Este texto foi publicado no Jus no endereço https://jus.com.br/artigos/13236
Para ver outras publicações como esta, acesse https://jus.com.br

Controle penal e terrorismo

Controle penal e terrorismo

Publicado em . Elaborado em .

1.INTRODUÇÃO: Pressupostos epistemológicos PARA uma abordagem fenomenológica MULtIdisciplinar DO CONTROLE DO TERRORISMO

O séc. XXI desponta impulsionando o intérprete das leis à análise fenomenológica do Direito, a partir de sua interpretação sob o aspecto das estruturas sociais, culturais, políticas e econômicas nas quais se assenta o pensamento jurídico-normativo indo-europeu, de tradição romano-germânica. Esta opção exsurge necessária, na medida em que a ampliação de enfoque pode possibilitar ao estudioso um conhecimento integrado da realidade cambiante em que se insere o homem contemporâneo, em um momento histórico fortemente marcado pelas céleres transformações que o fenômeno da globalização tem impelido nas sociedades modernas, não mais tidas como compartimentos estáticos e imutáveis em seu funcionamento.

É o que afirma HALL (1999, p. 17), ao pontuar que "a sociedade não é, como os sociólogos pensaram muitas vezes, um todo unificado e bem delimitado, uma totalidade, produzindo-se através (sic) de mudanças evolucionárias a partir de si mesma, como o desenvolvimento de uma flor a partir de seu bulbo. Ela está constantemente sendo "descentrada" ou deslocada por forças fora de si mesma".

Urge, desta feita, a fixação dos pressupostos epistemológicos do presente estudo, centralizados, prima facie, na avaliação qualitativa do controle social conjugado na colaboração entre os Estados para a busca de mecanismos de resposta ao fenômeno do terrorismo, fortemente irradiado neste século que se inicia amparado na matiz globalizante.

Neste sentido, desenvolver-se-á o estudo em uma visão multidisciplinar, conjugando-se abordagens fomentadas pela Ciência Política, Sociologia e pelo Direito Penal, apreciadas sob a égide da análise crítica a que se propõe a Criminologia, numa amplitude de percepção que pretenderá reunir em si a profundidade de abrangência necessária para a compreensão e elaboração de propostas que se mostrem hábeis ao controle do terrorismo, ao mesmo tempo em que possam assegurar o respeito aos direitos individuais dos transgressores.

Por esta razão, o marco lógico do presente trabalho assentar-se-á, em um primeiro momento, na propositura dedutiva, partindo-se do conceito de sistema internacional, inserido em uma visão de mudança paradigmática suscitada pela globalização, em seus mais diferenciados topoi, para se alcançar, por via oblíqua, a percepção de uma base auto-organizatória de gerenciamento de conflitos definidos como expressão de terrorismo, passíveis de controle social mundialmente repartido, por meio da atuação do subsistema jurídico regional e internacional.

Isto posto, estará o segundo capítulo destinado à formatação da base explicativa em que se assenta o presente estudo, com sustentáculo na noção do que vem a ser o fenômeno globalização, bem como sua influência na consolidação de uma mudança paradigmática de enfoque do tema atinente à tutela de garantias fundamentais, ante à necessidade de desenvolvimento de mecanismo de controle social das condutas interpretadas como terroristas.

O terceiro capítulo enfrentará, por conseguinte, sob o prisma criminológico, a contraposição entre as teorias do crime até então tidas como prevalecentes no âmbito da dogmática jurídico-positiva, bem como uma proposta de releitura das mesmas, visando à conformação de novos marcos teóricos, ante à mudança e ruptura pelas quais o mundo moderno vem atravessando, findando o estudo, à guisa de considerações finais, com a percepção teórica oriunda da avaliação crítica ora propugnada.

Torna-se relevante, por oportuno, a transcendência epistemológica do modelo abstrato que se revela no mero recorte jurídico-positivo, para se empreender à construção de um pensamento dialético e multipolar, reunindo em si a interligação das áreas do pensamento, coesas, outrossim, no sentido de fornecerem ao operador da lei condições para o entendimento aos novos paradigmas representados pela contemporaneidade. GOMES, neste mesmo sentido, firma seu posicionamento na formação de "uma nova disciplina da ciência do Direito", que propicie tais ferramentas operacionais para o intérprete da lei (GOMES, 1998, p. 34).

Não é outro, por oportuno, o pensamento de LYRA FILHO, que na obra Pesquisa em QUE Direito? (1984) lança o questionamento sobre a necessidade de percepção do fenômeno jurídico a partir do campo complexual das relações sociais e políticas entre classes, grupos e Estados, no sentido de se vislumbrarem as contradições inerentes a tais disputas, principalmente em se tratando do acesso e da aplicação de Justiça, tomada, no âmbito do presente trabalho, a partir de uma acepção global de abrangência.


2.mudança paradigmática: globalização, direito relações internacionais e à luz de uma teoria sistêmica estrutural-funcionalista para o controle social de condutas terroristas

2.1. REVOLUÇÃO PARADIGMÁTICA DA CIÊNCIA PÓS-MODERNA: A COLABORAÇÃO DO PENSAMENTO DE THOMAS KUHN PARA AS TRANSFORMAÇÕES NOS MODELOS TEÓRICOS DA CIÊNCIA

Uma precisão terminológica curial para o desenvolvimento das conclusões firmadas neste trabalho não poderia prescindir da busca atinente ao conteúdo da expressão "mudança paradigmática", cuja utilização irradia-se para todos os ramos do conhecimento, carecendo, contudo, da exata compreensão de seu contendo, por ser ainda bastante reduzida nos meios acadêmicos.

FERREIRA (1980, p. 1255) entende por paradigma (do grego "paradeigma" = padrão) todo e qualquer modelo, padrão ou estalão, depreendendo-se, pois, a acepção semântica do termo revelado, que necessita, outrossim, da complementação que lhe dá esteio a óptica de seu maior o precursor, o físico Thomas S. Kuhn.

CAPRA (1982, p. 28) entende por transição paradigmática uma "mudança profunda no pensamento, percepção e valores que formam determinada visão da realidade", fazendo, para tanto, uma correlação entre os valores inspiradores, por exemplo, na Idade Média, no Iluminismo e na Revolução Industrial do séc. XVIII, em contraponto às modificações vivenciadas pelas sociedades hodiernas. Prenuncia, assim, o teórico, grandes e estruturais transformações no pensamento científico da contemporaneidade, ao afirmar que:

A transformação que estamos vivenciando agora poderá ser bem mais dramática do que qualquer das precedentes, porque o ritmo de mudança em nosso tempo é mais célere do que no passado, porque as mudanças são mais amplas, envolvendo o globo inteiro, e porque várias transições importantes estão coincidindo. As recorrências rítmicas e os padrões de ascensão e declínio que parecem dominar a evolução cultural humana conspiram, de algum modo, para atingir ao mesmo tempo seus respectivos pontos de inversão. O declínio do patriarcado, o final da era do combustível fóssil e a mudança de paradigma que ocorre no crepúsculo da cultura sensualista, tudo está contribuindo para o mesmo processo global. A crise atual, portanto, não pé apenas uma crise de indivíduos, governos ou instituições sociais; é uma transição de dimensões planetárias.

OUTHWAITE e BOTTOMORE (1996, p. 554) definem paradigma como "modelo, exemplar, ou padrão", interpretado à luz das transformações experimentadas pela Ciência, nas quais as teorias de fundo para a explicação fenomenológica são questionadas e superadas pelo devenir dos novos modelos a serem adotados como base ou fundamentação.

KUHN comunga a idéia de paradigma como um modelo ou padrão, relacionando-o a duas características essenciais, tomadas, de um lado, pela capacidade que um novo parâmetro explicativo apresenta em aglutinar em torno de si, "grupos duradouros de partidários", ao mesmo tempo em que o inovador padrão haveria de responder, com base nas idéias substitutivas, as aberturas outrora respondidas pelo antigos modelos, uma vez que: "O termo "paradigma" aparece nas primeiras páginas do livro e sua forma de aparecimento é intrinsecamente circular. Um paradigma é aquilo que os membros de uma comunidade partilham e, inversamente, uma comunidade científica consiste em homens que partilham um paradigma." (1970, p. 43)

Ressalvada a tautologia que poderia advir de tal definição [01], tem-se no paradigma uma unidade centralizadora de explicação teorética, partilhada pelos membros da comunidade científica, que passaria a ocupar o espaço deixado pela percepção científica substituída, a exemplo das revoluções perpetradas, dentre outras, pela proposta contida no Principia Mathematica (1687) de Isaac Newton, bem como na Física Relativista de Albert Einstein, ícones de modificação substancial na história da civilização.

Avalia-se, por outro lado, a construção de um paradigma sob o enfoque da montagem de uma trilogia que segue o dimensionamento atinente à, prima facie, determinação do fato que serve de base empírica, seguido pela harmonização deste mesmo com uma teoria que lhe assegure suporte lógico-explicativo, culminando, por fim, com a articulação da própria teoria, situações estas que despontam, segundo KUHN, em situações históricas bem específicas, próximas a um estado de revolução científica (1970, p. 55).

Transpondo a noção genérica acima esboçada para a etiologia da mudança paradigmática pertinente ao tema em discussão, extrai-se o rol de transformações apuradas em termos de sociedade internacional nos últimos vinte anos do séc. XX, principalmente a partir de um movimento irrestrito de interconexão fronteiriça, baseado na aproximação entre comunidades, nações e Estados - apanágio do fenômeno entendido como "globalização".

Segundo MIRANDA (2001, p. 233-234), tal mudança centraliza-se na redefinição de centros irradiadores de poder, fato este que "tem modificado os contornos espaço-temporais do mundo ao longo dos últimos 10 anos de pós-modernidade, marcada sensivelmente pela desagregação de antigas estruturas até então reinantes no cenário internacional, representadas, prima facie, pela dicotomia entre o poder econômico e beligerante, dividido entre as potências originárias dos blocos "capitalista" e "socialista"".

Os efeitos a serem observados em idos de globalização colocam em evidência a possibilidade de releitura e reestruturação dos valores de apreciação de uma nova realidade, pulsátil, dinâmica e instantânea, na qual as antigas teorias de base podem quedar ineficientes para o enfrentamento de temas e fenômenos cada vez mais presentes no cotidiano das sociedades, principalmente ao se delimitar o campo operacional do controle de condutas tidas como terroristas, foco a ser desenvolvido a seguir.

2.2. GLOBALIZAÇÃO: APANÁGIO DA MUDANÇA PARADIGMÁTICA

AGUIAR percebe na globalização "um fenômeno de aproximação entre grupos humanos que engendram relações produtivas, econômicas, financeiras e políticas, a partir de interesses complementares de dominação ou cooperação" (2000, p. 93), advertindo, pois, para a cautela de que se deve revestir a avaliação do fenômeno, na medida em que pode representar, de um lado, uma mera imposição de projetos hegemônicos, bem como, de outro, uma possibilidade de conscientização sobre os problemas que assolam os inúmeros componentes étnicos ao redor do globo.

A respeito do tema, GIDDENS entende estar o fenômeno relacionado:

"àqueles processos, atuantes numa escala global, que atravessam fronteiras nacionais, integrando e conectando comunidades e organizações em novas combinações de espaço-tempo, tornando o mundo, em realidade e em experiência, mais interconectado. A globalização implica um movimento de distanciamento da idéia sociológica clássica da "sociedade" como um sistema bem delimitado e sua substituição por uma perspectiva que se encontra na forma como a vida social está ordenada ao longo do tempo e do espaço". (1990, p. 64)

OUTHWAITE e BOTTOMORE (1996, p. 340) abordam a globalização como processo de unificação da população do mundo em "uma única sociedade", excluindo, contudo, desta contextualização um possível projeto de "estado-nação hegemônico", para substituí-lo pela noção de interação social mundializada.

DOWBOR desenvolve uma teoria explicativa para as tendências institucionais em idos de globalização, que passa pelo eixo central da tecnologia como fonte de avassalador potencial de irradiação mundial, seguida por um processo de exclusão social e fomentada pela polarização, cada vez mais acesa, entre ricos e pobres, num espaço de crescente urbanização, quando afirma que:

As tecnologias avançam rapidamente enquanto as instituições correspondentes avançam lentamente, e esta mistura é explosiva. A economia se globaliza enquanto os sistemas de governo permanecem sendo de âmbito nacional, gerando uma perda geral de governabilidade. A distância entre ricos e pobres aumenta dramaticamente, enquanto o planeta encolhe e a urbanização junta os pólos extremos da sociedade, levando a convívios contraditórios cada vez menos sustentáveis. (1997, p. 09)

SPOSATI (1997, p. 43) entende na globalização "um processo de reforço do mecanismo de elitização de um lado e de apartação de outro", na medida em que se reveste num mecanismo de "horizontalização de valores, perspectivas, ética", concomitante à lógica de apartação e exclusão social, fomentadas pela preponderância da dominação suscitada por determinados grupos que se alternam no poder.

HELD e McGREW desenvolvem uma proposta conceitual para esta realidade tão abrangente, ao pontuarem que:

Mas o conceito de globalização denota muito mais do que a ampliação de relações e atividades sociais atravessando regiões e fronteiras. É que ele sugere uma magnitude ou intensidade crescente de fluxos globais, de tal monta que Estados e sociedade ficam cada vez mais enredados em sistemas mundiais e redes de interação. Em conseqüência disso, ocorrências e fenômenos distantes podem passar a ter sérios impactos internos, enquanto os acontecimentos locais podem gerar repercussões globais de peso. Em outras palavras, a globalização representa uma mudança significativa no alcance espacial da ação e da organização sociais, que passa para uma escala inter-regional ou intercontinental. Isso não significa que, necessariamente, a ordem global suplante ou tenha precedência sobre as ordens locais, nacionais ou regionais da vida social. (...) Dito em termos simples, a globalização denota a escala crescente, a magnitude progressiva, a aceleração e o aprofundamento do impacto dos fluxos e padrões inter-regionais de interação social. Refere-se a uma mudança ou transformação na escala da organização social que liga comunidades distantes e amplia o alcance das relações de poder nas grandes regiões e continentes do mundo. (2000, p. 12-13)

Esta predileção de enfoque traz em seu bojo proposituras que podem se relacionar aos projetos inacabados da modernidade, promessas que, segundo Boaventura de Souza Santos na obra Pela mão de Alice. O social e o político na pós-modernidade (1999), não foram integralmente cumpridas em sede alcance do welfare state propalado como ícone de sustentação do discurso irradiador de um pensamento neo-liberal globalizante, derivando, daí, pois, problemas emergenciais, tais como desigualdades sociais, fome, desemprego e, in casu, fomento à eclosão de movimentos arrefecidos de contestação de modelos e estruturas.

O campo operacional representado pela globalização abarcaria, pois, uma tênue e superposta fronteira de segregação entre setores econômico, político, social e jurídico na pós-modernidade, onde a marca maior centralizar-se-ia no paradoxo entre a tendência não-intervencionista do Estado nacional, com a perda de sua autonomia e a centralização maciça, concomitantemente à revalorização do indivíduo, inserido num panorama de questionamento de identidade cultural exsurgida ante o localismo – a exemplo dos conflitos surgidos nos Balcãs, na Bósnia, na antiga Iugoslávia, dentre outros.

Adviria, pois, deste afrouxamento, o pilar da emancipação como princípio organizador de manifestações sociais, como bem aponta SANTOS (1999, p. 83), ao se referir ao paradigma pós-moderno de agravamento da injustiça social, materializado na concentração de riqueza, bem como na exclusão social que, tomadas em larga escala, propagam-se em âmbito mundial, pari passu, pois, com a globalização.

O Estado, neste plano, insertar-se-ia numa dialética de maximização e minimização de atuação, no qual o intervencionismo, caraterística do Estado-Providência, vem sendo substituído por uma expressão bicéfala, ora atuante, ora ausente nas relações com os grupos formadores das comunidades, a exemplo do intervencionismo mínimo de mercado, acompanhado, pari passu, pela expressão da intervenção máxima na criminalidade, interpretada como defraudada "guerra" pelo estabelecimento da lei e da ordem.

Este modelo contraditório, em termos de alcance, encontra na busca de primados éticos os limites de sua atuação, uma vez que quedam silentes as teorias quanto à solução dos seguintes problemas: existiria uma lógica universal, a ser tratada como paradigma valorativo e passível de ser irradiada em sede de globalização? Em caso afirmativo, é possível promover a homogeneização de estruturas – políticas, sociais e jurídicas, ante à diversidade cultural firmada e revelada pelo mesmo fenômeno? E, mais além, em sendo possível a confirmação de tal assertiva, quais seriam os novos parâmetros, e os agentes responsáveis pela dicção de tais valores?

Respondendo a tais indagações, HALL evidencia três possíveis tendências acerca dos efeitos proporcionados pela globalização em face das denominadas identidades culturais, com base nas propostas de: desintegração de identidades nacionais, como resultado direto de uma homogeneização cultural; reforço daquelas mesmas identidades, bem como das identidades locais e, contrario senso, declínio de identidades nacionais, para o apogeu de novas estruturas interpretadas como híbridas, que assumiriam o locus outrora ocupado pelas prevalecentes (1999, p. 69).

Entendendo como prováveis tais hipóteses, o presente estudo particularizar-se-á na percepção do fomento às identidades culturais, apanágio dos movimentos nacionalistas verificados nos últimos vinte anos do séc. XX, por representarem, em termos qualitativos, a expressão do foco no qual se esteia o raciocínio atinente ao controle do terrorismo. Para tanto, será efetuada uma diagramação acerca da concatenação do Direito como um sub-sistema estrutural-funcionalista de articulação, donde se haurem, em consonância com a proposta do trabalho, mecanismos de compreensão, abrangência, planos e estratégias para o controle das denominadas condutas terroristas.

2.3. NOÇÃO DE SISTEMA E SISTEMA INTERNACIONAL COMO ORGANISMO AUTO-REGULATÓRIO

A expressão "sistema" encerra em si uma diversidade lexical que permite ao intérprete a delimitação de abrangência, de acordo com a óptica de contextualização que se encontra em enfoque. Assim sendo, para FERREIRA, um sistema tanto pode ser um "conjunto de elementos, materiais ou ideais, entre os quais se possa encontrar ou definir alguma relação," como, também, a "disposição das partes ou dos elementos de um todo, coordenados entre si, e que funcionam como estrutura organizada" (1980, p. 1572).

Transpondo para uma perspectiva sociológica do conceito, OUTHWAITE e BOTTOMORE (1996, p. 692) entendem por sistemas "complexos de elementos e relações, separados por fronteiras dos seus respectivos meios ambientes", caracterizados pela coordenação de ações e interações entre os componentes de uma estrutura funcionalmente integrada em termos de manutenção.

No âmbito de abordagem de uma teoria sistêmica, carreia-se na obra de PARSONS a análise do determinado "sistema geral de ação", constituído por quatro subsistemas conjugados em uma atividade de funcionalidade e coordenação. Para o autor, uma teoria geral compreenderia a percepção da estrutura genérica, interpretada a partir de subestruturas concretizadas nos sistemas sociais, culturais, de personalidade e de organismos comportamentais (1974, p. 16) que, acrescidos ao subsistema ambiental, formam uma compreensão global para a análise de fenômenos integrados em nível coletivo e internacional.

Desta feita, todo e qualquer sistema genérico pressuporia a integração de subsistemas com seus próprios campos, articulando-se, outrossim, com os demais subsistemas componentes de uma realidade complexa, a exemplo das relações sociais encetadas no plano subsistêmico social, ou, ainda, das produções simbólicas e lingüísticas perpetradas pelos sistemas culturais, manifestados, lato senso, nos diversos códigos de valores, normas e linguagem – donde se haure, por exemplo, a codificação jurídico-positiva.

Para o autor em comento, os sistemas sociais são fundamentalmente firmados por estados e processos de interação social entre unidades de ação (valor, norma, coletividades, papéis, dentre outros), coexistentes em toda e qualquer coletividade organizada, conjugando-se, desta feita, tais ramos como componentes da realidade superposta – in casu – da própria sociedade, considerada em seu todo.

Os valores, neste diapasão, seriam responsáveis pela manutenção de um padrão, a partir de tipos e condutas entendidas como repartidas e desejáveis em termos sociais, garantidas e asseguradas por normas, elementos-chave de integração do sistema, na medida em que apontam modos específicos da orientação de coletividades na consecução de objetivos, diferenciados de acordo com o status dos participantes.

Em um primeiro momento, ter-se-ia na sociedade um primeiro "tipo de sistema social caracterizado pelo nível mais elevado de auto-suficiência com relação a seu ambiente, onde se incluem outros sistemas sociais" (PARSONS, 1974, p. 19), e constante troca com o meio, possibilitando, assim, uma auto-suficiência adaptativa, assegurada por esta concomitância de papéis atribuídos aos distintos sub-sistemas.

Neste diapasão, legitimar-se-ia a existência do Estado [02], aglutinador do monopólio da dicção jurídico-positiva, extraindo-se a ratio essendi do mesmo como elemento componente de um subsistema político, na medida em que representaria um salto qualitativo na consolidação sistêmica imediatamente superposta à noção de sociedade, prius em relação à organização estatal.

Deflui, per via de consequentiam, o subsistema normativo representado pelo Direito, como instrumento coercitivo, assecuratório da administração de relações intersubjetivas e sociais, engendrado no sentido de impelir a coesão necessária à convivência harmônica entre membros historicamente definidos em sociedades, haurindo-se, deste modo, a autonomia deste ramo do conhecimento humano.

Outra reflexão importante promana de MORIN, que percebe na expressão sistema uma "unidade complexa", materializada na combinação de elementos diferentes, que se encontram em interdependência ou até mesmo em interação, identificadas, assim, como um fenômeno global uno de coordenação, no qual se admite, para fins de coerência interna de funcionamento do todo, a existência de antagonismos, conforme aponta (1998, p. 78):

"Ao antagonismo de forças que toda a inter-relação supõe vêm juntar-se e sobrepor-se antagonismos (latentes ou manifestos, virtuais ou actualizados) produzidos pela organização sistêmica. O sistema, estabelecendo a integração das partes no todo através (sic) de múltiplas complementariedades (das partes entre si, do todo com as partes), instaura constrangimentos, inibições, repressões, e também a dominação do todo sobre as partes, do organizante sobre o organizado: estas coacções e dominações subjugam, potencializam, forças e propriedades que, se devessem exprimir-se, seriam antagonistas a outras partes, às inter-relações, à organização, ao conjunto do sistema. Há, pois, um antagonismo latente entre o que é actualizado e o que é virtualizado. O que, nos sistemas estritamente físico-químicos, é actualizado, é complementar, associativo, organização, e o que é virtualizado é desorganizador e desintegrador. Assim, podemos enunciar o seguinte princípio sistêmico: a unidade complexa do sistema cria e ao mesmo tempo repele um antagonismo."

Propalando o conceito de auto-eco-organização, o autor acima sustenta a existência de um sistema conquanto este esteja aberto e suscetível à incessante e renovadora capacidade de reorganização, a fim de que ao estado entrópico possa encontrar guarida para a realização de trabalho hábil a sustentar o funcionamento da estrutura de manutenção, na qual o equilíbrio denunciaria o fim da vida do sistema [03].

O afã de construção de uma teoria sistêmica levou dois cientistas chilenos a desenvolverem, na década de 70, o conceito de autopoiese como conditio sine qua non à perpetuação da vida de um organismo. Em Maquinas y seres vivos (1973), MATURANA e VARELA propõem a estruturação dos organismos com base em uma idéia de organização enclausurada, fechada, que produz e reproduz seus elementos de manutenção, mormente em se considerando a superveniência de fatos imprevisíveis ao funcionalismo regular do organismo.

A tônica da autopoiese (autós: por si só + poiesis: produção) estaria na capacidade de um sistema se voltar para si mesmo, na medida em que seja necessário se municiar de condições de sobrevivência, ante às vicissitudes do meio ambiente em que se insere o organismo, uma vez que o sistema fechado, ao produzir matéria-prima, estaria criando material próprio de sustentação e perpetuação de vida, não se encontrando, pois, em estado total de dependência em relação a seu meio.

Nos idos dos anos 80, o sociólogo alemão Niklas Luhman realiza a transposição desta perspectiva para as ciências sociais, principalmente a partir da obra Die Wirtschaft er Gesellchaft als autopoietischer Klärungsversuch (1984), na qual aborda a percepção de autonomia entre sub-sistemas componentes de uma estrutura complexual integrada, sob a égide da auto-referência e da comunicabilidade entre estas subestruturas.

O Direito, nesta óptica, relacionar-se-ia a um sub-sistema autônomo, decodificador da linguagem dos demais – sociais, políticos, econômicos, culturais lato senso – erigindo-se, desta feita, na percepção de enclausuramento organizatório, concatenado em sede da auto-referência que este âmbito do conhecimento traz para seu campo operacional, ao operar conforme seu próprio código ordenatório, concomitante, contudo, aos demais subsistemas componentes da sociedade.

Assim sendo, delimitada a formação de sociedades a partir da conjugação entre subsistemas integrados e coexistentes, erige-se um sistema social definido em uma entidade jurídica e politicamente caracterizada por Estado que, por seu turno, aglutina-se em torno de um outro eixo de operatividade, representado pelo espaço de abrangência de um sistema internacional, na medida em que diferentes Estados encontram-se incessantemente a realizar interações no cenário as relações internacionais.

Parte-se, pois, de um segundo corte epistemológico, sustentando-se o presente estudo na teoria realista de compreensão das relações internacionais a partir de uma base conflitual entre Estados, por se entender mais adequada à compreensão dos antagonismos que permeiam as interações entre tais entes políticos, de modo a evidenciar o pressuposto da análise em comento, na qual o terrorismo se insere como realidade inafastável de resolução conflitual de divergências políticas e ideológicas.

Em consonância com o modelo auto-organizatório de antagonismos, opta-se por uma teoria conflitual, na medida em que uma tese de consensualismo, apresentar-se-ia dissonante da observação fenomenológica, na medida em que entende as relações sociais sob a égide de convivência pacífica entre Estados, na qual a entropia do sistema se reduz a zero.

No que pertine à tese de entropia zero levantada pelo consensualismo, salienta-se o pensamento esposado por DAHRENDORF, pautado na construção de postulados de sustentação de uma efetividade criadora que o conflito para o desenvolvimento societário, de modo a se romper com um abstrato equilíbrio social, de difícil assimilação e constatação práticas, como observa, ao pontuar que:

Enquanto a teoria do conflito social, aqui intentada, parte de um ponto de vista totalmente diverso, pressupondo a efetividade criadora, constante, dos conflitos sociais, as análises e prognósticos derivados da mesma, terão que demonstrar a fertilidade da orientação. Em geral, só se pode afirmar que é menos difícil descobrir e compreender os conflitos, se se entendem as sociedades humanas, admitindo as teses de historicidade, explosividade, disfuncionalidade e coatividade: sobre semelhante base apresenta o conflito, como um fator necessário em todos os processo de mudança. Além do mais, esta orientação exclui o pensamento utópico de um sistema social equilibrado, estável e em perfeito funcionamento, da ‘sociedade sem classe’, do paraíso na terra, e está assim mais próxima, tanto da realidade social quanto também (no campo da teoria política) da idéia da liberdade que é a teoria do consenso. Por estas razões, mesmo antes de comprová-la experimentalmente, parece mais lógico supor na teoria coativa da sociedade o fundo apropriado para a teoria do conflito social. (1981, p. 142)

A perspectiva conflitual de cenário internacional centraliza-se na assertiva de existência de interesses antagônicos aglutinados em torno do exercício de poder que determinados grupos sociais exercem sobre os outros, tanto por meio do monopólio da construção de estruturas valorativas e culturais – donde se retira a dicção jurídico-normativa, por exemplo, como pela coerção exercida por determinado grupo sobre outro, em dado momento histórico definido.

O pilar de sustentação do raciocínio da teoria do conflito sustenta-se em uma constatação prática da evolução do homem em sociedade, uma vez que os anais da história não registram momentos de estados entrópicos zero, consoante afirma BIELES, que expõe o tema com singularidade:

Existe también un Modelo Conflictivo de sociedade, postulado por un grupo de teorías, el cual entiende que en toda ‘sociedad moderna’, se enfrentam constantemente grupos com intereses antagónicos, en una pugna por el ejercício del poder, y la estructura social se mantiene en base a la coerción que ejercen unos sobre otros. Por tanto, el sustento de una determinada forma de sociedade, está dada por la fuerza para imponer un núcleo de interés; un predominio de los hechos de un cuerpo de hombres sobre otros hombres, que por esos motivos, se encuentran siempre en conflicto. (2002, p. 6)

A partir deste sentido, enfrentar-se-á a percepção do cenário internacional a partir de uma teoria de relações internacionais baseada no conjunto sistemático e coerente de proposições que objetivam o esclarecimento da esfera das relações sociais entre Estados, comunidades e organismos internacionais, perpetrada no sentido de vislumbrar a etiologia, as estruturas, a evolução e os fatores determinantes das relações entre Estados diferenciados em termos de interações econômicas, sociais, técnicas e culturais entre as sociedades historicamente consideradas.

2.4. TERRORISMO: DIFICULDADES DE DEMARCAÇÃO DO CAMPO OPERACIONAL E ANTECEDENTES HISTÓRICOS DE ABORDAGEM

O predomínio do fator conflito leva à abordagem atinente ao terrorismo, cuja acepção da palavra surge duvidosa, conforme aponta MERTENS: "Il est apparu extrêmement difficile sinon impossible d’aboutir à une définition tant soit peu precise du terrorisme. La notion tend à devenir de plus en plus complexe." (1974, p. 28)

MALLIN, por oportuno, avalia esta mesma dificuldade em delimitar o campo de operatividade do que vem a ser considerada uma conduta terrorista, ao pontuar que: "mainly this is due to the fact that there is no precise understanding of what the term terrorism encompasses." (1978, p. 99)

DAVID (197-], p. 24) sustenta ser o ato terrorista a conduta direcionada com violência, com o fito político, ideológico ou social, capaz de infundir o terror na coletividade em que é perpetrado, evidenciando-se, desta feita, seu predominante caráter político.

O mestre FRAGOSO esteia seu posicionamento na assertiva de que:

Não existe uma específica figura de delito denominada "terrorismo". Essa designação se aplica a diversas espécies de crimes, que se caracterizam (a) por causar dano considerável a pessoas e coisas; (b) pela criação real ou potencial de terror ou intimidação generalizada, e (c) pela finalidade político-social. Dano considerável resulta estragos e destruição, em geral decorrente do emprego de violência contra pessoas e coisas; o terror e a intimidação resultam do emprego de meios capazes de causar perigo comum (fogo, explosivos, emprego de gases tóxicos) ou que conduzam à difusão de enfermidades (microorganismos). O terror e a intimidação também sugerem com a indiscriminação do atentado individual. (1981, p. 12)

Trata-se, pois, de um fenômeno multifacetado, voltado contra a ordem vigente, no sentido de questionar, destruir, mudar ou, ainda, manter determinada situação, por meio da utilização de violência contra os mais diferenciados bens jurídicos penalmente tutelados, tais como vida, liberdade, propriedade, segurança comum, tranqüilidade pública, ordem constitucional ou administração pública.

AURÉLIO define terrorismo como " modo de coagir, ameaçar ou influenciar outras pessoas, ou de impor-lhes a vontade pelo uso sistemático do terror", ou, ainda, como " forma de ação política que combate o poder estabelecido mediante o emprego da violência" (1980, p. 1646), revelando a tônica do elemento violência como constitutivo da essência da conduta em questão.

FRAGOSO (1981, p. 14) aponta uma provável gênese para o terrorismo enquanto fenômeno político, correlacionado seu nascedouro à Revolução Francesa, ante ao denominado cenário de "terror" instalado sob a égide da ditadura jacobina (1793-1794), que resultou em um saldo de aproximadamente 17.000 pessoas oficialmente mortas.

O movimento anarquista, na visão do renomado autor em tela, considera a insurreição como meio eficiente de destruição do sistema de poder e do Estado, conforme aponta BAKUNIN, um dos idealizadores do movimento, ao afirmar que "a paixão pela destruição é também um anseio criador". (FRAGOSO, 1981, p. 15)

OUTHWAITE e BOTTOMORE confirmam o prenúncio anarquista no postulado da violência, ao salientarem que: " Os anarquistas podem admitir que, às vezes, o estado (sic) exerça funções úteis, tais como proteger – mas também violar – os direitos humanos, mas afirmam que essas funções poderiam e deveriam ser executadas por organizações voluntárias." (1996, p. 15)

Em idos do séc. XIX, o terrorismo político irradiou-se na Europa, verificando-se na sociedade secreta da Rússia imperial - Narodnaya Volya a ação que culminou no assassinato do czar Alexandre II e de vários de seus ministros e generais num período compreendido entre 1878 e 1881. Também foram registradas ações em 1878 contra chefes de Estado na Espanha (Alfonso XII) e Alemanha (Guilherme I); em 1894, na França, contra o presidente Carnot; em 1897, também na Espanha, contra o então primeiro-ministro Antonio Canova; em 1898, na Áustria, contra a imperatriz Elisabeth e, na América do Norte, em 1886, em Chicago, por meio da explosão de uma bomba no mercado de feno (FRAGOSO, 1981, p. 16-17).

Demais disso, podem ser apontados outros epicentros de ações terroristas, a exemplo do movimento segregatório Ku Klux Klan que, no sul dos Estados Unidos de América, intensificou o terrorismo contra os negros, principalmente depois da derrota da Confederação Sulista na Guerra o Civil Americana (1861-1865).

A eclosão da Primeira Grande Guerra pode ser dimensionada em termos da atuação terrorista, uma vez que, em 1898, Francisco José, Imperador da Áustria, teve a sua esposa Isabel assassinada por um anarquista italiano, atentado seguido pela morte, em 28 de junho de 1914, de Francisco Fernando, culminando no extermínio de Francisco de Habsburgo em Sarajevo em 1914, o qual deu origem ao conflito mundial de 1914.

Em termos de contestação política, pode-se igualmente carrear a luta revolucionária perpetrada na Revolução Russa de 1916, ao instaurar a denominada "ditadura do proletariado", sendo justificável, pois, aos olhos de uma nascente ideologia política, o uso irradiado de violência e terror. FRAGOSO traz a seguinte reflexão:

"O Estado soviético recorreu ao terrorismo com o terrível decreto de 1919 sobre a execução de reféns, de que TROTSKY assumiu integral responsabilidade, afirmando ser medida necessária na luta contra os opressores. Esse decreto dizia, não tem outra justificação histórica que o objetivo histórico da luta e lembrava os reféns fuzilados pela Comuna de Paris, entre os quais estava o Arcebispo de Paris, ação defendida por MARX, que afirmava: "a burguesia usou do sistema de reféns na luta contra os povos coloniais e na luta contra o próprio povo". Os tempos de STALIN conduziram, como hoje se sabe tão bem, a terrível violência política, com a matança dos inimigos políticos, com o grande expurgo dos anos 30, e a outras inúmeras formas de autêntico terrorismo do Estado. Os regimes autoritários sofrem as deformações das autocracias, com a corrupção do poder absoluto." (1981, p. 19)

A difusão de condutas atentatórias a direitos individuais, apanágio do terrorismo político estabelecido ao redor do mundo, encontra focos múltiplos de atuação ao longo do passado histórico do homem em sociedade, como se percebe, em idos de contemporaneidade, na milícia liderada por Rolihlahla – Nelson Mandela – que passou a utilizar bombas, bem como a atirar em autoridades, disseminando uma sensação de pavor entre a população civil. Com sua liberdade, em 1990, Mandela recebeu o Prêmio Nobel da Paz em 1993.

No Oriente Médio, destacam-se as atuações de Menachem Begin e Yasser Arafat, líderes políticos em ideologias distintas, que dedicaram a juventude à luta pela criação de um Estado para seus respectivos povos – judeu e palestino- por meio da utilização de métodos terroristas, tais como a explosão de bombas, espalhando o pânico entre a população. Destaca-se, neste plano, a criação, por Yasser Arafat, da primeira das organizações islâmicas contrárias a Israel - Al Fatah, que mantém até o presente suas células atuantes.

Destaca-se o terrorismo xiita que, no final dos anos 70, encontra na ascensão do aiatolá Khomeini, a implementação de um sistema de governo guiado por convicções religiosas radicais e inflexíveis, que culminou na criação da chamada Jihad islâmica – Guerra Santa contra o mundo não xiita.

Na Europa, convém citar a atuação do Exército Republicano Irlandês, o IRA, numa disputa travada entre protestantes e a minoria católica, que conflitavam pela união da Irlanda do Norte à República da Irlanda, culminando, entre várias ações, no incidente histórico do Bloody Sunday, em 1972, que matou 13 pessoas.

O Euskadi ta Azkatasuna - ETA (no idioma basco, iniciais de "Pátria Basca e Liberdade") vem lutando, desde 1959, pela independência do País Basco (Euskadi) em relação à Espanha, sob a alegação de diferenciação cultural e tradicional entre o povo basco e espanhol, utilizando-se, para tanto, das técnicas de assassinato de deputados e políticos espanhóis, bem como de explosão de automóveis em centros de negócios e lazer.

Convém lembrar o fatídico 11 de setembro de 2001, que culminou na queda das Torres Gêmeas do World Trade Center. Na edição do dia 11 de setembro de 2002, a Revista Veja (2002, p. 31-37) publicou sua leitura acerca do significado do ocorrido no ano anterior, donde se extrai:

"Um dos resultados da II Guerra foi o surgimento, em boa parte do planeta, de um ambiente de liberdade e prosperidade como nunca antes existira. Passados doze meses do atentado terrorista de 11 de setembro, ainda é imprudência afirmar que a queda das torres gêmeas do World Trade Center terá para as próximas gerações o profundo significado histórico que se chegou a entrever um ano atrás. Também é incerto se a guerra americana contra o terrorismo produzirá outra vez uma realidade melhor para se viver. O certo é que, a exemplo do que ocorreu após Pearl Harbor, o mundo está tremendamente diferente desde que as torres ruíram em Nova York.

A mudança representada pelo 11 de setembro pode ser mais percebida em três campos: a economia, a descoberta de que o universo muçulmano é muito mais complexo do que se imaginava e, por fim, a atual postura dos americanos em relação a países que consideram adversários. Na quinta-feira passada, caças americanos desfecharam sobre o oeste do Iraque o maior ataque presenciado na região desde a Operação Tempestade no Deserto, em 1991. Forças aéreas dos Estados Unidos e da Inglaterra fazem periodicamente ataques desse tipo, mas nunca com tal intensidade. Desde o começo do século XX e, com maior vigor, depois da I Guerra, os Estados Unidos são a maior potência do planeta. Após a queda do Muro de Berlim, em 1989, tornaram-se a única superpotência. Embora abrigue apenas um vigésimo da população, o país é responsável por quase um terço da produção mundial. Como absorve um quarto de todas as exportações, é a única nação com potencial para puxar o crescimento global. Do ponto de vista militar, é imbatível. O orçamento do Pentágono corresponde à soma combinada dos gastos de defesa das nove principais potências militares do planeta. Nunca houve tamanha desproporção, mesmo se retrocedermos aos tempos do império romano (os grifos não são do texto).

Como resultado mais que imediato, os Estados Unidos adotaram uma série de medidas de proteção contra eventuais ataques, quer seja no sentido de manterem presos mais de 1.000 suspeitos de terrorismo, ou, ainda, de arrefeceram as exigências para a entrada de estrangeiros no país, assumindo, para tanto, uma estratégia de constante vigilância e quebra de direitos até então tidos como pilar de estruturação da história da formação do povo estadunidense.

O filme "Nova Iorque sitiada" (EUA, cor, 1998, 93 min.) bem retrata, em uma inequívoca profecia, o pânico disseminado entre a população da metrópole, abordando, neste sentido, a ferocidade com que o governo estadunidense abandonou, por via de Lei Marcial, o perfil democrático característico de sua história. Antológica, neste prisma, a cena nos presos de origem islâmica, encurralados no estádio de futebol, mantidos em segregação, apenas pelo fato de serem muçulmanos.

O sociólogo BOAVENTURA DE SOUSA SANTOS escreveu, com propriedade, acerca do tema, publicado no encarte "Folha Opinião" do dia 19 de setembro de 2001:

"No momento em que escrevo estão no ar duas incógnitas sem cujo esclarecimento não será possível determinar até que ponto o mundo mudou com o hediondo ataque terrorista de 11 de setembro, 28 anos depois da queda violenta de Salvador Allende, no Chile, com a intervenção ativa da CIA. Essas incógnitas são: quem é exatamente o inimigo? Como vão retaliar os EUA e quais os desdobramentos da retaliação? Temo que a resposta à segunda pergunta possa ocorrer antes da resposta à primeira. A pressão na sociedade norte-americana para transformar os sentimentos de horror e de luto em sentimentos de vingança é de tal maneira forte que a decisão da retaliação pode vir a contentar-se com provas duvidosas e incompletas. Tenhamos em mente que a maioria dos atentados contra alvos norte-americanos, israelitas e árabes da última década continuam por ser esclarecidos após anos de investigação. Nessas condições, não é possível pensar no futuro senão em termos dos fatores que no passado recente têm vindo a contribuir para a emergência ou agravamento de novos antagonismos que, ao contrário do antagonismo que caraterizou a Guerra Fria, assentam em brutais desequilíbrios de poder e na falta ou impotência de instituições para regular o desenrolar dos conflitos em que eles se traduzem. Distingo três desses antagonismos: os conflitos no Médio Oriente e na ex-Iugoslávia; a guerra econômica dos países ricos contra os países pobres, sob o nome de globalização neoliberal; a transformação recente dos EUA numa espécie de "Estado pária", ao arrogar-se o direito de denunciar tratados para, contra tudo e contra todos, consolidar a sua supremacia e se defender do resto do mundo, concebido como inimigo ou concorrente comercial, o que, na tradição da diplomacia americana não é uma distinção significativa.(...)"

Visto dessa forma, o terrorismo pode ser compreendido sob o enfoque de dois comportamentos principais, caracterizados, de um lado, pelo

"método de ação que um agente usa para realizar objetivos precisos. Neste caso, a violência é pragmática, mais ou menos sob o controle do agente, que pode, se as circunstâncias mudarem, abandonar esse método e recorrer a outras estratégias, não necessariamente violentas. O terrorismo como método de ação é um fenômeno especificamente político situado no interior de uma fronteira que pode circunscrever um papéis ou delimitar um espaço internacional, geopolítico. Pode ser obra de grupos ou movimentos.

Em segundo lugar, o terrorismo pode ser uma lógica de ação – não mais o último ou conjuntural meio de ação de um agente político, mas uma combinação política e ideológica de pensamento e ação, um fenômeno no qual a "classe dos letrados" tem um papel concreto na organização de ações terroristas. Nesse caso, a violência inverte os meios e os fins, e o agente parece ser colhido em uma reação em cadeia que é interminável, a menos que seja detido por repressão, prisão ou morte." BOTTOMORE e OUTHWAITE (1996, p. 585)

Assim sendo, pode-se observar o terrorismo como um consectário da visão outrora esboçada em termos sistêmicos, na medida da interpretação deste fenômeno sob a predileção da análise estrutural-funcionalista anteriormente descrita, entendendo-se na rede complexual de relações internacionais, nas crises políticas e de identidade, bem como no questionamento das promessas não cumpridas da modernidade o foco de dispersão da propalada harmonia que verificar-se-ia, in tese, entre os Estados ao redor do mundo.

O conflito representado pelo terrorismo, sob este aspecto, refletiria as contendas acerca de idéias ou valores atinentes à vida social repartida em sede de estrutura mundializada, contribuindo, assim, para o reforço das relações interpessoais, plasmadas de acordo com elementos de tensão e potencialidades catalisadoras de conflito, ao contrário de uma base estrutural de consenso, que encara a transgressão e o conflito como meras patologias sociais, a serem extirpadas do meio comum, ainda que este entendimento esteja aprioristicamente destinado ao fracasso, dada a ineficiência de se eliminarem os conflitos, fato este observável ao longo da cronologia histórica das sociedades (OUTHWAITE; BOTTOMORE, 1993, p. 121-123).

O terrorismo, inserido no âmbito de uma realidade dissonante, findaria por se erigir em um contexto formado pela própria situação de dissonância valorativa fomentada pela globalização, na esteira de pensamento de BARATTA, para quem a criminalidade se torna consectário da interpretação de construção que realidade perpetra, de acordo com um espectro de proteção a privilégios determinados grupos (1999, p. 15)

Assim, depurar-se-ia o fenômeno terrorismo à luz da percepção criminológica que lhe dará esteio, na medida em que restou evidenciado o caráter de normalidade do fenômeno em tela, ao se considerar o panorama no qual o mundo pós-moderno se insere.

2.5. DIREITO PENAL, CRIMINOLOGIA E CONTROLE SOCIAL: O LIMIAR DE NOVOS HORIZONTES

O Direito e, mais precisamente, o Direito Penal, não poderiam deixar de acompanhar este contexto de transformações mundiais experimentadas pelas quais as sociedades pós-modernas, uma vez que poderiam quedar cristalizados, de forma estática, na fecunda seara que se impõe ao intérprete das leis, neste tempo de devenir imediato e respostas céleres aos instantâneos problemas que assolam as sociedades, como é o caso do fenômeno terrorismo.

Neste sentido, inegável a importância de se perpetrar a releitura das denominadas Ciências Penais, articulando-se em seu eixo a colaboração que lhe empresta a Criminologia, não considerada como mero apêndice do Direito Penal, mas, antes, um método de avaliação qualitativa deste ramo jurídico-positivo.

Deriva, pois, da transição para o séc. XXI a preocupação do pensador do Direito em reavaliar os postulados jurídicos até então reinantes, cristalizados por ideais de afirmação de valores jusnaturalistas de igualdade, liberdade e legalidade, parâmetros tidos como necessários a limitar o arbítrio monárquico fortemente arraigado nos Estados europeus ocidentais do século XVIII.

Sob tal perspectiva de abordagem, tem-se assente o reconhecimento de uma base de operatividade normativa ocidental, romano-germânica, assentada na predileção por premissas lógico-abstratas, de cunho predominantemente formal e neokantista, que tem no trabalho de purificação proposto Kelsen seu maior expoente e idealizador, ao vislumbrar a lei como um pressuposto lógico de existência de conectivos entre o "ser" e o "dever ser", tônica das prescrições legais de junção do fato à norma subjacente que lhe orienta.

O sentido firmado pela construção de tais bases operacionais, contudo, não poderia quedar engessado ante à paulatina delimitação da autonomia das expoentes ramificações experimentadas pela Ciência Penal, ao abarcar o nascedouro e o desenvolvimento da Criminologia como tronco de conhecimento responsável pela interpretação de uma realidade cambiante, desde as primeiras orientações etiológicas do delito, até o trabalho de interpretação verificado por Baratta em face da criminologia crítica (BARATTA, 1999, p. 24-25).

Por esta razão, uma mudança vetorial fez-se necessária, já nos idos do séc. XIX, uma vez que o paradigma silogístico, abstrato, formal e dedutivo com que se reveste a formatação jurídico-positiva restou inadequado para a observação reducionista do fenômeno crime em sua potencialidade de interpretação, tornando-se curial a adoção dos parâmetros de análise, observação, indução e avaliação fenomenológica, assente em uma base interdisciplinar, inatingível pela mera conexão normativa e abstrata (GOMES; MOLINA, p. 2000, p. 57).

Neste aspecto, aponta-se a tênue linha de distinção entre a denominada Criminologia, também compreendida como Sociologia criminal, e a Sociologia jurídico-penal, uma vez que a primeira relaciona-se com o estudo efetivo do comportamento desviante, enquanto que a segunda, concentra seu enfoque na reação ao comportamento desviante, distinção este que não obstaculiza a superposição interdisciplinar dentre ambos os campos, de modo a, não-raro, a realidade ser enfocada irrestritamente sob os dois prismas concomitantes (BARATTA, 1999, p. 25).

Por esta razão, Direito Penal, Processual Penal e a Criminologia não poderiam deixar de acompanhar as constantes modificações que realidade cambiante impele à política criminal pós-moderna, direcionando a busca de novos mecanismos, eficientes à maximização do controle social dos delitos e, no caso em tela, das condutas terroristas, fonte de preocupação no mundo ocidental pós-moderno.

O tema pugnado no presente estudo situa-se no campo de abrangência metodológica em um eixo criminológico, evidenciando-se, assim, como pressuposto de análise, a autonomia deste espaço do saber [04], se confrontado com demais áreas do conhecimento afetas ao Direito.

Este questionamento preliminar tem como fito primordial a facilitação do trabalho a ser desenvolvido na pesquisa ventilada, ante à premente necessidade demarcatória, ab initio, da metodologia a ser desenvolvida como substrato de verificação das hipóteses aduzidas aprioristicamente, de modo a evidenciar o empirismo, a observação, a indução e a interdisciplinariedade [05] como corolários de delimitação da amplitude do campo criminológico, construído paulatinamente ao longo de quase três séculos de problematização epistemológica.

Do âmbito do campo temático afeto à Criminologia, extrai-se o ponto radial da discussão ora enfocada acerca do controle social de condutas consideradas terroristas, sendo inolvidável a referência ao conteúdo do que compõe o significado de "controle social punitivo", premissa de todo o raciocínio atinente à busca de soluções para o objurgado fenômeno.

GOMES e MOLINA (2002, p. 120) entendem por controle social o aparato assecuratório de disciplina e coerência interna dos membros de determinada sociedade, a fim de garantir o submetimento dos indivíduos aos modelos e normas de conduta definidos socialmente, não alcançando, contudo, a definição mencionada, toda a amplitude de contextualização do controle em face de estruturas políticos sociais maiores.

O compêndio de OUTHWAITE e BOTTOMORE (1996, p. 138) traz o teor do verbete controle social, tido, por um lado, como capacidade regulatória, ao mesmo tempo em que dá abertura para seu entendimento como um modus operandi coercitivo, conforme se observa:

"Esse conceito descreve a capacidade da sociedade de se auto-regular, bem como os meios que ela utiliza para induzir a submissão a seus próprios padrões. Repousa na crença de que a ordem não é mantida apenas, nem sequer principalmente, por sistemas jurídicos ou sanções formais, mas é, sim, o produto de instituições, relações e processos sociais mais amplos." (os grifos não são do texto)

A diversidade de conceito de uma acepção tão ampla em seu conteúdo trouxeram à tona, já nos séculos XIX e XX, uma multiplicidade de concepções formuladas principalmente pela obra de alguns teóricos estadunidenses [06], cada qual coerente com uma estrutura ideológica própria, que lhe desse suporte.

Em Social Control: Social Organization and Disorganization in Process (1950), Paul Landis, relaciona o controle social à expressão ampla e genérica de todos os mecanismos tradicionalmente dispostos na sociedade norte-americana, tais como família e Igreja, que disciplinavam a ordem em sociedade sem muito esforço, na medida em que se enraizava a noção de consenso disseminada e garantida por mecanismos ideológicos fortemente coesos, apresentando-se, desta feita, como uma visão fortemente impregnada de conservadorismo, condizente com sua época (anos 50).

Por outro lado, os idos dos anos 60 trazem uma inversão conceitual, interpretando no controle social um mecanismo de criação de minorias, ou "bodes expiatórios", que existem, por existir o controle, conforme pontua Howard Becker em Outsiders (1997):

"I have been using the term ‘outsiders’ to refer to those people who are judged by others to be deviant and thus to stand outside the circle or ‘normal’ members of the group. But the term contains a second meaning, whose analysis leads to another important set of sociological problemas: ‘outsiders’, from the point of view of the person who is labeled deviant, may be the people who make the rules he had been found guilty of breaking."

Nesta linha de raciocínio, o controle social ocupa lugar central, não mais concebido como mecanismo atuante quando outros métodos falhavam, mas sim como processo ativo de formatação do crime e do desvio, garantido pela lei e por outros sistemas de controle aglutinados na tarefa de manutenção da ordem social, em uma relação de implicação na qual o controle conduz ao desvio, não o contrário.

Na obra Visions of Social Control (1985), COHEN apresenta uma visão genérica acerca de controle social, compreendida, em seu aspecto global com sendo:

"(...) the organized ways in which society responds to behaviour and people it regards as deviant, problematic, worrying, threatening, troublesome or undesirable in some way or another. This response appears under many terms: punishment, deterrence, treatment, prevention, segregation, justice, rehabilitation, reform or social defence."

O rol conceitual apresentado pelo referido autor aborda, numa tradução livre, distintas maneiras organizadas pelas quais a sociedade responde ou reage a comportamentos e pessoas que considera desviantes, problemáticas, preocupantes, incômodas, ou indesejáveis, por intermédio de inúmeras modalidades de reação, manifestada na punição, no tratamento, na prevenção, na segregação, na justiça, na reabilitação, reforma ou defesa social.

Tomando por base a riqueza conceitual do tema, assevera-se a inexatidão que a expressão controle social possui, por designar tanto uma imposição de ordem, na base de consenso, como um fomento à exclusão a classificação dos indivíduos em transgressores ou não, passando, outrossim, pela compreensão crítica de manutenção de estruturas de justificação e legitimação de uma ordem seletiva, discriminatória e estigmatizante, para desembocar em um contexto de primazia ao conflito de base democrática e de respeito aos direitos civis.

O desenvolvimento do controle social punitivo, outrossim, pode ser interpretado à luz de uma delimitação do campo operacional relativo à generalidade que a expressão controle social oferece, como uma realidade abrangente de todas as instâncias de gerenciamento, haurindo-se daí transformações-chave pelas quais as sociedades ocidentais passaram, principalmente no que diz respeito à metade do séc. XIX, a partir do crescente envolvimento do Estado no gerenciamento do controle, por meio de uma atividade racionalizada e burocratizada de captação, gerenciamento e punição do crime e da delinqüência, com a proporcional diferenciação e classificação de grupos desviantes e dependentes, separados em tipos e categorias.

A visão correicional, neste plano, vai se aproximando do declínio da predileção pelo tratamento corporal da punição, para se arraigar no alcance da mente e do comportamento do condenado, sob a égide do apelo ao simbolismo da pena, consectário de todo um sistema estruturante de signos lingüísticos, culturais, religiosos e políticos que embasam a segmentação ideológica de hierarquia entre grupos dominantes e dominados, fomentando, assim, o formalismo e o instrumentalismo da ciência jurídica como ferramenta operatória desta realidade (BORDIEU, 1989, p. 13).

Por esta razão, pode-se depreender do discurso jurídico-repressivo, o controle social punitivo institucionalizado como fundamento de validade de uma ordem jurídica simbólica, que passa a ditar universalmente os princípios regentes dentro do sistema, servindo, assim, como parâmetro legal e legitimado por uma ideologia prevalecente a determinar as práticas condizentes com o sistema de dominação, bem como aquelas que dele refogem, no caso, as desviantes [07].

A validade operacional do sistema de controle social punitivo encontra na disciplina e na ordem propaladas sua ratio essendi, coerente com as necessidades de um emergente capitalismo de Estado, assentado no fomento de celeridade e efetividade do funcionamento do sistema, ao mesmo tempo em que propugna por imprimir um caráter de justiça, humanidade e progresso, que podem acobertar, outrossim, uma subjacente função da pena como via de manutenção de hierarquia, principalmente ante aos questionamentos outrora ventilados acerca de temática universalização de valores na globalização.

Com o capitalismo de Estado, por via de conseqüência, adveio a necessidade de conciliação dos mecanismos de controle aos impulsos de transformação pelos quais as sociedades industrializadas passaram a partir do séc. XVIII, caracterizadas pela paulatina descentralização do referido gerenciamento, por via da não intervenção estatal, desinstitucionalizando-se o monopólio do controle social e propiciando a formatação de espaços integrados de consenso, nos quais os indivíduos poderiam lograr êxito na composição de seus interesses antagônicos, lógica condizente com o mecanismo de mercado não-intervencionista.

Em artigo publicado na Revista Brasileira de Ciências Criminais, Tatiana Bicudo avalia a globalização econômica como precursor de um pensamento funcionalista no primado da utilização do direito penal na reprimenda ao delito, antagonizando-se a sua função outrora garantista.

Aborda a doutrinadora a globalização como um fenômeno "poroso" (BICUDO, 1998, p. 97), uma vez que possui vários entroncamentos de acepções, tanto no âmbito social, cultural, jurídico e econômico, caracterizado, principalmente, no campo do Direito Penal, com a transcendência de modelos jurídico-repressivos para os denominados países contra-hegemônicos, receptores dos valores polarizados por países que se encontram na dianteira do movimento globalizante, a exemplo dos Estados Unidos.

O Direito, neste diapasão, passa a ser orientado no sentido de atribuir concretude às metas ditadas por este modelo programático, findando por suscitar uma rede de "microssistemas legais aptos a capacitarem a crescente complexidade da realidade socioeconômica" (BICUDO, 1998, p. 99), de forma a propiciar uma multiplicidade de regras e variabilidade de fontes, onde a mutabilidade e provisoriedade são a tônica de entendimento.

Como conseqüência, a autora defende a falência do Estado em regular a sociedade e a economia por meio de seus instrumentos jurídicos tradicionais, de modo a perder o controle diante da incessante reprodução destes sistemas que ditam sua própria regras, dificultando a unicidade de concepções do ideal de justiça.

A soberania jurídico-positiva do Estado tem sido, portanto, constantemente questionada, como o advento de estruturas e técnicas de descentralização, desinformalização, deslegalização e desconstitucionalização, ensejando uma estrutura normativa paralela à oficial, destacando-se as seguintes tendências: 1- ampliação da incompatibilidade entre o tempo da legislação processual em matéria civil e penal e o tempo do processo decisório no âmbito dos mercados transnacionalizados, ensejando o desenvolvimento de procedimentos de arbitragem; 2- expansão hegemônica dos modelos jurídicos anglo-saxônicos, com base no discurso da eficiência, do pragmatismo e da flexibilidade, sempre em detrimento da garantia do processo e segurança do direito; 3- progressiva redução do grau de coercibilidade do direito positivo; 4- reprivatização do direito, com a paulatina substituição da tutela governamental pela livre negociação; 5- enfraquecimento progressivo do direito do trabalho; 6- internacionalização dos Estados; 7- aumento no ritmo de regressão dos direitos sociais e humanos, em face da relativização da soberania dos estados; 8- fortalecimento da sociedade civil em face do Estado, ante à deslegalização (BICUDO, 1998, p. 100-101). (os grifos não são do texto)

Vexata quaestio a problematização acerca da resposta repressiva ao terrorismo, principalmente ao se considerar a atuação dos Estados Unidos da América, uma vez que, paradoxalmente, o berço da institucionalização dos direitos individuais hoje vive o impasse em tratar, segundo a mídia especializada, de maneira anti-isonômica, os suspeitos pelo atentado ao World Trade Center.

A preferência estadunidense pela compreensão pragmática da realidade finda por transformar a lógica jurídico-positiva em apanágio de estratégias institucionalizadas de Política Criminal e deflagrado "combate à criminalidade terrorista", expressão maior do Movimento de Lei e de Ordem que se irradia, paulatinamente, por via da globalização, para o restante do mundo ocidental.

O discurso legitimante da lei e da ordem deita raízes na segregação entre uma sociedade compostas pelos homens "de bem", cumpridores de seus deveres para com a coletividade, e, de outro plano, os homens "maus", criminosos, contra os quais deve se voltar toda a severidade do sistema penal, por meio de uma "guerra" declarada contra o crime, baseada na punição retributiva exemplar, convolando-se o princípio de presunção de inocência na presunção de culpabilidade quotidianamente propalado pela expressão midiática.

Deriva, daí, pois, uma tendência verificável de mudança de orientação em face do terrorismo, na qual o Direito Penal, como via transversa de controle social punitivo, vem paulatinamente perdendo seus caracteres de fragmentariedade, subsidiariedade [08], para se erigir em prima ratio de reposta à esta criminalidade, a exemplo do denominado programa Giuliani, implementado pelo então prefeito da cidade de Nova Iorque, no qual a denominada "tolerância zero" foi expressão maior, por meio da adoção de um verdadeiro juízo inquisitorial, aviltador das garantias constitucionalmente insculpidas.

A experiência estadunidense engendrada por Rudolph Giuliani a partir do final de 1993, encontrou manifesto amparo do senso comum naquela sociedade, ao encampar uma retórica guerra contra a criminalidade, prevalecendo-se de teses pretensamente legitimadas, mas de nenhuma confirmação prática, a exemplo da "teoria da vidraça quebrada" e da "teoria dos testículos despedaçados", fruto do tradicional pragmatismo estadunidense cuja legitimidade científica muito é discutida.

Este panorama de resposta penal à criminalidade terrorista passa a ser redimensionado a partir do desenvolvimento de doutrinas funcionalistas, nas quais o enfoque jurídico-positivo reparte com os pilares da construção político-criminal as opções de controle social punitivo do fenômeno em questão, conforme será desenvolvido a seguir.


3.direito penal, controle social, criminologia e direitos fundamentais: releitura dos postulados neokantistas e revitalização dos mecanismos de resposta ao terrorismo

3.1. FINALISMO E FUNCIONALISMO: POLÍTICA CRIMINAL E DIREITO PENAL INTEGRADOS?

A perspectiva da construção de uma teoria jurídico-penal hábil a responder ao crime deflagrado encontra no trabalho de Hans Welzel sua consagração, a partir da consolidação da denominada teoria finalista, que toma como base de estruturação o querer direcionado consecução de objetivos colimados.

Por este ângulo de sustentação, não existiria conduta penalmente relevante de maneira aleatória, sem que se possa distinguir o conteúdo da expressão da voluntas do agente, insertando, desta feita, um forte componente psicológico na percepção do delito, ao se direcionar a produção de resultado ao comportamento tendente a alcançar o fim constituídos no plano da vontade do sujeito ativo do delito (PRADO, 2000, p. 196).

Eis a primeira mudança paradigmática que se expôs em linhas anteriores, uma vez que a ação do agente passa se ser delineada em termos de inclusão do querer, da intencionalidade na própria atitude, e não posteriormente avaliada, segundo um juízo de reprovabilidade. Eis a razão pela qual a culpabilidade encontrar-se-ia, assim, no desvalor da conduta, e não no desvalor do resultado.

É o que aponta o mestre TOLEDO:

"assim é porque o homem, com base no conhecimento causal, que lhe é dado pela experiência, pode prever as possíveis conseqüências de sua conduta, bem como (e por isso mesmo) estabelecer diferentes fins e orientar sua atividade para a consecução desses mesmos fins e objetivos. a finalidade é, pois, vidente; a causalidade cega. E nisso reside, precisamente, a grande diferença entre o conceito ‘clássico’ causal de ação e o novo conceito finalista. No primeiro, a ação humana, depois de desencadeada, é considerada, em sentido inverso, como algo que se desprendeu do agente para causar modificações no mundo exterior. No segundo, ela é considerada, em sentido inverso, como algo que se realiza de modo orientado pelo fim antecipado na mente do agente. É uma causalidade dirigida." (1994, p. 97)

Welzel contrapõe-se, com este raciocínio, ao pensamento da marcante influência positivista no Direito Penal, que teve na teoria causal-naturalista o reducionismo da ação delituosa ao juízo de fato, em uma relação causa-conseqüência.

O crime seria, pois, para os causalistas-naturalistas, conseqüência da causa – ação - comportamento humano, tomado em seu aspecto axiologicamente neutro, de modo a se colocar o conteúdo de vontade em um juízo posterior deslocado para a culpabilidade, determinante de um juízo espiritual da ação, em dois planos diferenciados: o aspecto interno, subjetivo, valorado segundo o querer e a concretude do resultado firmado, apreciado em termos de resultado, firmando na causalidade a realização do resultado, na esteira de JIMÉNEZ DE ASÚA, BELING, ANÍBAL BRUNO, entre outros.

Em uma segunda mudança paradigmática, acrescentam-se ao presente esboço analítico os modelos funcionalistas propostos por Claus Roxin (modelo funcionalista aberto) e Günter Jakobs (modelo funcionalista fechado), esteados na percepção sistêmica do Direito Penal.

Claus Roxin, precursor da teoria personalista da ação, relaciona a ação ao estado anímico do agente, concebendo a mesma como uma categoria prévia, imediatamente à percepção jurídica, de modo a insertar o elemento político-criminal na articulação da identificação do delito, uma vez que considera o direito penal como um subsistema teleologicamente direcionado à prevenção.

O autor trabalha, assim, com a unificação sistemática entre a política criminal e o direito penal, onde aquela se identifica com os fins da pena, fundamentando-se na culpabilidade a ratio essendi punitiva em face do autor do delito, ante o reconhecimento, in concreto, do binômio culpabilidade e inevitabilidade do castigo.

É o que aponta, ao comentar:

"Em última instância, a utilização do conceito de <<bem jurídico>> na definição dos fins da pena dada pelo PA quer expressar, ainda, um ulterior princípio pragmático político-criminal, a saber: a tese de que não se trata de censura moral a uma conduta, mas apenas a da sua qualidade de factor perturbador da ordem pacífica externa – cujos elementos de garantia se denominam bens jurídicos – que pode acarretar a imposição de penas estatais." (ROXIN, 1998, p. 60)

De outro lado, Jakobs embasa sua teoria sistêmica em uma matriz funcionalista-sociológica, embasada nos trabalhos de Luhman, que sustenta que o jurista não tem como dominar o problema das conseqüências de sua decisão, insertando-se aí a dogmática jurídica, engendrada no sentido de adequar os conceitos jurídicos à sociedade, na qual o futuro permanece aberto.

Jakobs concebe o Direito Penal, assim, como instrumento de proteção das normas penais, cumprindo a pena a missão de confirmar a vigência da expectativa da norma defraudada pelo autor (BICUDO, 1998, p. 105). A violação da norma é vislumbrada como um fato desfuncional, na medida em que protege a confiança institucional no sistema e a segurança dos cidadãos, como instrumento de política criminal vigente em determinada sociedade.

Críticas são feitas a tais teorias, na medida em que, de um lado, a clássica teoria finalista, de cunho volitivo, não seria capaz de suportar as vicissitudes de uma realidade tão articulada em termos de sujeição ativa, a exemplo do que se observa em sede da responsabilização da pessoa jurídica, principalmente em se tratando da articulação entre ações terroristas, nas quais queda insuficiente a percepção de individualização da conduta.

As teorias causalistas, contrario senso, resolveriam a questão, sob o ponto de vista do mero resultado, quedando inertes, porém, na defraudação em apurarem o conteúdo de vontade do agente, colocando em um mesmo diapasão, condutas desejadas e condutas realizadas sem observância de cuidado objetivo.

As teorias funcionalistas representariam, grosso modo, uma nova interpretação acerca dos fins a que se destina o Direito Penal, insertando um forte conteúdo político-criminal, apanágio da colaboração que a Criminologia empresta à dogmática jurídico-penal. Resta, contudo, observar os limites de abrangência que tais teorias apontam, na medida em que estejam colacionados direitos fundamentais esquadrinhados ao longo das histórias de luta do homem enquanto sujeito producente de cultura jurídica.

A proposta funcionalista encontra coerência na articulação feita entre postulados teóricos, de natureza jurídico-positiva, e diretrizes de ação, de cunho predominantemente pragmático, na medida em que encara o Direito Penal como um subsistema componente de uma estrutura ainda mais abrangente em termos sociais. Não residiria, pois, problema algum nesta percepção, já que mostrar-se-ia condizente com a modificação paradigmática que a globalização impôs ao mundo pós-moderno, onde os subsistemas não-raro se comunicam entre si.

Assim, o modelo funcional-estruturalista proposto em linhas anteriores, no qual o sistema internacional pode ser apreciado em termos de adequação, já traria em seu bojo a probabilidade de superveniência de fatores possíveis e prováveis – a exemplo do terrorismo – tidos como normais ante o comportamento interno do sistema variar. Eis, pois, a chave para o entendimento acerca da avaliação de estratégias e mecanismo para o controle do terrorismo, na medida em que este passa a ser fato esperado em termos de funcionamento sistêmico.

Preocupa, contudo, a contra-resposta ao estímulo terrorista, principalmente ao ser apreciar, em termos qualitativos, a atuação de países como os Estados Unidos, onde este funcionalismo, em sede de pragmatismo, pode sobrepor a necessidade de alcance de um propalado equilíbrio – entropia zero – aviltando, por outro lado, direitos relacionados à dignidade do indivíduo.

Demais disso, um modelo integrado, englobando o Direito Penal e a Política Criminal poderia restar demasiado "aberto" em termos de reais finalidades, na medida em que o ramo jurídico-positivo não mais se destine ao seu caráter garantista, fragmentário e subsidiário, para abranger uma teleologia estranha à proposta de tutela de bens jurídicos.

Mais além, a demarcação de um novo campo operacional do Direito Penal, para açambarcar fins outros poderia, de igual maneira, resultar na perda de identidade deste ramo do conhecimento, em detrimento de sua autonomia direcionada à proteção do status libertatis do acusado.

De um lado reside, pois, a necessidade de adequação do Direito Penal às exigências da modernidade, contraposta ao inerente apanágio de segurança jurídica, bem como de limitação do arbítrio estatal que, em outras épocas – a exemplo do Antigo Regime – violou sobremaneira a dignidade e os direitos individuais. A adoção de primados funcional-estruturalistas, envolvendo uma visão integradora da Política Criminal com o Direito Penal findaria, nesta seara, por legitimar qualquer conduta de resposta ao delito, conquanto resulte necessária para a mantença do funcionalismo do sistema.

Tecidas tais considerações, pondera-se o questionamento atinente à dificuldade observada em relação à resposta jurídico-penal às condutas tidas como terroristas, coerente, contudo, com o necessário respaldo à proteção de direitos e garantias fundamentais do agente da conduta, sob pena de violação de pactos e tratados internacionalmente dispostos.

3.2. CONSIDERAÇÕES FINAIS: a salvaguarda do indivíduo ante à tendência GLOBALIZANTE de controle social de condutas terroristas

Infere-se desta conjunção dos fatores outrora esboçados a latente crise nos paradigmas pós-modernos do Estado-nação, na medida em que a noção de soberania - reconhecida como poder político-jurídico incontrastável de supremacia interna e irrestrita independência - sofre uma necessária redução de alcance, para se ajustar às novas necessidades de coexistência de múltiplos focos injuntivos de poder [09].

Desta premissa de problematização globalizante de valores deduz-se inolvidável uma vital reflexão sobre o reconhecimento da necessidade imperiosa de imprimir à temática relacionada aos direitos humanos um novo redimensionamento, sendo curial, neste sentido, ter-se como postulado não apenas meras conjecturas filosóficas sobre a natureza jurídica [10] destes mesmos direitos, mas sim efetivas ações conjugadas entre Estados e blocos regionais, de modo a garantir um eficiente sistema de proteção, a exemplo do observado na sistemática do Pacto de San José da Costa Rica, idealizado como Convenção Americana sobre Direitos Humanos.

Sob este prisma, avalia-se o espaço hodiernamente ocupado pelo indivíduo como expoente de direitos, na medida em que se superam antigos postulados de reserva da atribuição de titularidade ativa estatal para a postulação perante um tribunal internacionalmente constituído, sendo irrefragável a inserção do homem como efetivo detentor de um ius postulandi [11], como resultado direto de uma paulatina cristalização do pensamento de tutela dos direitos humanos, mormente observada a partir da tratativa do holocausto decorrente Segunda Guerra Mundial [12].

É forçoso reconhecer, neste âmbito de abordagem, a irremediável mudança paradigmática de enfrentamento do tema, à luz da orientação jurídica internacionalmente motivada pela globalização do pensamento tutelar de proteção aos direitos humanos, extraindo-se dos anais históricos o paulatino desenvolvimento de uma consciência comum de garantia, hoje convolada em uma realidade factível, da qual exsurge o indivíduo como o principal protagonista.

Toda e qualquer incursão analítica fidedigna sobre direitos humanos encontra-se irrefragavelmente coadunada a uma imprescindível digressão histórica sobre a evolução e o sentido do reconhecimento dos direitos fundamentais do homem, consolidados ao longo de séculos de lutas [13], extraindo-se como ícones representativos as cartas e declarações inglesas dos séculos XI e XVII, bem como as declarações revolucionárias estadunidenses, francesa e russa.

O primeiro ingrediente que particulariza o estudo histórico e social em comento é a necessidade de implementação de critérios limitadores do poder estatal arbitrário em face dos súditos da Coroa inglesa, conforme se depreende da leitura do contido nos textos da Magna Carta (1215), Petition of Rights (1628), do Habeas Corpus Act (1679) e Bill of Rights (1688).

Inspiradas no embrionário afã constitucionalista, advieram, respectivamente, as declarações de direitos da Virgínia (1776) e a Declaração de Independência dos Estados Unidos (1787), estruturando em linhas mestras o primado pela tutela fundamental do homem, seguidas de perto pela Declaração dos Direitos do Homem e do Cidadão (1789), pela, Declaração dos Direitos do Povo Trabalhador e Explorado (1918) Constituição de Weimar (1919) e pela Declaração Universal dos Direitos do Homem (1948), esta última consolidando o contexto pós-guerra de tutela aos direitos basilares do indivíduo, mormente no que tange ao integrado trabalho desenvolvido pela Organização das Nações Unidas [14].

De fato, o ponto de partida da era de tutela dos direitos humanos vem a se estruturar quando da proclamação da Declaração Universal dos Direitos do Homem [15], em 10 de dezembro de 1948, como decorrência de uma conjugada reflexão por parte dos países integrantes da Assembléia Geral das Nações Unidas, entre os anos de 1947 e 1948, representativa da temática global de proteção aos direitos do indivíduo, que posteriormente irá se conjugar a um movimento de regionalização dessa mesma tutela, donde se haure, por exemplo, o Pacto de San José da Costa Rica.

Neste cambiante contexto tutelar apresentado, conjuga-se a dúplice tutela de proteção dos direitos humanos, quer seja em nível global, por intermédio da atividade empreendida pelas Nações Unidas, bem como em nível regional, a exemplo do sistema interamericano de proteção, advindo, assim, o premente somatório de atividades, superando a concepção clássica de primazia de um ou outro modelo sistêmico, ante a transcendência da tutela dos direitos humanos em relação a discussão de meras contingências organizacionais [16].

Resta inolvidável o pensamento vanguardista na evolução da temática dos direitos humanos, consubstanciado nos na I Conferência Mundial de Direito Humanos das Nações Unidas, também denominada Proclamação de Teerã que, em 1968, aponta para a indivisibilidade dos direitos humanos, condicionados à plena realização dos direitos econômicos, sociais e culturais [17], ratificando as premissas básicas propugnadas na Declaração Universal de 1948, relacionadas à liberdade de expressão, informação, consciência e religião, à não-discriminação e ao desarmamento.

Este pensamento restou solidificado em 1993, na II Conferência Mundial de Direito Humanos das Nações Unidas, marco representativo dos auspícios pela compreensão dimensional dos direitos humanos de forma autônoma no panorama do direito internacional, por intermédio do fortalecimento de uma estrutura de administração de justiça.

No que pertine à cronologia aos mecanismos de tutela regionalmente dispostos, aponta-se a IX Conferência Internacional Americana (1948), na qual a própria delegação brasileira propôs a criação de uma Corte Interamericana de Direitos Humanos, à fundamentação, inclusive, do retrospecto latino-americano de agressão multifacetada ao indivíduo, não raro advindo das próprias autoridades públicas, como legado de tradição autoritária.

Coaduna-se, de igual forma, a V Reunião de Consulta dos Ministros das Relações Exteriores (1959), bem como a II e III Conferências Interamericanas Extraordinárias, como arcabouços de inspiração para a futura Conferência de San José em 1969.

Aponta-se, neste sentido, outra pedra-de-toque na temática de tutela dos direitos humanos, assentada na existência de uma aparente verticalidade antagônica entre as regras internas soberanas e o regramento internacional de proteção, um falso dilema afastado em nome do preceito universal de solidariedade na atividade conjugada de colaboração entre países, bem como na interpenetração de jurisdições nacionais e internacionais, interpretando-se sempre a lei mais favorável ao indivíduo, quer seja no âmbito interno como externo, de modo a priorizar o tratamento dispensado aos direitos humanos, como consectário natural da ratio essendi de seus valores inspiradores.

Desta feita, urge premente a inevitabilidade de reconhecimento por parte dos países da competência internacional do sistema tutelar dos direitos humanos, calcado na premissa outrora designada de harmonização de interesses, no sentido de observância da submissão dos Estados aos mecanismos de controle de tutela, sem prejuízo da soberania cometida a cada qual, como decorrência do ius imperii, uma vez o ente supra-estatal sobrelevar-se em face da potestade do país, ante o assentimento inequívoco deste em se subsumir a um paradigma mais amplo na tratativa dos direitos humanos internacionalmente protegidos.

Eis o eixo central de discussão acerca do terrorismo político: como controlar a conduta terrorista e, ao mesmo tempo, garantir, de maneira cristalina e segura, os direitos inalienáveis dos suspeitos, acusados e condenados? Outra questão de fundo se impõe, de igual forma: como avaliar a atuação de países atingidos por condutas terroristas, a exemplo dos Estados Unidos, que se arrogam na repulsa de pactos e tratados internacionais?

Mais uma vez, quedam dissonantes as opções entre a normatividade e a Política Criminal, na medida da existência dos mecanismos de tutela dos direitos fundamentais, acima retratados, pari passu com uma predileção pragmática em reprimir a conduta terrorista de acordo com critérios utilitários, nos quais se justiça o repúdio pelo sistema de direitos e garantias individuais, típico do pensamento estadunidense.

Advém daí a maior crítica às estratégias norte-americanas: o desapego à concatenação teórica de conceitos, abstrações ou modelos valorativos, em função de um apregoado cunho instrumental, forjado nos sentido de imprimir uma eficiente resposta estatal aos interesse coletivos de administração de justiça, aqui entendida como manutenção de uma ordem social [18], em detrimento do sentido da norma e do seu conteúdo axiológico.

Observa-se no próprio pensamento político-criminal estadunidense a cristalização paulatina de valores sociais, pretendem se erigir num modelo dinâmico e pulsátil na tratativa do "direito vivo", aplicável imediatamente, sem conceitos abstratos de integração à norma [19].

Esta vertente de pensamento traz arraigada a necessidade de análise de alguns paradigmas desafiantes: como se dá a gênese desta consolidação de idéias? Ou, ainda, qual o verdadeiro sentido dos valores sociais propostos? Seriam estes a confluência de elementos culturais, políticos, religiosos e morais, ou apenas um mero reflexo econômico puritano, originário da própria noção de aparente sucesso do american way of life, encobridor de manifestas contradições no bojo da sociedade estadunidense?

Em resposta a tal indagação, tem-se assente as seguintes conclusões:

a)consideração do terrorismo como subproduto de uma realidade globalizante de antagonismos entre Estados, mister se faz a compreensão do fenômeno à luz de uma coesa teoria multidisciplinar, num método hábil ao enfrentamento da questão, com articulação entre Sociologia, Direito Penal e Criminologia;

b)identificação de uma mudança paradigmática na Ciência do Direito, com a necessidade de alcance de novos métodos de interpretação da realidade;

c)identificação de um panorama de modificação dos contornos espaço-temporais, como consectário de um fenômeno globalizante, como premissa da ampliação do pensamento acerca da necessidade de incremento da tutela dos direitos humanos, ao mesmo tempo em que se garanta direitos individualmente projetados;

d)identificação de rupturas e crises de identidade nacionais e locais, com reflexo no cenário internacional, fomentador dos conflitos e questionamentos acerca de focos de poder;

e)identificação de uma base operacional conflitual, em termos de relações internacionais, fomentada principalmente em face das transformações experimentadas pelo mundo em idos de globalização;

f)identificação do panorama das relações internacionais como um sistema auto-regulatório, que produz suas contradições, e, ao mesmo tempo, mostra-se suscetível à capacidade de reorganização;

g) identificação do Direito como subsistema formador de uma estrutura mais abrangente, donde se extrai o panorama internacional;

h)identificação do subsistema jurídico com elemento autopoiético organizatório, responsável pelo controle dos fatores supervenientes ao sistema global – ex vi, terrorismo, elemento previsível e provável, ante à constatação de um estado entrópico em sede internacional;

i)constatação de dificuldade em se definir o alcance da expressão "terrorismo", por representar múltiplos enfoques de avaliação, direcionados, contudo, para a constatação do uso de violência;

j)demarcação da provável gênese histórica do fenômeno e correlação do mesmo aos postulados sistêmicos de normalidade;

K)interpretação do terrorismo à luz da Criminologia, por se entender na mesma instrumento crítico de observação e análise, com a definição do marco operacional controle social, como meio de resposta à conduta terrorista, com a conseqüente apreciação acerca da atuação estatal na titularidade do referido controle;

l)questionamento acerca da adequação dos postulados jurídico-penais de resposta ao terrorismo, com a avaliação de novas propostas funcionalistas de controle social do terrorismo;

m)identificação da dificuldade e deficiência que as teorias funcionalistas agregam em termos de segurança jurídica e respeito a garantias individuais, ao mesmo tempo em que as teorias jurídico-penais prevalecentes mostram-se insuficientes para imprimirem reposta às condutas terroristas, mormente em sede de individualização da conduta;

n)identificação de existência de sistemas jurídicos regionais e globais para a proteção dos direitos fundamentais dos direitos fundamentais, contrapostos, contudo, à preponderância do utilitarismo irradiado, em sede de globalização valorativa, de mecanismos de resposta ao terrorismo, antagonistas à segurança jurídica e ao primado do respeito do indivíduo.

Assim observado ao longo do presente estudo, aprecia-se a necessidade de estruturação de novos mecanismos para o controle social de condutas terroristas, que agreguem, de um lado, ramos múltiplos do conhecimento jurídico, não desrespeitando, contudo, todo o rol de postulados de salvaguarda de direitos individuais, que poderão estar comprometidos dentro da lógica sistêmica de auto-regulação, principalmente ao se indagar: Quis custodiet ipsos custodes?


REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS:

AGUIAR, Roberto. Os filhos da flecha do tempo. Pertinência e rupturas. Brasília: Letraviva, 2000.

AFONSO DA SILVA, José. Curso de Direito Constitucional. 16ª ed. São Paulo: Malheiros, 2002.

ASÚA, Luis Jiménez. Tratado de Derecho Penal. 3 ed. Buenos Aires: editorial Losada S.A, 1976.

BARATTA, Alessandro. Criminologia Crítica e Crítica do Direito Penal. Trad. Juarez Cirino dos Santos. 2ed., Rio de Janeiro: Freitas Bastos, 1999.

BATISTA, Nilo. Introdução crítica ao direito penal brasileiro. 3 ed. Rio de Janeiro: Revan, 1996.

BETTIOL. Guiseppe. Direito Penal. Campinas: Red Livros, 2000

BICUDO, Tatiana. A globalização e as Transformações no Direito Penal. Revista Brasileira de Ciências Criminais, ano 6, n. 23, p. 97-110, jul/set 1998.

BITENCOURT, Cezar Roberto. Manual de Direito Penal. Parte Geral. 5 ed. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais.

BOURDIEU, Pierre. O Poder simbólico. Tradução de Fernando Tomaz. Rio de Janeiro: Bertrand. 1989.

CAPRA, Fritjof. O ponto de mutação. A ciência, a sociedade e a cultura emergente. Trad. de Álvaro Cabral. São Paulo: Ed. Cultrix. 1982.

CARRARA, Francesco. Programa do curso de direito criminal. Tradução de: Ricardo Rodrigues Gama. Campinas: LZN Editora, 2002,

CANOTILHO, J.J, Direito Constitucional, Coimbra, Livraria Almedina, 5ª ed., 1991.

CERVINI, Raúl. Os processos de criminalização. Trad. de: Eliana Granja. São Paulo: Revista dos Tribunais, 1995.

COHEN, Stanley. Visions of Social Control. Crime, Punishment and Classification. Worcester: Billing & Sons Ltd, 1985.

DIAS, Jorge de Figueiredo, ANDRADE, Manuel da Costa. Criminologia – O Homem Delinqüente e a Sociedade Criminógena. 2ª reimpressão. Coimbra: Coimbra Editora, 1997.

DWORKIN, Ronald. O Império do Direito. Trad. Jefferson Luiz Camargo. São Paulo: Martins Fontes, 1999.

FERREIRA, Aurélio Buarque de Holanda. Dicionário da língua portuguesa. Rio de Janeiro: Editora Nova Fronteira, 1980.

FOUCAULT, Michael. A Ordem do Discurso. 5 ed. São Paulo: Edições Loyola, 1999.

______________ Microfísica do Poder. 14 ed. R. de Janeiro: Graal, 1999.

______________ Vigiar e Punir. 21 ed. Petrópolis: Vozes, 1997.

FRAGOSO, Heleno. Terrorismo e criminalidade política. Rio de Janeiro: Forense, 1981.

GIDDENS, Anthony. O Estado-nação e a violência. Trad. de Beatriz Guimarães. São Paulo: EdUsp, 2001

GOMES, Luiz Flávio, PABLOS DE MOLINA, Antonio Garcia. Criminologia. 3ª ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2000.

GUERRA FILHO, Willis S. O direito como sistema autopoiético. In: Revista Brasileira de Filosofia, n. 163. São Paulo, 1991.

JESUS, Damásio E.. Lei dos juizados especiais anotada. 4 ed. São Paulo: Saraiva, 1997.

HALL, Stuart. A identidade cultural na pós-modernidade. 3. ed. R. de Janeiro: dpia, 1999.

HELD, David, McGREW, Anthony. Prós e contras da globalização. Trad. de Vera Ribeiro. Rio de Janeiro: Ed. Jorge Zahar, 2000.

HUNGRIA, Nelson. Comentários ao Código Penal. 5 ed. Rio de Janeiro: Forense, 1977

IHERING, Rudolf V. A Luta pelo Direito. 13 ed. R. de Janeiro: 1994.

JESUS, Damásio E. Lei dos Juizados Especiais Criminais Anotada. 4ª ed., São Paulo: Editora Saraiva, 1997.

JESUS, Damásio. Direito Penal. 1º v. 21 ed. São Paulo: Saraiva, 1999.

KUHN, Thomas. A estrutura das revoluções científicas. Trad. Beatriz Vianna Boeira. 5 ed. São Paulo: Perspectiva, 2000.

LAQUEUR, Walter. Storia del terrorismo. Milão: Rizzoli Editore, 1977.

LUISI, Luiz. O Tipo Penal, a Teoria Finalista e a Nova Legislação Penal. Porto Alegre: Sérgio Antônio Fabris Editor, 1987.

LUISI, Luiz. Os Princípios Constitucionais Penais. Porto Alegre: Sérgio Antônio Falus Editor, 1987.

LYRA FILHO, Roberto. A filosofia jurídica nos Estados Unidos da América. Porto Alegre: Sergio Antonio Fabris Editor . 1977.

___________________. Pesquisa em QUE Direito? Teto integral da conferência, lida, em parte, na sessão de encerramento do Seminário sobre Pesquisa em Direito do Departamento de Ciências Jurídicas da PUC – Rio. Brasília: Edições Nair Ltda., 1984.

MALLIN, Jay. Terrorism as a military weapon. Nova Iorque: John Jay Press, 1978.

MATURANA, Humberto, VARELA, Francisco. Autopoiesis and cognition: the realization of the Living. Dordrecht: D. Reidel Publishing Company, 1980.

MERTENS, P. Réflexions sur la définiotn et la répression du terrorism. Actes du Colloque, Université Libre de Bruxelles, 1974.

MEZGER, Tratado de Derecho Penal. Parte General. Trad. Conrado Finzi. Buenos Aires: DNT, 1989.

MIRABETE, Julio Fabbrini. Manual de Direito Penal. Parte Geral. 17 ed. São Paulo: Editora Atlas, 2001

MIRANDA, Alessandra. Crime Organizado: A Gênese da Lei 9.034/95 sob a Égide do Movimento Simbólico da Lei e da Ordem. Revista do TRF, 1ª Região, março/ 2.001.

MORAES, Alexandre. Direito Constitucional. 7ª ed. São Paulo: Atlas, 2000.

MORIN, Edggar. Sociologia. A sociologia do microssocial ao macroplanetário. Tradução de: Maria Gabriela de Bragança. Lisboa: Publicações Europa-América Ltda, 1998.

NEVES, Marcelo da Costa P. Da Autopoiese à Alopoiese do Direito. Anuário do Mestrado em direito, n.º 5, Recife, 1992, p. 273-298.

NORONHA, Magalhães. Direito Penal. São Paulo: Saraiva, 1980.

OLIVEIRA, Marco Aurélio Costa Moreira. O Direito Penal e a Intervenção Mínima. Revista Brasileira de Ciências Criminais. Ano 5. No. 17, jan/mar. 1997. P. 145-152.

OUTHWAITE, William, BOTTOMORE, Tom. Dicionário do pensamento social do Século XX. Trad. Eduardo Francisco Alves, Álvaro Cabral. Rio de Janeiro: Jorge Zahar, 1996.

PRADO, Luiz Regis. Curso de Direito Penal Brasileiro. Parte Geral. 2 ed. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2000

PASSOS, Paulo R. Elementos de Criminologia e política criminal. Bauru: Edipro, 1994.

PARSONS, Talcott. O sistemas das sociedades modernas. Trad. Dante Moreira Leite. São Paulo: Pioneira, 1974.

PASSOS, Paulo R. Elementos de Criminologia e política criminal. Bauru: Edipro, 1994.

PINHO, Humberto Dalla. A Introdução do Instituto da Transação Penal no Direito Brasileiro e as Questões daí Decorrentes. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 1998.

PIOVESAN, Flávia. A Proteção Internacional dos Direitos Humanos e o Brasil. Revista da Procuradoria Geral do Estado de São Paulo, n.º 42, dezembro/94. p. 93-106.

ROXIN, Claus. Problemas Fundamentais de Direito Penal. Trad. Ana Paula dos Santos Luís Natscheradetz. Lisboa: Vega, 1986.

SANTOS, Boaventura de Sousa. The Gatt of Law and Democracy: (Mis)Trusting the Global Reform of Courts. Wisconsin: Institute of Global Studies. 1997. p. 3-4. Mimeo.

_________ Pela mão de Alice. O social e o político na pós-modernidade. 6 ed. São Paulo: Cortez, 1999.

_________ A crítica da razão indolente. Contra o desperdício da experiência. V.1. São Paulo: Cortez, 2.000.

SANTOS JÚNIOR, Rosivaldo Toscano dos. As duas faces da política criminal contemporânea. Disponível em : <http//www.BuscaLegis.ccj.ufsc.br> Acesso em: 17 mai. 2001.

SANTOS, Milton. Por uma outra globalização. Rio de Janeiro: Ed. Record, 2000.

SANTOS JÚNIOR, Rosivaldo Toscano dos. As duas faces da política criminal contemporânea. Disponível em : <http//www.BuscaLegis.ccj.ufsc.br> Acesso em: 17 mai. 2001.

SILVA, Tadeu A. Dix. Globalização e Direito Penal Brasileiro: Acomodação ou Indiferença? . Revista Brasileira de Ciências Criminais. Ano 6. No. 23, jul/set. 1998. p. 81-95.

SPOSATI, Aldaíza. Globalização: in novo e velho processo. Desafios da globalização. Ladislau Dowbor, Octavio Ianni, Paulo-Edgar A. Resende. (org.). Petrópilis: Ed. Vozes, 1997, p. 43.

TAPPAN, Paul. Crime, justice and correction. New York: McGraw-Hill Book Company, 1960

TOLEDO, Francisco Assis de. Princípios Básicos de Direito Penal. . 5ª ed., São Paulo: Editora Saraiva, 1994.

TRINDADE, A.A. Cançado. A proteção internacional dos direitos humanos e o Brasil. 2ª ed. Brasília: Universidade de Brasília, 2.000.

______________O Legado da Declaração Universal de 1948 e o Futuro da Proteção Internacional dos Direitos Humanos. AJURIS, n.º 73, ano XXV, julho/1998. p. 378-419.

______________ Memorial de uma Nova Mentalidade quanto à Proteção dos Direitos Humanos nos Planos Internacional e Nacional. Revista de Direito Comparado, v. 03, maio/1999. p. 17-61

______________ O Sistema Interamericano de Direitos Humanos no limiar do Novo século: Recomendações para o Fortalecimento de seu Mecanismo de Proteção. In A Proteção internacional dos Direitos Humanos e o Brasil. Workshop. Brasília, 7 e 8 d outubro de 1999, 31-68.

WELZEL, Hans. Derecho penal alemán: parte general. 11 ed. Santiago: Juridica de Chile, 1970.

ZAFFARONI, Eugenio Raul. Sistemas penales y derechos humanos en América Latina. Buenos Aires: (s.l), 1984.

_____________Em busca das penas perdidas: a perda da legitimidade do sistema penal. Trad. de Vânia Romano Pedrosa, Amir Lopes da Conceição. Rio de Janeiro: Revan, 1991.


Notas

  1. Esta tautologia encerra em si uma proposição dialética, auto-sustentável em suas bases, uma vez que a existência de um paradigma apóia a opinio doctorum na fundamentação de determinada teoria, sendo, outrossim, construído este mesmo modelo científico, na medida em que a comunidade desenvolvesse outros métodos de apreciação fenomenológica.
  2. Entender-se-á por Estado um conjunto de instituições centralizadas no monopólio da criação de regras de convivência asseguradas por meio de coercitividade, delimitado em um espaço territorial concentrado na existência de grupos sociais que partilham bases culturais, definidas por seus agentes componentes, a teor do verbete apresentado por OUTHWAITE e BOTTOMORE (1996, p. 257).
  3. Grau de desordem em um sistema, concluindo CAPRA, que " em qualquer sistema isolado, composto de um elevado número de moléculas, a entropia – ou desordem – continuará aumentando até que, finalmente, o sistema atinja um estado de máxima entropia, também conhecido como "morte térmica"; nesse estado, toda a atividade cessa, estando o material uniformente distribuído e à mesa temperatura." (1982, p. 68)
  4. Jorge de Figueiredo Dias e Manuel da Costa Andrade apontam o fecundo século XIX como sendo a consolidação de uma efetiva sociologia criminal, pautada, notadamente, nos trabalhos de Lacassagne, Tarde e Durkheim em resposta, inclusive, às teses reputadas ‘positivistas’, de caráter tipológico, como se percebe na obra de Lombroso. (DIAS, Jorge. ANDRADE, Manuel. Criminologia: O Homem Delinqüente e a Sociedade Criminógena. 2ª ed. Coimbra: Coimbra Editora, 1997, p. 20)
  5. Luiz Flávio Gomes, em sua tradução da obra de Antonio García-Pablos de Molina faz referência à paulatina substituição do paradigma silogístico, abstrato, formal e dedutivo para a depuração da análise, observação e a indução, tendo na interdisciplinariedade, uma exigência estrutural do saber científico (GOMES, Luiz Flávio, MOLINA, Antonio García-Pablos. Criminologia. 3ª ed. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2000, p. 57).
  6. A Escola de Chicago foi fundada por Albion W. Small e financiada por John Rockfeller, no intuito de desenvolver trabalhos de investigação sociológica no Meio-Oeste estadunidense, em resposta aos aprimorados estudos empreendidos nas antigas universidades da costa leste. As principais correntes teóricas surgida a partir do empirismo norte-americano tiveram seu nascedouro nos estudos encampados pelos sociológicos das escolas ecológica, subcultural, da aprendizagem e, sobretudo, do labelling approach, todas genuinamente estadunidenses. Para os sociólogos da Escola de Chicago somente poderia haver um responsável estudo sociológico na América do Norte se se procedesse ao estudo dos problemas sociais em ebulição naquela sociedade vanguardista, cometida por uma "rápida onda de urbanização, industrialização e expansão capitalista" a partir da guerra Civil (OUTHWAITE; BOTTOMORE, 1996, p. 249).
  7. Daí a preferência pelo aspecto formalista do discurso jurídico-positivo, reconhecido e aceito em virtude da crença consolidada na compartimentação da ciência jurídica como sistema autodeterminado e alheio aos sistemas circundantes, em uma concepção autopoiética do direito, observável principalmente no trabalho de LUHMAN (1984, p.14 ss).
  8. Interpreta-se a subsidiariedade como uma limitação à atuação do direito penal na tutela de bens, como última instância, atuante somente diante da ineficácia de outros meios de controle social,. A fragmentariedade, por seu turno, é avaliada segundo uma relativização de atuação do estado no controle punitivo, selecionando maior proteção aos bens jurídicos de maior relevo.
  9. IANNI, Octavio. A política mudou de Lugar. In Desafios da Globalização. DOWBOR, Ladislau, IANNI, Octavio e RESENDE, Paulo-Edagar (orgs.). 2ª ed. Petrópolis: Editora Vozes. 1997. p. 18.
  10. Neste sentido, Flávia Piovesan aponta a tricotômica essência do fundamento dos direitos humanos: direitos naturais inatos, direitos positivos e históricos, ou, ainda, apanágio moral inspirador. (A proteção internacional dos Direitos Humanos e o Direito Brasileiro . In Revista da Procuradoria Geral do Estado de São Paulo. n.º. 42. São Paulo, dez. /94, p. 93-105.)
  11. Flávia Piovesan. op. cit. p. 98
  12. TRINDADE, A.A. Cançado. A proteção internacional dos direitos humanos e o Brasil. 2ª ed. Brasília: Universidade de Brasília, 2.000.
  13. SILVA, José Afonso. Curso de Direito Constitucional. 16ª ed. São Paulo: Malheiros, 1999.
  14. José Afonso faz remissão ao rol de direitos elencados naquela declaração, delineados em trinta artigos, versando sobre: igualdade, dignidade, não-discriminação, direito à vida, liberdade, segurança pessoal, nacionalidade, ao asilo, à propriedade, entre outras garantias assecuratórias. SILVA, José Afonso, op. cit. p. 167.
  15. A partir da aprovação da Declaração Universal dos Direitos do Homem observa-se uma preocupação planetarizada em sede de proteção aos direitos humanos, como reflexo de um preâmbulo globalizante. O ser humano e os modos de proteção de seus direitos – a proteção no direito internacional e no direito interno da República Federativa do Brasil. In Revista dos Tribunais, ano 88, setembro/99, vol. 767.
  16. Cançado Trindade aponta, em nível horizontal, a inexistência de antagonismo entre sistemas global e regional de proteção, sendo imprescindível uma ampliação do Direito Internacional para fortalecimento da defesa dos direitos humanos. Op. cit. p. 26.
  17. Neste sentido aponta Celso de Mello: "enquanto os princípios de primeira geração (direitos civis e políticos) – que compreendem as liberdades clássicas, negativas ou formais – realçam o princípio da liberdade e os direitos de segunda geração (direitos econômicos, sociais e culturais) – que se identificam com as liberdades positivas, reais ou concretas – acentuam o princípio da igualdade, os direitos de terceira geração, que materializam poderes de titularidade coletiva atribuídos genericamente a todas as formações sociais, consagram o princípio da solidariedade e constituem um momento importante no processo de desenvolvimento, expansão e reconhecimento dos direitos humanos, caracterizados enquanto valores fundamentais indisponíveis, pela nota de uma essencial inexauribilidade". STF – Pleno – MS n.º 22.164/Sp – Rel. Min. Celso de Mello, Diário da Justiça, seção I, 17 de novembro, p. 39.206.
  18. Em palestra ministrada perante a Fundação Julius Rosenthal, James K. Feibleman evidencia o caráter burocrático de que se reveste o conceito de justiça, como sendo uma "reação à necessidade de ordem."(Três Interpretações de Justiça, Trad. Ruy Jungman. Rio de Janeiro: Editora Forense Universitária, 1975.
  19. Perfilhando a tese de submissão do direito à concretude do fato, encontra-se em Dworkin sua maior expoência na modernidade, ao assumir a inexistência do direito senão em se reportar ao fato, e não apenas a um dever ser. Para o cotejado autor, o direito deve ser entendido irrestritamente pelo operador e pelo leigo, não se compreendendo, assim, sua disson6ancia com a realidade. Assim, as eventuais divergências apresentadas não se relacionam a questões de direito, e sim de moralidade. O Império do Direito. Trad. Jefferson Luiz Camargo. São Paulo: Martins Fontes, 1999. p. 10-12.

Autor

  • Alessandra de La Vega Miranda

    Alessandra de La Vega Miranda

    mestre em Direito Público pela Universidade de Brasília, professora universitária, advogada criminalista em Brasília (DF),Doutoranda em Direito Público pela Universidade de Brasília - UNB, Pesquisadora do Grupo de Ações Afirmativas e Direitos Humanos na Diversidade - UnB.

    é também diretora cultural da Société Internacional de Droit Pénal Militaire et Droit de la Guerre (Grupo Brasileiro da Sociedade Internacional de Direito Penal Militar e Direito Humanitário).

    Textos publicados pela autora

    Fale com a autora


Informações sobre o texto

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

MIRANDA, Alessandra de La Vega. Controle penal e terrorismo. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 14, n. 2220, 30 jul. 2009. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/13236. Acesso em: 26 abr. 2024.