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O trabalho infanto-juvenil proibido: prevenção e erradicação

O trabalho infanto-juvenil proibido: prevenção e erradicação

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SUMÁRIO: Introdução; 1 Considerações Preliminares; 1 Escorço Histórico do Trabalho Infanto-Juvenil no Brasil; Terminologia e Capacidade Laboral; Estatísticas; 2 Normas de Combate ao Trabalho Infanto-juvenil Proibido; 2.1 Constituição da República Federativa do Brasil (CRFB) 2.2 Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA); 2.3 Consolidação das Leis do Trabalho (CLT); 2.4 Convenções e Recomendações da Organização Internacional do Trabalho (OIT) 2.5 Princípio da Proteção Integral; 3 Prevenção e Erradicação do Trabalho Infanto-juvenil Proibido; 3.1 Estratégias e Mecanismos Institucionais de Prevenção e Erradicação do Trabalho Infantil; 3.2 Ações, Planos e Programas; 3.2.1 Governamentais; 3.2.2 Não-Governamentais; 3.2.3 Em Nível Internacional; Conclusão; Referências.


INTRODUÇÃO

O trabalho infanto-juvenil é, hoje, uma preocupação mundial, e o problema não atinge apenas os países subdesenvolvidos ou em desenvolvimento. Trata-se de um fenômeno que não é próprio apenas da modernidade, mas que atualmente tem sido foco de atenção por parte de toda a comunidade internacional, no sentido de identificar as causas e procurar soluções para a sua prevenção e erradicação, por ser uma questão importante na construção de uma sociedade mais digna, justa, solidária e igualitária.

Enquanto isso, por toda parte, crianças ainda são incentivadas a começarem a trabalhar desde muito cedo para ajudar no sustento da família. Diversos fatores influem nessa concepção em relação ao trabalho, não só os de natureza econômico-sociais, mas também culturais.

Estatísticas revelam números extremamente altos de ocorrência de trabalho infantil em todo o nosso país, ao passo que já são muitos os estudos científicos realizados na área da saúde que concluem ser o trabalho precoce altamente prejudicial ao desenvolvimento físico, psíquico e emocional das crianças.

Nessa peculiar fase da vida, para a criança e o adolescente nossa lei confere o direito fundamental de não trabalhar, reconhecido na Constituição da República e amparado pelo Princípio da Proteção Integral. Mesmo assim, o trabalho precoce permanece como uma realidade presa aos tentáculos da necessidade de busca pela sobrevivência.

Neste contexto, este estudo tem por objetivo a análise, em breves notas, das causas e conseqüências do trabalho infanto-juvenil proibido. Inicia por uma abordagem histórica e de estatísticas, passando pelo estudo da legislação, para, em seguida, relacionar as principais estratégias e mecanismos existentes, bem como as diversas ações, planos e programas até hoje desenvolvidos no intuito de prevenir, combater e erradicar a exploração da mão-de-obra de crianças e adolescentes até 14 anos de idade, especialmente em âmbito nacional.

Esclareça-se, por oportuno, que este estudo não engloba em seu objeto o trabalho artístico mirim, nem o trabalho realizado por contrato de aprendizagem ou o trabalho educativo, por não integrarem o enfoque que se pretendeu dar à pesquisa. Igualmente, não se tem a pretensão de esgotar o assunto, até porque ele tem inúmeras causas, inclusive regionais, e uma dimensão extremamente ampla. Busca-se, contudo, fazer uma reflexão sobre este importante fenômeno que atinge toda a sociedade e que é um desrespeito aos direitos humanos.


1 CONSIDERAÇÕES PRELIMINARES

O trabalho realizado por crianças e adolescentes, no Brasil, tem origem na época da colonização portuguesa, quando o trabalho dos filhos de escravos era visto com naturalidade. Ainda pequenas, as crianças desempenhavam tarefas domésticas leves, mas, a partir dos 14 anos, passavam a trabalhar como adultos.

Com a Lei do Ventre Livre, Lei nº 2.040, de 28 de setembro de 1871 [01], foram declarados de condição livre os filhos de mulheres escravas que nascessem no Império a partir daquela data. No entanto, eles deveriam ficar em poder e sob autoridade dos senhores de suas mães, que teriam obrigação de criá-los e tratá-los até completarem oito anos, quando, então, os senhores poderiam ou receber do Estado um ressarcimento pelas despesas havidas, de 600$000 (seiscentos mil réis), ou utilizarem seus serviços até a idade de 21 anos. Na primeira hipótese, as crianças eram entregues a associações autorizadas, às quais prestariam serviços gratuitos até completarem 21 anos de idade. De fato, portanto, a escravidão ainda perdurava durante os primeiros 21 anos de vida de qualquer pessoa nascida de mãe escrava.

Foi somente em 13 de maio de 1888 que a escravidão foi totalmente abolida no país, com o advento da Lei Áurea, Lei nº 3.353 [02]. Esta lei, embora tenha marcado o início de novos tempos, à época apenas trouxe a declaração formal de liberdade, pois os escravos, de modo geral, não tinham profissão nem terra para trabalharem. Na falta de políticas sociais de amparo aos libertos, teve aí, na verdade, a nascente da marginalização.

Pouco tempo depois, ainda no final do século XIX, quando já proclamada a República, o Brasil iniciou o seu processo de industrialização. Numa primeira fase, de cunho ideológico liberal, crianças e adolescentes, que representavam mão-de-obra barata e facilmente manipulável, eram inseridos em atividades industriais, como meio de afastá-las das ruas, dos problemas com o vício, com a delinqüência, enfim, da ociosidade que levava, entendia-se, ao mundo do crime.

Depois da Primeira Guerra Mundial, vieram para o Brasil os imigrantes europeus em busca de melhores condições de vida. Seus filhos, da mesma forma, iniciavam no trabalho fabril muito cedo. Eram pessoas pobres que não podiam dispensar a ajuda de seus filhos para o sustento da família.

Nessa época, a preocupação com a delinqüência oriunda da marginalidade ainda era muito grande. Via-se o trabalho precoce como justificativa para combater e evitar o ócio, "gerador da criminalidade". O número de trabalhadores jovens nas indústrias aumentava de forma alarmante, e era tolerado pela sociedade. Via-se, vez e outra, denúncias veiculadas pela imprensa contra a exploração do trabalho infantil. Contudo, pensava-se o trabalho como enobrecedor e formador de valores, idéia que sustentou, por longo tempo, a continuidade do trabalho naquelas condições. Tratava-se de trabalho penoso, em jornadas extremamente longas, sem um mínimo de proteção à saúde e à segurança dos pequenos trabalhadores.

A proteção do trabalho de crianças e adolescentes foi construída paulatinamente. Amauri Mascaro Nascimento [03] relata que as leis trabalhistas européias, editadas no curso da Revolução Industrial e em movimento crescente, tiveram forte influência sobre a doutrina jurídica brasileira, provocando, aqui, manifestações de cunho reivindicatório por parte de diversos juristas, destacando-se, dentre outros, Antônio Evaristo de Moraes, que lançou, em 1905, a obra intitulada "Apontamentos de Direito Operário", contendo informações e críticas, bem como denúncias sobre a exploração infantil.

As principais normas referentes ao trabalho de crianças e adolescentes podem ser assim esquematizadas, conforme apresentam Wilson Donizeti Liberati e Fábio Muller Dutra Dias [04]:

ANO

NORMA

1891

O Decreto 1.313 proibia o trabalho de crianças em máquinas em movimento e na faxina, bem como o trabalho noturno em certos serviços.

1917

Proibição do trabalho em fábricas para menores de 14 anos.

1931

O Decreto 17.943-A estabeleceu o Código de Menores, que proibia o trabalho de menores de 12 anos. [05]

1934

A Constituição proibiu o trabalho para menores de 14 anos, sendo permitido somente por decisão judicial.

1937

A Constituição tratou o trabalho infantil, destacando a condição de aprendiz para as crianças, ressaltando, assim, a assistência à infância e o ensino público.

1942

O Decreto-lei 1.048 cria o SENAI, voltado para as escolas de aprendizagem, para formação industrial.

1946

A Constituição desse ano copiou a de 1937, no que se refere ao trabalho infantil, ensino público e assistência à família.

1967

A Constituição tratou do ensino público obrigatório até 11 anos, mas diminuiu a idade do trabalho infantil de 14 para 12 anos.

1988

A Constituição voltou a aumentar a idade do trabalhador infantil para 14 anos e estabeleceu um novo paradigma na área da infância, o art. 227.

1998

Emenda Constitucional 20 alterou a idade do trabalho infantil de 14 para 16 anos.

Cumpre referir que o Código de Menores, segundo José Roberto Dantas Oliva [06], além da proibição do trabalho a menores de 12 anos, também vedava o trabalho noturno àqueles que não tivessem 18 anos completos, bem como o trabalho em praças públicas.

Impende salientar que de fundamental importância foram as convenções editadas pela Organização Internacional do Trabalho (OIT) a partir de 1919, ano de sua criação, das quais o Brasil ratificou as de números 6, 16, 124, 138 e 182, conforme Arnaldo Süssekind, in "Convenções da OIT e Outros Tratados". [07] Tanto as convenções como as recomendações inspiraram e ainda orientam legisladores, governantes e operadores do direito a buscarem soluções para os problemas que envolvem a exploração do trabalho infanto-juvenil, sua prevenção e erradicação.

Por fim, para concluir este breve relato sobre a evolução do trabalho infantil, destaca-se a Lei nº 8.069/90, que instituiu o Estatuto da Criança e do Adolescente e que trouxe importantes avanços para a proteção do trabalho realizado por crianças e jovens dentro e fora das indústrias, iluminado pelo princípio da proteção integral, expresso no artigo 227 da Constituição da República Federativa do Brasil de 1988.

1.2 Terminologia e Capacidade Laboral

No que diz respeito às normas do ordenamento jurídico brasileiro, o Código Civil, Lei nº 10.406/02, no artigo 5º, estabelece que a menoridade cessa aos 18 completos, quando, então, a pessoa passa a ter capacidade para a prática de todos os atos da vida civil, a menos que ocorra alguma das hipóteses previstas no parágrafo único do mesmo dispositivo, que se tem por exceção à regra geral. A lei civil considera, ainda, absolutamente incapaz o menor de 16 anos (art. 3º, I) e relativamente incapaz o maior de 16 e menor de 18 anos.

Já a Consolidação das Leis do Trabalho (CLT), aprovada pelo Decreto-Lei nº 5.452/43, considera "menor" o trabalhador que tem entre 14 e 18 anos [08], estando proibido qualquer trabalho aos que não tenham completado 16 anos, salvo na condição de aprendiz, a partir de 14 anos de idade [09].

Enquanto a Consolidação das Leis do Trabalho e o Código Civil denominam "menor" todos aqueles que não tenham plena capacidade [10], como assim foram designados pelo legislador no artigo 229 da Constituição da República, esta, ao mesmo tempo, utilizou os termos "criança" e "adolescente" ao dispor sobre a proteção que lhes é devida pela família, pela sociedade e pelo Estado, em consonância com o disposto no Estatuto da Criança e do Adolescente, Lei nº 8.069/90 [11].

Essa nomenclatura, "criança" e "adolescente", na opinião de José Roberto Dantas Oliva [12], parece a mais adequada. Nas palavras do autor, "não se pode olvidar que a designação ‘menor’ pode traduzir menoscabo à pessoa a quem é endereçada", muito embora "no aspecto técnico-jurídico seja corrente a designação ‘menor’ para identificar todos que tenham menos de 18 anos, ou seja, um gênero que abrangeria as espécies criança e adolescente" [13].

De qualquer sorte, para que se possa abordar este estudo no contexto proposto, há que se considerar como "trabalho infanto-juvenil proibido" todo aquele realizado por crianças e adolescentes com idade inferior a 16 anos, salvo na condição de aprendiz, a partir dos 14 anos de idade.

1.3 Estatísticas

Segundo a Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios (PNAD) feita pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatísticas (IBGE) em 2005, há 36.794.979 de crianças e adolescentes entre 5 e 14 anos de idade. Desse total, 2.169.672 somam os trabalhadores ocupados (5,9%): 305.280 entre 5 e 9 anos, e 1.864.392 entre 10 e 14 anos de idade [14].

A região nordeste concentra o maior índice de trabalho infantil, seguida das regiões norte, sudeste, sul e centro oeste, respectivamente. No nordeste, o trabalho infanto-juvenil ocorre mais em atividades agrícolas, e, nas demais regiões, em atividades não-agrícolas, sendo que, tanto numa quanto noutra, o trabalho executado por meninos é sempre em percentual superior ao de meninas.

Os trabalhos mais comuns em zona rural são nas lavouras de cana, algodão, sisal e fumo, na citricultura e horticultura e na produção de coco, como também em madeireiras, garimpos, carvoarias, salinas, pedreiras, cerâmicas etc. Nas áreas urbanas, crianças são encontradas trabalhando em lixões, no comércio de rua, na distribuição de jornais e revistas, como engraxates e, ainda, em atividades ilícitas, como o tráfico de drogas e a prostituição.

Outra preocupante tarefa realizada por crianças e adolescentes é o trabalho doméstico, ao qual não tem sido dada a devida atenção. De acordo com os dados da PNAD em 2005, dos 5.148.547 ocupados entre 10 e 17 anos, 422.181 trabalham em domicílio de terceiros, o que corresponde a 8,2%. Destes, a maioria é do sexo feminino e muitos são afrodescendentes.

Conforme informações do portal do Fundo das Nações Unidas para a Infância – UNICEF, "as crianças são especialmente vulneráveis a violações de direitos, à pobreza e à iniqüidade no País", estando o trabalho infanto-juvenil diretamente relacionado ao grau de escolaridade e à pobreza dos pais. [15]

E o pior: infelizmente, "de acordo com a OIT, cerca de 165 milhões de crianças entre 5 e 14 anos estão fora da escola em todo o mundo. No Brasil, estima-se que o número de crianças fora da escola devido ao trabalho infantil seja superior a dois milhões." [16]


2 NORMAS DE COMBATE AO TRABALHO INFANTO-JUVENIL PROIBIDO

O advento da Constituição da República em 1988 foi um marco jurídico de transição ao regime democrático, passando a dignidade do ser humano a fundamento do Estado de Direito (art. 1º, III). Significa dizer que a dignidade humana contida na Lei Maior como um dos pilares deste novo Estado, além de valor absoluto e insubstituível, é um princípio jurídico que precede aos demais e aos próprios direitos e garantias fundamentais, como imperativo de justiça social. Neste sentido é a doutrina de Ingo Wolfgang Sarlet:

o reconhecimento da condição normativa da dignidade, assumindo feição de princípio (e até mesmo como regra) constitucional fundamental, não afasta o seu papel como valor fundamental geral para toda a ordem jurídica (e não apenas para esta), mas, pelo contrário, outorga a este valor uma maior pretensão de eficácia e efetividade. [17]

Dentro da nova topografia constitucional instituída na Carta de 88, com os direitos e garantias fundamentais não mais dispersos no âmbito da ordem econômica e social como antes, mas elencados em título a eles próprios destinados, dessume-se que se projetam "por todo o universo constitucional" e servem "como critério interpretativo de todas as normas do ordenamento jurídico" [18]. Esta é, pois, a nova hermenêutica seguida pelos operadores do Direito.

Com relação ao trabalho, estando em estreita relação com a condição humana, como historicamente se verifica, foi ele da mesma forma alçado a objeto de proteção especial na Constituição cidadã, dispondo o artigo 1º, inciso IV, que o valor social do trabalho constitui-se num dos fundamentos do Estado Democrático de Direito. Mas não é só: a valorização e o primado do trabalho também são fundamentos das ordens econômica e social (artigo 170 e 193, CF).

Neste contexto, o legislador cumpriu uma importante tarefa de estabelecer, de forma inequívoca, o dever da família, da sociedade e do Estado de proteger os jovens cidadãos, crianças e adolescentes, de quaisquer espécies de exploração ou maus tratos, assegurando-lhes plenamente seus direitos. Eis o teor do dispositivo constitucional:

Art. 227. É dever da família, da sociedade e do Estado assegurar à criança e ao adolescente, com absoluta prioridade, o direito à vida, à saúde, à alimentação, à educação, ao lazer, à profissionalização, à cultura, à dignidade, ao respeito, à liberdade e à convivência familiar e comunitária, além de colocá-los a salvo de toda forma de negligência, discriminação, exploração, violência, crueldade e opressão.

No que tange ao trabalho infantil, o parágrafo 3º desse mesmo preceito legal, nos incisos I a III prescreve o seguinte:

Art. 227. (...)

§ 3º O direito a proteção especial abrangerá os seguintes aspectos:

I - idade mínima de quatorze anos [19] para admissão ao trabalho, observado o disposto no art. 7º, XXXIII;

II - garantia de direitos previdenciários e trabalhistas;

III - garantia de acesso do trabalhador adolescente à escola;

(...)

Ainda quanto aos direitos dos jovens trabalhadores, cumpre referir que lhes é assegurada proteção à infância no artigo 6º da Constituição da República, sendo proibido o trabalho noturno, perigoso ou insalubre para os menores de 18 anos e qualquer trabalho aos menores de 16, salvo na condição de aprendiz a partir de 14 anos de idade (art. 7º, XXXIII).

2.2 Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA)

O Estatuto da Criança e do Adolescente, Lei nº 8.069/90, elaborado sob o manto do princípio da proteção integral expresso em seu artigo 1º, reservou um capítulo específico para estabelecer regras quanto à profissionalização e à proteção no trabalho. Preceitua o artigo 61 que "A proteção ao trabalho dos adolescentes é regulada por legislação especial, sem prejuízo do disposto nesta Lei."

Estão compreendidas nos artigos 60 a 69 as regras que dispõem sobre a idade mínima para a admissão ao trabalho (entendida à luz do art. 7º, XXXIII, da CF), as linhas gerais da aprendizagem, da proteção ao portador de deficiência, do trabalho em regime familiar, as vedações a todo e qualquer trabalho que não leve em consideração a condição de pessoa em desenvolvimento, o trabalho noturno, perigoso, insalubre ou em locais prejudiciais à sua formação, dispondo, ainda, sobre o trabalho educativo.

Portanto, o Estatuto da Criança e do Adolescente, ao lado da Constituição da República, constitui importante arma na luta contra a prevenção e a erradicação do trabalho infanto-juvenil proibido.

2.3 Consolidação das Leis do Trabalho (CLT)

A Consolidação das Leis do Trabalho regula as relações jurídicas estabelecidas entre empregador e trabalhador, este considerado como a pessoa com idade mínima de 16 anos, ou a partir de 14 na condição de aprendiz. As regras de proteção ao trabalho de adolescentes acham-se dispostas nos artigos 402 a 441.

O trabalho realizado por crianças e adolescentes até 16 anos de idade, à exceção já referida, portanto, é considerado trabalho proibido pela legislação brasileira.

Essa proibição, contudo, tem caráter protetivo, ou seja, tem o intuito de evitar a contratação, tanto quanto possível, já que o fato de ocorrer a prestação de trabalho gera efeitos no mundo jurídico pela impossibilidade de devolução das partes ao status quo ante. À evidência, não há como devolver ao trabalhador a força de trabalho despendida. Por isso, havendo a prestação de serviços, o pequeno trabalhador fará jus a todos os direitos dela decorrentes, inclusive previdenciários, conforme remansosas doutrina e jurisprudência.

Salienta-se, por oportuno, o que diz Ari Pedro Lorenzetti [20]:

(...) não significa que o início da execução do contrato sane todos os vícios relativos à capacidade do trabalhador. Embora destinatário da norma protetiva, o fato de já estar em curso o contrato não lhe garante o direito de mantê-lo, mas apenas de obter a contraprestação referente ao trabalho já desenvolvido. Assim, ainda que a nulidade não prejudique o direito do obreiro, isso não significa que, pelo só fato de ter firmado o contrato, o menor adquira o direito de dar-lhe prosseguimento. Contudo, embora o contrato tenha sido firmado durante o período da menoridade, adquirindo, posteriormente, o trabalhador capacidade laboral plena, o vício inicial resta sanado, pelo trato sucessivo que marca a relação de emprego, já não havendo razão para pretender rescindir o contrato, por não mais haver óbice algum à sua manutenção.

Portanto, o trabalho realizado por crianças e adolescentes, ainda que proibido, deve ser compensado e, assim, todos os direitos a ele inerentes são devidos, a fim de proteger o trabalho infanto-juvenil e evitar o enriquecimento sem causa por parte do tomador dos serviços.

2.4 Convenções e Recomendações da Organização Internacional do Trabalho (OIT)

Desde a sua criação, em 1919, a Organização Internacional do Trabalho (OIT) tem aprovado diversas convenções e recomendações que se destinam à proteção do trabalho do menor. No entanto, "foi nos anos 90 que afloraram as discussões sobre a produção normativa da OIT para sua adaptação às novas realidades da globalização." [21]

Acerca do trabalho infantil, destaca-se a Convenção nº 138, promulgada em nosso país em fevereiro de 2002 (Decreto nº 4.134) e em vigência nacional desde 28 de junho desse mesmo ano, tendo como objetivo a erradicação do trabalho realizado por crianças e a fixação de medidas de proteção às atividades executadas por crianças e adolescentes. Veja-se o teor do artigo 1º:

Todo o País-Membro em que vigore esta Convenção, compromete-se a seguir uma política nacional que assegure a efetiva abolição do trabalho infantil e eleve, progressivamente, a idade mínima de admissão a emprego ou a trabalho a um nível adequado ao pleno desenvolvimento físico e mental do adolescente. [22]

Esse documento da OIT adota como critérios de fixação da idade mínima o desenvolvimento humano e a conclusão da escolaridade compulsória, como se pode ver na parte final do artigo 1º (acima) e no artigo 2º, parágrafo 3º. [23] Cabe ressaltar que, quanto à idade mínima prevista no referido parágrafo 3º, a Convenção abre uma exceção no artigo 4º, que diz:

Não obstante o disposto no parágrafo 3 deste artigo, o País-membro, cuja economia e condições do ensino não estiverem suficientemente desenvolvidas, poderá, após consulta às organizações de empregadores e de trabalhadores concernentes, se as houver, definir, inicialmente, uma idade mínima de quatorze anos.

Da mesma forma, abre a possibilidade para o trabalho de adolescentes entre 12 e 14 anos, desde que em serviços leves (artigo 7º, § 4º).

Importa salientar, também, que as convenções e recomendações da OIT consideram como criança, para efeitos de abrangência de seus dispositivos, toda a pessoa de 0 a 18 anos incompletos.

Outra importante Convenção da OIT, que complementa a Convenção nº 138 e está em vigor no Brasil desde 2 de fevereiro de 2001, é a de número 182, que proíbe as piores formas de trabalho infantil e estabelece sobre as ações necessárias para a sua eliminação, levando e conta a importância da educação básica, a reabilitação das crianças afetadas, a sua inserção social, atendidas as necessidades das respectivas famílias. A Convenção nº 182 reconhece

que o trabalho infantil é em grande parte causado pela pobreza e que a solução no longo prazo está no crescimento econômico sustentado conducente ao progresso social, em particular à mitigação da pobreza e à educação universal. [24]

As atividades que são mais lesivas e que atentam contra a dignidade das crianças, segundo a OIT, são as que abrangem a venda e tráfico de crianças, a servidão por dívidas, o trabalho forçado ou obrigatório, a prostituição infantil, o recrutamento ou oferta de crianças em atividades ilícitas, o trabalho prejudicial à saúde, à segurança e à moral (artigo 3º da Convenção nº 182).

As recomendações nºs 146 e 190 da OIT também merecem ser destacadas, pois reforçam a necessidade de implementação de medidas contra a exploração do trabalho infanto-juvenil.

No que diz respeito à proteção dos direitos do menor, ainda que não relacionada diretamente ao trabalho infantil proibido, é preciso fazer referência à Declaração dos Direitos da Criança adotada pela Assembléia Geral da Organização das Nações Unidas (ONU), pois trata-se de documento que serve de referência a todos os acordos cujo objetivo é tutelar os direitos e garantias de crianças e adolescentes. [25]

2.5 Princípio da Proteção Integral

Da abordagem feita até aqui, é possível concluir que a criança e o adolescente, com o passar do tempo, ganharam tratamento jurídico diverso, deixando de serem tratadas como "coisas" ou simplesmente como "elementos do processo produtivo" para merecerem a condição de cidadãos (sentido lato).

O ordenamento jurídico brasileiro, antecipando-se à Declaração dos Direitos da Criança de 1989, contemplou, no plano constitucional, o Princípio da Proteção Integral, expresso no artigo 227 da Constituição da República, e, posteriormente, no Estatuto da Criança e do Adolescente em 1990. [26]

Convém frisar que o termo "integral" não é despropositado. Ao contrário, o Princípio da Proteção Integral impõe à família, ao Estado e à sociedade o dever conjunto, e com prioridade, de cumprir com os objetivos lançados, quais sejam: assegurar às crianças e aos adolescentes uma vida digna, evidentemente com saúde, alimentação, educação, lazer, profissionalização, cultura e respeito, protegendo-os de qualquer discriminação, violência, exploração, negligência, crueldade e/ou opressão.

Nessa linha, tem a família o dever de garantir a integridade física, moral, psíquica e emocional do menor, bem como o seu sustento, até que ele alcance o desenvolvimento completo; a sociedade, o dever de facilitar a integração dos jovens no âmbito comunitário, respeitando sua individualidade e ajudando-os a desenvolver suas potencialidades; o Estado, o dever de elaborar e fazer cumprir, em seus três níveis (federal, estadual e municipal), leis e ações que protejam e proporcionem o necessário amparo aos menores, especialmente políticas públicas de inclusão social e educação.

Na seara trabalhista, esse princípio da proteção integral soma-se ao princípio da proteção específico do Direito do Trabalho, para reforçá-lo em todos os aspectos, compreendendo a proteção do direito à profissionalização, do direito a treinamentos para o trabalho com vistas à inclusão social do deficiente, garantia de acesso à escola, dentre outros, mas, principalmente, no que concerne ao âmbito de abordagem deste estudo, o combate e o repúdio ao trabalho do menor de 16 anos de idade.


3 PREVENÇÃO E ERRADICAÇÃO DO TRABALHO INFANTO-JUVENIL PROIBIDO

O trabalho infanto-juvenil proibido, considerado aquele realizado por crianças e adolescentes com idade inferior a 16 anos não sofre incentivo apenas de questões econômicas, mas também dos padrões culturais.

Como foi dito no item 1.1, historicamente sempre houve uma grande preocupação com a delinqüência e a criminalidade de crianças e adolescentes, e o trabalho assim foi tido como meio de ocupar as crianças e evitar a ociosidade. Por isso, e inclusive hoje, o trabalho infanto-juvenil é visto por muitas pessoas não só com naturalidade, mas até como uma necessidade. Muito se ouve dizer que os pequenos devem aprender desde cedo a ter responsabilidades e a valorizar o que têm (ou não!), sendo o trabalho o melhor instrumento.

Essa percepção social é comum não só na zona urbana, mas principalmente na zona rural, onde o menor é engajado especialmente na pequena produção agrícola familiar.

De todo modo, o fato de que o trabalho infantil prejudica a criança ainda não é entendido pela família e pela sociedade e, assim, o combate a ele não tem ocupado o merecido lugar de destaque. Trata-se de um dogma fortemente enraizado na cultura de muitos povos, inclusive em nosso país, e que torna a realidade se não invisível, no mínimo ofuscada, dificultando a adoção e a cobrança de políticas públicas eficazes.

De qualquer sorte, muitos estudos vêm surgindo no mundo científico, no sentido de comprovar que o trabalho infantil traz inúmeros prejuízos ao desenvolvimento dos pequenos trabalhadores: baixa escolaridade, evasão escolar, baixa qualificação profissional, problemas físicos em decorrência de esforço físico acima do limite suportável, bem como por contato com produtos químicos etc., sem falar em traumas psicológicos pela baixa auto-estima e pela necessidade de adquirir maturidade antes do tempo devido.

Na realidade, as crianças trabalhadoras perdem a infância e todos os benefícios que esta lhes poderia proporcionar, deixando de ser crianças quando nem adultos podem ser.

A criança que trabalha não só tira o lugar de um adulto, como também fica impedida de receber educação e profissionalização suficientes para ocupar um futuro posto de trabalho com salário digno.

Dentro dessas idéias é que surgiram, a partir da década de 90, com a promulgação do Estatuto da Criança e do Adolescente, mobilizações governamentais e não-governamentais para a prevenção e erradicação do trabalho infantil, como forma de combate à pobreza, de desenvolvimento da educação e de garantia dos direitos humanos, adquirindo status de questão social importante.

3.1 Estratégias e Mecanismos Institucionais de Prevenção e Erradicação do Trabalho Infantil [27]

Dentre as estratégias e mecanismos instituídos pelo Governo, destaca-se a criação, em 1990, de um conselho federal e, a partir daí os conselhos estaduais e municipais, para defender os direitos da criança e do adolescente.

O Conselho Nacional dos Direitos da Criança e do Adolescente (CONANDA) é de composição paritária, focaliza sua ação na implementação da política de atenção integral para a infância e a adolescência e tem por escopo: (i) elaborar normas gerais da política nacional para atendimento dos direitos da criança e do adolescente; (ii) apoiar os conselhos estaduais e municipais, órgãos estaduais e municipais e entidades não-governamentais, para dar eficácia às diretrizes estabelecidas pelo ECA; (iii) avaliar as políticas estaduais e municipais e a atuação dos conselhos estaduais e municipais; (iv) acompanhar as estruturas públicas e privadas destinadas ao atendimento das crianças e adolescentes, propondo, quando necessário, modificações; e (v) gerir o Fundo nacional para a criança e o adolescente, estabelecido pelo art. 6º do ECA.

No âmbito do trabalho, as principais diretrizes são: (i) a erradicação do trabalho infantil para os menores de 14 anos; (ii) a proteção do adolescente trabalhador; (iii) a promoção de ações de fiscalização; e (iv) o estímulo aos programas de geração de renda.

Os Conselhos Estaduais e Municipais dos Direitos da Criança e do Adolescente são autônomos, de composição paritária e têm por função principal: (i) deliberar e formular uma política de proteção integral da infância e da juventude; e (ii) articular os diversos órgãos públicos com a iniciativa privada, para instituir um sistema de proteção integral. O Conselho Tutelar atua na órbita municipal como órgão permanente e autônomo, não-jurisdicional, de natureza predominantemente operativa.

Destaca-se, ainda, a criação, em 1994, do Fórum Nacional de Prevenção e Erradicação do Trabalho Infantil (FNPETI), que constitui o mais amplo e importante espaço de discussão, especialmente por seu caráter democrático, e tem por principal objetivo discutir as ações sugeridas para prevenir e erradicar o trabalho infantil e para dar cumprimento à legislação nacional que proíbe o trabalho a menores de 16 anos de idade, como também intervir em áreas com concentrado número de crianças trabalhando em atividades que comprometam sua freqüência na escola. O Fórum viabiliza uma melhor articulação entre as diversas organizações governamentais e não-governamentais na atuação contra o trabalho infantil.

3.2 Ações, Planos e Programas [28]

3.2.1 Governamentais

Na área da educação, diversos programas estão sendo desenvolvidos pelo Governo Federal, dos quais cita-se os seguintes: "Toda Criança na Escola", "Educação Profissional Básica", "Manutenção e Desenvolvimento do Ensino Fundamental", "Alfabetização de Jovens e Adultos", "Aceleração da Aprendizagem", como também o "Plano de Valorização do Ensino Fundamental e do Magistério", este último visando melhorar a qualidade de ensino.

De outro lado, o Ministério da Saúde, por meio do Sistema Único de Saúde (SUS), vem buscando adotar medidas que alertam as famílias, a sociedade e os próprios jovens sobre a nocividade do trabalho precoce. Além disso, juntos, os Ministérios da Saúde, do Trabalho, da Educação e do Desporto e as agências governamentais de fomento à pesquisa (CNPq, CAPES, FINEP) firmaram um termo de compromisso técnico para apoiar projetos e pesquisa sobre o trabalho infantil, para, a partir desses estudos, tornar efetivas as ações de atenção à saúde das crianças e dos adolescentes trabalhadores.

No que diz respeito à assistência social, da mesma forma, vem sendo desenvolvidos programas direcionados ao combate ao trabalho infanto-juvenil proibido. São eles: o "Programa Brasil Criança Cidadã", que é composto pelo "Programa de Erradicação do Trabalho Infantil" (PETI), este com especial atenção ao trabalho em zonas rurais, e ao trabalho infantil executado em atividades perigosas, penosas, insalubres ou degradantes. O PETI é um programa de transferência direta de renda do Governo Federal para famílias de crianças e adolescentes envolvidos no trabalho precoce e está sob a responsabilidade do Ministério do Desenvolvimento Social e Combate à Fome.

Outra importante atuação do Governo Federal foi a instituição do "Bolsa Criança Cidadã", programa que busca criar condições materiais para que as famílias pobres possam prover suas necessidades básicas e permitir o ingresso ou o regresso das crianças e dos adolescentes trabalhadores à escola. Os requisitos exigidos são a freqüência regular ao ensino formal e às atividades socioeducativas oferecidas no período complementar, e o abandono da atividade laboral.

Nessa linha de combate ao trabalho infantil, cabe referir, ainda, o "Programa Nacional de Direitos Humanos" (PNDH), que é um conjunto de medidas para proteger a integridade física, o direito à liberdade e o direito à igualdade perante a lei, e que contempla iniciativas que fortalecem a atuação das organizações da sociedade civil para criar uma cultura de direitos humanos. Da mesma forma, não se pode deixar de citar o "Programa Comunidade Solidária" que foi criado como uma estratégia de combate à fome, à miséria e à exclusão social, sendo que as famílias são beneficiadas, ainda, pelo "Programa de Distribuição Emergencial de Alimentos", que também ataca os problemas de subsistência.

3.2.2 Não-Governamentais

Muitas das ações de combate ao trabalho infantil estão sendo, hoje, feitas em parceria com entidades da sociedade civil, dada a dimensão do problema e seus enormes desafios.

O "Conselho da Comunidade Solidária", por exemplo, está sendo viável em razão da parceria estabelecida entre o Ministério da Justiça, o CONANDA e o UNICEF. Ele procura identificar os pontos de resistência à implementação do ECA e a valorizar os Conselhos de Direitos da Criança e do Adolescente e os Conselhos Tutelares.

Outro importante programa é o chamado "Programa Empresa Amiga da Criança", desenvolvido pela Fundação Abrinq, criada em 1990 pela Associação Brasileira de Fabricantes de Brinquedos. Veja-se:

O Programa incentiva o investimento social privado em ações para a infância e adolescência e apóia as empresas na qualificação de suas ações, para que estejam em consonância com o Estatuto da Criança e do Adolescente.

(...)

Ao ser reconhecida como "Amiga da Criança", a empresa pode utilizar o selo em suas embalagens e demais materiais de divulgação - como site, papelaria, notas fiscais, adesivos, cardápios, etiquetas, luminosos, sacolas, malas diretas, banners e anúncios, entre outros. [29]

Vale ressaltar que a Fundação Abrinq lançou uma máxima aos empresários, no sentido de que se as empresas têm responsabilidade na exploração da mão-de-obra infantil, serão também co-responsáveis pela sua erradicação.

3.2.3 Em Nível Internacional

Não se poderia deixar de mencionar, também, que em nível internacional, 71 chefes de Estado e representantes de 80 países assumiram o compromisso, durante o Encontro Mundial de Cúpula pela Criança, realizado em 1990, na sede das Nações Unidas, assinando a "Declaração Mundial sobre a Sobrevivência, a Proteção e o Desenvolvimento da Criança", comprometendo-se a implementar a Convenção das Nações Unidas sobre os Direitos das Crianças. Consta nesse documento, no 20º item, o seguinte:

Concordamos em agir conjuntamente, em cooperação internacional - assim como em nossos respectivos países. Comprometemo-nos agora a cumprir um programa de dez pontos para a proteção da criança e para a melhoria de sua condição de vida:

(...)

(6) Trabalharemos por programas de redução do analfabetismo, e que garantam oportunidades educacionais para todas as crianças, independentemente de sua origem e sexo; que preparem a criança para o trabalho produtivo e para as oportunidades de aprendizagem para toda a vida, isto é, pela educação profissionalizante, e que permitam que a criança cresça até a idade adulta num contexto cultural e social propício e protetor. [30]

Sem a pretensão de esgotar a abordagem desses planos, programas e ações que vem sendo desenvolvidos em prol da erradicação do trabalho infanto-juvenil proibido, o que, de fato, trata-se de assunto que deve ser discutido cada vez mais pela comunidade internacional, e incentivados os acordos bilaterais ou multilaterais que visem o combate a esse mal que acomete o mundo, hoje globalizado, destaca-se, finalmente, o "Programa Internacional para Eliminação do Trabalho Infantil (IPEC)", vinculado à OIT e implantado no Brasil desde 1992. Segundo consta no portal da OIT, nos 10 primeiros anos de atuação do IPEC, mais de 800.000 crianças foram retiradas do trabalho, em função de uma mobilização social que envolveu Governos Municipais, Estaduais e Federal, demais Entidades do Poder Público, Organizações de Trabalhadores, Organizações de Empregadores, demais Entidades da Sociedade Civil Organizada, Movimentos Sociais e Organismos Internacionais. [31]

Por fim, impõe-se fazer referência à notícia publicada no dia 19 de junho do corrente ano, no portal da OIT, acerca do acordo interinstitucional firmado entre a Câmara dos Deputados e a Organização Internacional do Trabalho para o desenvolvimento de ações conjuntas destinadas à prevenção e eliminação do trabalho infantil. Segundo a Diretora do Escritório da OIT no Brasil, Laís Abramo, livrar o país do trabalho infantil significa "priorizar a educação e apoiar a implementação efetiva do Plano de Desenvolvimento da Educação, para que a educação das crianças e adolescentes seja de qualidade e em tempo integral". [32]


CONCLUSÃO

A exploração da mão-de-obra infanto-juvenil é fato. Tem raízes que se prolongam por todo o território do nosso país, muito embora mais arraigadas em algumas regiões, como aquelas onde se concentra o maior índice de miséria.

Famílias inteiras dependem do esforço conjunto de todos os seus membros. Não lhes sobra opção de escolha entre o "luxo" da educação e a necessidade de sobrevivência. Assim, crianças e adolescentes são levados a ingressar no mundo adulto do trabalho para ter um prato de comida, às vezes nem isso, sofrendo as conseqüências do labor penoso, degradante e, porque não dizer, cruel.

A realidade é esta e precisa ser enfrentada com muito empenho por toda a sociedade, se pretende um futuro digno para todos, distante da pobreza, da marginalidade, da discriminação, da criminalidade, enfim, uma vida diferente para as novas gerações que estão por vir.

Muito se tem feito nas últimas duas décadas, não se pode negar. Tem-se hoje uma Constituição que confere a todas as crianças e adolescentes status de cidadãos credores de proteção em caráter absoluto e prioritário. Trata-se de garantia amparada nos princípios da dignidade da pessoa humana, fundamento do Estado Democrático de Direito, e da proteção integral, e que iluminam e orientam a legislação ordinária, as decisões judiciais, os atos governamentais, de execução de políticas públicas, sociais e de fiscalização, dando o apoio necessário na luta em combate à prevenção e à erradicação desse mal que caminha junto com outras dificuldades por que passa, atualmente, o nosso país.

Não se pode deixar, também, de enaltecer o trabalho que vem sendo realizado pelo Ministério Público do Trabalho, que criou, no ano 2000, a Coordenadoria Nacional de Combate à Exploração da Criança e do Adolescente, e que tem o apoio e a parceria de instituições como a OIT, UNICEF, Ministério do Trabalho e Emprego, Ministério Público Federal, entre outros.

No entanto, é preciso haver, ainda, uma maior conscientização de toda a comunidade brasileira, no sentido de que o dever expresso no artigo 227 da Constituição da República é, realmente, um dever não só da família, mas também da sociedade e do Estado, ou seja, é preciso um esforço conjunto e irrestrito para que todas as crianças e adolescentes tenham condições de usufruir de uma infância e de uma adolescência dignas, com amplo acesso à educação, à saúde, ao lazer, à profissionalização, à cultura, ao respeito, à liberdade e à convivência familiar e comunitária.

Às crianças e aos jovens de hoje e de amanhã é preciso dar condições favoráveis ao seu completo desenvolvimento físico, moral, psicológico, intelectual e emocional, para que se alcance, tanto quanto possível, o ideal de justiça social, a paz e a felicidade tão almejados por todos. É louvável o esforço despendido até aqui, mas é preciso mais, muito mais!


REFERÊNCIAS

BARZOTTO, Luciane Cardoso. Direitos Humanos e Trabalhadores. Porto Alegre: Livraria do Advogado Editora. 2007.

CORRÊA, Lelio Bentes; VIDOTTI, Tárcio José (Coordenadores). Trabalho Infantil e Direitos Humanos. São Paulo: LTr. 2005.

LIBERATI, Wilson Donizeti; DIAS, Fábio Muller Dutra. Trabalho Infantil. São Paulo: Malheiros. 2006.

LIMA LOPES, José Reinaldo de; QUEIROZ, Rafael Mafei Rabelo; ACCA, Thiago dos Santos. Curso de História do Direito. São Paulo: Método. 2006.

LORENZETTI, Ari Pedro. As Nulidades no Direito do Trabalho. São Paulo: LTr. 2008.

NASCIMENTO, Amauri Mascaro; FERRARI, Irany; MARTINS FILHO, Ives Gandra da Silva. História do Trabalho, do Direito do Trabalho e da Justiça do Trabalho. São Paulo: LTr. 2002.

NASCIMENTO, Grasiele Augusta Ferreira. Regras Gerais de Proteção ao Trabalho da Criança e do Adolescente no Brasil. Revista da Justiça do Trabalho. Porto Alegre: HS Editora. Nº 223. Julho/2002.

OLIVA, José Roberto Dantas. O Princípio da Proteção Integral e o Trabalho da Criança e do Adolescente no Brasil. São Paulo: LTr. 2006.

PIOVESAN, Flávia. Direitos Humanos e o Direito Constitucional Internacional. São Paulo: Saraiva. 2007.

SARLET, Ingo Wolfgang. Dignidade da Pessoa Humana e Direitos Fundamentais. Porto Alegre: Livraria do Advogado Editora. 2008.

SÜSSEKIND, Arnaldo. Convenções da OIT e Outros Tratados. São Paulo: LTr. 2007.


Notas

  1. LIMA LOPES, José Reinaldo de; QUEIROZ, Rafael Mafei Rabelo; ACCA, Thiago dos Santos. Curso de História do Direito. São Paulo: Método. 2006. P. 387 et seq.
  2. Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/Leis/1851-1900/L3353.htm. Acesso: 1º/7/2008.
  3. NASCIMENTO, Amauri Mascaro; FERRARI, Irany; MARTINS FILHO, Ives Gandra da Silva. História do Trabalho, do Direito do Trabalho e da Justiça do Trabalho. São Paulo: LTr. 2002. P. 163 et seq.
  4. LIBERATI, Wilson Donizeti; DIAS, Fábio Muller Dutra. Trabalho Infantil. São Paulo: Malheiros. 2006. P. 25.
  5. O autor, em nota de rodapé, refere: "No entanto, esse Decreto ficou suspenso por dois anos, sob o fundamento de que tal código interferia no poder de decisão das famílias".
  6. OLIVA, José Roberto Dantas. O Princípio da Proteção Integral e o Trabalho da Criança e do Adolescente no Brasil. São Paulo: LTr. 2006. P. 66.
  7. SÜSSEKIND, Arnaldo. Convenções da OIT e Outros Tratados. São Paulo: LTr. 2007.
  8. Exceto o jogador de futebol, que, para contratar, até 21 anos depende do consentimento de seu representante legal, ou autorização judicial, conforme prevê a Lei nº 6.354/76, artigo 5º e parágrafo único.
  9. Vide artigos 402 e 404, da CLT, ambos com redação determinada pela Lei nº 10.097/00; e artigo 7º, XXXIII, da CRFB.
  10. Da mesma forma, a "Convenção sobre os Direitos da Criança", de 1989, no artigo 1º. Disponível em: http://www.unicef.pt/docs/pdf_publicacoes/convencao_direitos_crianca2004.pdf. Acesso: 3/7/2008.
  11. "Art. 2º. Considera-se criança, para os efeitos desta Lei, a pessoa até doze anos de idade incompletos, e adolescente aquela entre doze e dezoito anos de idade."
  12. OLIVA, José Roberto Dantas. O Princípio da Proteção Integral e o Trabalho da Criança e do Adolescente no Brasil. São Paulo: LTr. 2006. P. 81.
  13. OLIVA, José Roberto Dantas. O Princípio da Proteção Integral e o Trabalho da Criança e do Adolescente no Brasil. São Paulo: LTr. 2006. P. 83.
  14. Disponível em: http://www.fundabrinq.org.br/portal/alias__Abrinq/lang__pt/tabid__643/default.aspx. Acesso em: 5/7/2008.
  15. Disponível em: http://www.unicef.org/brazil/pt/activities.html Acesso em: 5/7/2008.
  16. Notícia veiculada na Rádio ONU em 12/6/2008. Disponível em: http://www.un.org/av/radio/portuguese/detail/6378.html. Acesso em: 7/7/2008.
  17. SARLET, Ingo Wolfgang. Dignidade da Pessoa Humana e Direitos Fundamentais. Porto Alegre: Livraria do Advogado Editora. 2008. P. 75.
  18. PIOVESAN, Flávia. Direitos Humanos e o Direito Constitucional Internacional. São Paulo: Saraiva. 2007. P. 35.
  19. Idade mínima fixada em 16 anos, conforme art. 7º, XXXIII, da Constituição da República, pela Emenda Constitucional nº 20/98.
  20. LORENZETTI, Ari Pedro. As Nulidades no Direito do Trabalho. São Paulo: LTr. 2008. P. 60.
  21. BARZOTO, Luciane Cardoso. Direitos Humanos e Trabalhadores. Porto Alegre: Livraria do Advogado Editora. 2007. P. 43.
  22. SÜSSEKIND, Arnaldo. Convenções da OIT e Outros Tratados. São Paulo: LTr. 2007. P. 223.
  23. "A idade mínima fixada nos termos do parágrafo 1 deste artigo não será inferior à idade de conclusão da escolaridade obrigatória ou, em qualquer hipótese, não inferior a quinze anos."
  24. SÜSSEKIND, Arnaldo. Convenções da OIT e Outros Tratados. São Paulo: LTr. 2007. P. 372.
  25. Disponível em: http://www.onu-brasil.org.br/doc_crianca.php. Acesso em: 7/7/2008.
  26. Este princípio, assim positivado, dispensa comentário sobre eventual carência de normatividade dos princípios, o que, aliás, já é tese superada.
  27. Disponível em: HTTP://www.planalto.gov.br/publi_04/COLECAO/TRABIN32.HTM. Acesso em: 8/7/2008.
  28. Disponível em: HTTP://www.planalto.gov.br/publi_04/COLECAO/TRABIN33.HTM. Acesso em: 8/7/2008.
  29. Disponível em: http://www.fundabrinq.org.br/portal/alias__abrinq/lang__en-US/tabID__112/DesktopDefault.aspx. Acesso em: 9/11/2008.
  30. Disponível em: http://www.dhnet.org.br/direitos/sip/onu/c_a/lex42.htm. Acesso em: 9/7/2008.
  31. Disponível em: http://www.oitbrasil.org.br/ipec/ipec/historico.php. Acesso em: 9/7/2008.
  32. Disponível em: http://www.oitbrasil.org.br/acordo_prev_elim_ti.php. Acesso em: 9/7/2008.

Autor

  • Gaysita Schaan Ribeiro

    Bacharel em Ciências Jurídicas e Sociais pela Universidade do Vale do Rio dos Sinos / UNISINOS (1992). Especialista em Direito do Trabalho e Direito Processual do Trabalho pela UNISINOS (2009). Pós-graduanda em Direito Imobiliário Aplicado pela Escola Paulista de Direito / EPD. Pós-graduanda em Direito Digital pela Fundação Escola Superior do Ministério Público do Rio Grande do Sul / FMP. Inscrita na OAB/RS sob n.º 31.724. Sócia de Schaan Advogados Associados S/S. Membro do Comitê Público da ANPPD®. Membro da Comissão Especial de Proteção de Dados e Privacidade da OAB/RS Subseção Canela/Gramado-RS. CV: http://lattes.cnpq.br/1823639803996519

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Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

RIBEIRO, Gaysita Schaan. O trabalho infanto-juvenil proibido: prevenção e erradicação. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 14, n. 2195, 5 jul. 2009. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/13093. Acesso em: 18 abr. 2024.