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A oposição e seu papel no cenário da representação política

A oposição e seu papel no cenário da representação política

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Subjacente ao direito de oposição, encontram-se a proteção aos direitos das minorias, a fiscalização dos detentores do poder político, a possibilidade de alternância no poder e o a garantia dos direitos fundamentais.

Introdução

Reveste-se de grande relevância e atualidade qualquer estudo que aborde a função, os limites de atuação, a eficácia e os instrumentos de tutela pertinentes à oposição política [01]. Pois o fato é que, subjacente à própria noção conceitual de direito de oposição, encontram-se a necessidade de se conferir efetiva proteção aos direitos das minorias, a imprescindibilidade de se exercer uma real fiscalização a incidir sobre os detentores do poder político (dada à máxima de Montesquieu no sentido de que todo aquele que dispõe de poder tem a tendência natural de dele abusar), a importância de se garantir a possibilidade de alternância no poder e, ainda, o imperativo absoluto de se garantir que o Estado respeite e preserve, de maneira plena e integral, os direitos fundamentais dos cidadãos.

Daí a plena importância de se estudar, nos diversos sistemas, a abrangência e a proteção conferidas ao direito de oposição, devendo-se ressaltar, ainda, que se é certo que a mera presença do fator opositório não basta, por si só, para conferir o atributo democrático a determinado regime, não é menos exato que a oposição é um elemento imprescindível (não obstante não seja exclusivo) na composição da fórmula democrática.

Deve-se destacar, ainda, que a consagração do direito de oposição política insere-se num contexto maior de reconhecimento de outros direitos, também eles revestidos de inquestionável fundamentalidade, e integrantes daquilo que se pode denominar de "estatuto constitucional da oposição", como o são os direitos à liberdade de opinião, à liberdade de associação e à livre manifestação do pensamento (valendo referir, neste ponto, que a livre manifestação do pensamento pressupõe, além da viabilidade da expressão de opiniões sem censura prévia ou sem represálias desproporcionais [02], a existência de canais adequados e propícios à livre circulação das ideias, pois, no conceito de liberdade de manifestação do pensamento, inclui-se, também, o direito de influenciar e de convencer os demais membros da sociedade a respeito de determinado assunto [03]).

É por essa razão – por conferir concreção e eficácia a outros direitos fundamentais – que o direito à oposição, também ele, qualifica-se pela nota da fundamentalidade, devendo ser tutelado e protegido contra investidas abusivas, que pretendam corroer ou tornar mais frágeis seus instrumentos de atuação.

Cite-se, neste ponto, o exemplo da Constituição Portuguesa, que, em seu artigo 114 (nº 2), fez constar, expressamente, o direito à oposição democrática, direito este, segundo Canotilho, "imediatamente decorrente da liberdade de opinião e da liberdade de associação partidária" [04].

Apesar de a Constituição Federal de 1988 não ter, na linha do que se verifica na Constituição da República Portuguesa, adotado um capítulo específico dedicado à oposição, inúmeras regras podem ser classificadas como pertinentes à proteção das minorias políticas e à defesa do direito fundamental de oposição. Inserem-se, portanto, em tal estatuto constitucional, normas que estabelecem a separação de poderes, que se referem ao bicameralismo [05], que exigem quorum qualificado para aprovação de determinadas espécies normativas [06], aumentando, portanto, a abrangência do campo de consenso exigido (leis complementares e, especialmente, emendas à Constituição) e, também, normas que conferem às minorias parlamentares o direito de instaurar investigações sobre fato específico e por prazo determinado (comissões parlamentares de inquérito) [07]. Qualquer ofensa a tais regras, portanto, traduzirá, por igual, uma inaceitável ofensa ao princípio democrático (CF, art. 1º, § único), que rege o Estado brasileiro, e uma intolerável lesão ao pluralismo político, erigido pela própria Carta Política como um dos fundamentos da República (art. 1º, V).

Feitas essas breves considerações sobre a importância de que se reveste o tema relativo ao direito de oposição, procede-se, agora, a uma breve análise da oposição e de seu papel no cenário da representação política.


1.A OPOSIÇÃO POLÍTICA E SEU PAPEL

, assim analisa a oposição, em relação aos possíveis sistemas de partidos [16]:

Em regime de partido único, não existe oposição externa (...). A verdadeira oposição, em sistema de partido único, encontra-se dentro do próprio partido, revestindo a forma de frações dissidentes, de tendências minoritárias, que criticam o governo com mais ou menos liberdade, nas reuniões do partido (...). De outro lado, o Partido Comunista Russo atual desenvolve um sistema de oposição interna assaz original, sob a forma de ‘autocrítica’: os membros e os dirigentes do partido, em todos os escalões, são, constantemente, convidados a fazer, eles próprios, a crítica dos seus atos e a perceber as suas próprias deficiências. Para falar a verdade, essa técnica relaciona-se mais com a confissão pública do que com a função de oposição; tem por fim não tanto encarnar uma resistência ao regime, quanto vence-la (...). Multipartidarismo e bipartidarismo engendram estruturas absolutamente diversas. O two parties system tende a fazer da oposição uma verdadeira instituição. À divisão das tarefas entre Governo e oposição corresponde uma distinção igualmente precisa dos órgãos entre partido majoritário e partido minoritário: a coincidência entre ambos resulta em uma real separação dos poderes, no sentido técnico dado pelos juristas a esses termos. Na Inglaterra, a atribuição ao chefe do partido minoritário de um ordenado pago pelo Estado e do título oficial de ‘líder da oposição ao Governo de Sua Majestade’ confere, realmente, à oposição, a qualidade de função pública. Em regime multipartidário, repugna-lhe essa forma institucional porque os seus limites relativamente ao Governo não são claros. Certos Governos apóiam-se em maiorias de reserva, voltando-se para a direita a fim de fazer adotar umas medidas, para a esquerda para que se aprovem outros projetos; toda distinção, então, se apaga entre Governo e oposição. Mesmo quando o primeiro se apóia em uma maioria mais claramente delimitada, esta não é tão nítida nem tão estável quanto em regime dualista; indivíduos ou pequenos grupos passam, alternativamente, para cada lado da linha de demarcação; não cessam de armar-se intrigas para modificar ou inverter as alianças. Enfim, a oposição é composta de elementos heterogêneos, muitas vezes até mais heterogêneos que os da maioria; é mais fácil entender-se contra uma política que a favor de uma política; é até possível juntar-se na oposição sem acordo verdadeiro algum, como acontece em casos de ‘conjunção de extremos’ [17]. Nenhum órgão verdadeiro assume mais, aqui, a função de oposição.

Em regime bipartidário, a oposição unificada vem a ser, entretanto, uma oposição moderada: as próprias condições da luta política, que implicam certa alternância entre os partidos, e a possibilidade para a oposição atual de assumir, sozinha, um dia, as responsabilidades do poder preservam-na de demagogia exagerada, que poderia virar-se contra ela; a orientação centrista do combate eleitoral funciona no mesmo sentido. Ao contrário, a oposição tende à demagogia natural, em regime multipartidário, por força de um mecanismo inverso: não tendo que recear ser encostados à parede, os partidos oposicionistas podem entregar-se a críticas e a promessas desmedidas. A própria direção da luta eleitoral, que leva a lutar contra a vizinha mais imediata, leva, por outro lado, a que haja laços cada vez maiores entre oposicionistas e um domínio dos extremos. Mas essa oposição violenta é uma oposição confusa. A diversidade dos partidos que a assume e as suas rivalidades recíprocas impedem a formação, ante a oposição pública, de opções nítidas que lhe permitam manifestar sua vontade. O fato de a linha de demarcação ser, às vezes, difícil de traçar entre a oposição e o Governo e a existência freqüente de duas oposições, situadas nos extremos, aumentam mais essa confusão. Ao contrário, em regime bipartidário, a oposição mantém-se clara, apesar de sua moderação; com isso quer-se dizer que a opinião pública pode compreender exatamente a diferença entre o ponto de vista do partido majoritário e do minoritário, e escolher com conhecimento de causa. Nos debates parlamentares, como nas campanhas eleitorais, enfrentam-se duas grandes soluções, simplificadas sem dúvida e esquematizadas, mas que permitem uma orientação nítida dos deputados e dos cidadãos. Essa clareza da oposição parece constituir um elemento essencial da sua eficácia, ao mesmo tempo em que da solidez do regime democrático.

Em regime multipartidário, a confusão aumenta pelo fato de que cumpre distinguir uma oposição externa, exercida pelos partidos minoritários, e uma oposição interna, entre os próprios partidos de maioria. As decisões governamentais resultam de um compromisso entre partidos associados no poder [18]; mas cada um deles reserva para si o direito de defender o seu ponto de vista próprio perante os militantes e de criticar, portanto, o compromisso governamental, atirando em cima dos aliados a responsabilidade das suas deficiências [19]; cada um dos associados governamentais faz oposição ao seu próprio governo (...) Por conseguinte, a oposição interna será tanto mais fácil e tanto mais eficaz quanto mais coerente e mais autenticamente revolucionária for a doutrina do partido..."

Afirma, ainda, Maurice Duverger, que não apenas o número de partidos exerce influência sobre a forma e o modo em que é exercido o direito de oposição. Este seria condicionado, também, pelas "alianças, dimensões e estruturas internas" dos partidos, de modo que "um partido que exprime uma só classe social, relativamente homogênea, pode tomar atitude mais franca e mais rigorosa que um partido que exprime várias classes de interesses divergentes ou uma classe heterogênea" [20].


2.a oposição e os regimes de governo

sobre que repousa toda a ordem constitucional, ‘acordo’ não estático, mas dinâmico e periodicamente agudizado pela necessidade de rever as ‘regras do jogo’ mantendo o grau de consensus que é inerente à própria necessidade de organização social. Quer num caso quer noutro, as garantias deste modo concedidas em favor da oposição política são ao mesmo tempo, verificada a sua intervenção, garantias da própria ordem constitucional".

A questão, no entanto, dos limites de atuação das atividades contestatórias não é de simples resolução, eis que, em algumas hipóteses, pode-se estar diante atividades extraconstitucionais, com objetivos explicitamente revolucionários, no sentido de substituição da ordem vigente por uma outra.

Nestes casos, a atividade opositória desloca seu fundamento para o requisito da legitimidade de suas aspirações e da própria natureza do regime que se pretende alterar (autocrático, ou não).

Para o Professor Manoel Gonçalves Ferreira Filho, "a discriminação entre o que é oposição e o que traduz contestação é delicada e nem sempre indisputável, sobretudo porque a contestação freqüentemente se disfarça sob a roupagem da oposição. A Democracia, todavia, tem de distingui-las. Uma, a oposição, é inerente a seu espírito e tem de ser protegida; a outra, a contestação, tem de ser reprimida para a própria sobrevivência da Democracia" [33].

O importante, pois, em tema de demarcação das atividades opositórias, é que a interpretação das cláusulas inerentes ao estatuto de oposição [34] seja sempre outorgada a um órgão independente, que não poderá, por óbvio, ser nem o Parlamento, que foi quem editou as próprias normas a terem seus limites fixados, nem o Executivo, que é o representante das maiorias e alvo das manifestações oposicionistas.

A interpretação das normas integrantes do estatuto de oposição deve, portanto, estar na esfera de competência do Poder Judiciário, órgão independente dos demais poderes, guardião do princípio democrático e do próprio documento fundante da ordem jurídica, que é a Constituição Federal.

Nem se alegue, aqui, que essa atribuição de competências teria o condão de gerar a "politização do judiciário", eis que, nestas hipóteses, estará o magistrado, unicamente, fixando balizas mínimas e velando pela preservação das regras do jogo democrático, não interferindo, portanto, no modo de atuação por que cada um dos atores optará dentro do cenário político [35].

Irretocável, sob tal aspecto, o magistério de Juan Linz, quando afirma que os regimes autocráticos "a par de limitarem a liberdade individual das minorias, por via de restrições legais bem definidas, cometem a tarefa da aplicação e interpretação dessas leis aos próprios legisladores – e não a órgãos independentes – assegurando um acentuado dirigismo na sua execução" [36].

Compete, pois, ao Poder Judiciário, o estabelecimento do sentido e do alcance das normas integrantes do estatuto de oposição, garantindo-se, de um lado, a plena eficácia dos instrumentos destinados a assegurar os resultados das atividades contestatórias, e preservando-se, de outro, as regras do jogo democrático, caso venham estas a ser colocadas em perigo por atividades extraconstitucionais ilegítimas [37].


3.SISTEMAS DE GOVERNO E OPOSIÇÃO

Neste ponto, pretende-se, ainda que de maneira superficial, analisar o comportamento da oposição nos sistemas parlamentaristas e presidencialistas, identificando, em cada um desses sistemas, os instrumentos, os modos de atuação e a real eficácia inerentes às atividades contestatórias.

Deve-se frisar, neste ponto, que a presente abordagem incidirá, unicamente, sobre as formas puras do sistema parlamentar (Inglaterra) e presidencial (Estados Unidos da América).

Não obstante, deve-se destacar as lições de José Manuel da Silva Leitão, no ponto em que analisa as diversidades de sistemas mistos que se pode verificar [38]:

"Note-se, por isso mesmo, que essas construções registram tantas especificidades quantos os povos que para elas contribuíram, o que, todavia, não invalida que, por cima das diferenças, se veja o essencial; e que, por outro lado, surgem hoje marcadas pelo facto de, depois da sua criação, terem passado por uma fase de expansão e transformação a até, em alguns casos, de desfiguração".

Conforme anteriormente enfatizado no início deste trabalho, o parlamentarismo caracteriza-se como um sistema de governo dualista [39], composto por um chefe de Estado (de poder meramente figurativo no Parlamentarismo Clássico, de modelo inglês) e um chefe de governo, que conta com um gabinete, e que depende da maioria parlamentar que lhe dá sustentação.

Trata-se de um sistema de equilíbrio de poderes, fundado na cooperação (já que o Executivo encontra-se vinculado à maioria parlamentar que lhe dá o necessário suporte) e apoiado na confiança e na responsabilidade política, eis que a permanência do gabinete é subordinada à continuidade da confiança por parte da maioria parlamentar.

Deve-se destacar, ainda, a plena adequação do sistema parlamentar a um regime de partidos fortes, notadamente ao two parties system, que é o que melhor se encaixa ao parlamentarismo, por permitir a homogeneidade do gabinete e por garantir a permanência do Gabinete no poder até o final da legislatura, conferindo-lhe estabilidade [40].

Não se está afirmando, no entanto, que o parlamentarismo é absolutamente incompatível com qualquer ambiente multipartidário. Ocorre, no entanto, que, nesta hipótese, corre-se o risco de a maioria parlamentar que confere sustentação ao gabinete ser frágil, eis que decorrente de coligações, o que pode conferir grande instabilidade ao governo, podendo-se alcançar, inclusive, o estágio da absoluta ingovernabilidade [41].

3.1.2 a oposição e o parlamentarismo

Não se pode ignorar que o ambiente parlamentarista, consoante anteriormente enfatizado, é aquele que se revela mais propício para o desenvolvimento de atividades oposicionistas, notadamente nas hipóteses de bipartidarismo.

É que o bipartidarismo confere um caráter bipolar ao jogo político [42], conferindo unidade e homogeneidade ao bloco de oposição, o que não ocorre num panorama multipartidário, em que a responsabilidade por um programa alternativo de governo permanecesse diluída nas coligações componentes da maioria parlamentar.

Deve-se destacar, ainda, que os meios de expressão e manifestação da oposição, em sede parlamentarista, são extremamente favorecidos pela existência de uma estrutura orgânica, como o shadow cabinet, verificado na Inglaterra e do qual se tratará mais adiante.

É baixa, contudo, a eficácia das atividades contestatórias no parlamentarismo, só produzindo resultados práticos se e quando tiver o condão de afetar, aterando-a, a maioria parlamentar que confere sustentação ao gabinete.

3.1.3 a estrutura da oposição no parlamentarismo – o shadow cabinet

Como anteriormente afirmado, a evolução do conceito de oposição acompanhou de perto a evolução e o amadurecimento do parlamentarismo britânico.

Nele, consolidou-se a ideia de responsabilidade que deve sempre nortear a atuação oposicionista, eis que, em face do princípio da alternância (ticket au retour) e tendo em vista o panorama bipartidário, incumbia aos membros da minoria parlamentar elaborar, de maneira consistente e viável, um plano alternativo de governo que pudesse ser imediatamente colocado em prática, caso houvesse uma inversão na relação maioria-minoria e a oposição se transformasse em governo [43].

Mais do que um programa, a elaboração de um plano político alternativo viável e consistente passou a exigir, das minorias, uma estrutura orgânica capaz de operacionalizar a atividade contestatória, através da repartição de competências e da fixação de regras de comportamento, à semelhança dos órgãos de que dispõe o poder governamental [44].

Como decorrência de todas essas exigências, a incidir sobre as minorias oposicionistas, criou-se e desenvolveu-se a estrutura do shadow cabinet, que objetiva fortalecer a atividade oposicionista, equipando-a com uma estrutura orgânica que lhe permite oferecer uma proposta de governo que efetivamente se contraponha às políticas implementadas pelo governo.

Na Inglaterra, a importância que é atribuída à proteção das minorias parlamentares fez com que o líder da oposição fosse contemplado com uma remuneração do erário, institucionalizando-se, portanto, a função contestatória no âmbito parlamentar.

Dentro do contexto do gabinete paralelo (cuja composição é formada de acordo com as regras internas do partido que, em cada momento, figura na oposição), o líder oposicionista passa a ser tido como um "primeiro-ministro virtual" ou "futuro primeiro-ministro", pois, na hipótese de a atividade oposicionista conseguir se refletir nas eleições parlamentares, invertendo-se a relação maioria-minoria, consolida-se a alternância (perfeita, eis que fundada no bipartidarismo), e a oposição passa a ser governo, passando, seu líder, a desempenhar a função de primeiro-ministro.

Em função da existência do gabinete paralelo, portanto, o bloco de oposição mantém-se coeso, contando com um suporte burocrático que lhe auxilia na formulação de políticas alternativas e contando, também, com um corpo técnico que garante o adequado preenchimento de quadros, caso a minoria passe a ser governo.

Para o eleitor, há, ainda, os benefícios da transparência, da clareza, responsabilidade, da segurança jurídica e da proteção da confiança, pois já se pode conhecer, de antemão, quais serão os nomes e os projetos de determinado partido minoritário, caso este venha a assumir o governo.

Tal como nos informa a Professora Mônica Herman Salem Caggiano, "o estilo de organização por intermédio da figura do ‘gabinete paralelo’ (...) é próprio da paisagem britânica, sendo acompanhado de perto em países como o Canadá, Nova Zelândia, Austrália e, até bem recentemente, a África do Sul" [45].

3.2 o presidencialismo

Da mesma maneira como o parlamentarismo tem sua origem e seu desenvolvimento atrelados às instituições inglesas, o presidencialismo tem como sua matriz a Constituição Norte-Americana de 1787 [46].

A principal característica do sistema presidencialista reside na total independência entre Executivo e Legislativo (ao contrário do que ocorre no parlamentarismo) e na existência, para os membros de ambos os poderes, de um mandato temporário a ser cumprido.

O presidencialismo apóia-se na unipessoalidade do poder executivo e, no sistema americano, na coincidência entre chefe de estado e chefe de governo.

Muito se adverte que o sistema presidencialista pode levar a situações de ingovernabilidade, dada a possibilidade de absoluta divergência entre Executivo e Legislativo. Outros críticos advertem que a personificação do poder político na figura do Presidente pode ser propícia a desvios, podendo, ainda, camuflar regimes autoritários ou totalitários.

No que se refere ao quadro partidário, o presidencialismo (ao contrário do que sucede no parlamentarismo, mais afeito ao bipartidarismo) se adapta, de maneira igual, tanto ao bipartidarismo quanto ao multipartidarismo, eis que a existência de mandatos previamente estabelecidos faz com que a estabilidade do governo independa da maioria parlamentar.

Já no que concerne à oposição, esta, também no presidencialismo, assume maior consistência e homogeneidade na perspectiva do bipartidarismo, que põe em evidência a responsabilidade inerente às propostas alternativas, possibilitando, assim, uma maior alternância dos titulares do poder político.


4.CONCLUSÃO

De todo o exposto, conclui-se que a proteção ao efetivo exercício do direito de oposição qualifica-se como uma das funções de um Estado Democrático, pois, sob a proteção que se confere ao estatuto jurídico de oposição, encontra-se, também, o respeito a outros direitos fundamentais, como o da livre manifestação do pensamento, o da liberdade de opinião, o da livre associação, além de outros direitos de natureza política titularizados pelas minorias.

Uma das dificuldades que se tem, no entanto, é saber o exato limite em que oposição e democracia coexistem, sem que uma possa se tornar o fator de erosão da outra.

Para arbitrar, em cada caso, os limites dentro dos quais podem ser desenvolvidas atividades contestatórias, há o Poder Judiciário, poder independente e titular da missão de salvaguardar, a um só tempo, o princípio democrático e a efetividade dos instrumentos de participação e fiscalização conferidos às minorias.

O direito de oposição tem sua origem e seu amadurecimento atrelado ao desenvolvimento do Parlamentarismo, sistema onde ganha maior vigor e homogeneidade dado o movimento pendular da alternância perfeita, fundada no bipartidarismo.

É o parlamentarismo, também, quem confere maior relevo institucional à oposição, que, nesse contexto, tem o dever de apresentar propostas responsáveis e viáveis e que, para tanto, conta com toda uma estrutura orgânica (shadow cabinet) destinada ao auxílio na formulação de políticas alternativas.

O presidencialismo, por sua vez, também convive bem com o fenômeno da oposição (notadamente se se tratar de um panorama bipartidário), valendo frisar, sempre, a necessidade de que as políticas de oposição sejam responsáveis e viáveis, e não demagógicas e meramente contestatórias, o que muitas vezes se verifica nos ambientes multipartidários, em que as políticas de coligações fazem com que a responsabilidade por determinada formulação permaneça difusa e indeterminada.


REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

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Notas

  1. Frise-se, neste ponto, que o conceito de oposição política não se confunde com o conceito de oposição parlamentar. Nesse sentido: GOMES CANOTILHO, Joaquim José, Direito Constitucional, 6ª ed., Coimbra: Almedina, 1996, p. 454/455.
  2. Diz-se represálias desproporcionais porque, como todos os demais direitos, também o direito à livre manifestação do pensamento não é absoluto, devendo ser restringido quando, após análise concreta do caso e ponderação dos valores envolvidos, mediante aplicação dos princípios da proporcionalidade (direito alemão) e da razoabilidade (direito americano), estiver sendo utilizado com o propósito de lesionar outros direitos também fundamentais. Exemplo disso são os discursos de ódio (hate speach).
  3. Nesse sentido: FISS, Owen, The Irony of Free Speech. Cambridge,. Harvard University Press, 1996.
  4. GOMES CANOTILHO, Joaquim José, opus cit., p. 454.
  5. Entendendo a separação de poderes e o bicameralismo como idéias fundadas no direito de oposição: DUVERGER, Maurice, Os Partidos Políticos, Rio de Janeiro: Zahar Editores, 1970, p. 446; SALEM CAGGIANO, Mônica Herman, Oposição na Política, São Paulo: 1995, Angelotti, p. 20/21.
  6. Sobre o tema, Cf o capitulo intitulado "Protección de la minoria a través de mayorías cualificadas", in LOEWENSTEIN, Karl, Teoría de la Constitución, 2ª ed., 4ª reimpressão, Barcelona: 1986, Ariel, p. 245/250
  7. Sobre o direito de investigar como elemento integrante do campo de atuação das minorias parlamentares e como fator componente do próprio direito de oposição, conferir brilhante voto proferido pelo Ministro Celso de Mello, no MS 24.831.
  8. SALEM CAGGIANO, Mônica Herman, opus cit., p. 14. A autora, neste ponto, enfatiza, no desenvolvimento da idéia de oposição, a importância do pensamento de Bolinbroke, que delineou o conceito de oposição patriótica.
  9. FINER, Samuel. Política de Adversários y Reforma Electoral, México: Fondo de Cultura Econômica, 1980.
  10. SALEM CAGGIANO, Mônica Herman, opus cit., p.16.
  11. MORAES, Alexandre de, Constituição do Brasil Interpretada e Legislação Constitucional, São Paulo: Atlas, 2002, p.165.
  12. GOMES CANOTILHO, Joaquim José., opus cit., p. 454/455.
  13. Canotilho, neste ponto, faz um contraponto com a idéia clássica de oposição britânica, onde o líder da oposição recebe, ao lado de um salário do erário público, o título de "Líder de Oposição ao Governo de Sua Majestade". Cf., a tal propósito, a obra clássica de A. S. Foord, His Majesty’s Opposition.
  14. Para J. M. Silva Leitão, "o estado de partidos (parteienstaat) é uma expressão geralmente aceite: ‘As mais importantes decisões não são tomadas em conseqüência do debate parlamentar, sequer das reuniões do gabinete ou de assembléias de massas, mas no conventículos dos dirigentes máximos dos partidos". SILVA LEITÃO, José Manuel, Constituição e Direito de Oposição, Coimbra: Almedina, 1987, p. 139/140. Cite-se, no entanto, o entendimento de Manoel Gonçalves Ferreira Filho, que, em sucessivos trabalhos, sustentou a "inviabilidade da democracia pelos partidos no Brasil". FERREIRA FILHO, Manoel Gonçalves, A Reconstrução da Democracia, São Paulo: 1979, Saraiva, p. 120/121 e Sete Vezes Democracia, São Paulo: 1977, Convívio, p. 52/53.
  15. Nesse sentido, as lições da Professora Mônica Caggiano, que se apóia, para tanto, em Maurice Duverger. SALEM CAGGIANO, Mônica Herman, opus cit., p. 19/21.
  16. DUVERGER, Maurice, opus cit., p. 447/449.
  17. A hipótese de conjunção de extremos a que alude Maurice Duverger, longe de configurar situação meramente teórica, pode ser constatada com freqüência em sistemas multipartidários. Um bom exemplo, no Brasil, foi o caso em que a Senadora Heloísa Helena (então sem partido, pois expulsa do PT), comemorava, juntamente com líderes da "direita", como Arthur Virgílio, a queda de medida provisória do Governo que reajustava, em 2004, e em nível abaixo do reivindicado, o valor do salário mínimo.
  18. A questão das políticas de coligações e da instabilidade governamental que ela acarreta foi bem percebida pela Professora Mônica Caggiano, que assim se manifestou sobre a questão: "A política de coligação, porém, encontra campo de expressão nos domínios da proporcionalidade, a ensejar a ‘representação-semelhança’, que, se de um lado, assegura a presença de numerosos e diversificados segmentos da comunidade junto à esfera de discussão e decisão dos negócios públicos, por outro, investe contra a estabilidade governamental, deflagrando um campo aberto à conflitualitá e, assim, ao estágio da ingovernabilidade. Alimentando uma esfera propícia a múltiplas, e não raras vezes, frágeis coligações, inaugura a fase do un gouvernement par probléme, rótulo que lhe é acoplado por Cotterret-Émeri". SALEM CAGGIANO, Mônica Herman, opus cit., p. 64.
  19. A verificação, nos sistemas multipartidários, de uma oposição interna, que decorreria da necessidade de o Governo apoiar-se em vários partidos coligados para fins de exercício legítimo do poder, tem sido muito constatada na gestão federal do Governo do PT, sendo freqüentes as notícias de que determinadas denúncias ou críticas partiram da própria base de apoio do Governo (o chamado "fogo amigo").
  20. DUVERGER, Maurice, opus cit., p. 449/450.
  21. SALEM CAGGIANO, Mônica Herman. opus cit., p. 34.
  22. FERREIRA FILHO, Manoel Gonçalves, Curso de Direito Constitucional, São Paulo: 1992, Saraiva, p. 65/66
  23. Tendentes a atender, em maior ou menor medida, os requisitos identificadores da Poliarquia de Robert Dahl.
  24. Cf., sobre o elemento do terror como integrante da noção conceitual de totalitarismo: ARENDT, Hannah. Los Orígenes Del Totalitarismo, Madrid: Taurus Ediciones, 1974.
  25. SALEM CAGGIANO, Mônica Herman, opus cit., p. 49.
  26. SCHMITT, Carl. O Conceito de Político, Petrópolis: Editora Vozes, 1992.
  27. Apud SILVA LEITÃO, João Manuel, Constituição e Direito de Oposição, Coimbra: 1987, Almedina, p. 220.
  28. Requisitos indicados por Dahl e acolhidos pela Professora Mônica Herman Caggiano.
  29. A tolerância repele a distinção amigo-inimigo de Schmitt e evita que se adote medidas extremas no campo da disputa pelo poder.
  30. SALEM CAGGIANO, Mônica Herman, opus cit., p. 57
  31. SILVA LEITÃO, José Manuel, opus cit., p. 198/199.
  32. Idem, p.67/68.
  33. FERREIRA FILHO, Manoel Gonçalves, A Democracia Possível, 2ª ed., São Paulo: 1974, Saraiva, p.67/68.
  34. Normas que delimitam o momento, o modo e os instrumentos de atuação da oposição. Para J. M. Silva Leitão, "Os princípios, regras e órgãos relativos à actividade de oposição política, na sua unidade, formam o estatuto do direito de oposição. Este consigna os direitos políticos capazes de assegurar o exercício da oposição política no quadro da ordem constitucional". SILVA LEITÃO, João Manuel, opus cit., p.135.
  35. Cf., sobre o tema: M. QUEIROZ, Cristina M., Os Actos Políticos no Estado de Direito – O Problema do Controle Jurídico do Poder, Coimbra: Almedina, 1990, p. 205/216, capítulo intitulado: "Estado de direito e justiça constitucional: judicialização da política ou politização da justiça?".
  36. LINZ, Juan. Totalitarian and Authoritarian Regimes, in Handbook of Political Sciense, v. 3, Addison-Wesley, 1965, p. 183
  37. Nesse sentido, deve-se destacar a classificação adotada pela Professora Mônica Caggiano, no que se refere à oposição: (1) quanto ao lócus de expressão: parlamentar ou extraparlamentar; (2) quando ao conteúdo: dissensão, limite ou alternância; (3) quanto ao regime operativo: organização ou função; (4) quanto aos objetivos visados: contestatória (constitucional ou extraconstitucional/anti-sistema) ou construtiva e (5) quanto ao grupo envolvido: fracionária. No caso citado no corpo do texto, estar-se-ia diante de uma oposição contestatória extraconstitucional ou anti-sistema. SALEM CAGGIANO, Mônica Herman, opus cit., p. 129/130.
  38. SILVA LEITÃO, José Manuel, opus cit., p. 200/201.
  39. Sobre a composição dualista do Executivo, irretocável a lição da Professora Mônica Caggiano, no sentido de que "Tal configuração se revela como fator benéfico no que tange às crises políticas. Essas não abalam o Executivo em toda a sua integridade. Atingem apenas uma de suas cabeças...".SALEM CAGGIANO, Mônica Herman, opus cit., p. 148.
  40. Nesse sentido: SALEM CAGGIANO, Mônica Herman. opus cit.,. p. 148.
  41. O regime do deux partis et demi, ou o bipartidarismo imperfeito, vigente na Alemanha, também se adapta bem ao parlamentarismo.
  42. Também chamado de política de adversários.
  43. Nas palavras de J. M Silva Leitão: "no sistema parlamentar, o embate decisivo localiza-se nas eleições legislativas: é esse o momento de transformação da oposição política em poder de governo". SILVA LEITÃO, José Manuel, opus cit., p. 205.
  44. Cf., sobre o shadow cabinet ou gabinete paralelo, SALEM CAGGIANO, Mônica Herman., opus cit., p. 119/128.
  45. SALEM CAGGIANO, Mônica Herman, opus cit., p. 125.

46. Cf., sobre o presidencialismo, SALEM CAGGIANO, Mônica Herman., opus cit., p. 157/164.


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Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

PINHEIRO, Maria Cláudia Bucchianeri. A oposição e seu papel no cenário da representação política. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 14, n. 2203, 13 jul. 2009. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/13145. Acesso em: 26 abr. 2024.