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Algumas relações triangulares de trabalho e delimitação de sua responsabilidade

Algumas relações triangulares de trabalho e delimitação de sua responsabilidade

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1- Introdução

Um dos temas trabalhistas mais importantes na atualidade é a responsabilidade do beneficiário dos serviços do obreiro, frente ao inadimplemento total ou parcial das obrigações trabalhistas do empregador, nas chamadas relações triangulares de trabalho.

A concepção de que terceiros devam responder e cumprir obrigações contraídas por outrem vem sendo introduzida na legislação vigente, frente ao avanço jurisprudencial, decorrente, em última análise, da noção de responsabilidade.

A vertente laboral do direito, por sua vez, destina-se a resolver as relações entre trabalhadores e detentores das forças produtivas segundo o sentido social de melhoria das condições do obreiro. Possui caráter protetivo, devendo ser compatibilizada com a necessidade de se assegurar um conteúdo mínimo à relação de trabalho, a fim de não comprometer o recebimento de verbas trabalhistas, já que estas se constituem como contraprestação pela força física e mental despendida a favor da empresa e, principalmente, tendo em vista seu cunho eminentemente alimentar.

O objetivo, assim, do presente trabalho, é analisar as formas como estas relações entre capital e trabalho se dão fora do estreito âmbito da relação de emprego tipificada no art. 3° da CLT, a fim de relacioná-las com o instituto da responsabilidade empresarial pelo pagamento das verbas trabalhistas pactuadas.

Nesse passo, num âmbito mais abrangente, será necessário abordar as conceituações existentes para o fenômeno das relações triangulares do trabalho na doutrina, passando primeiramente terceirização, visando estabelecer uma clara definição. Portanto, proceder-se-á a uma análise dos conceitos dos mais diversos autores na tentativa de obter uma delimitação para estas relações triangulares, de forma a abarcar todas as suas facetas e nuanças.

Mister também um estudo da evolução da interpretação jurisprudencial do tema, especialmente no que tange a terceirização e a polêmica gerada por algumas posições adotadas pela mais alta corte trabalhista do país, como as consubstanciadas nos Enunciados 256 e 331 do TST.


2- Relação triangular de trabalho

A relação triangular de trabalho é um fenômeno pontificado por uma relação jurídica com três sujeitos, ultrapassando a figura linear empregado-empregador para assumir esta feição triangular mais ampla, representada por um polígono: empregado-empregador-cliente.

José Luiz Ferreira Prunes cita A. F. Cesarino Júnior para corroborar a configuração triangular das relações laborais, quando diz [01]:

Entre os que vislumbram uma relação triangular podemos lembrar A. F. CESARINO JÚNIOR (Direito Social, São Paulo, LTr Editora, 1980, p. 226), onde aquele Mestre aproveita para alertar contra os possíveis desvios que esta espécie de relação pode apresentar: ’A relação jurídica de trabalho temporário é triangular: nela figuram o empregado, a empresa de trabalho temporário ou fornecedora de sua mão-de-obra e a empresa que utiliza esta mão-de-obra ou tomadora. As fornecedoras devem ser registradas na Secretaria de Mão-de-obra do Mtb.

A existência de três partes intervenientes faz o fenômeno revestir-se de características peculiares e inusitadas, pois se trata de mecanismo anômalo de contratação de força de trabalho, fugindo à clássica fórmula de relação empregatícia bilateral trazida pela Consolidação das Leis de Trabalho, nos seus artigos 2º e 3º. Surgem assim as empresas prestadoras de serviços, contratante formal do empregado e a empresa tomadora de serviços, efetiva beneficiária da força do trabalho obreiro. Inserido nesse contexto está o trabalhador, elo mais fraco desta relação triangular de trabalho.

Na terceirização temos o tomador de serviços como aquele que contrata com o prestador de serviços o fornecimento de serviços ou a produção de bens. O prestador de serviços é, em tese, quem assume os riscos, obrigações e responsabilidades próprias de sua condição de empregador, dirigindo o trabalho subordinado do obreiro, com organização e gestão próprias, realizando o que fora confiado pelo tomador.


3- Acepções do fenômeno Terceirização

A palavra terceirização vem do latim tertiarius, originado de tertius, com a significação de terceiro, como sendo aquele estranho a uma determinada relação jurídica [02].

Tanto o vocábulo terciário como o vocábulo terceiro constituem formas alotrópicas do latim terceariu, do número ordinal três. [03]

Carlos Henrique Bezerra Leite diz que a palavra "terceirização", que vem sendo utilizada em larga escala principalmente no meio empresarial, constitui neologismo oriundo do vocábulo "terceiro", no sentido de intermediário, interveniente, medianeiro. [04]

É um fenômeno mundial, ligado à globalização da economia e à flexibilização do direito do trabalho. [05]

Convolou-se num recurso utilizado por diversas empresas para reduzir os custos da produção e suportar as investidas da concorrência doméstica e externa. [06]

O ato da empresa de contratar serviços de terceiros para a realização de parte de suas atividades tem sido chamado por diversos nomes, dentre os quais se destacam: terceirização da mão-de-obra, terceirização do trabalho, locação de serviços, desverticalização, horizontalização, parceria entre empresas, exteriorização do emprego, subcontratação ou, simplesmente, terceirização.

Necessário, pois, pesquisar a acepção do termo "terceirização", largamente utilizado pela doutrina, haja vista que tem sido usado para a expressão do fenômeno segundo o qual a empresa transfere parte de suas atividades às mãos de terceiros na busca de se fazer mais competitiva, flexível e especializada. No presente trabalho, utilizar-se-á preferencialmente o termo "terceirização" por se afigurar, conforme nosso entendimento, o mais adequado para abarcar o fenômeno em questão.

Rubens Ferreira de Castro acrescenta outras denominações para esta técnica administrativa:

O vocábulo "terceirização" é utilizado para designar uma moderna técnica de administração de empresas que visa ao fomento da competitividade empresarial através da distribuição de atividades acessórias a empresas especializadas nessas atividades, a fim de que possam concentrar-se no planejamento, na organização, no controle, na coordenação e na direção da atividade principal. Esta técnica recebe outras denominações, tais como focalização, horizontalização, outsourcing, externalização de atividades, parceria, contrato de fornecimento, subcontratação, entre outras. [07]

Maurício Godinho Delgado esclarece que a terceirização é o fenômeno pelo qual se dissocia a relação econômica de trabalho da relação justrabalhista correspondente, inserindo-se o trabalhador no processo produtivo do tomador de serviços sem que se estendam a este os laços justrabalhistas, que se preservam fixados com uma entidade interveniente. [08]

Acrescenta Octávio Bueno Magano que o verbo "terceirizar" usa-se modernamente para significar a entrega a terceiros de atividades não essenciais da empresa. [09]

Segundo Manoel Hermes de Lima, terceirização é a contratação de serviços por uma empresa tomadora, que subcontrata outra empresa, denominada prestadora e os realiza com seus trabalhadores, a quem ficam subordinados e recebem salários. [10]

Vilson Antônio Rodrigues Bilhalva assevera que a terceirização, num conceito atual, é a transferência da execução de determinadas atividades empresariais para parceiros especializados e idôneos. [11]

Arion Sayão Romita, por sua vez, sustenta que o termo "terceirizar" é inadequado, uma vez que na intermediação de mão-de-obra ou na contratação, por uma empresa, de outra prestadora de serviços, não há que falar em terceiro. Prefere a expressão "terciarização" em vez de "terceirização", pois o fenômeno da desconcentração empresarial ou horizontalização só encontraria terreno no campo das atividades que não fossem primárias (agricultura, pesca, caça, etc) ou secundárias (indústrias extrativas e de transformação, obras públicas, serviços de água e luz, gás), mas no setor terciário, como os serviços de distribuição, administração pública e todas as atividades que não têm por objeto elaborar uma produção física. [12]

Jerônimo Souto Leiria afirma que a terceirização é a agregação de uma atividade de uma empresa (atividade-fim) na atividade-meio de outra empresa. Assim, consiste em um meio para que as empresas possam adquirir maior produtividade e qualidade do produto final, ganhando, conseqüentemente, maior competitividade. [13]

Segundo José Janguiê Bezerra Diniz, a terceirização consiste na existência de um terceiro especialista, ao qual se nomeia fornecedor ou prestador de serviços, que com competência, habilidade e qualidade técnica, presta serviços especializados ou produz bens, em condições de parceria, para a empresa contratante chamada tomadora ou cliente. [14]

Sérgio Pinto Martins também adverte que a terceirização mais se assemelha a uma técnica da administração de empresas moderna, carecendo de um conceito jurídico. Deste modo, no discurso dos juristas, a terceirização tem normalmente aparecido como o fato da empresa contratar serviços de terceiros para a consecução de suas atividades-meio. Define o fenômeno juridicamente como a possibilidade de contratar terceiro para a realização de atividades que não constituem o objeto principal da empresa; contratação essa que pode envolver tanto a produção de bens como a realização de serviços como ocorre com as prestadoras de serviços de limpeza e conservação, de vigilância ou de serviços temporários. [15]

Já Luiz Carlos Amorim Robortella diz que a palavra terceirização indica a existência de um terceiro que, com competência, especialidade e qualidade, em condição de parceria, presta serviços ou produz bens para uma empresa contratante. Aduz que um dos atributos mais atraentes da técnica da terceirização é a possibilidade de transformar custos fixos em variáveis, permitindo a manutenção de um pessoal fixo reduzido, que é utilizado de forma intensa e contínua, diminuindo custos de contratação e treinamento de empregados, reduzindo ainda despesas com encargos sociais. Contudo, este autor afirma ser imprescindível considerar que o elenco de atributos da terceirização apresentado pelos estudiosos da Administração de Empresas é a resultante de uma análise purista dentro da dinâmica da economia empresarial moderna, não considerando fatores jurídicos, sociais ou políticos dela decorrentes. Ainda assim, considera a terceirização um fato inafastável, já que amplamente difundida por todo o mundo e que constitui um dos dados essenciais da moderna organização empresarial. Por fim, afirma que seu conceito jurídico equivale a subcontratação. [16]

Escreve Ari Possidônio Beltran que a terceirização, em um primeiro sentido, lembra a figura de um terceiro, pessoa física ou jurídica, alheia à relação contratual formada entre empregado e empregador, que se insere no processo produtivo prestando serviços ou produzindo bens. E também acrescenta que se trata de subcontratação, que poderá ter a forma de prestação de serviços ou de contrato de empreitada, implicando desconcentração das atividades da empresa. [17]

Amauri Mascaro Nascimento também alerta que o termo terceirização tem melhor adequação à linguagem da Administração de Empresas, na qual ganhou corpo para designar o processo de descentralização das atividades empresariais, no sentido de desconcentrá-las para que sejam desempenhadas em conjunto por diversos centros de prestação de serviços e não mais de modo unificado em somente uma instituição. Para este autor, terceirizar também equivale a subcontratar. [18]

Disserta Alice Monteiro de Barros que o fenômeno da terceirização consiste em transferir para outrem atividades consideradas secundárias ou de suporte, atendo-se a empresa à sua principal atividade. E acrescenta que seus objetivos são a diminuição de custos e a melhoria da qualidade do produto ou serviço principal da empresa. [19]

Alerta Dorothée S. Rüdiger que a terceirização não é um fenômeno brasileiro, devendo ser encarado como parte do contexto da internacionalização das economias. Para ela, terceirizar significa entregar a outras empresas ou a terceiros, pessoas físicas tudo o que não constitui atividade essencial de um negócio, seja ele industrial, comercial ou de prestação de serviços. Reflete, portanto, uma estratégia econômica e administrativa que se opera pela transferência a terceiros de atividades acessórias de uma empresa (atividade-meio), possibilitando sua dedicação exclusiva ao seu objetivo final (atividade-fim). [20]

Ivani Contini Bramante e Marta Casadei Momezzo afirmam que a terceirização opera-se por meio de intermediação de mão-de-obra e esta não está à margem da lei; ao contrário, encontra amparo legal em casos determinados: a subempreitada prevista no art. 455 da Consolidação das Leis do Trabalho e o trabalho temporário da Lei n. 6.019/74, a prestação de serviços de vigilância na Lei 7.102/83, entre outros. [21]

Para Reginaldo Melhado, terceirização é um neologismo que designa o mecanismo pelo qual uma pessoa jurídica remete a outras atividades não essenciais aos seus objetivos empresariais. [22]

Pedro Vidal Neto afirma que o fenômeno ao qual se chama de terceirização consiste na execução de serviços de certas partes da atividade empresarial por pessoas alheias aos quadros da empresa ou, geralmente, por outras empresas. Ou seja, é a transferência a outras organizações de certos serviços ou atividades, que se põem como atividade-meio, para que uma empresa possa desenvolver exclusivamente suas atividades-fim. Por isto, a terceirização não pode deixar de ser incluída entre as mais modernas técnicas de produção e organização empresarial. [23]

Na opinião de José Martins Catharino, a terceirização é o meio através do qual a empresa obtém força de trabalho de quem não é seu empregado, mas sim do fornecedor com quem contrata. Em sua concepção, o empregado do fornecedor de serviços não é parte no contrato que este celebra com o tomador; portanto, é terceiro, donde advém o termo "terceirização". [24]

Conforme os ensinamentos de Marly A. Cardone, a terceirização corresponde ao fenômeno da transferência da produção de bens ou serviços para outra empresa ou pessoa que não aquela que, primitivamente, os produzia. Assim sendo, as empresas ou pessoas físicas que passam a produzir o bem ou serviço, em razão desta transferência mencionada, não são nem o empregador nem o empregado, mas um terceiro que se intromete entre os dois. Portanto, o próprio empregado pode despojar-se desta condição e passar a ser terceiro. Adverte ainda esta autora, com propriedade, que é equivocado supor que a terceirização se dá tão somente na área dos serviços e não na de bens. [25]

Segundo Haroldo Declerc Verçosa, a terceirização consiste no fenômeno da "horizontalização" da atividade econômica, mediante o qual muitas empresas estão transferindo para outras uma parte de suas funções até então desempenhadas por elas diretamente, de maneira que passam a se concentrar, progressivamente, em rol cada vez mais restrito de atividades. [26]

Euclides Alcides Rocha afirma que a terceirização é a conseqüência de um processo evolutivo natural dos meios de produção, necessários em certos estágios do desenvolvimento econômico de cada país, em que as empresas optam por entregar a terceiros a execução de determinadas tarefas ou fases do processo produtivo, especialmente aquelas que não constituem a atividade essencial e finalística do negócio, seja ela agropecuária, industrial, comercial ou de prestação de serviços. [27]

Por fim, entende Yeda Aparecida Flosi que a terceirização é a atividade-meio através da qual fica permitida a terceiros, ou parceiros, a produção de bens e serviços que não sejam a atividade-fim da tomadora de serviços. O terceiro pode ser uma pessoa física como jurídica, mas é sempre aquela que realiza o trabalho delegado pelo tomador de serviços, não se vinculando como seu empregado, posto que ausente o requisito da subordinação. [28]


I – ANÁLISES SOBRE O FENÔMENO DA TERCEIRIZAÇÃO

Nas crescentes transformações do mundo atual, encontra-se a terceirização como um fenômeno jurídico de grande abrangência, que tenta se traduzir na modernização das relações trabalhistas e no desenvolvimento das atividades empresariais e industriais. Mas afigura-se como uma prestigiosa técnica de fraudar os direitos do obreiro.

Nesse sentido o posicionamento de Jorge Luiz Souto Maior [29]:

Sem mencionar que a cobrança dos créditos trabalhistas fica, sensivelmente, dificultada pela névoa que repousa sobre as relações empregatícias, no trabalho terceirizado, dificultando a identificação do real empregador.

Mencionada modalidade de contratação é sempre polêmica. Originou-se da necessidade da indústria armamentista, na II Guerra Mundial, de suprir a demanda, aprimorar o produto e as técnicas de produção, demonstrando que os esforços de produção deveriam concentrar-se nas atividades principais, e que as atividades de suporte deveriam ser transferidas para terceiros, gerando um aumento dos postos de empregos naquela época. [30]

Fortaleceu-se, posteriormente, nos Estados Unidos, onde 78% das empresas de grande porte passaram ou ainda se encontram em reestruturação. [31]

Foi ainda largamente utilizada no Japão, surgindo como forma organizacional da produção empresarial pela descentralização produtiva. A proporção de trabalhadores terceirizados no setor siderúrgico, atualmente, é de 45% em relação ao total de trabalhadores no setor, chegando a 60% nas usinas mais modernas e a 35% no setor naval [32].

No Brasil, a terceirização alcançou destaque em fins da década de 60 e início dos anos 70, quando então a ordem jurídica normatizou tal fenômeno.

Segundo pesquisa da Manager Assessoria de Recursos Humanos, publicada em 14.09.93, mais da metade das empresas pesquisadas, sediadas no Brasil, já terceirizaram ou pretendiam terceirizar a área de serviços jurídicos. [33]

Percebe-se que a terceirização surgiu sob a justificativa de ser uma alternativa para as empresas se adaptarem à modernização da economia, eis que proporcionaria melhores condições de competitividade ao mercado da livre concorrência, pois disporiam de mão-de-obra especializada a baixo custo, tendo em vista a diminuição dos encargos sociais que pesam sobre a contratação direta de empregados.

Todavia, esta técnica produtiva resulta, na maioria das vezes, em flagrante diminuição dos valores pagos ao obreiro ou mesmo na queda da qualidade de suas condições de trabalho, como muito bem explicita Jorge Luiz Souto Maior [34]:

Aliás, a própria lógica da terceirização conduz a isso, já que, como explica Márcio Túlio Viana, as empresas prestadoras de serviço, para garantirem sua sobrevivência, porque não têm condições de automatizar sua produção, acabam sendo forçadas a precarizar as relações de trabalho, para que, com a diminuição do custo da obra, ofereçam seus serviços a um preço mais acessível, ganhando, assim, a concorrência perante outras empresas prestadoras de serviços.

Necessário apenas pontuar que a terceirização é negócio jurídico distinto da relação de emprego, devendo-se pautar na adequação das hipóteses previstas no ordenamento jurídico, ou seja, dentro das modalidades do Enunciado 331 do TST. E mesmo assim, a terceirização ainda carece de ajustes, já que a omissão legislativa tem levado a doutrina e jurisprudência buscar, na exata preleção de Maurício Godinho Delgado [35]:

...instumentos de controle civilizatório desse processo, de modo a compatibilizá-lo com os princípios e regras essenciais que regem a utilização da força do trabalho no mundo civilizado e no próprio Brasil.

De acordo com o Enunciado 331 do TST, que buscou normatizar a matéria, a terceirização laboral é lícita quando se tratar de serviços de vigilância, de conservação e limpeza, bem como de serviços especializados ligados à atividade do tomador de serviços, desde que inexistente a pessoalidade e a subordinação entre a empresa tomadora e a prestadora dos serviços contratados. Seguindo a ótica do referido verbete, difere do instituto "marchandage", ou intermediação de mão de obra, coibida por nosso ordenamento jurídico (inciso I do referido Enunciado 331 do TST).

Acrescente-se ainda a hipótese do trabalho temporário, previsto na Lei n. 6019/74, haja vista que, segundo Maurício Godinho Delgado [36]:

Não há mais dúvida significativa, hoje, entre os operadores jurídicos, de que a interpretação contida no Enunciado 331, IV, abrangeria todas as hipóteses de terceirização veiculadas na ordem sociojuridica brasileira. Nesse quadro, fica claro que a compreesão sumulada abrange também o trabalho temporário. Tornam-se, assim, superadas, nos dias atuais, as limitações tão criticadas que despontavam da interpretação literal do art. 16 da Lei n. 6.019.

2- Modelo tradicional de contratação

A implementação de tal estratégia terceirizante deve concretizar-se respeitando normas e formas jurídicas apropriadas, sob pena de ser descaracterizada, implicando na responsabilidade de assumir o pagamento de verbas laborais não pagas, decorrentes da verificação da existência do vínculo empregatício.

A tomadora de serviços, quando transfere uma de suas atividades ou parte de seu processo produtivo à empresa de prestação de serviços terceirizatária, não pode lesar qualquer direito, seja de empregados (seus ou da empresa prestadora), seja da própria empresa prestadora dos serviços ajustados.

A Consolidação das Leis do Trabalho enumera em dois de seus preceitos, quais sejam, o artigo 3º e o artigo 2º, tais elementos do contrato individual de trabalho por prazo indeterminado, considerado tipo principal e preferencial, segundo o princípio de tipicidade contratual vigente no Direito do Trabalho: a pessoalidade da relação de emprego com relação ao empregado, a habitualidade ou continuidade da prestação de serviços, a onerosidade da relação e a subordinação jurídica ao empregador, que tem o poder diretivo das forças produtivas do empregado.

O professor Maurício Godinho Delgado denomina tais elementos inarredáveis de elementos fáticos-jurídicos da relação de emprego, esclarecendo ainda que a melhor doutrina usa a denominação de pressupostos. [37]

Importa transcrever os ensinamentos de Jorge Luiz Souto Maior [38]:

Repare-se que, no termos do Enunciado 331 do Eg. TST, mesmo em se tratando de serviços técnicos especializados ou atividade-meio da empresa, a impossibilidade de prestação de serviços por empresa interposta se mantém. Nessas atividades (ex. serviços de limpeza), o afastamento de relação de emprego com a empresa tomadora dos serviços somente ocorrerá quando não se verifiquem presentes os requisitos especiais deste tipo de relação jurídica: pessoalidade; não-eventualidade; subordinação e onerosidade com relação à empresa tomadora dos serviços. Frise-se que, do ponto de vista da prova, a prestação de serviços continuados faz presumir a existência de tais requisitos.

Neste passo, afigura-se que a terceirização, quando praticada através de empresas prestadoras de serviços que mantenham contratos de trabalho por prazo determinado com seus empregados, e, importante sublinhar, sem qualquer subordinação direta destes à empresa tomadora, deverá ser considerada como válida, mormente se a prestadora tiver uma atividade empresarial especializada, não se constituindo como uma mera intemediadora de mão-de-obra.

Mais uma vez as lições de Jorge Luiz Souto Maior [39]:

Destaque-se, ainda, que é essencial para a validade da terceirização, do ponto de vista do direito do trabalho, a especialização da empresa prestadora de serviço. Uma empresa que se constitua com o objetivo único de colocar mão-de-obra a serviço de outra não possui atividade empresarial alguma e, por isso mesmo, não pode ser considerada empregadora, formando-se, obrigatoriamente, o vínculo com a empresa tomadora dos serviços.

Todavia, quando a subordinação jurídica direta do obreiro à tomadora sobressai evidente na execução dos serviços pactuados, a situação modifica-se, caracterizando fraude na prestação laboral, formando-se vínculo de emprego com a tomadora de serviços, atraindo para esta a responsabilidade subsidiária, nos termos do Enunciado 331 do TST, abaixo transcrito:

Enunciado 331

I – A contratação de trabalhadores por empresa interposta é ilegal, formando-se o vínculo diretamente com o tomador dos serviços, salvo nos casos de trabalho temporário. (Lei n. 6.019, de 03.01.74).

II – A contratação irregular de trabalhador, através de empresa interposta, não gera vínculo de emprego com os órgãos da Administração Pública Direta, Indireta ou Fundacional (art. 37, II, da Constituição da República).

III – Não forma vínculo de emprego com o tomador a contratação de serviços de vigilância (Lei n. 7.102, de 20.06.83), de conservação e limpeza, bem como a de serviços especializados ligados a atividade-meio do tomador, desde que inexistente a pessoalidade e a subordinação direta.

IV – O inadimplemento das obrigações trabalhistas, por parte do empregador, implica na responsabilidade subsidiária do tomador dos serviços, quanto àquelas obrigações, inclusive quanto aos órgãos da administração direta, das autarquias, das fundações públicas, das empresas públicas e das sociedades de economia mista, desde que hajam participado da relação processual e constem também do título executivo judicial.

Enquanto cliente, é lícito a empresa tomadora apenas exigir a correta execução dos serviços contratados, bem como qualidade, podendo negociar prazos, não sendo estendida a possibilidade de exceder tais limites, exteriorizando o respeito à independência da empresa prestadora de serviços, bem como aos empregados desta.

Pedro de Alcântara Kalume sintetiza muito apropriadamente:

Não é pelo fato de existir um contrato que alega que a prestação do serviço é dita realizada por terceiros que se desnatura o vínculo com o tomador do serviço. É que a subordinação é, sobretudo, ‘fonte de direitos e deveres’, segundo Délio Maranhão, e é manifestada ou materializada pelo comando, isto é, a capacidade de dirigir (correspondendo ao ‘o que fazer’, ‘quando fazer’ e ao ‘como fazer’) e de fiscalizar a atividade do empregado (controlar o cumprimento da prestação do serviço). Ora, se o contratado sofre este tipo de comando e de controle pela contratante (prestação pessoal do serviço), é empregado desta e não de terceiros. [40]

Por fim, necessário perquirir a exteriorização da real intenção do tomador de serviços, a fim de averiguar a existência ou não da terceirização. Se o pretenso tomador, com intenção de mascarar o vínculo empregatício, realizar, em seu aspecto formal, uma contratação de terceiros para a prestação de serviços, mas que de fato, funciona com todos os elementos caracterizadores de uma relação de emprego, presente estará o animus do tomador de fraudar Direitos Trabalhistas. Prevalecerá a verdade real sobre a verdade formal, restando assim reconhecida a relação de emprego direta entre o tomador e obreiro, hipótese esta prevista no referido Enunciado do Tribunal Superior do Trabalho.

3- A prática da terceirização

A terceirização traz consigo muitos problemas de ordem prática. O mais claro é a compatibilização dos interesses patronais de diminuição de custos e aumento da produtividade com os interesses dos empregados de manutenção ou conquista de direitos.

Ari Possidônio Beltran explicita que o movimento sindical tem sempre acusado a terceirização de ser um instrumento para aqueles que pretendem eivar sua força e o poder de negociação da classe trabalhadora. Aponta, com base em relatório emanado pelo DIEESE, que a aplicação da terceirização pode servir para combater as organizações e conquistas sindicais, criar dificuldades para uma contratação sindical, desintegrar a identidade entre trabalhadores de uma mesma categoria e reduzir a organização e a militância sindical. [41]

Nesse sentido, Maurício Godinho Delgado, ao declarar que:

A terceirização desorganiza perversamente a atuação sindical e praticamente suprime qualquer possibilidade eficaz de ação, atuação e representação coletivas dos trabalhadores terceirizados. [42]

Reginaldo Melhado aponta que o modelo sindical brasileiro em muito contribui para que a terceirização da mão-de-obra enfraqueça o movimento sindical. Afinal, a unicidade sindical obriga que os trabalhadores estejam ligados a uma entidade representativa ligada à atividade principal de seu empregador, salvo no caso de categoria diferenciada, de modo que os trabalhadores terceirizados se dispersam entre vários sindicatos. Acredita ainda que o pluralismo e a liberdade de filiação sindical tornariam viável o enfrentamento deste quadro, pois possibilitaria reunir em uma mesma entidade trabalhadores de empresas integrantes de diversos ramos de atividade, mediante o simples requisito de existência, entre eles, de solidariedade de interesses econômicos. [43]

Maurício Godinho Delgado, por sua vez, argumenta, para uma efetiva representatividade, que somente seria uma organização sindical da categoria profissional do trabalhador terceirizado aquela entidade coletiva que representasse, conjuntamente, os trabalhadores da empresa tomadora de serviços, já que o obreiro integra-se, em seu cotidiano, na empresa tomadora e não na prestadora de serviços. [44]

Amauri Mascaro Nascimento considera que são os principais argumentos contrários à terceirização: o deslocamento do núcleo do contrato individual de trabalho da CLT e a redução de direitos do empregado no que tange a promoções. [45]

Arrola igualmente Pedro Vidal Neto as vantagens e desvantagens do fenômeno. Dentre as primeiras destacam-se: a excelência dos resultados obtidos, sob o ponto de vista da qualidade e da produtividade, o que redunda na especialização tanto dos terceiros contratados como da própria contratante; a minoração dos custos com a diminuição do quadro de pessoal, bem como redução de despesas com recrutamento, seleção e treinamento de mão-de-obra. Dentre as segundas reclamam especial atenção: prejuízo da atividade sindical, porquanto importa desmembramento da categoria, reduzindo o poder de barganha dos sindicatos e sua percepção de receita; queda nos níveis de condições de trabalho e dificuldade de manutenção ou preservação de direitos do trabalhador. [46]

Pondera sobre esse último aspecto Jorge Luiz Souto Maior:

Além disso, o dinamismo da terceirização acaba provocando uma pulverização da massa trabalhadora, o que inibe a luta por melhores condições de trabalho, já que o pressuposto dessa luta é a união. Comprova isso a constatação de que "o trabalho terceirizado é sempre pior pago que o emprego normal".

Também Márcio Túlio Viana afirma que, do ponto de vista das empresas, a terceirização apresenta vantagens: redução de custos, crescimento de lucros, ingresso rápido e simples de mão-de-obra, elevação da produtividade com a concentração de forças no foco principal de atividade. Contudo, adverte que, para os trabalhadores, comporta a técnica imensa gama de desvantagens: redução dos postos de trabalho, aumento da carga de subordinação, destruição do sentimento de classe, degradação de condições de higiene e segurança e redução de valores salariais. [47]

Ressalta José Janguiê Bezerra Diniz que, ao lado das vantagens patronais representadas pela especialização da produção, redução dos custos e encargos, simplificação da estrutura empresarial, eliminação de operações não essenciais, liberação do capital para investimentos em novas tecnologias e produtos, otimização do uso de espaços, há patentes problemas para os trabalhadores, dentre os quais o aumento da contratação precária, a redução dos níveis salariais, diminuição das condições sanitárias dos locais de trabalho, maior rotatividade da mão-de-obra, a desintegração do movimento sindical com a individualização das relações profissionais, diminuição das possibilidades de integração e participação dos empregados na gestão empresarial. [48]

No âmbito das relações individuais do trabalho, o maior problema consiste em evitar que a terceirização sirva como meio hábil à realização de fraudes à legislação trabalhista, desvirtuando seu caráter tuitivo. Ou seja, a principal questão é evitar justamente os efeitos nocivos da terceirização.

O que se deve coibir é a finalidade desvirtuada para restringir os direitos dos trabalhadores, desrespeitando a legislação protetiva. Afinal, uma das finalidades do Direito do Trabalho constitui o fomento ao crescimento humano do trabalhador, através da melhoria de suas condições de vida e de trabalho.

Portanto, afigura-se correta a afirmação de Luiz Carlos Amorim Robortella, segundo a qual a terceirização traz um dilema para o Direito do Trabalho, em especial no setor de serviços, onde nem sempre se torna fácil distingui-la da fraudulenta intermediação de mão-de-obra. [49]

Na verdade, a terceirização coloca o Direito do Trabalho frente a uma situação embaraçosa e com saídas difíceis ou penosas. Ressalta ainda a problemática existente na própria gênese deste ramo do Direito: a compatibilização entre os divergentes interesses dos fatores da produção.

Cumpre, todavia, destacar que a terceirização de atividades-fim também tem sido praticada pelas empresas, mormente naquelas que atingiram um alto grau de especialização. Cabe, pois, em um segundo momento, definir se este tipo de terceirização é lícito ou não. Ou seja, perquirir se a terceirização de atividades-fim pode ser compatível com a finalidade tuitiva do Direito do Trabalho posto.


A TERCEIRIZAÇÃO TRABALHISTA

Ao analisarmos o papel do Tribunal Superior do Trabalho frente aos desafios sofridos pelo Direito do Trabalho, vemos que a jurisprudência trabalhista já vinha se firmando no sentido de repudiar os contratos atípicos nascidos da terceirização, em defesa dos princípios elencados da integração do trabalhador à empresa e à continuidade da relação de emprego. [50]

As transformações na realidade organizacional das empresas, determinadas pela maior amplitude da concorrência internacional, criou casos concretos inteiramente novos e que obrigaram a jurisprudência trabalhista a buscar um posicionamento claro sobre a questão da responsabilidade do empregador pelos créditos do obreiro.

Segundo Maurício Godinho Delgado [51]:

O caminho percorrido pela jurisprudência nesse processo de adequação jurídica da terceirização ao Direito do Trabalho tem combinado duas trilhas principais: a trilha da isonomia remuneratória entre os trabalhadores terceirizados e os empregados originais da empresa tomador de serviços e a trilha da responsabilização do tomador de serviços pelos valores trabalhistas oriundos da prática terceirizante.

O Tribunal Superior do Trabalho editou diversos verbetes jurisprudenciais sobre a terceirização do trabalho, onde se pode notar que o enfoque dado a este assunto evoluiu no campo da sua interpretação judicial.

O primeiro enunciado jurisprudencial do Tribunal Superior do Trabalho a cuidar da matéria relativa à terceirização da mão-de-obra e responsabilização pelos créditos do obreiro foi o de número 239, que visava impedir que os trabalhadores de empresas de processamento de dados, que prestavam serviços a instituições bancárias, fossem excluídos da gama de direitos conquistados pela categoria dos bancários, especialmente a jornada de trabalho de seis horas.

Nesta hipótese, a prestadora de serviços destinava a atividade de seus contratados ao banco integrante do mesmo grupo econômico, subordinando, entretanto, seus empregados a um regime de trabalho diferente dos empregados em instituições bancárias, muito embora a natureza dos serviços que prestavam os enquadrasse com perfeição a esta categoria. Em razão disso, assim se manifestava o texto da jurisprudência sumulada aprovado: "É bancário o empregado da empresa de processamento de dados que presta serviço à banco integrante do mesmo grupo econômico". [52]

Tratava-se de evitar assim, que, no aparente exercício de uma atividade, a instituição bancária praticasse ato de mera emulação, destinado a causar prejuízos aos direitos conquistados pela categoria dos bancários e, por corolário, auferindo vantagem indevida às custas do trabalho terceirizado prestado pelos processadores de dados. Portanto, coibia-se a criação fraudulenta de pessoa jurídica pelo próprio empregador com a manifesta intenção de sonegar aos seus empregados vantagens asseguradas à categoria originária por lei ou norma coletiva. [53]

Advertia José Maria de Souza Andrade, em arguta análise, que a situação abraçada pelo Enunciado 239 supracitado referia-se a um caso específico, de uma mesma instituição bancária, não tratando de outras situações análogas, como, por exemplo, grupo econômico não-bancário ou grupo econômico bancário constituir empresa prestadora de serviços que não sejam de digitação, de modo que sua aplicação genérica afigurava-se impossível. Assim, o verbete não refletia a jurisprudência dominante no TST, retratando apenas seu posicionamento diante de um caso concreto, ocorrido no âmbito de uma empresa determinada. [54]

Também tem o inconveniente de não fazer distinção entre a contração por interposta pessoa e a prestação efetiva de serviços pela empresa fornecedora.

O segundo momento em que a mais alta corte trabalhista pátria tratou do tema, em forma de jurisprudência posta, foi com a edição do Enunciado 256:

Salvo nos casos de trabalho temporário e de serviços de vigilância, previstos nas Leis ns. 6.019 de 03/07/74 e 7.102, de 20/06/83, é ilegal a contratação de trabalhadores por empresa interposta, formando-se vínculo empregatício diretamente com o tomador de serviços.

Como é fácil notar, o TST tentava então, vedar as formas de subcontratação não previstas expressamente em lei. Havia um certo temor de que a terceirização do trabalho representasse uma apologia ao marchandage, ou seja, à exploração do homem pelo homem. Assim se manifestava Marco Aurélio Mendes de Farias Mello, Ministro Relator do incidente de uniformização de jurisprudência, para quem as empresas de prestação de serviços dedicavam-se a arregimentar pessoas, mediante contrato de trabalho, com a finalidade de prestar serviços a uma outra empresa cliente, por força de um contrato civil intencionalmente firmado, pelo qual a prestadora de serviços apenas se beneficia ou se apropria da força de trabalho alheia, não possuindo outro fim específico que o lucro sobre o esforço do trabalhador. [55]

A repercussão do texto do Enunciado 256 foi bastante grande, o que propiciou uma intensa discussão doutrinária.

Octávio Bueno Magano criticou fortemente a orientação adotada pelo TST, afirmando que estava ela divorciada da realidade socioeconômica vigente, na qual a cooperação entre as empresas era um fenômeno de destaque e que decorria da necessidade de criar novos meios para enfrentar a concorrência. Resumia sua indignação ao lecionar:

A parte mais chocante do enunciado em análise é aquela que nega o princípio da ilicitude do não-proibido e faz a apologia do seu contrário, ou seja, da regra de que só é lícito o expressamente previsto em lei. Assim procedeu, com efeito, o Tribunal Superior do Trabalho, proclamando a ilicitude da prestação de serviços a terceiros, com a ressalva exclusiva dos casos previstos nas Leis nos 6.019/74 (temporários) e 7.102/83 (vigilante). [56]

Arion Sayão Romita assim se manifestou:

Ora, esta orientação jurisprudencial contraria a tendência a terceirização do trabalho e à flexibilização. È certo que os abusos devem ser reprimidos e as fraudes não podem merecer o aplauso dos tribunais. [57]

Afirmaram também Délio Maranhão e Arnaldo Süssekind que o TST, ao intentar conter o avanço do marchandage, conseguiu apenas confundi-lo com a prestação de serviços entre as empresas diversas, golpeando o avanço econômico. [58]

Pondera Sérgio Pinto Martins, ao esclarecer que a orientação contida na Súmula 256 deve ser entendida no sentido de impedir a fraude à lei e não a prestação lícita de serviços a terceiros, de modo que cada caso concreto é que irá determinar a existência ou não de burla à norma legal. [59]

Arion Sayão Romita igualmente observa, novamente, que se justificavam as pesadas críticas doutrinárias ao Enunciado 256, pois sua aplicação foi ampliada para proclamar a existência de vínculo de emprego mesmo quando o trabalho executado pela empresa prestadora de serviços não estivesse abrangido na atividade-fim da empresa principal. Acredita o autor que a orientação jurisprudencial, aparentemente e em princípio, aplicava-se tão somente à interposição de empresas de contratação de pessoal, não se referindo aos contratos de prestação de serviços por empresa. [60]

Enio Rodrigues de Lima declara entender que não existe norma vedando a contratação de serviços, muito menos que o empregado da prestadora deva ser vinculado à tomadora. [61]

Vidal Neto acrescenta que o art. 170 da Constituição da República dispõe que a ordem econômica funda-se na livre iniciativa e autoriza a todos o livre exercício de qualquer atividade, desde que lícita. Assim, mostra-se a atividade de prestação de serviços ou fornecimento de bens como uma atividade econômica normal que pode ser desenvolvida livremente. [62]

A terceira manifestação da jurisprudência sobre a terceirização da mão-de-obra veio à tona com o Enunciado 257 do Tribunal Superior do Trabalho, que afirmava não serem bancários os vigilantes contratados diretamente pelos bancos ou por meio de agências especializadas.

Ao considerar que vigilante não pode ser considerado bancário, mesmo quando contratado por bancos, segundo Maurício Godinho Delgado [63]:

É verdade que a Lei n. 7.102, de 1983 veio prever a sistemática de terceirização permanente. Entretanto, seus efeitos também quedaram-se algo restritos, por instituir a lei mecanismo de contratação terceirizada abrangente apenas de específica categoria profissional, os vigilantes.

Como é fácil notar, esta orientação jurisprudencial calcou-se nas disposições da Lei n° 7.102/83, reafirmando a ausência de identidade de atividades bancárias e de vigilância. Portanto, sob este prisma, representou apenas uma redundante manifestação da jurisprudência sobre o direito aplicável.

Seu grande mérito, porém, foi o de reconhecer a possibilidade da prestação de serviços especializados, qual seja: serviço de vigilância para instituições financeiras.

Ainda sob a vigência do Enunciado 256 do C. TST escrevia Amauri Mascaro Nascimento que havia estudos doutrinários desenvolvidos na área do Direito do Trabalho voltados par a diferenciação entre atividade-meio e atividade-fim para efeito de rejeitar a terceirização desta e admitir, com algumas reservas, a daquela. Para este autor, atividades-meio são aquelas que não coincidem com os fins da empresa contratante, enquanto atividades-fim são aquelas que com eles coincidem. E exemplifica: se uma instituição bancária contrata empresa de segurança e vigilância, trata-se de terceirização de atividade-meio, mas se contrata, por empresa interposta, funcionários para o cargo de caixas, trata-se de terceirização de atividade-fim. [64]

Advertia o citado autor que tal critério não estava suficientemente aprimorado, de modo que não conseguia resolver casos em que a especificidade e o grau de autonomia de uma atividade-fim justificavam a contratação de terceiros.

Na Argentina, critério semelhante foi adotado pela lei, distinguindo-se entre atividade normal ou específica da tomadora e atividade acessória. Relatam os juristas argentinos que a doutrina e a jurisprudência ainda permanecem oscilantes no que respeita à definição destes conceitos, sendo possível verificar uma oposição constante entre interpretações ampliativas e restritivas de ambos. [65]

Ainda assim, o C. TST revisou o Enunciado 256 para adotar, no Enunciado 331, os conceitos doutrinários de atividade-fim e atividade-meio como critério distintivo entre terceirização lícita e ilícita, abaixo transcrito:

Enunciado 331

I – A contratação de trabalhadores por empresa interposta é ilegal, formando-se o vínculo diretamente com o tomador dos serviços, salvo nos casos de trabalho temporário. (Lei n. 6.019, de 03.01.74).

II – A contratação irregular de trabalhador, através de empresa interposta, não gera vínculo de emprego com os órgãos da Administração Pública Direta, Indireta ou Fundacional (art. 37, II, da Constituição da República).

III – Não forma vínculo de emprego com o tomador a contratação de serviços de vigilância (Lei n. 7.102, de 20.06.83), de conservação e limpeza, bem como a de serviços especializados ligados a atividade-meio do tomador, desde que inexistente a pessoalidade e a subordinação direta.

IV – O inadimplemento das obrigações trabalhistas, por parte do empregador, implica na responsabilidade subsidiária do tomador dos serviços, quanto àquelas obrigações, inclusive quanto aos órgãos da administração direta, das autarquias, das fundações públicas, das empresas públicas e das sociedades de economia mista, desde que hajam participado da relação processual e constem também do título executivo judicial.

No caso de terceirização de serviços essenciais, ou seja, de terceirização de atividades-fim, haveria ilicitude e, conseqüentemente, o vínculo formar-se-ia com o tomador de serviços. No caso de terceirização de atividades-meio, somente estaria configurada ilicitude quando presente a subordinação direta na prestação dos serviços.

Todavia, a tendência que se verificou, segundo Sérgio Pinto Martins, dissertando sobre o referido Enunciado:

Da forma como o En. 331 do TST está redigido, só se admite a terceirização da atividade-meio e não da atividade-fim. Entretanto, é possível a terceirização da atividade-fim da empresa, como ocorre na indústria automobilística, desde que não exista fraude. [66]

Escreveu também Vantuil Abdala, reconhecendo que não há parâmetros bem definidos do que sejam atividade-fim e atividade-meio, de sorte, por vezes, estar-se-á frente a uma zona de penumbra em que os dois conceitos muito se aproximam, tornando-se difícil sua exata distinção. Assim, este autor remete ao prudente arbítrio do Juiz a tarefa de defini-la nestes casos. [67]

Entendemos que a aplicação do critério distintivo entre terceirização lícita e ilícita, fundamentado na verificação da prestação de atividade-meio e atividade-fim ainda é o mais correto. Todavia, o que se verifica na atualidade é a franca inaplicabilidade deste critério, encontrando fortes opositores no cenário jurídico nacional.

Mas há que se relembrar que tal critério já vinha sendo tratado pela jurisprudência durante os anos 80 e 90, conforme Maurício Godinho Delgado [68] assevera:

A dualidade atividades-meio versus atividade-fim já vinha sendo elaborada pela jurisprudência ao longo das décadas de 1980 e 90, por influência dos dois diplomas legais dirigidos à Administração Pública e como parte do esforço para melhor compreender a dinâmica jurídica da terceirização por além dos estritos limites colocados pelo antigo Enunciado 256 do TST. O Enunciado 331 claramente assimilou os resultados desse esforço hermenêutico.

Segundo alguns autores, a especialização da empresa prestadora de serviços comporta menos incerteza que a apuração do que representa atividade essencial ou não da empresa, baseado no alto grau de subjetivismo que não permite a consagração destes conceitos para separar as circunstâncias em que a terceirização seria lícita ou não.

Jorge Luiz Souto Maior comunga deste entendimento [69]:

Destaque-se, ainda, que é essencial para a validade da terceirização, do ponto de vista do direito do trabalho, a especialização da empresa prestadora de serviço. Uma empresa que se constitua com o objetivo único de colocar mão-de-obra a serviço de outra não possui atividade empresarial alguma e, por isso mesmo, não pode ser considerada empregadora, formando-se, obrigatoriamente, o vínculo com a tomadora dos serviços.

Como se vê, a jurisprudência brasileira acerca da terceirização da mão-de-obra evoluiu através dos conceitos doutrinários de separação entre atividade-fim e atividade-meio. A tendência assim foi emprestar o caráter legal à terceirização de atividade-meio ou de apoio, enquanto se dava a pecha de ilegal à terceirização de atividades centrais ou essenciais das empresas (atividade-fim).

Esse é o entendimento de Maurício Godinho Delgado [70]:

No corpo dessas alterações uma das mais significativas foi a referência à distinção entre atividade-meio e atividade-fim do tomador de serviços (referência que, de certo modo, podia ser capturada no texto dos dois diplomas sobre reforma administrativa na década de 1960: art. 10, caput, Decreto-lei 200/67 e Lei n. 5.645/70). Essa distinão marcava um dos critérios de aferição da licitude (ou não) da terceirização perpetrada.

Por fim, necessário transcrever:

Como se sabe que o Direito é essencialmente finalístico, incorporando valores e metas considerados socialmente relevantes em certa época histórica, essa absorção jurídica da terceirização teria, evidentemente, de se fazer na direção da harmonização possível da fórmula terceirizante aos fins e valores essenciais do Direito do Trabalho. [71] (grifos nossos)

2- Trabalho temporário e o critério distintivo atividade-meio e atividade-fim

Nos casos em que há intermedição de mão-de-obra através de contratos de trabalho temporário, a contratação pode ser típica, enquadrando-se entre os tipos subsidiários ou precários. Ou seja, quando estão presentes à pessoalidade, a onerosidade e subordinação, aliadas à justificação clara da necessidade da prestação de serviços temporários e respeitado o prazo máximo de contratação dado pela Lei n° 6.019/74.

Segundo Robortella, quando uma empresa de prestação de serviços contrata alguém para a prestação de serviços como temporário, embora estejam presentes alguns dos elementos da relação de trabalho temporário, isto é, de um dos tipos precários de contratação trabalhista, esta relação pode ser considerada ilícita se não estiver presente à justificação da transitoriedade da prestação dos serviços como exige a lei vigente ou se extrapolar o período máximo permitido. Portanto, a relação não obedece a todos os requisitos legais para o enquadramento como trabalho temporário, nos exatos moldes, tornando-se atípica: a relação deixa de estar coberta por uma regulamentação legal específica. Conseqüentemente, por aplicação do princípio da tipicidade, esta relação não poderá contar com o apoio da lei especial, tornando-se reconhecidamente ilícita perante esta. Como, via de regra, na contratação temporária a subordinação do empregado é transferida para a empresa tomadora de serviços, esta redução da relação ao tipo principal remeterá a ela a responsabilidade como real empregadora. [72]

Entende assim, o citado autor, que a subordinação serve como determinante do verdadeiro empregador, dentre aqueles elementos que compõem o tipo principal ou consistente.

A origem do vocábulo subordinação vem do latim sub ordinare, que significa estar às ordens de alguém. Afigura-se assim, segundo considerações de Amauri Mascaro Nascimento, que :

Empregado é um trabalhador cuja atividade é exercida sob dependência de outrem para quem ela é dirigida (...). Empregado é um trabalhador subordinado. Se o trabalhador não é subordinado, será considerado trabalhador autônomo, não é empregado. As leis trabalhistas são voltadas apara a proteção do trabalhador subordinado e não para o trabalhador autônomo.

[73]

Ainda segundo Amauri Mascaro Nascimento, subordinação seria:

...uma situação em que se encontra o trabalhador, decorrente da limitação contratual da autonomia da sua vontade, para o fim de transferir ao empregador o poder de direção sobre a atividade que desempenhará. [74]

Destarte, não comungamos do entendimento de que a subordinação direta constitui uma das melhores formas para avaliar a licitude ou ilicitude de uma contratação terceirizada. Afinal, nem sempre é ela que determina o real empregador, dando plena vigência ao princípio da primazia da realidade no campo do Direito do Trabalho.

O caminho correto, segundo alguns autores, seria a especialização de serviços para se determinar a responsabilização da empresa tomadora de serviços. Ou seja, se os serviços prestados não são especializados, não acrescentam qualquer transformação do trabalho, por algum tipo de especialização profissional, haverá formação de vínculo com a empresa tomadora.

Nesta ótica, que também não entendemos aplicável, ao se perguntar se o empregado da empresa prestadora de serviços pode postular validamente o reconhecimento de vinculo empregatício perante a empresa tomadora, a resposta será positiva se for simples intermediação de mão de obra, quando o intermediário se coloca apenas entre o trabalhador e o tomador sem acrescentar nesta relação qualquer transformação do trabalho, por algum tipo de especialização profissional ou técnica. Será negativa se for autêntica prestação de serviços em que a prestador desenvolve atividade econômica própria, voltada à execução de atividades especializadas, não essenciais ou traduzidas como permanentes aos fins econômicos desejados pela tomadora.

Percebe-se, porém, que o critério de separação entre atividade-fim e atividade-meio, utilizado pelo Enunciado 331 do C. TST afigura-se dissociado da realidade concreta. Mas não pela circunstância de que o veloz avanço das tecnologias, hodiernamente, não mais permite que se considerem fixos e perenes os modelos produtivos, como alguns fazem crer, mas pela simples circunstância de que o legislador pátrio não cuidou de normatizar tal fenômeno aliado ao fato de que os nossos Tribunais têm admitido aleatoriamente a terceirização de atividades-fim, sem atentar para os efeitos maléficos e solapantes trazidos ao trabalhador. É preciso tentar encontrar meios eficazes de proteção ao trabalhador, tais como a isonomia remuneratória e responsabilização do tomador de serviços pelos débitos trabalhistas pela prática terceirizante.

Maurício Godinho Delgado [75], com extremada percuciência, sintetiza muito bem:

Uma singularidade desse desafio crescente reside no fato de que o fenômeno terceirizante tem se desenvolvido e alargado sem merecer, ao longo dos anos, cuidados esforços de normatização pelo legislador pátrio. Isso significa que o fenômeno tem evoluído, em boa medida, à margem da normatividade heterônoma estatal, como um processo algo informal, situado fora dos traços gerais fixados pelo Direito do Trabalho. Trata-se de exemplo marcante de divórcio da ordem jurídica perante os novos fatos sociais, sem que se assista a esforço legiferante consistente para se sanar tal defasagem jurídica.

O critério consistente em distinguir entre atividade-fim e atividade-meio atende plenamente a exigência da proteção do empregado. Respeita a idéia segundo a qual o trabalhador merece proteção especial, porque vende sua força de trabalho a fim de não ficar sujeito aos altos e baixos da atividade econômica.

Contudo, em linha contrária, ressalta Nelson Mannrich que a avaliação do ponto de onde emana a direção dos serviços é um dos elementos que permite identificar, com precisão, quem é realmente o empregador nos casos de subcontratação. Afinal, a direção pessoal dos serviços resulta do poder diretivo, consistente na faculdade de o empregador, nos termos do contrato de trabalho, dar as ordens necessárias para o desenvolvimento das tarefas e das atividades comuns do seu empreendimento, tendo em vista que, via de regra, as obrigações do empregado são contraídas de forma genérica. Ademais, o poder diretivo é intransferível, salvo nos casos de prestação de trabalho temporário, na forma prevista pela Lei n.° 6.019/74. [76]

Todavia, entendemos mais acertada a adoção da verificação do tipo de atividade terceirizada: se tratar-se de atividade essencial ao núcleo da empresa, portanto considerada como atividade-fim, diante estamos de uma terceirização ilícita, fraudulenta, como mera técnica de redução dos custos do trabalhdo, com evidente prejuízo para os empregados. Do contrário, se tratar-se de atividade não essencial, considerada periférica, estariamos diante de terceirização lícita, plenamente válida, que se justifica como forma de maximização da produção.

3- A subordinação direita como elemento diferencial

Subordinação e poder de direção são verso e reverso da mesma medalha. A subordinação é a situação em que fica o empregado. O poder de direção é a faculdade mantida pelo empregador. Ambas se completam. O empregado é um subordinado porque ao se colocar nessa condição consentiu por contrato que seu trabalho seja dirigido por outrem, o empregador. Este pode dar ordens de serviço. [77]

Contudo, a proposta de enfoque único da terceirização, sob o prisma da subordinação direta com observância ao princípio da tipicidade, somada à responsabilidade subsidiária da empresa tomadora, não procura compatibilizar as novas necessidades econômicas das empresas com a permanência das garantias sociais historicamente conquistadas pela classe trabalhadora. Não se propõe uma convivência harmônica da evolução tecnológica e econômica com os princípios fundantes do Direito do Trabalho, no tocante à terceirização da mão-de-obra.

O critério da avaliação da subordinação direta não tem melhor adequação com a principiologia do Direito do Trabalho, pois não responde à lógica da proteção ao trabalhador na medida em que sua implantação pode resultar na impossibilidade de os trabalhadores receberem os direitos pelos serviços prestados e ofertando campo fecundo para a fraude ou a desproteção do trabalhador.

Nota-se assim que, utilizando-se o critério proposto (atividade-meio e atividade-fim), seria ilícita a contratação terceirizada de atividades que supostamente constituiriam um fim para a empresa principal. Ademais, obedece-se assim à lógica do princípio protetor de evitar que o trabalho humano seja tratado como simples mercadoria, respeitando-se a dignidade do trabalhador e impedindo a ação dos mercadores de mão-de-obra.

Todavia, a lição de Amauri Mascaro Nascimento, ainda sob a vigência do enunciado 256 do C. TST aponta para a subordinação direta do pessoal da empresa terceirizada à contratante, que se torna mais clara quando aquela não tem estabelecimento próprio, utilizando-se das instalações e da hierarquia de chefia da contratante, caracteriza vínculo de emprego direto com a contratante. [78]

Os ensinamentos de Luiz Carlos Amorim Robortella também sinalizavam no mesmo sentido. Assim, após advertir que a mais autorizada doutrina vinha aceitando a contratação de serviços ou o fornecimento de produtos entre empresas, que passavam a formar uma cadeia produtiva, através das sucessivas contratações, ressaltava este autor que a subcontratação tinha plena compatibilidade com os princípios do Direito do Trabalho, uma vez que a empresa contratada, ou subcontratada, responsabilizava-se pelos seus próprios trabalhadores, os quais continuavam a deter um posto de trabalho permanente, ainda que prestando serviços para diferentes tomadores por períodos mais ou menos determinados. Os pressupostos básicos para que estas relações fossem separadas daquelas tendentes à fraude seriam assim a direção da atividade pelo prestador e sua idoneidade econômica. Presentes estas características, pouco importaria que a terceirização atingisse uma atividade-fim ou uma atividade-meio da empresa tomadora de serviços. [79]

José Janguiê Bezerra Diniz também acompanha esta linha de pensamento, discordando da orientação adotada pelo Enunciado 331 do C. TST e aduzindo que as características básicas da subcontratação são: a especialização da produção, a direção dos serviços pelo fornecedor, sua idoneidade econômica e inexistência de intenção fraudatória. Assim, presentes estes elementos, a terceirização revelar-se-ia lícita mesmo quando atingisse atividade essencial da empresa. [80]

Para Eduardo de Azevedo Silva, embora a distinção entre atividade-meio e atividade-fim venha sendo utilizada fracamente pela jurisprudência e pela doutrina minoritária como elemento decisivo para a determinação da licitude da terceirização, essa orientação não é merecedora de aplausos, pois, em determinados segmentos da Economia, a complexidade do processo produtivo chega a tal ponto que muitas vezes não é nada fácil identificar ou distinguir as atividades acessórias das principais. E acrescenta que a especialização é a base fundamental para a identificação do autêntico contrato de prestação de serviços, ao lado da qual figura a direção da prestação pessoal dos serviços pelo fornecedor, junto à qual, em sua visão, pode concorrer à direção do tomador. Ou seja, presente à subordinação direta à empresa prestadora, pode estar presente uma subordinação indireta à empresa tomadora. Portanto, esvazia-se de sentido o critério calcado na distinção entre atividade-fim e atividade-meio. [81]

Em estudo sobre a edição do Enunciado 331, Euclides Alcides Rocha atesta sua antipatia pela orientação contida no seu inciso III, dizendo que este poderia muito bem ter sido omitido, porque, em verdade, apenas repetiu a orientação contida no inciso I com a pretensão de deixar evidenciado que também não forma vínculo com o tomador à terceirização de serviços de limpeza e conservação e outros ligados a atividade-meio do tomador, desde que ausentes à pessoalidade e a subordinação direta. Assim sendo, considera que a regra não consegue desvencilhar-se do círculo vicioso em que se desdobra, sendo despicienda e inócua, no mínimo, pois em qualquer típica locação de serviços, das relacionadas no verbete ou não, destinadas a atividade-meio ou à atividade-fim do tomador, se inexistentes a pessoalidade e a subordinação, não se pode cogitar de formação de vínculo empregatício. [82]

Em artigo de opinião, Adilson Sanchez considera a subordinação como fator primordial para concluir se há ou não relação de emprego em casos determinados. [83]

A presente análise, demonstra, contudo, sem deixar de render homenagens aos grandes doutrinadores pátrios que prelecionam em sentido contrário, que basta a verificação da tipicidade da atividade terceirizada para a apuração da licitude ou não, a fim de determinar o real empregador e de suas responsabilidades. O ordenamento jurídico não pode dar uma resposta às novas exigências do mercado produtivo e simplesmente aniquilar os direitos trabalhistas.

Entendemos, salvo melhor juízo, balizados pelos entendimentos acima esposados, ser suficiente o caminho trilhado por parte da doutrina seguido também pelo TST no seu Enunciado 331.


Notas

  1. PRUNES, José Luiz Ferreira. Op. cit. p. 19.
  2. CAMMILLERI, Kátia de Macedo Pinto. Terceirização: os Diversos Aspectos no Mercado de Trabalho Brasileiro. In RÜDIGER, Dorothee Susanne .(Coord). Tendências do Direito do Trabalho para o Século XXI. São Paulo: LTr, 1999, p.174.
  3. ROMITA, Arion Sayão. A terceirização e o Direito do Trabalho. Revista LTr, vol. 56, no 03, Março de 1992, p. 273-279.
  4. LEITE, Carlos Henrique Bezerra Leite. Aspectos Jurídicos da Terceirização. Síntese Trabalhista, n. 68. fev. 1995.
  5. RÜDIGER, Dorothee Susanne & SOSSAE, Fabiana Cristina. Terceirização: economia contemporânea e direito do Trabalho. Revista de Direito do Trabalho, 95, p.p. 26-32, jul. Set. /1996.
  6. SAAD, Gabriel Eduardo. Temas Trabalhistas. Suplemento Trabalhista LTr, no 85/01, ano 37, 2001, São Paulo, p. 419-420.
  7. CASTRO, Rubens Ferreira. A Terceirização no Direito do Trabalho. São Paulo: Malheiros Editores, 2000. p. 78.
  8. DELGADO, Maurício Godinho. Curso de Direito do Trabalho. São Paulo:LTr, 2002, 2ª tiragem, p. 417.
  9. MAGANO, Octávio Bueno, apud Haroldo Malheiros Duclerc Verçosa. Direito e a Terceirização da Economia. Terceirização no Direito do Trabalho e na Economia. Coordenação de Marly A. Cardone e Floriano Vaz da Silva. São Paulo, LTr, 1993. p. 9.
  10. LIMA, Manoel Hermes de. Terceirização e Fraudes Trabalhistas- Visão doutrinária. Sup. Trab. LTr, 023/96, ano 32, p. 153, 1996.
  11. BILHALVA, Vilson Antônio Rodrigues. Terceirização. Revista Trabalho e Doutrina, no 17, junho de 1998, p. 127-133.
  12. ROMITA, Arion Sayão. A terceirização. Op cit., p. 273.
  13. LEIRIA, Jerônimo Souto: SARATT, Newton. Terceirização: uma alternativa de flexibilidade empresarial. São Paulo. Ed. Gente. 1996. p. 94-8.
  14. DINIZ, José Janguiê Bezerra. O fenômeno da terceirização. LTr: revista legislação do trabalho. V. 60. n.2. p. 204-9. 1996.
  15. MARTINS, Sérgio Pinto. A terceirização e o direito do trabalho. São Paulo. Malheiros Ed. 1995. p. 17-20.
  16. ROBORTELLA, Luiz Carlos Amorim. O moderno direito do trabalho. São Paulo. LTr. 1994. p. 236-43.
  17. BELTRAN, Ari Possidônio. A autotutela …p. 78.
  18. NASCIMENTO, Amauri Mascaro. Subcontratação ou terceirização. Revista de Direito do Trabalho, n. 83. p. 20-5. set. 1993.
  19. BARROS, Alice Monteiro de. A terceirização sob a nova ótica do Tribunal Superior do Trabalho. Trabalho e Processo, n. 4. p. 308. mar. 1995.
  20. RÜDIGER, Dorothée Sossae. Terceirização: Economia contemporânea... p. 25-32.
  21. BRAMANTE, Ivani Contini: MOMEZZO, Marta Casadei. A terceirização e seus limites. Revista de Direito do trabalho, n. 95.p. 7-9. jul./set. 1996.
  22. MELHADO, Reginaldo. Terceirização, globalização e princípio da isonomia salarial. Revista de Direito do Trabalho, n. 95, p. 10-25, jul./set. 1996.
  23. VIDAL NETO, Pedro. Aspectos jurídicos da terceirização. Revista de Direito do Trabalho, n. 80, p. 23-30. dez. 1992.
  24. CATHARINO, José Martins. Trabalho Temporário. Rio de Janeiro. Edições Trabalhistas, 1984. p. 72.
  25. CARDONE, Marly. A terceirização e seus reflexos no direito do trabalho. Revista de Direito do Trabalho, n. 80, p. 18-23, dez. 1992.
  26. VERÇOSA, Haroldo Malheiros Duclerc. O direito e a terceirização da economia. Revista dos Tribunais, n. 688, p. 27-37, fev. 1993.
  27. ROCHA, Euclides Alcides. O Enunciado 331/TST: terceirização versus locação de mão-de-obra. Revista do Tribunal Superior do Trabalho, n. 63. p. 116-21. 1994.
  28. FLOSI, Yeda Aparecida. Evolução do direito do trabalho: da proteção às formas flexíveis de regular o contrato de trabalho. Guarulhos. 1997. p. 73. Dissertação-Mestrado-Universidade de Guarulhos.
  29. MAIOR, Jorge Luiz Souto Maior. O Direito do Trabalho como Instrumento de Jusiça Social. São Paulo: LTr, 2000, p. 320
  30. CASTRO, Rubens Ferreira de. Op cit. p.75.
  31. OLIVEIRA, Isabela Fadul de. Terceirização: breves considerações. Gênesis, fev/1996, n° 38, p.181.
  32. SILVA, José Ajuricaba da Costa e. Terceirização, A Solução Jurídica Japonesa. Revista LTr, vol. 58, no 02, fevereiro de 1994, p. 141-143.
  33. BRITO, Armando de. O Contrato Realidade e a Terceirização. Revista LTr, v. 58, no 02, fevereiro de 1994, p. 135-140.
  34. MAIOR, Jorge Luiz Souto. O Direito do Trabalho como Instrumento de Jusitça Social. Op. cit. p. 322.
  35. DELGADO, Maurício Godinho. Curso de Direito do Trabalho. op. cit. p. 450
  36. DELGADO, Maurício Godinho. Curso de Direito do Trabalho. op. cit. p. 457.
  37. DELGADO, Maurício Godinho. Curso de Direito do Trabalho. op cit. p. 284
  38. MAIOR, Jorge Luiz Souto. O Direito do Trabalho como Instrumento de Justiça Social. Op. cit. p.320
  39. MAIOR, Jorge Luiz Souto. O Direito do Trabalho como Instrumento de Justiça Social. Op. cit. p.321.
  40. KALUME, Pedro de Alcântara. Terceirização. Revista LTr, vol. 58, no 03, março de 1994, p. 284-288.
  41. BELTRAN, Ari Possidonio. A Autotutela…op. Cit. P. 303.
  42. DELGADO, Maurício Godinho. Curso de ...op. cit. p. 457.
  43. MELHADO, Reginaldo. Op. Cit. p. 10-25
  44. DELGADO, Maurício Godinho. Curso de ...op. cit. p. 458.
  45. NASCIMENTO, Amauri Mascaro. Subcontratação... op. cit. p. 20-5
  46. VIDAL NETO, Pedro. A terceirização perante o direito do trabalho. In MALLET, Estevão; ROBORTELLA, Luiz Carlos Amorim, coords. Direito e processo do trabalho...op. cit. P. 91-108.
  47. VIANNA, Márcio Túlio. Fraude à lei em tempos de crise. Revista do Tribunal Regional do Trabalho da 9ª Região, v. 21, p. 61-70, jul./dez. 1996.
  48. DINIZ, José Janguiê Bezerra. op. cit. P. 204-9.
  49. ROBORTELLA, Luiz Carlos Amorim. op cit. p. 245.
  50. CAMMILLERI, Kátia de Macedo Pinto. Op cit. p. 188.
  51. DELGADO, Maurício Godinho. Curso de Direito do Trabalho. op. cit. p. 451
  52. Súmula 239 do Tribunal Superior do Trabalho.
  53. MELHADO, Reginaldo. op. cit. p. 10.
  54. ANDRADE, José Maria De Souza. Reflexões sobre o Enunciado Jurisprudencial de n° 239, do Tribunal Superior do Trabalho. LTr: revista legislação do trabalho. v. 54. n. 2. p. 94, 1990.
  55. MELLO, Marco Aurélio Mendes de Farias. Locação de mão-de-obra: as razões da antiga súmula 256. Trabalho e Processo, n. 4, p. 149, mar. 1995.
  56. MAGANO, Octávio. Política do trabalho. São Paulo: LTr, 1992. p. 60, v. 1.
  57. ROMITA, Arion Sayão. A Terceirização e o ....op. cit. p.278.
  58. SUSSELIND, Arnaldo. MARANHÃO, Délio. op. cit. p. 40. v. 4.
  59. MARTINS, Sérgio Pinto. A terceirização... op. cit. p. 87
  60. ROMITA, Arion Sayão. Prestação de serviços por empresa. Trabalho e Processo, n. 4, p. 8, mar. 1995.
  61. LIMA, Enio Rodrigues de. Terceirização de serviços. Suplemento Trabalhista. LTr, 149/93, ano 29, 1993, p. 945.
  62. VIDAL NETO, Pedro. Aspectos jurídicos... op. cit.
  63. DELGADO, Maurício Godinho. Curso de Direito do Trabalho, op. cit. p.423.
  64. NASCIMENTO, Amauri Mascaro. Subcontratação... op. cit. p. 20.
  65. MAZA, Miguel Angel; PLAISANT, Elio Gustavo. Intermediacion Labora. Buenos Aires. Ed. David Grinberg, s/d, p. 60, apud ROBORTELLA, Luiz Carlos Amorim. op. cit. p. 252.
  66. MARTINS, Sérgio Pinto. Direito do Trabalho. São Paulo: Editora Atlas, 2001, p. 161.
  67. ABDALA, Vantuil. Terceirização: atividade-fim e atividade-meio: responsabilidade subsidiária do tomador de serviço. LTr: revista legislação do trabalho, v. 60, n. 5, p.589-90, maio 1996.
  68. DELGADO, Maurício Godinho. Curso de... op. cit. 429.
  69. MAIOR, Jorge Luiz Souto. O Direito do Trabalho como Instrumento de Justiça Social. Op. cit. p. 321.
  70. DELGADO, Maurício Godinho. Curso cit. p. 427.
  71. DELGADO, Maurício Godinho. Curso cit. p. 451.
  72. ROBORTELLA, Luiz Carlos Amorim. op. cit. p. 200
  73. NASCIMENTO, Amauri Mascaro. Iniciação ao direito do trabalho. São Paulo: Saraiva, 27ª ed, 2001, p. 161.
  74. NASCIMENTO, Amauri Mascaro. Curso de Direito do Trabalho. São Paulo: Saraiva, 10ª ed, 1992, p. 320.
  75. DELGADO, Maurício Godinho. Curso de ...op. cit. p.420
  76. MANNRICH, Nelson. op. cit. p. 116-7.
  77. NASCIMENTO, Amauri Mascaro. Iniciação ao Direito...op. cit. p. 161.
  78. NASCIMENTO, Amauri Mascaro. Subcontratação ... op. cit. p. 20-5
  79. ROBORTELLA, Luiz Carlos Amorim. op. cit. p. 247.
  80. DINIZ, José Janguiê Bezerra. op. cit. p. 204-9.
  81. SILVA, Eduardo de Azevedo. Fornecimento de serviços e de mão-de-obra. Trabalho e Processo. n. 4, p. 13-27, mar. 1995.
  82. ROCHA, Euclides Alcides. op. cit. p. 116-21.
  83. SANCHES, Adilson. Terceirização tem empecilhos jurídicos. Diário do Comércio e Indústria. São Paulo, 24.11.92. p. 14.

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SILVA, Isabel Cristina Raposo e. Algumas relações triangulares de trabalho e delimitação de sua responsabilidade. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 14, n. 2223, 2 ago. 2009. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/13264. Acesso em: 23 abr. 2024.