitos da tutela, prevista no art. 273 do Código de Processo Civil, pressupõe, dentre outros requisitos, a existência de um direito evidente, vale dizer, de uma maior probabilidade – não mera plausibilidade – de o pedido vir a ser acolhido a final.

2.Não se mostra de provável acolhida a tese sustentada pelo autor, no sentido de que, mesmo com o advento da Emenda Constitucional nº 19/98 – que estabeleceu prazo de três anos para a aquisição de estabilidade pelo servidor público –, teria sido mantido o prazo de dois anos do estágio probatório, previsto no art. 20 da Lei nº 8.112/90.

3.Agravo desprovido" (AG 257257, Tribunal Regional Federal da 3ª Região, 2ª T., Relator Juiz Nelton dos Santos, zc. 01/08/06, DJU 10/08/06, p. 415; destacou-se).

Assim, os órgãos do Poder Judiciário controvertem-se, significativamente, sobre o prazo de estágio confirmatório de servidores nas carreiras civis federais. Divergem, a rigor, sobre a identidade ou não de prazos de estágio e de estabilidade, infringindo, no mais das vezes, o art. 41 da Constituição da República, desrespeitando, assim também, vários dos preceitos fundamentais desta, sobremodo, os princípios da legalidade (constitucional) da Administração Pública, da separação de Poderes e da segurança jurídica.

Diante dessas ponderações, resta plenamente configurada a relevância do tema ora em exame, bem como a necessidade de se firmar, de uma vez por todas, qual é o correto prazo de acesso à estabilidade pelo servidor público federal.


3. Do prazo de 3 (três) anos de estágio confirmatório no serviço público federal

Evidenciando-se a identidade de prazo para o servidor acessar a estabilidade e para cumprir o estágio probatório, é inequívoco que decisões judiciais que atribuem o prazo de dois anos para tanto ferem o art. 41 da Constituição e, além disso, viola os princípios da legalidade e da separação de Poderes.

Segundo assinala o constitucionalista português, J. J. Gomes Canotilho, o princípio da legalidade da administração constitui um subprincípio concretizador do Estado de Direito e, a seu respeito, leciona:

"O princípio da legalidade da administração foi erigido, muitas vezes, em ‘cerne essencial’ do Estado de direito. (...) O princípio da legalidade postula dois princípios fundamentais: o princípio da supremacia ou prevalência da lei (Vorrang dês Gesetzes) e o princípio da reserva de lei (Vorbehalt de Gesetzes). Estes princípios permanecem válidos, pois num Estado democrático-constitucional a lei parlamentar é, ainda, a expressão privilegiada do princípio democrático (daí a sua supremacia) e instrumento mais apropriado e seguro para definir os regimes de certas matérias, sobretudo dos direitos fundamentais e da vertebração democrática do Estado (daí a reserva de lei). De uma forma genérica, o princípio da supremacia da lei e o princípio da reserva de lei apontam para a vinculação jurídico-constitucional do poder executivo" [02].

Dessa maneira, o princípio da legalidade da Administração Pública, alicerce do Estado Democrático de Direito, portanto, da República Federativa do Brasil, permeia toda a idéia de Estado e de Constituição. Consta de diversos dispositivos da Lei Fundamental, tais como o art. 5º, II ("ninguém será obrigado a fazer ou deixar de fazer alguma coisa senão em virtude de lei") e XXXIX ("não há crime sem lei anterior que o defina, nem pena sem prévia cominação legal"); e art. 150, I ("... é vedado à União, aos Estados, ao Distrito Federal e aos Municípios: I- exigir ou aumentar tributo sem lei que o estabeleça"). Por meio dele, delineiam-se condutas públicas ou particulares, sanções, e se estabelecem expectativas no seio do convívio social.

Particularmente com respeito à Administração Pública, a Constituição fixa a legalidade como um princípio inafastável, ao prever, no caput de seu art. 37: "A administração pública direta e indireta de qualquer dos Poderes da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios obedecerá aos princípios de legalidade, impessoalidade, moralidade, publicidade e eficiência..." (destacou-se).

O princípio da legalidade, por qualquer de suas manifestações, seja no ordenamento como um todo, seja no campo penal ou tributário e, principalmente, no administrativo, constitui pilar do Estado e, portanto, preceito fundamental da Carta Republicana.

A rigor, quando se fala em princípio da legalidade, não se pode compreendê-lo no patamar limitado das leis em sentido estrito. Há de se perceber na legalidade a conformidade de condutas ao ordenamento jurídico, inclusive e sobremaneira, em face da Lei Constitucional, estruturante do Estado contemporâneo. Daí, a propósito, ter sido mencionada a expressão "princípio da legalidade (constitucional)".

Nesse contexto, o caput do art. 22 da Lei Orgânica da Advocacia-Geral da União, bem como o art. 20 da Lei nº 8.112/90, que estabelecem dois anos para o estágio probatório, e as decisões que os assumem como legítimos, ao desrespeitarem diretamente o disposto no caput do art. 41 da Lei Constitucional, que demanda três anos para a estabilidade, acabam por violar o preceito fundamental consistente no princípio da legalidade (constitucional) da Administração.

Não é dado à lei desrespeitar a Constituição Federal. Ora, se o caput do art. 41 desta, com a redação que lhe foi dada pela Emenda Constitucional nº 19/98 ("São estáveis após três anos de efetivo exercício os servidores nomeados para cargo de provimento efetivo em virtude de concurso público" – destacou-se) trata do prazo de três anos para aquisição da estabilidade, não podem as normas censuradas neste processo estabelecer o prazo de dois anos para o estágio confirmatório dos servidores nas carreiras. Tampouco pode a Administração, ao arrepio do texto expresso da Lei Constitucional, dar-lhes cumprimento, nem implementar decisões judiciais que as revestem de status superior ao da Constituição.

Tal desconformidade das normas legais no confronto com a Lei Constitucional gera inequívoco desrespeito ao princípio da legalidade (constitucional), pois, no ambiente da legalidade lato sensu, há, sem dúvida a supremacia das normas constitucionais. A Administração, para fazer frente ao princípio em evidência, deve observar o quanto disposto na norma constitucional (três anos), de hierarquia superior, e não aquilo que consta de uma norma meramente legal (dois anos), indiscutivelmente inferior.

Como bem fundamentado nas decisões proferidas pelo Ministro Gilmar Mendes nas STAs nºs 263 e 263, em trâmite na Suprema Corte, há um liame indissociável entre estágio e estabilidade. Com essa mesma compreensão, posiciona-se Hely Lopes Meirelles, para quem o estágio é uma das condições para o servidor alcançar a estabilidade, ao lado da aprovação em concurso público e da nomeação para cargo de provimento efetivo. Observe-se sua lição:

"Estabilidade é a garantia constitucional de permanência no serviço público outorgada ao servidor que, nomeado para cargo de provimento efetivo, em virtude de concurso público, tenha transposto o estágio probatório de três anos, após ser submetido a avaliação especial de desempenho por comissão instituída para essa finalidade (CF, art. 41). (...)

Estágio probatório de três anos, terceira condição para a estabilidade, é o período de exercício do servidor durante o qual é observado e apurada pela Administração a conveniência ou não de sua permanência no serviço público, mediante a verificação dos requisitos estabelecidos em lei para a aquisição da estabilidade (idoneidade moral, aptidão, disciplina, assiduidade, dedicação ao serviço, eficiência etc.)" [03] (destacou-se).

Ora, de nada adianta um estágio confirmatório de dois anos que efetivamente não confirma o servidor mediante sua estabilização na carreira. Não há nenhuma razão plausível a justificar o vácuo de um ano entre a confirmação pelo estágio e a estabilização. Tal raciocínio vincula a sorte do estágio à da estabilidade, tornando-os inseparáveis.

Desse modo, há de se reconhecer a desconformidade constitucional do art. 22, caput, da Lei Complementar nº 73/93 e do art. 20 caput, da Lei nº 8.112/90, e, por conseqüência, o descumprimento do princípio da legalidade (constitucional) da Administração Pública.

Registre-se, de toda sorte, que, no concerto constitucional vigente, o prazo de dois anos liga-se à noção de vitaliciedade, própria dos membros da Magistratura (art. 95, I, da Constituição Federal) e do Ministério Público (art. 128, § 5º, I, a), e não à de estabilidade.

De qualquer forma, além do descumprimento do princípio da legalidade (constitucional) da Administração, cabe apontar que as mais diversas e díspares interpretações formadas no Poder Judiciário de um lado – já devidamente mencionadas no tópico anterior – e, de outro, a compreensão das normas ora censuradas manifestada no âmbito do Poder Executivo, especialmente no Parecer do Advogado-Geral da União nº AC-17, aprovado pelo Presidente da República, acarretam o desrespeito a outros dois preceitos constitucionais: a) o princípio da separação de Poderes (art. 2º da Constituição Federal); e b) o princípio da segurança jurídica (art. 5º, caput, da Carta de 1988).

Pois bem, os antagonismos formados no Poder Judiciário acerca do prazo de estágio confirmatório, em nítido embate com o disposto no art. 41, caput, da Lei Fundamental, na redação ditada pela Emenda Constitucional nº 19/98, oriunda do Poder Legislativo, e com o conteúdo do Parecer do Advogado-Geral da União nº AC – 17/04, exprimem inegável descumprimento do princípio da separação de Poderes, que somente se concretiza com a harmonia e a independência entre os mesmos.

Tal comportamento conflituoso implica gravame, também, ao princípio da segurança jurídica, comprometendo a previsibilidade e a estabilidade das posições dos indivíduos no palco do convívio social.

Cuidando da incidência desse princípio relativamente a atos jurisdicionais, novamente, vale transcrever os ensinamentos de J. J. Gomes Canotilho, segundo o qual:

"O princípio da segurança jurídica não é apenas um elemento essencial do estado de direito relativamente a actos normativos. As idéias nucleares da segurança jurídica desenvolvem-se em torno de dois conceitos: (1) estabilidade ou eficácia ex post da segurança jurídica dado que as decisões dos poderes públicos uma vez adoptadas, na forma e procedimento legalmente exigidos, não devem poder ser arbitrariamente modificadas, sendo apenas razoável a alteração das mesmas quando ocorram pressupostos materiais particularmente relevantes; (2) previsibilidade ou eficácia ex ante do princípio da segurança jurídica que, fundamentalmente, se reconduz à exigência de certeza e calculabilidade, por parte dos cidadãos, em relação aos efeitos jurídicos dos actos normativos" [04].

Apenas a título ilustrativo, não se olvide de que, inspirado pelo entendimento manifestado pelo Supremo Tribunal Federal em sua Resolução nº 200, de 31 de maio de 2000, no sentido de o estágio probatório dos servidores ser de três anos, o Conselho Nacional de Justiça, ao responder a Consulta formulada pelo Conselho Superior da Justiça do Trabalho, igualmente aderiu a essa tese. Confira-se a respectiva ementa:

"Pedido de Providências. Consulta sobre a vinculação do estágio probatório (art. 20 da Lei 8.112/90) ao período de três anos exigidos para a aquisição da estabilidade do serviço público (CF, art. 41). Pertinência dos questionamentos e definição do prazo de 03 anos para o estágio probatório, na forma do art. 41 da CF c/c a Resolução STF nº 200/2000" (Pedido de Providências nº 822/2006, Conselheiro Douglas Alencar Rodrigues, DJ 12/09/06; destacou-se).

Os princípios da segurança jurídica e da separação de Poderes, de fato e indevidamente, têm sucumbido diante desse cenário, em que há norma constitucional expressa num sentido e, de idêntico teor, o Parecer do Advogado-Geral da União nº AC-17/2004 para o Poder Executivo, a Resolução nº 200/00 do Supremo Tribunal Federal e a citada manifestação do Conselho Nacional de Justiça, estes dois últimos atos para o Poder Judiciário, e, não obstante, cresce o número de provimentos judiciais substancialmente deles divergentes, tudo a evidenciar que tais provimentos encontram-se em franco descompasso com a Constituição da República.


4. Síntese conclusiva

Por todas essas razões, o caput do art. 22 da Lei Complementar nº 73, de 10 de fevereiro de 1993 (Lei Orgânica da Advocacia-Geral da União), e o teor original do caput do art. 20 da Lei nº 8.112, de 11 de dezembro de 1990 (Lei do Regime Jurídico Único) não foram recepcionados pelo atual contexto constitucional, e não há dúvida de que o estágio probatório, no âmbito da Administração Pública Federal, tem prazo de três anos, e as decisões judiciais em sentido contrário violam o art. 41 da Carta, assim como os princípios da legalidade, da separação de Poderes e da segurança jurídica.


Notas

  1. O art. 40, § 1º, da Lei Complementar nº 73/93 dispõe: "Art. 40. Os pareceres do Advogado-Geral da União são por este submetidos à aprovação do Presidente da República. § 1º O parecer aprovado e publicado juntamente com o despacho presidencial vincula a Administração Federal, cujos órgãos e entidades ficam obrigados a lhe dar fiel cumprimento".
  2. CANOTILHO, J.J. Gomes. Direito Constitucional e Teoria da Constituição. 7ª Edição.Coimbra: Almedida, 2003, p. 256.
  3. MEIRELLES, Hely Lopes. Direito Administrativo Brasileiro. São Paulo: Malheiros, 2000, p. 405.
  4. CANOTILHO, J.J. Gomes. Direito Constitucional e Teoria da Constituição. 7ª Edição.Coimbra: Almedida, 2003, p. 264.

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FÉRES, Marcelo Andrade. O triênio de estágio probatório no serviço público federal. A não-recepção constitucional do teor original do art. 20 da Lei nº 8.112/90 e do art. 22 da Lei Complementar nº 73/93. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 14, n. 2167, 7 jun. 2009. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/12939. Acesso em: 24 abr. 2024.