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Aprendizado e violência.

Da autonomia à militarização do espaço universitário

Aprendizado e violência. Da autonomia à militarização do espaço universitário

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Em 19 de junho de 2009, estudantes da Universidade de São Paulo, da UNICAMP e da UNESP rumaram, em passeata, à Faculdade de Direito do Largo São Francisco, protestando contra eventos ocorridos na cidade universitária da USP.

"Em minhas aulas, eu recordava - refrescando a memória de meus alunos - os conceitos de ordem e desordem. Eu dizia: a desordem não é o contrário da ordem. A desordem é sempre uma ordem: uma certa ordem contrária a outra ordem. Em termos absolutos, a ausência da ordem (o contrário da ordem) é impossível no cosmos: impossível no mundo físico e impossível no mundo ético, porque todo ser existente se compõe, necessariamente, de seres ordenados. A ordem é condição da existência. Que é, então, a desordem? Desordem não é mais do que uma palavra. É um termo. É o nome que nós, humanos, conferimos às ordens que nos infelicitam ou nos desagradam; às ordens de que não gostamos. Dizia eu a meus alunos: Desordem é a ordem que não queremos".

Goffredo Telles Junior (16.05.1915 – 27.06.2009)

"A antevéspera da Carta aos brasileiros", In: Revista do Instituto dos Advogados de São Paulo, Número Especial, 1997, pp. 10/22.

SUMÁRIO: I. Introdução; II. Autonomia universitária: o decreto e a lei; III. Ocupação dos espaços públicos: manifestação política e manifestação judiciária; III. 1. Enquadramentos: dos decretos de 2007 à greve de 2009; a. Os decretos de 2007; b. Dos protestos à Reitoria; c. O recuo do governo; d. A polícia militar no Largo São Francisco; e. Univesp; f. O confronto de 09 de junho de 2009; III. 2. Jurídico: o primado da lei; III. 3. Político: o primado do povo; IV. Conclusão


I.Introdução

Na sexta-feira do dia 19 de junho de 2009, estudantes da Universidade de São Paulo, da UNICAMP e da UNESP rumaram, em passeata, da Avenida Paulista à Faculdade de Direito do Largo São Francisco, protestando contra os eventos ocorridos dez dias antes na cidade universitária da USP.

Aproveito o destino escolhido para, pausando o tempo, recolocar uma questão que, desde o início dos atritos da comunidade uspiana com o Governo José Serra, esteve no centro dos debates: a tensão entre a política e o direito – entre o mandato popular e a segurança jurídica – no contexto das discussões sobre autonomia universitária.

Começo com o recorte de declarações prestadas à imprensa por parte de três autoridades públicas do Estado de São Paulo (a Polícia Militar, a Casa Civil do Governo do Estado e a Reitora da USP):

"Num estado democrático de direito, a liberdade de uma pessoa termina quando começa a do próximo. É imprescindível esclarecer que a ação da Polícia Militar não foi, em momento algum, violenta como querem afirmar alguns integrantes do Sintusp. A Instituição Polícia Militar respeita a causa do sindicado, mas repudia afirmações de que é um ‘retrocesso autoritário’ a entrada da Polícia no Campus. Como certamente sabem os sindicalistas, alunos e principalmente os professores da Universidade de São Paulo, um dos critérios de aferição da qualidade de uma democracia é, justamente, o primado da lei (‘rule of law’). Como podem afirmar ser um retrocesso autoritário a ação de uma instituição que entrou justamente para garantir o cumprimento de determinações judiciais e a liberdade de trabalho, sendo esta, inclusive, uma outra (sic) garantia fundamental do cidadão? (...). Deste modo, a Polícia Militar mais uma vez garante o primado da lei (...). Assim, pessoas de bem devem ter a Polícia a seu lado, como garantidora de seus próprios direitos" – Assessoria de imprensa da Polícia Militar do Estado de São Paulo, 10/06/2009.

"A PM cumpriu ordem judicial requisitada pela Reitora para manter o livre acesso das dependências da universidade à grande maioria das pessoas que querem estudar, trabalhar e ensinar" – Aloysio Nunes Ferreira, secretário-chefe da Casa Civil do Governo do Estado de São Paulo, Estado de São Paulo, 10/06/2009.

"As medidas recentes adotadas pela reitoria para enfrentar o problema representam clara inflexão diante de experiências anteriores, pois procuram combinar adequadamente o respeito aos direitos constituídos e o rigor na aplicação do arcabouço legal de que dispõem as autoridades universitárias para atuar nesses casos. Enfim, quero reafirmar que a defesa dos princípios democráticos – e, nesse caso, a nossa disposição para o diálogo e a negociação, não exclui, ao contrário, impõe a manutenção da lei da ordem na nossa universidade" – Suely Vilela, Reitora da Universidade de São Paulo, Folha de São Paulo, 11/06/2009.

A leitura em sequência das declarações causa laivos de legalidade: a lei, a ordem e a democracia estruturam o discurso da tríade, neste ponto uniconcorde. Por sua vez, a violência é circunscrita ao uso da razão, em oposição à barbárie, justificada e legitimada pela ordem judicial expedida.

Por sua vez, a declaração da Polícia Militar espanta já na apresentação de seus pressupostos e na sua definição de Estado democrático de direito, segundo a qual "a liberdade de uma pessoa termina quando começa a do próximo".

Somente ao se passar ao largo de qualquer ideia de sistema, ou a partir de uma visão individualista e liberal levada às últimas consequências, é que se poderia imaginar tal descolamento, como se pessoas pudessem viver em algo como redomas jurídicas.

Os direitos se entrecruzam, interpenetram-se, renovam-se em estruturas dinâmicas e pouco afeitas a fronteiras inamovíveis. Assim exigem os costumes, as interpretações judiciárias (entre controles difusos e concentrados da normatividade), as interpretações executivas das interpretações judiciárias, ou, para se reduzir a dimensão de "direitos" a "normas", o próprio processo legislativo.

A leitura da nota da Polícia Militar é reveladora: seu objeto não é tornar pública a inexistência do excesso de violência praticada pela instituição (ainda que relutemos em admitir haver violência que não porte consigo inerente excessividade), mas sim defender a tese de que o ingresso da Polícia Militar no campus da Universidade de São Paulo não se trata de retrocesso autoritário ao passo que busca a manutenção do primado da lei – na lógica positivista da nota, tanto melhor a democracia quanto mais rigoroso o cumprimento da legislação.

O argumento ecoa nas demais declarações, que privilegiam um duplo alicerce: a defesa aos direitos e garantias fundamentais dos cidadãos, e o suporte na decisão judicial para o exercício da defesa da "ordem e do Estado democrático de direito" por meio do "rigor na aplicação das normas e do arcabouço legal".

Com base nisso, parece-nos pertinente neste momento colocar a autonomia universitária como questão a ser cotejada. Decresce o grau da autonomia a presença da Polícia Militar no campus? Qual o contexto e quais os sentidos dos lamentáveis eventos ocorridos na USP no início do mês de junho de 2009?

Ocupamo-nos de reflexões prévias nas próximas páginas, preocupadas no encaminhamento e na problematização das questões pontuadas: ao se pensar sobre os sentidos da autonomia; ao se retroceder aos decretos estaduais de 2007; ao se deslocarem as greves de 2009 ao contexto prévio; ao se analisar a decisão de reintegração de posse a partir da tensão entre o direito e a política.


II.Autonomia universitária: o decreto e a lei

O ordenamento jurídico estadual atinente às universidades apresenta longo histórico de preferência pela via do decreto executivo.

A cidade universitária foi criada por decreto (Decreto nº 6.283 de 25/01/1934), mesma via normativa que aprovou seus estatutos (Decreto nº 39 de 03/09/1934) e que dispôs sobre a subordinação da Universidade à Interventoria Federal (Decreto-Lei nº 13.855 de 29/02/1989).

Com a promulgação da Constituição Federal, em 1988, a garantia à autonomia foi alçada à maior hierarquia normativa do sistema jurídico brasileiro, suscetível a modificação apenas pela via estreita da Emenda Constitucional:

"Constituição Federal de 1988 – (...) Art. 207. As universidades gozam de autonomia didático-científica, administrativa e de gestão financeira e patrimonial, e obedecerão ao princípio de indissociabilidade entre ensino, pesquisa e extensão".

O Estatuto da USP, baixado pela Resolução nº 3.461 de 07/10/1988, estabelece, logo em seu primeiro artigo, tratar-se de instituição autônoma, em harmonia com o desígnio constitucional, regida pelos auspícios da liberdade de expressão:

"Estatuto da USP, de 07/10/1988 – Artigo 1º. A Universidade de São Paulo (USP), criada pelo Decreto nº 6.283, de 25 de janeiro de 1934, é autarquia de regime especial, com autonomia didático-científica, administrativa, disciplinar e de gestão financeira e patrimonial (...). Artigo 3º. A USP, como universidade pública, sempre aberta a todas as correntes de pensamento, reger-se-á pelos princípios de liberdade de expressão, ensino e pesquisa".

Em seguida, e na ausência de lei específica, a própria autonomia universitária foi objeto do Decreto nº 29.598 de 02/02/1989, durante o governo Orestes Quércia:

"Decreto nº 29.598 de 02/02/1989 – Artigo 1º. Os órgãos da Administração Centralizada do Estado adotarão procedimentos administrativos cabíveis para viabilizar a autonomia das Universidades do Estado de São Paulo, de acordo com os parâmetros deste decreto, até que a Constituinte Estadual promulgue a nova Constituição do Estado e que a Assembléia Legislativa decrete a legislação referente ao Sistema de Ensino Superior Paulista.

(...) Artigo 3º. O Conselho de Reitores das Universidades Estaduais Paulistas baixará normas adicionais fixando os critérios de execução orçamentária das Universidades do Estado de São Paulo, incluindo os relativos à política salarial de seu pessoal docente, técnico e administrativo, observado não só o limite financeiro estabelecido neste decreto como o disposto no artigo 37 da Constituição da República Federativa do Brasil e no artigo 92, inciso VI da vigente Constituição do Estado, com a redação dada pela Emenda Constitucional nº 57, de 25 de setembro de 1987. Parágrafo único - Caberá ao Conselho de Reitores das Universidades Estaduais Paulistas estabelecer, também, os percentuais de distribuição do montante de recursos entre as entidades, a serem liberados, mensalmente, pelo Tesouro do Estado, na forma e limite estabelecidos no "caput" do artigo 2º deste decreto".

Enfim, em 05/10/1989, foi promulgada a Constituição do Estado de São Paulo que, sobretudo em seu artigo 254, determinou o exercício da autonomia em respeito ao atendimento das demandas sociais e a representação e participação da comunidade interna nos órgãos decisórios e na escolha dos dirigentes das universidades estaduais:

"Constituição do Estado de São Paulo – Artigo 251. A lei assegurará a valorização dos profissionais de ensino, mediante a fixação de planos de carreira para o Magistério Público, com piso salarial profissional, carga horária compatível com o exercício das funções e ingresso exclusivamente por concurso público de provas e títulos.

Artigo 252. O Estado manterá seu próprio sistema de ensino superior, articulado com os demais níveis. Parágrafo único - O sistema de ensino superior do Estado de São Paulo incluirá universidades e outros estabelecimentos.

Artigo 253. A organização do sistema de ensino superior do Estado será orientada para a ampliação do número de vagas oferecidas no ensino público diurno e noturno, respeitadas as condições para a manutenção da qualidade de ensino e do desenvolvimento da pesquisa. Parágrafo único - As universidades públicas estaduais deverão manter cursos noturnos que, no conjunto de suas unidades, correspondam a um terço pelo menos do total das vagas por elas oferecidas.

Artigo 254. A autonomia da universidade será exercida respeitando, nos termos do seu estatuto, a necessária democratização do ensino e a responsabilidade pública da instituição, observados os seguintes princípios: I - utilização dos recursos de forma a ampliar o atendimento à demanda social, tanto mediante cursos regulares quanto atividades de extensão; II - representação e participação de todos os segmentos da comunidade interna nos órgãos decisórios e na escolha de dirigentes, na forma de seus estatutos. Parágrafo único - A lei criará formas de participação da sociedade, por meio de instâncias públicas externas à universidade, na avaliação do desempenho da gestão dos recursos".

A autonomia universitária, portanto, é tratada, pela legislação pós-constituição de 1988, de maneira ampla. Em 1996, mediante emenda constitucional, o conceito passou a abarcar, também, a admissão de profissionais pelas universidades, bem como as instituições de pesquisa.

"Emenda Constitucional nº 11, de 30/04/1996. São acrescentados ao art. 207 da Constituição Federal dois parágrafos com a seguinte redação: (...) § 1º. É facultado às universidades admitir professores, técnicos e cientistas estrangeiros, na forma da lei. § 2º. O disposto neste artigo aplica-se às instituições de pesquisa científica e tecnológica".

Contudo, o acréscimo dos parágrafos foi obtido somente depois de reiteradas tentativas para se regulamentar, ou mesmo restringir, o alcance da autonomia entre 1995 e 1996 – os dois primeiros anos do governo Fernando Henrique Cardoso.

Deste período data a sanção da Lei nº 9.192/1995, que modificou a Lei nº 5.540/1968, fixando as regras para a escolha dos dirigentes universitários, e da Lei de Diretrizes e Bases (LDB), a Lei nº 9.394/96:

"Lei nº 9.394/96 – Art. 53. No exercício de sua autonomia, são asseguradas às universidades, sem prejuízo de outras, as seguintes atribuições:

I - criar, organizar e extinguir, em sua sede, cursos e programas de educação superior previstos nesta Lei, obedecendo às normas gerais da União e, quando for o caso, do respectivo sistema de ensino; (Regulamento)

II - fixar os currículos dos seus cursos e programas, observadas as diretrizes gerais pertinentes;

III - estabelecer planos, programas e projetos de pesquisa científica, produção artística e atividades de extensão;

IV - fixar o número de vagas de acordo com a capacidade institucional e as exigências do seu meio;

V - elaborar e reformar os seus estatutos e regimentos em consonância com as normas gerais atinentes;

VI - conferir graus, diplomas e outros títulos;

VII - firmar contratos, acordos e convênios;

VIII - aprovar e executar planos, programas e projetos de investimentos referentes a obras, serviços e aquisições em geral, bem como administrar rendimentos conforme dispositivos institucionais;

IX - administrar os rendimentos e deles dispor na forma prevista no ato de constituição, nas leis e nos respectivos estatutos;

X - receber subvenções, doações, heranças, legados e cooperação financeira resultante de convênios com entidades públicas e privadas.

Parágrafo único. Para garantir a autonomia didático-científica das universidades, caberá aos seus colegiados de ensino e pesquisa decidir, dentro dos recursos orçamentários disponíveis, sobre:

I - criação, expansão, modificação e extinção de cursos;

II - ampliação e diminuição de vagas;

III - elaboração da programação dos cursos;

IV - programação das pesquisas e das atividades de extensão;

V - contratação e dispensa de professores;

VI - planos de carreira docente".

A regulamentação do inciso I do artigo 53 seria objeto do Decreto Federal nº 3.860/2001 que, em seu artigo 10º, § 2º, previa que a autonomia não se estenderia aos cursos e campus fora da sede da Universidade.

Na verdade, as tentativas mais flagrantes de restrição à autonomia universitária foram propostas pelo Ministério da Educação (MEC), por meio da PEC nº 233/1995, a "Emenda da Autonomia", posteriormente desmembrada nas PECs nº 370-A/1996 e nº 370-B/1996.

A proposta de emenda, entre outras coisas, conferia à lei o condão de regular os limites da autonomia universitária, relegando a matéria ao patamar infraconstitucional:

"PEC nº 233/1995 – Art. 207. As universidades gozam, na forma da lei, de autonomia didático-científica, administrativa e de gestão financeira e patrimonial e obedecerão ao princípio da indissociabilidade entre ensino, pesquisa e extensão.

Parágrafo Único. A lei poderá estender às demais instituições de ensino superior e aos institutos de pesquisa diferentes graus de autonomia".

A proposta ao fim rejeitada, em um primeiro momento, pareceria de difícil compreensão, partindo-se do pressuposto de que o Presidente da República construiu sólida carreira acadêmica na Universidade de São Paulo. A explicação talvez passe pela ideia de flexibilização e de exercício pleno da gestão pareada com a busca da eficiência do aparelho de Estado defendida pela nova Administração, que passa a concentrar em suas mãos, por meio de inúmeros instrumentos normativos, os rumos da autonomia universitária.

Sequer esta coerência com um fluido conceito de "terceira via" justificaria plenamente a necessidade de uma reforma constitucional para se regulamentar a autonomia, bastando a via da lei para que seu sentido se tornasse mais concreto e objetivo.

Nos primeiros anos dos bancos de faculdade, contudo, aprende-se que as normas restritivas de direito devem ser submetidas ao crivo da interpretação estrita; às garantidoras deve ser conferida a amplitude do termo. E a estas, à lei não compete reduzir, mas assegurar, não apenas por critério interpretativo, mas de hierarquia normativa. A autonomia universitária é garantia social, ou mesmo transindividual, para se valer da sedutora classificação de Bobbio: direitos da solidariedade.

Trata-se, portanto, da autonomia dos saberes, de sua produção e reelaboração, quando o mandato popular empresta garantias aos modos de expressão e de fomento à independência do saber. Reduzi-los, portanto, seja por emenda constitucional, seja por lei complementar, seja por lei ordinária, é incorrer em flagrante inconstitucionalidade; é inverter a lógica jurídica estabelecida em 1988.

Se à lei, discutida pela representação popular nas salas do Poder Legislativo, supostamente submetida à crítica e à pressão de diferentes setores da sociedade, é proibido ressalvar a independência da produção do saber, que se dirá do decreto executivo, instrumento de hierarquia inferior, da competência dos Chefes do Executivo?

É necessário se deixar claro que o decreto, apesar de ser uma norma, não faz parte do processo legislativo. Trata-se, a bem da verdade, de mero ato administrativo de natureza normativa, seja ela voltada a suprir a omissão do legislador, a explicar e viabilizar a lei, ou mesmo a regulamentá-la.

O decreto está, portanto, subordinado ao caro princípio da legalidade, da reserva que o mandato popular constitucionalmente relegou a si mesmo via Câmaras, Assembleias e Senado, sem pretensões, ou mesmo capacidade, de usurpá-la. Seria, portanto, no mínimo uma incompreensível ousadia se revogar, via decreto (mero ato administrativo, repise-se) uma garantia constitucional.


III.Ocupação dos espaços públicos: manifestação política e manifestação judiciária

Até o final do governo Cláudio Lembo, as universidades paulistas estavam vinculadas não à Secretariada Educação, mas à Secretaria da Ciência, Tecnologia e Desenvolvimento Econômico, por supedâneo do Decreto nº 50.929, de 30/06/2006.

Com a posse do Governador José Serra, com Aloysio Nunes Ferreira encabeçando a Casa Civil, logo no dia 1º de janeiro de 2007, o Decreto nº 51.460 determinou que a Secretaria de Turismo passaria a se denominar, a partir de então, "Secretaria de Ensino Superior", à qual seriam transferidos o Conselho de Reitores das Universidades Estaduais, o CRUESP, bem como tudo quanto pertinente ao ensino superior estadual, em todos os seus níveis:

"Decreto nº 51.460, de 1º/01/2007 – (...) Art. 7º. As secretarias de Ensino Superior a seguir relacionadas contam, cada uma, com as seguintes entidades vinculadas: (...) XVI. Secretaria de Ensino Superior: a) Universidade de São Paulo - USP; b) Universidade Estadual de Campinas - UNICAMP; c) Universidade Estadual Paulista "Júlio de Mesquita Filho" - UNESP; d) Faculdade de Medicina de Marília - FAMEMA; e) Faculdade de Medicina de São José do Rio Preto - FAMERP; f) Fundação Memorial da América Latina".

No mesmo dia, o Decreto nº 51.461 determinou a organização da Secretaria de Ensino Superior, à qual caberia, entre outras coisas, coordenar e implementar ações com vista à formação de recursos humanos no âmbito do ensino superior, deixando claro, já no Parágrafo Único do seu artigo 2º que tudo seria feito com observância e respeito à autonomia universitária e às especificidades de cada instituição.

Além das entidades vinculadas, previstas no decreto anterior, sua estrutura básica seria composta pelo Gabinete do Secretário, pelo CRUESP, por uma unidade de Coordenação de Planejamento e Avaliação e outra de Promoção do Desenvolvimento do Ensino Superior. Mais adiante, define a composição do Conselho de Reitores e seus objetivos:

"Decreto nº 51.461, de 1º/01/2007 – (...) Art. 42. O Conselho de Reitores das Universidades Estaduais do Estado de São Paulo - CRUESP é composto dos seguintes membros:

I - Reitor da Universidade de São Paulo;

II - Reitor da Universidade Estadual de Campinas;

III - Reitor da Universidade Estadual Paulista "Júlio de Mesquita Filho".

§ 1º. Integram, ainda, o Conselho, como membros:

1. O Secretário de Ensino Superior, que será seu Presidente;

2. O Secretário da Educação;

3. O Secretário de Desenvolvimento.

§ 2º. O Conselho poderá convidar para participar de suas reuniões pessoas que, por seus conhecimentos e experiência profissional, possam contribuir para a discussão das matérias em exame.

Art. 43. São objetivos do Conselho de Reitores das Universidades Estaduais do Estado de São Paulo - CRUESP, resguardada a autonomia universitária e respeitadas as características específicas de cada Universidade:

I - fortalecer a integração entre as Universidades;

II - propor possíveis formas de ação conjunta;

III - conjugar esforços com vista ao desenvolvimento das Universidades;

IV - assessorar o Governador em assuntos de ensino superior;

V - analisar e propor soluções para as questões relacionadas com ensino e pesquisa nas Universidades Estaduais.

Parágrafo único. Para apoiar o desempenho de atividades específicas, o Conselho poderá contar com a participação de profissionais de reconhecida competência em sua área de atuação".

É realmente resguardada a autonomia com o Secretário encabeçando e presidindo o Conselho, e com outros dois secretários sentados à mesa? E, a partir da leitura em conjunto destes artigos com o conteúdo do decreto anterior, tratou-se apenas de uma mudança de denominação de órgãos administrativos? Ou o governo do Estado, logo no dia de sua posse, alterou relevantes instituições e estruturas de ordem pública mediante decreto? Em termos ainda mais práticos e concretos: os funcionários que atuavam na pasta do turismo passariam, com a virada do ano, a atuar no Ensino Superior?

Deve ser trazido à memória que, em 14/02/2006, sob os últimos dias do Governo Geraldo Alckmin, a Emenda Constitucional nº 21 do Estado de São Paulo determinou que passaria a ser de competência privativa do governador dispor, mediante decreto, sobre a organização e funcionamento da administração estadual, quando não implicasse aumento de despesa, nem criação ou extinção de órgãos públicos, bem como sobre a extinção de funções ou cargos públicos, quando vagos.

Contudo, trata-se de artimanha jurídica a transformação de uma Secretaria em outra a fim de simular adequação a este dispositivo e, por consequência, escapar à determinação de outro preceito constitucional, o de que cabe à determinação dos representantes do povo, reunidos na Assembleia do Estado de São Paulo, disposição sobre criação ou extinção de Secretarias de Estado – novamente, é já nos primeiros anos que se costuma aprender, nas faculdades de direito, que a norma específica prevalece sobre a norma genérica.

O que o Governador fez, na verdade, não foi meramente transformar uma Secretaria em outra, mas criar uma inteiramente nova. Sem sequer se adentrar no mérito sobre as limitações à autonomia universitária, e consequente contradição ao disposto no artigo 254 do diploma maior paulista, ambos os decretos de 1ª de janeiro de 2007 nasceram já em frontal desacordo com o artigo 19, inciso VII da Constituição do Estado de São Paulo, com as alterações da EC nº 21 de 14/02/2006.

Delineia-se, desde já, apenas pela mera constatação da enorme extensão dos dois decretos publicados já no dia da posse, que estamos diante não apenas de simples reorganização burocrática, mas de um projeto político claro e amadurecido. Do palácio do Governo, e não mais dos espaços acadêmicos, passa-se a realizar a proposição de políticas e diretrizes para as universidades e o ensino superior em geral; a ideia soa mal e aflige não apenas pelo erro de procedimento normativo, mas, sobretudo, pela matéria de fundo.

Depois de nomear para a nova Secretaria o médico José Aristodemo Pinotti, no dia seguinte o Governador publicou o Decreto nº 51.471, nos seguintes termos:

"Decreto nº 51.471, de 02/01/2007 – Art. 1º. Ficam vedadas a admissão ou contratação de pessoal no âmbito da Administração Pública Direta e Indireta, incluindo as autarquias, inclusive as de regime especial, as fundações instituídas ou mantidas pelo Estado e as sociedades de economia mista (...) § 2º. O Governador do Estado poderá, excepcionalmente, autorizar a realização de concursos, bem como a admissão ou contratação de pessoal, mediante fundamentada justificação dos órgãos e das entidades referidas no ‘caput’ deste artigo".

As universidades, na qualidade de autarquias de regime especial, completamente à revelia das disposições constitucionais do Estado e da Federação, passaram a não mais poder realizar concursos, admissões ou contratações de pessoal, salvo se autorizadas pelo Governador mediante pedido acompanhado de "fundamentada justificação".

Ora, a partir desta perspectiva, não seria senão em defesa justamente do primado do direito que a comunidade acadêmica teria se insuflado logo em seguida, a fim de que as autoridades recém-eleitas cumprissem os desígnios constitucionais.

No último dia do mesmo mês, o Decreto nº 51.535, de 31/01/2007, modificando o artigo 42 do Decreto nº 51.461, de 1º/01/2007, determinou que a presidência do CRUESP não caberia mais ao titular da pasta do Ensino Superior, mas que voltaria a ser exercida em rodízio por um dos reitores da USP, da UNICAMP ou da UNESP, como na fórmula instituída em 1989 durante o Governo Quércia, e eleito pelos membros do conselho com mandato de um ano.

Apesar do que pareceu um retrocesso na escalada centralizadora, logo as reformas se aprofundaram. A estes decretos se sucederam, sob roupagem moralizante, o de nº 51.473, de 02/01/2007 (que dispôs sobre a obrigatoriedade da reavaliação e renegociação dos contratos em vigor e das licitações em curso, inclusive para as autarquias de regime especial, entre as quais se encontram as universidades); o de nº 51.553, de 09/02/2007 (que alterou a redação do Decreto nº 51.471, de 02/01/2007, mantendo a vedação à contratação de pessoal); o de nº 51.636, de 09/03/2007 (que fixou normas para a execução orçamentária e financeira do exercício de 2007, entre as quais a obrigatoriedade da publicação em tempo real da execução orçamentária no SIAFEM); e o de nº 51.660, de 14/03/2007 (que instituiu uma comissão de política salarial subordinada ao Governo do Estado, com objetivo de fixar as diretrizes em assuntos de política salarial).

B. DOS PROTESTOS À REITORIA

Desde janeiro, conforme avançavam os debates acerca da série de decretos, à exceção da alta administração da USP, professores, juristas, intelectuais e membros da comunidade acadêmica em geral passaram a se manifestar acerca das suas irregularidades e das pretensões centralizantes da nova administração, que dava a impressão de desejar tomar as rédeas das políticas antes formuladas por Reitores, Associações de Docentes, Conselhos Universitários e outros órgãos ligados às instituições de ensino superior.

Em 27 de março, o Conselho Universitário da UNICAMP manifestou total desacordo com os decretos e, no início de abril de 2007, os estudantes da Universidade de São Paulo solicitaram audiência com a Reitora Suely Vilela para debater sobre os recentes acontecimentos, bem como para exigir um posicionamento do órgão. Sem resposta, acabaram por se mobilizar a fim de protestar, entre outras coisas, contra o sucateamento do ensino nas universidades, pela construção de novas moradias estudantis e reformas nos prédios (tendo em vista a situação de instalações como a do CRUSP ou da FFLCH), contratação de professores, e repúdio aos decretos publicados pelo Governo do Estado de São Paulo.

Os protestos se seguiram nas semanas subsequentes: em 11 de abril de 2007, as Associações de Docentes da USP, da UNICAMP e da UNESP manifestaram pública e conjuntamente, no Jornal Folha de São Paulo, que consideravam os decretos contrários ao Estado democrático de direito, uma vez que, entre outras coisas, intervinham na autonomia das universidades e desrespeitavam a própria separação de poderes, invadindo competência legislativa. Em 17 de abril, o "Fórum das Seis", associação composta por diversas entidades das três universidades estaduais e do Centro Estadual de Educação Tecnológica Paula Souza (CEETEPS) pugnou pela revogação das normas e, em 03 de maio, reunidos em Assembleia no Anfiteatro do Departamento de História da USP, os docentes deliberaram pela paralisação de suas atividades.

Em 03/05/2007, depois de uma nova tentativa frustrada de negociação com representantes da instituição, entre eles Franco Maria Lajolo, vice-reitor, os estudantes passaram a ocupar o Prédio da Reitoria, onde permaneceriam por quase dois meses.

A invasão do espaço público de uso restrito, nas semanas que se seguiram, foi terreno fértil e ponto de partida para enorme produção cultural, tanto escrita como iconográfica, em seus diferentes níveis, resultando em uma mobilização que por certo não se via desde a longa greve dos estudantes empreendida em 2002, que resultou na abertura de claros para a contratação de novos docentes.

Foram realizadas aulas públicas, intervenções artísticas, assembleias e visitações por parte não apenas dos organismos de Imprensa, como também de interessados e personalidades de todo gênero. Os registros dos desdobramentos que se seguiram se multiplicaram na Internet por meio de vídeos, blogs, manifestos, publicações e postagens de toda sorte, em comunidades e fóruns de debates, trazendo as questões tratadas à pauta do dia da comunidade paulista.

Quinze dias depois de iniciada a ocupação da Reitoria, a Universidade de São Paulo ingressou com a ação possessória nº 053.07.112721-0, distribuída em 16/05/2007 à 13ª (décima-terceira) vara do Fórum da Fazenda Pública, de titularidade da Juíza Maria Gabriella Pavlópoulos Spaolonzi, não contra o Diretório Central dos Estudantes da USP, mas em face de três supostos líderes estudantis, entre eles Davi Felipe Ferreira Linhares, aluno do Departamento de Filosofia.

Assustadora para o advogado mais experiente a rapidez da concessão da ordem liminar autorizadora da reintegração de posse, se necessário acompanhada de força policial "com as cautelas necessárias", expedida no mesmo dia.

Uma vez conferida a prestação jurisdicional, a questão transbordou aos esteios do Poder Executivo; entre aulas públicas, ministradas por professores simpáticos ao movimento, assembleias deliberativas e outras atividades promovidas no espaço da Reitoria, dia após dia se acentuava a possibilidade de uma sempre iminente reintegração de posse pelos policiais militares, acompanhada das violências de praxe.

A prática assemblear empreendida pelos estudantes no decurso da invasão se convolou em atitude pedagógica ao Governo do Estado, pouco afeito, até então, às decisões do legislativo paulista.

C. O RECUO DO GOVERNO

Em meio a críticas de diferentes setores da sociedade, a Reitora Suely Vilela deu sinais de encabeçar um impasse, consistente na dúvida entre retirar ou não os estudantes mediante uso de força judicialmente autorizada. Em conjunto com os reitores da UNESP e da UNICAMP, e com Presidente da FAPESP, enviou carta, em 30/05/2007, ao Governador José Serra, nos seguintes termos:

"(...) as instituições acima referidas têm exercido plenamente a autonomia que lhes é constitucionalmente assegurada, conforme já afirmado publicamente pelos seus dirigentes; considerando ainda que os decretos de nº 51.461, de 1º de janeiro de 2007; nº 51.471, de 2 de janeiro de 2007; nº 51.473, de 2 de janeiro de 2007; nº 51.636, de 9 de março de 2007; e nº 51.660, de 14 de março de 2007 não afetaram o exercício efetivo de sua autonomia, mas que, no entanto, têm surgido controvérsias acerca de sua interpretação, vêm respeitosamente solicitar a Vossa Excelência que considere a possibilidade de explicitar e esclarecer o alcance dos referidos decretos, conforme já fizeram conosco os Secretários da Fazenda e de Gestão Pública".

Pela concorrência das datas, resta-nos inferir que provavelmente se tratou de ação previamente planejada a carta enviada ao governador, que, no mesmo dia, deu a conhecer o "juridicamente singular", por recurso ao eufemismo, Decreto Declaratório nº 01, de 30 de maio de 2007, tal qual a proposta apresentada:

"Decreto Declaratório nº 01, de 30/05/2007. Dá interpretação autêntica aos Decretos (...); dá nova redação às disposições que especifica no Decreto nº 51.461, de 14 de março de 2007, que organiza a Secretaria de Ensino Superior, e dá providências correlatas (...). Considerando que os Decretos (...) respeitam o princípio da autonomia universitária, conforme reconhecido publicamente pelos Reitores (...); Considerando que surgiram interpretações reiteradamente equivocadas acerca do alcance e aplicabilidade dos referidos decretos (...); Considerando que o Governo já esclareceu as dúvidas menores em respostas dos Secretários da Fazenda e de Gestão Pública; e Considerando a conveniência de eliminar os equívocos de interpretação e fixar o exato sentido dos referidos decretos, nos termos da proposta apresentada pelos Reitores (...) e pelo Presidente da FAPESP, decreta: Art. 1º. A execução orçamentária, financeira, patrimonial e contábil das Universidades (...) e da (...) FAPESP será realizada de acordo com o princípio da autonomia universitária e os dados inseridos em tempo real no (...) SIAFEM/SP (...) sem prejuízo das prerrogativas asseguradas no artigo 54 da Lei nº 9.394, de 20 de dezembro de 1996, e artigo 271 da Constituição do Estado, que lhes facultam regime financeiro e contábil que atenda às suas peculiaridades de organização e funcionamento. Parágrafo único. As Universidades (...) e a FAPESP manterão contas específicas (...) na forma do inciso VII, do artigo 54, da Lei nº 9.394, de 20 de dezembro de 1996, e do artigo 271 da Constituição do Estado. Art. 2º. Não se aplicam às Universidades (...) e à (...) FAPESP as disposições dos Decretos nº 51.471, de 2 de janeiro de 2007, nº 51.473, de 2 de janeiro de 2007 e nº 51.660, de 14 de março de 2007. Art. 3º. Não se aplicam às Universidades Públicas Estaduais os artigos 20 e 24 do Decreto nº 51.461, de 1º de janeiro de 2007. Art. 4º. As alíneas "c" e "d", do inciso III, do artigo 2º, do Decreto nº 51.461, de 2 de janeiro de 2007, passam a vigorar com a seguinte redação: ‘c) ampliação das atividades de ensino, pesquisa e extensão; d) busca de formas alternativas para oferecer formação nos níveis de ensino superior, com vista a aumentar o acesso à Universidade, respeitadas a autonomia universitária e as características específicas de cada Universidade’".

A singularidade da nova norma se manifestava já pela sua pretensão de conferir a "interpretação autêntica", "eliminar os equívocos" e "fixar o exato sentido", ponto sobre o qual muito já se escreveu. Tomando como referencial um jurista agudamente preocupado com a linguagem como Paulo de Barros Carvalho, é de se pontuar que a lei não é resultado do trabalho cientificamente sistematizado; sua confecção sequer atende ao lapso de tempo reclamado tanto pelo estudo como pelo plano racionalizado mais elementar (sobretudo ao nos voltarmos ao decreto, pouco afeito à via do debate).

Interpretações autênticas ou literais são frágeis pelos seus próprios pressupostos; ademais, está-se ainda a indagar qual a norma sem intrínseca natureza declaratória. Portanto, sua extensão, sua capacidade, está aquém de seu desiderato: declara a interpretação autêntica, na verdade, única e exclusivamente do ponto de vista de seu redator, o chefe do Poder Executivo do Estado de São Paulo.

E isto por mais que todos os reitores das universidades paulistas afirmem não haver desrespeito à autonomia de suas respectivas instituições – afinal, o que são os reitores senão desdobramento do Poder Executivo que somente faz afirmar-se a si mesmo ao declarar a legalidade e a constitucionalidade de seus próprios atos?

Além do sentido que dá ao verbo "declarar" (como esclarecer, fixar o exato sentido, dar a conhecer a sua verdadeira face), o decreto contradiz a definição ao inovar no plano jurídico, modificando de maneira clara e explícita os atos administrativos de natureza normativa anteriormente praticados – vigentes, eficazes, mas despidos de validade, ressalte-se, pois desapegados ao ordenamento ao qual queriam se imiscuir.

Como na época registrado por juristas como Dalmo de Abreu Dallari e Fábio Konder Comparato, o Decreto Declaratório de 30 de maio significou uma vitória ao movimento estudantil, excluindo as Universidades e a FAPESP da proibição da contratação de pessoal, da obrigatoriedade da reavaliação de contratos e licitações e da subordinação à Comissão de Política Salarial, além de excluir da competência da Secretaria de Ensino Superior a ampliação das atividades de pesquisa e as políticas de aumento da porcentagem de jovens que cursam a universidade.

Apesar de esvaziada, a mera persistência da pasta continuava a configurar, por si, uma inconstitucionalidade, em que pese a opinião de administrativistas de enorme excelência, como Odete Medauar, que consideravam o decreto declaratório suficiente para corrigir os problemas erigidos.

O recuo do governador não foi acompanhado por um movimento político preocupado em reformar os estatutos das universidades e, muito menos, em regulamentar, mediante norma infraconstitucional oriunda de processo legislativo, a questão da autonomia, seja no plano estadual, seja no federal.

No dia 22 de junho de 2007, os estudantes e funcionários desocuparam o prédio da Reitoria da USP, mediante compromisso firmado pela Reitora Suely Vilela aceitando parte das reivindicações formuladas; contudo, em julho do ano seguinte, a USP ingressaria novamente na Justiça para cobrar mais de trezentos mil reais do DCE e do SINTUSP a título de indenização pelos prejuízos que alegava terem sido causados pela invasão.

D. A POLÍCIA MILITAR NO LARGO SÃO FRANCISCO

Dois meses depois da desocupação do prédio da Reitoria, no dia 21 de agosto de 2007, no contexto da "Jornada Nacional de Lutas pela Educação" promovida por diversos movimentos sociais, estudantes e outros manifestantes realizaram, reivindicando, entre outras coisas, a regulamentação do ensino privado e a criação de um plano nacional de assistência estudantil, o que chamaram de uma "ocupação pacífica e simbólica", de 24 horas, do Prédio da Faculdade de Direito do Largo São Francisco.

Apesar de a ocupação simbólica e com prazo para terminar aparentemente ter sido previamente negociada com o professor Nestor Duarte, vice-diretor da Faculdade, no meio da madrugada para o dia 22 o a Força Tática e o Batalhão de Choque da Polícia Militar do Estado de São Paulo invadiram, pela primeira vez desde 1968, as arcadas, retirando cerca de duzentos a quatrocentos jovens à força do Prédio.

Trinta estudantes, entretanto, refugiaram-se na sala do Centro Acadêmico XI de Agosto até o nascer do sol, quando foram encaminhados ao 1º Distrito Policial, junto a outras dezenas de manifestantes, liberados apenas depois de serem fichados e da lavratura de boletim de ocorrência por esbulho possessório.

Novamente, a Internet teve papel importante na divulgação de vídeos e de relatos sobre a ação do Batalhão de Choque e da Força Tática. Contra a opinião do diretor da Faculdade de Direito, João Grandino Rodas, que convocou o contingente policial, o professor Ricardo Sayeg, representando a Ordem dos Advogados do Brasil, divulgou nota na qual afirmava que, em um Estado democrático de direito, não se invade uma Faculdade com a Polícia Militar e, muito menos, uma Faculdade de Direito.

Havendo ocorrido a invasão em um dos núcleos privilegiados da produção do saber jurídico, intrinsecamente relacionado à própria invenção da nação desde o início do século XIX, algumas defesas proferidas em favor dos manifestantes nos dias posteriores ecoaram argumentos com pontos de partida semelhantes àqueles voltados precisamente a justificar as ações policiais.

A alegação de que seria maior afronta a presença da PM em uma Faculdade de Direito do que em qualquer outra Faculdade, como de Letras, de Ciências Sociais, de Economia, ou, especulemos, de Jornalismo, seria, por si só, reveladora de caminhos possíveis para se explicar o evento: caminhos pontuados pela presença do Estado.

Por mais que se questione sobre esta chave argumentativa, deve ser colocada a prumo a sua lógica, baseada no mesmo primado do direito que a fundamentou: trata-se de garantia constitucional o direito de se manifestar. Mais do que garantia, poderíamos chamá-la princípio, ou seja, direito sobre direitos, ou, quem sabe, direito coletivo, de ordem pública, a prevalecer em face de direitos individuais:

"Constituição Federal de 1988 – Art. 5º. (...) IV. É livre a manifestação do pensamento, sendo vedado o anonimato (...). IX. é livre a expressão da atividade intelectual, artística, científica e de comunicação, independentemente de censura ou licença (...). XVI. todos podem reunir-se pacificamente, sem armas, em locais abertos ao público, independentemente de autorização, desde que não frustrem outra reunião anteriormente convocada para o mesmo local, sendo apenas exigido prévio aviso à autoridade competente".

Em outro sentido, poderíamos afirmar que se tutela, com a presença da Polícia, um bem público específico, de uso especial, ou seja, destinado a ser utilizado de acordo com os seus fins precípuos. Não há como dissociar a livre manifestação do pensamento do próprio processo de aprendizado, e este justamente é um dos objetos contemplados pela instituição universitária; as arcadas jamais deram a estar fechadas ao público desde a promulgação, pela Assembleia reunida para este fim, da nova Constituição Federal.

E. UNIVESP

Em 09 de outubro de 2008, novamente por decreto, o Governador José Serra criou o Programa Universidade Virtual do Estado de São Paulo (UNIVESP), a ser gerido, sobretudo, pelas três universidades públicas estaduais e abrindo 6.600 vagas de ensino superior, à distância, para cursos voltados à pedagogia e licenciatura. O projeto foi desenvolvido pela esvaziada Secretaria de Ensino Superior, agora sob a titularidade do ex-presidente da FAPESP e subscritor da Carta de 30 de maio de 2007 que culminou no Decreto Declaratório nº 01 do mesmo ano, Carlos Vogt.

Entre as justificativas do Decreto nº 53.536, de 09 de outubro de 2008, encontrava-se a atenção ao quanto veiculado no Plano Nacional de Educação, instituído pela Lei nº 10.172/2001 durante o governo Fernando Henrique Cardoso e com duração de 10 anos. Uma das metas do plano seria a de estabelecer um amplo sistema interativo de educação à distância.

Várias críticas se sucederiam não apenas ao projeto da UNIVESP, mas também contra a via eleita para instituí-la, tendo em vista a dimensão de suas repercussões sociais e o estado das Universidades públicas já existentes. Entre outras coisas, o projeto emprestava fundamentos bastante consistentes para que as instituições privadas passassem a formular propostas de ensino à distância voltadas ao mercado. Entendemos que, devido à repercussão do Programa na comunidade, seria possível ao Governador remeter o projeto à Assembleia Legislativa para debates antes de decretá-lo.

F. O CONFRONTO DE 09 DE JUNHO DE 2009

Dois anos depois dos eventos ocorridos no Prédio da Reitoria da USP, no ano de 2009 foram registrados uma vez mais os efeitos da tensão entre o governo José Serra e a comunidade acadêmica.

Entre os meses de abril e maio, o SINTUSP, órgão de representação dos funcionários da Universidade de São Paulo, iniciou debates e manifestações acerca do não-atendimento de reivindicações da categoria. A Reitora Suely Vilela acumulava então o cargo de Presidente do CRUESP, órgão que teve sua proposta rejeitada pelo Fórum das Seis em primeira rodada de negociações.

A segunda rodada, marcada para o dia 25 de maio, foi frustrada devido, entre outras coisas, ao não-reconhecimento do CRUESP sobre a legitimidade de Claudionor Brandão, ex-funcionário da USP, e de duas entidades, o Sindicato Nacional dos Docentes (ANDES) e da Federação dos Sindicatos das Universidades brasileiras (FASUBRA) para participarem da reunião. Sem sequer se descer ao mérito do ocorrido, tratou-se de mais um foco de tensão em um contexto ainda mais grave.

Com a pálida justificativa da ocupação de 2007, a resposta da Reitoria da USP às faixas e cartazes do SINTUSP foi convocar a Polícia Militar, de forma a reprimir preventivamente quaisquer ações violentas. A presença da força policial armada, contudo, seria interpretada não apenas pelos manifestantes, como também por outros setores da comunidade acadêmica, como um ato de violência em si, a ser logo mais aprofundado, e cujos subsídios legais seriam fornecidos pelo Poder Judiciário.

Em 27 de maio de 2009, a Universidade de São Paulo ingressou com a ação possessória nº 053.09.018381-1, distribuída à 12ª Vara da Fazenda Pública contra o SINTUSP e o Diretório Central dos Estudantes da USP com pedido de concessão de ordem liminar a fim de que se garantisse o acesso de servidores e do público em geral aos prédios da cidade universitária, supostamente ocupados por grevistas, concedida pela Juíza Maria Fernanda de Toledo Rodovalho.

No dia seguinte à distribuição da ação, o juízo expediu ofício ao Comando Geral da Polícia Militar do Estado de São Paulo, subordinado ao Governador do Estado, requisitando a força policial necessária para cumprir o mandado de reintegração de posse das dependências dos prédios públicos da universidade e, em 1º de junho de 2009, a Força Tática da Polícia Militar invadiu o campus e, no mesmo dia, a Reitoria divulgou nota à imprensa:

"A Reitoria da USP reconhece o direito de reivindicação de seus servidores, mas não pode se omitir diante de ações violentas e tumultuosas e tem a responsabilidade de assegurar o pleno funcionamento da universidade"

Desnecessário se notar que impossível é o pleno funcionamento da universidade quando, diante da biblioteca, há uma fileira de policiais armados, do que se extrai que a visão de "pleno funcionamento" demonstrada é extremamente limitada e deficiente, voltada, talvez, ao desempenho do mero exercício formal das práticas administrativas cotidianas do órgão.

A maioria dos estudantes e professores, até meados de maio, não entendiam 2009 como um ano de paralisação – a greve, iniciada em 05 de maio, era dos funcionários. A readmissão do servidor público e sindicalista Claudionor Brandão, posteriormente indeferida pela juíza Maria Aparecida Vieira Lavorini, da 26ª Vara Especializada do Trabalho de São Paulo, nunca foi motor da greve aos alunos ou, mesmo, aos professores da Universidade de São Paulo.

É possível se arriscar, ainda, que a questão sequer tenha sido em algum momento objeto de simpatia por parte do corpo discente em particular, que, em sua maioria, tampouco guarda identidade com a postura de algumas figuras do sindicato dos funcionários. Mas nem por isso deixa de ser questão relevante, na medida em que se trata de bandeira importante para o SINTUSP, órgão legítimo de representação da categoria.

Na verdade, 2009 não tendia à greve de estudantes e professores até a entrada da Polícia Militar no campus como resposta da alta administração uspiana a uma situação de conflito social, denotando, desta forma, certo grau de despreparo se a intenção da Reitoria era debelar, e não legitimar e aumentar a sua oposição, como o fez. Tratava-se de uma manifestação dos funcionários, tendo como principal bandeira de fundo o reajuste salarial.

A exigência da saída da polícia acabou por trazer à tona antigas demandas, algumas delas estruturais. Destacaríamos, logo entre as primeiras, a necessidade de as autoridades constituídas abrirem mão da brutalidade para abordar as tensões sociais. Outra delas, a exigência de eleições diretas para o cargo de Reitor.

No dia nove de junho, quando a Polícia Militar conferiu aos estudantes tratamento que seria injustificável a criminosos, os protestos ganharam fôlego e profunda legitimidade. A nota expedida pela Polícia Militar no dia seguinte, em que se discutem as qualidades de uma democracia e que defende o primado da lei, narra:

"(...) a Polícia Militar acompanhava as manifestações, objetivando garantir a ordem pública, no momento em que uma guarnição foi cercada por manifestantes, os quais, de mãos dadas, isolaram policiais militares no centro, de forma ameaçadora e hostil".

Sem se levar em conta diferentes versões que dão conta do ocorrido de forma bastante diversa da acima descrita, é já de difícil compreensão se admitir que realmente pudesse ser de alguma maneira ameaçadora a ação de um grupo de pessoas que, de mãos dadas, qual ciranda, cerca uma guarnição armada, pareada com outras guarnições igualmente armadas.

O trato da imprensa sobre o ocorrido merece destaque, a começar pelo relato, completamente desprovido das menores bases e despreocupado com qualquer forma de apuração ou problematização, televisionado logo após o confronto que, no dia 16 de junho, seria criticado por jornalistas do Observatório da Imprensa em revelador artigo publicado por Bruno Mandelli e Daniela Alarcon:

"(...) A cobertura televisiva da mobilização na USP – em especial, do ataque da Polícia Militar a estudantes, funcionários e professores ocorrido na terça-feira (9) – é exemplo de uma prática jornalística que se resume à reprodução de ‘aspas’, em que os jornalistas abdicam de apurar e ser testemunhas mesmo havendo estado lá (...). Nenhum canal de televisão foi capaz de mostrar ao telespectador uma das cenas mais importantes dos acontecimentos da terça-feira (9/6): o momento exato em que teve início a repressão policial contra os estudantes. Só tiveram acesso a essas imagens aqueles que assistiram, no YouTube ou em outros espaços semelhantes na internet, aos vídeos produzidos pelos próprios estudantes (...). As imagens mostram com clareza que o início do ‘confronto’ foi, na verdade, uma ação unilateral da força policial. No momento em que a polícia jogou a primeira granada contra os manifestantes (...). Na falta de imagens, os veículos da grande imprensa abdicaram da busca pelos fatos, optando por apresentar como possíveis as diferentes versões sobre o início (...). Para militantes e apoiadores do movimento grevista, a veiculação de vídeos pela internet converteu-se em valioso instrumento informativo e de disputa da opinião. (...). Cabe especial atenção à cobertura dada aos acontecimentos pelo programa Brasil Urgente, da Rede Bandeirantes, conduzido por José Luiz Datena (...).O que se revela é a completa dissociação entre a rua e o estúdio; o comentário do apresentador e as imagens colhidas ao vivo não se concatenam (...). A falação é interrompida apenas quando novas imagens surgem na tela, captadas pela equipe no solo. Um homem caído. Por quê? Datena especula: teria ele desmaiado, nervoso com o clima de tensão? Em uma passagem símbolo da extrema dissociação entre os fatos e o comentário, vemos uma mulher que, ao lado do homem caído, gesticula e grita diante da câmera. Uma imagem muda. Em lugar de suas palavras, que poderiam trazer elementos sobre as circunstâncias nas quais o homem passou mal, ouvimos o falar de Datena, que segue aventando hipóteses. Ora, o homem era uma vítima visível de spray de pimenta. Contudo, até esse momento, Datena não se dera conta de que a ação da polícia já acontecera. A cobertura tivera início quanto o ‘confronto’ já estava em sua fase final, isso é, quando estudantes e funcionários estavam refugiados no prédio da História e Geografia, depois de terem sido perseguidos pela polícia por mais de 1 quilômetro. ‘Parece que a PM até agora não agiu’, diz Datena. Ele fala em ‘desobstruir ruas’, quando o que se vê é um grande vazio (...). Em meio a esses tropeços, amplo espaço para a versão da PM, uma ode ao ‘Estado de direito’ e o encampar irrestrito da tese de que a polícia só agiu porque foi provocada com pedras".

A gravidade dos fatos narrados, que guardam impressionante verossimilhança com relatos registrados por testemunhas presenciais em diferentes fóruns de debates da Internet, causou assombro e repercussão nos dias que se seguiram. Uma manifestação em particular, além das já transcritas no início, merece ser revisitada, a do professor José Arthur Giannotti na Folha de São Paulo em 11 de junho:

"A indiferença da maioria dos atores termina criando espaço para os ditos ‘radicais’. São aqueles que acreditam piamente que, dado o caráter repressor do aparelho do Estado, devem mudar, mediante violência, a universidade e o país. Em vez de explorarem as ambigüidades da legislação vigente para mobilizar a sociedade civil visando forçar mudanças nas leis pelas leis, simplesmente se tomam como agentes sem compromissos com a legalidade. Consideram legítima sua violência e espúria qualquer reação. (...) Repensar as pautas fantasiosas que têm marcado as últimas reivindicações é a tarefa mais elementar".

Novamente, é retomada a lei e o compromisso com a legalidade, porém desta vez de maneira nova e passível de outros questionamentos. O pesquisador do CEBRAP afirma que aqueles que acreditam no caráter repressor do aparelho do Estado deveriam, ao invés de tomar posturas que considera violentas, explorar as ambiguidades da lei. Apesar de ser amplo o espaço para as interpretações da afirmação, uma delas vem à tona de forma mais premente: uma sociedade ordenada por técnicos em leis, preocupados na aplicação não do efetivo desiderato do legislador, mas na vigência das frestas da norma, na aplicação das ambiguidades, dos desvãos.

A tensão entre a norma e o desejo popular, portanto, permeia o debate e, como observaria nos dias seguintes o professor de história contemporânea da USP, Osvaldo Coggiola:

"A universidade pública não poderia deixar de ser palco das contradições sociais gerais da sociedade, e de suas expressões políticas, a não ser que se pretenda (ilusoriamente) suprimi-las mediante o tacão policial (...). É por isso que ela só pode ser eficazmente administrada por um governo oriundo da democracia em todos seus níveis de organização. O que os detratores consideram a fraqueza da universidade pública (a expressão aberta, social/sindical, política, ideológico/científica, de seus conflitos internos) é justamente sua força, interna (para produzir conhecimento) e externa (para transformar a sociedade). O autoritarismo só produz administrações incompetentes (sob pretexto de ‘eficiência’), ensino degradado (agora também ‘à distância’) e pseudo-conhecimento rotineiro, baseado na cultura do produtivismo relatorial – obsequioso. A democracia não suprime o conflito, nem o ‘institucionaliza’: faz dele a mola propulsora do progresso geral. O autoritarismo, ao contrário, o transforma no fator do impasse geral".

Em artigo de 12 de junho publicado na Folha de São Paulo, o professor Vladimir Saflate opinou que a universidade não é caso de polícia, e que não é razoável se utilizarem metralhadoras contra estudantes, sendo que, entre aqueles que se manifestaram, estariam alguns dos melhores alunos da USP. Assim, ao invés de estigmatizá-los, propôs que talvez fosse o caso de se perguntar contra o que se manifestam.

No dia seguinte, na mesma Folha de São Paulo, o jornalista Clóvis Rossi dedicaria todo seu espaço para demonstrar seu espanto com relação à posição resignada demonstrada por Dalmo de Abreu Dallari sobre o ocorrido e, ao final, citar o artigo de Saflate.

Sob ocupação da Polícia Militar ao campus Armando de Salles Oliveira, em 17 de junho de 2009, foi realizado ato de repúdio à repressão da Universidade. Na oportunidade, ao lado de Marilena Chauí e Maria Victoria Benevides, o professor Antonio Candido de Mello e Souza afirmou:

"Estou aqui por uma simples razão: para fazer um protesto veemente contra a intervenção da força policial no campus universitário. É um atentado aos direitos mais sagrados que as pessoas têm de discutir, debater e agir sem nenhuma pressão do poder público".

No dia seguinte, em manifestação que rumou da avenida paulista à Faculdade de Direito do Largo São Francisco, o professor Fabio Konder Comparato se posicionou favorável à saída de Suely Vilela da Reitoria da USP, uma vez que não haveria mais confiança entre dirigentes e dirigidos.

Apenas em 22 de junho a Polícia Militar desocupou o campus da USP, depois de reiterados protestos e, no mesmo dia, foram retomadas as negociações entre o CRUESP e o Fórum das Seis.

III. 2. Jurídico: o primado da lei

A ordem judicial de 27/05/2009, que tudo legitima, trata-se de mera liminar, sujeita a conhecimento perfunctório, superficial, sumário, em nada afeita à cognição exauriente. Deve ser trazido à colação, ainda, o fato de que a ordem liminar apresenta natureza precária e suscetível à revisão, expedida antes mesmo do exercício do contraditório e à revelia das razões contrárias.

Desta forma, é possível se afirmar que as declarações que a tomam como fundamento inexpugnável o fazem mais por sua aura legitimadora do que por seus argumentos internos que, conforme se analisará rapidamente a seguir, são igualmente questionáveis:

"12ª Vara do Fórum da Fazenda Pública do Estado de São Paulo - Ação possessória nº 053.09.018381-1 Vistos. Na presente demanda, busca a Universidade de São Paulo providência judicial que garanta o acesso de seus servidores e do público em geral aos prédios ocupados por grevistas. De fato, a autora tem razão, já que todos os requisitos para a concessão da liminar estão demonstrados. Não se trata aqui de impedir o movimento paredista. A proibição é inconstitucional, porque o direito de greve é garantido na Carta da República. No entanto, nem mesmo o direito de greve dá aos grevistas o direito de se apossar de prédios públicos. Daí porque a USP tem o legítimo interesse de ver-se reintegrada na posse dos locais ocupados. Nesse sentido já decidiu o Superior Tribunal de Justiça: AGRAVO REGIMENTAL. EM VIRTUDE DA FALTA DE ARGUMENTOS NOVOS, MANTIDA A DECISÃO ANTERIOR. GREVE. INTERDITO PROIBITÓRIO. AGÊNCIAS BANCÁRIAS. LIVRE FUNCIONAMENTO. ACESSO DE FUNCIONÁRIOS E CLIENTES. NATUREZA POSSESSÓRIA. QUESTÃO DE DIREITO PRIVADO E NÃO DE NATUREZA TRABALHISTA. ENTENDIMENTO DESTA CORTE. INCIDÊNCIA DA SÚMULA 83. I - Não tendo a parte apresentado argumentos novos capazes de alterar o julgamento anterior, deve-se manter a decisão recorrida. II - O caso em análise é de ação de interdito proibitório, intentada por um banco, porque poderá ter a posse de suas agências turbada por um movimento grevista. Matéria eminentemente de cunho civil. Incidência da Súmula 83/STJ. Agravo improvido. STJ - AgRg no Ag 801134 / DF Terceira Turma rel. Ministro SIDNEI BENETI j. 25/11/2008 p. DJe 19/12/2008. Diante do exposto, concedo a liminar, para reintegrar a Universidade nos espaços públicos ocupados pelos grevistas. Defiro o pedido de auxílio de força policial. Cite-se o réu com as cautelas de praxe" – (grifos nossos).

A juíza, com olhos de 2007, profere sua decisão em 2009: não havia prédios ocupados, diferentemente do que escreve expressamente mais de uma vez, do que se desdobraria a própria impossibilidade jurídica do suposto pedido, que, assim fosse, seria teratológico, para desocupá-los. Não havendo ocupação de prédios, poderíamos em princípio supor tratar a decisão da desocupação de ruas, de retirar o público das vias públicas, se necessário mediante força policial.

Como descartamos a possibilidade de a insigne Procuradoria da Universidade de São Paulo haver expendido, em sua petição inicial, o argumento do esbulho efetivamente praticado, ou seja, a inverdade de que haveria prédios públicos ocupados por manifestantes, resta-nos entender que se tratou de pequeno equívoco de redação a assertiva de que haveria "prédios ocupados por grevistas", ou aquela que assevera que "nem mesmo o direito de greve dá aos grevistas o direito de se apossar de prédios públicos".

Neste sentido, a ordem se referiria, preventivamente, à manutenção da posse dos prédios públicos, ameaçada, turbada, e não para a reintegração de qualquer coisa que fosse. O respaldo jurídico para desocupar ruas, e não prédios, se o esforço interpretativo assim preferir, encontraria ainda mais um obstáculo: como a fundamentação falava especificamente de prédios ocupados, haveria contradição interna do quanto decidido, sujeita a reparo.

Não obstante, ainda que, mais remotamente, admitamos se tratar de interdito proibitório, voltado especificamente para dirigir mandado ao réu para o fim de defender a posse do fiel possuidor de direito, as ações da Polícia Militar no dia nove de junho não encontravam amparo judicial, uma vez que não houve tentativa de consumação de esbulho dos prédios públicos por parte dos manifestantes, como se denota, por exemplo, da nota emitida pela Assessoria de Imprensa da própria instituição. Aliás, cumpre esclarecer que a Faculdade de Educação, diante da qual o confronto começou, encontra-se fisicamente distante do prédio da Reitoria, e o transcurso dos eventos manteve esta distância em nada desprezível, rumando ao complexo da Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas.

Por fim, para não nos determos demasiado na questão, a jurisprudência arrolada é, em nosso entendimento, amplamente problemática, sobretudo ao admitirmos a extensão dos seus efeitos: em primeiro lugar, porque o aresto transcrito trata, precipuamente, da aplicação da Súmula nº 83 do Superior Tribunal de Justiça, para não conhecer do Agravo Regimental interposto, e não do mérito da causa, o que resolve apenas incidentalmente, apesar de se tratar de matéria prejudicada pelo não-conhecimento decorrente da aplicação da súmula.

Em segundo lugar, ao decidir pelo não-conhecimento por haver a jurisprudência se firmado no sentido da decisão recorrida, para aplicar a posição sumular, refere-se a outra sorte de mérito: se ação de natureza possessória decorrente de greve de empregados é da competência da justiça comum (conforme se decidiu) ou da justiça do trabalho.

Tratou a decisão da Corte Superior, ainda, de relação entre uma entidade privada e um corpo de trabalhadores, e não sobre a questão do processo. Não estava o acórdão preocupado com questões específicas, como a autonomia universitária, ou com o fato de que não se tratava, no caso, apenas de trabalhadores, mas também de estudantes – ponto que não poderia ter sido omitido uma vez que o Diretório Central dos Estudantes da USP foi colocado também no pólo passivo da demanda. Em outras palavras, foi utilizada uma decisão jurisprudencial específica e concreta como uma posição geral e abstrata, apta a embasar outras decisões de hierarquia inferior.

Não se trata da pretensão de dizer que a decisão aludida se encontra em erro, mas de debate jurídico puramente conceitual, porém com consequências práticas. Serve, sobretudo, para se demonstrar que não devem as autoridades públicas se fiarem exclusivamente em uma decisão judicial para justificarem os seus atos. Fora das paredes do Fórum, as decisões incumbem ao plano político, que não pode transferir as suas responsabilidades ao Poder Judiciário – note-se que a decisão, também liminar, de 2007, determinou que a desocupação do Prédio da Reitoria fosse feita "com as cautelas necessárias".

III. 3. Político: o primado do povo

A ideia de soberania popular remete à delegação de poder do povo à composição e dinâmica das instituições, mediante mandato prévio, e, consequentemente, à subordinação do direito à política.

Nesta acepção, o direito e o sistema judiciário proporcionam segurança jurídica, e não Justiça propriamente. A última corte judiciária do país, desta forma organizado, o Supremo Tribunal Federal, não se presta à Justiça, mas ao direito: quem se presta a fazer Justiça é o legislador, é o político – no limite, o povo.

Jurista e historiador de prestígio, Antonio Manuel Hespanha coloca a questão sobre a luta travada pelo poder de dizer o direito, cardinal em toda sociedade em que vigora o primado das normas. A referência é útil para que aborde aquilo que nomeia "princípio anti-majoritário" de que o Juiz pode decidir contra o desígnio popular, ou, ainda, de que o poder político seja dirigido por juristas, por normas antes que por pessoas: o juiz limitar o poder do povo pela sua boa razão técnica, o chefe do executivo por suas razões administrativas, por seus princípios de efetividade.

No mesmo sentido, o decreto não faz parte do processo legislativo, conforme referido; trata-se, muito pelo contrário, de ato administrativo ao qual é defeso transbordar os limites da discricionariedade atinentes ao chefe do Poder Executivo para se arvorar sobre os desígnios vinculantes da lei e, muito menos, opor-se à Constituição Federal, tal qual foi feito.

Isto porque o direito administrativo mais conservador, pelo mesmo prestígio aos postulados da segurança jurídica tão fartamente sublinhados pelas autoridades referidas, separa a discricionariedade do arbítrio, relegando o decreto a patamar hierárquico claramente inferior às normas legislativas de toda sorte, sob pena de usurpação de competência privativa do Congresso por parte do Poder Executivo e ameaça aos freios e contrapesos que permitem a democracia formal contemporânea.

O uso da ordem judicial utilizada por setores da imprensa como forma de legitimar a intervenção militar na questão que diz respeito à universidade é irresponsável e, quando o Poder Executivo é quem se vale do mesmo expediente, a irresponsabilidade passa a ser institucionalizada. Esta a posição que pode ser inferida do Supremo Tribunal Federal, em bela decisão proferida pelo professor Eros Grau:

"Supremo Tribunal Federal – Contra ‘bandidos’ o Estado e seus agentes atuam como se bandidos fossem, à margem da lei, fazendo mossa da Constituição. E tudo com a participação do juiz, ante a crença generalizada de que qualquer violência é legítima se praticada em decorrência de uma ordem judicial. Juízes que se pretendem versados na teoria e prática do combate ao crime, juízes que arrogam a si a responsabilidade por operações policiais transformam a Constituição em um punhado de palavras bonitas rabiscadas em um papel sem utilidade prática, como diz FERRAJOLI. Ou em papel pintado com tinta; uma coisa em que está indistinta a distinção entre nada e coisa nenhuma, qual nos versos de FERNANDO PESSOA (...). Pior do que a ditadura das fardas é a das togas, pelo crédito de que dispõem na sociedade. A nós cabe, no entanto, o dever de, exercendo com sabedoria nosso poder, impedi-la. Pergunto novamente, senhor Presidente: estou a me exceder? Agora respondo eu mesmo, afirmando que não. É que ainda ressoam neste plenário sábias palavras recentemente pronunciadas pelo Ministro MARCO AURÉLIO: ‘É hora de o Supremo emitir entendimento sobre a matéria, inibindo uma série de abusos notados na atual quadra, tornando clara, até mesmo, a concretude da lei reguladora do instituto do abuso de autoridade, considerado o processo de responsabilidade administrativa, civil e penal, para a qual os olhos em geral têm permanecido cerrados’ (HC 91.952/SP)" – Julgamento do Habeas Corpus 95009, Relator Eros Grau (grifos nossos).

O poder militar e espaço acadêmico não são propriamente afeitos no contexto do espaço social, sendo razoável se inferir, ainda, que a produção de conhecimento é infensa à militarização do espaço universitário. Contudo, a sua ausência total tampouco seria aceitável, o que remete a uma difícil e contraditória equação que delineie, a um só tempo, segurança jurídica em conformidade com o anseio social. As dificuldades são enormes e prementes: qual o papel das polícias na universidade, qual o seu preparo, quais os limites de atuação?

Sem pretensões de resposta, é possível, desde já, traçarem-se duas considerações prévias. A primeira, no sentido de que existe a necessidade de se instaurar o debate sobre este difícil convívio. A segunda, no sentido de que decisões judiciais, embora imprescindíveis, não são necessariamente hábeis, ao menos sozinhas, para justificar ações de qualquer natureza.

Exemplo disso é a decisão do Ministro e Professor Eros Grau que logo acima utilizamos para dar sustentabilidade às nossas próprias argumentações. Em contexto diverso, foi o voto-condutor do julgamento, afetado ao Plenário do Supremo Tribunal Federal, do Habeas Corpus impetrado pelo banqueiro e empresário Daniel Dantas.

Arriscamos, ainda, uma terceira consideração, sobre a necessidade de se estabelecerem eleições diretas para o cargo de Reitor e, por que não, a convocação de uma Estatuinte Livre para a Universidade de São Paulo, de forma a atualizar o seu ordenamento, desta vez não por decreto, mas depois de longo debate entre os seus diferentes componentes intrínsecos.

A questão das eleições é antiga e suscita debates. Em nosso entendimento, estabelecer a eleição direta seria atender às determinações constitucionais do Estado de São Paulo e da União Federal, bem como inverter a chave da representatividade do órgão, atualmente existente perante o chefe do executivo, e não à sua comunidade interna. Possivelmente, arriscamos que as eleições diretas confeririam maior peso político do voto dos reitores nas negociações entre a CRUESP e o Fórum das seis.

Isto porque, conforme se desenvolveu mais acima, a autonomia universitária deve ser entendida tanto de maneira externa, na relação da universidade com as demais instituições da sociedade na qual se insere, como interna, na sua gestão por seus componentes internos, ou seja, pela própria comunidade universitária.

Não obstante, um dispositivo em particular da Constituição do Estado de São Paulo, o Inciso II do artigo 254, é claro ao estabelecer que faz parte do exercício da autonomia a observação ao princípio da representação/participação de sua comunidade:

"Constituição do Estado de São Paulo – Art. 254. A autonomia da universidade será exercida respeitando, nos termos do seu estatuto, a necessária democratização do ensino e a responsabilidade pública da instituição, observados os seguintes princípios: (...) II. representação e participação de todos os segmentos da comunidade interna nos órgãos decisórios e na escolha de dirigentes, na forma de seus estatutos".

Assim, encontra-se em perfeita consonância com o desejo do legislador constitucional paulista o projeto de lei nº 492, apresentado em junho de 2009 pelo deputado estadual Carlos Gianazzi à Assembleia do Estado de São Paulo, que propõe o estabelecimento de eleições diretas para os cargos de reitor e vice-reitor das universidades públicas estaduais:

"PROJETO DE LEI Nº 492, DE 2009 – Dispõe sobre a eleição dos reitores e vice-reitores das universidades públicas estaduais do Estado de São Paulo e dá outras providências. Artigo 1º. O Reitor e Vice-Reitor das Universidades Públicas Estaduais do Estado de São Paulo serão escolhidos através de eleição direta e secreta, com a participação de todos os docentes, servidores técnico-administrativos e estudantes, conforme definido em seus estatutos e regimentos, encerrando-se o processo de eleição no âmbito das universidades. Parágrafo único - Caberá ao Governador do Estado a nomeação do Reitor e Vice-Reitor eleitos. Artigo 2º. Esta lei entra em vigor na data de sua publicação.

JUSTIFICATIVA – O presente projeto de lei tem o intuito de fortalecer o processo democrático no âmbito das instituições estaduais de ensino superior assegurando ampla participação da comunidade universitária no processo de escolha de seus dirigentes superiores. A matéria, entretanto, tem a clara preocupação em resguardar a autonomia universitária, uma conquista caríssima da comunidade universitária e que ainda precisa se consolidar. A propositura, ao dispor em seu artigo 1° que as eleições direitas para reitor e vice-reitor das universidades públicas estaduais serão realizadas ‘conforme definido em seus estatutos e regimentos, encerrando-se o processo de eleição no âmbito das universidades’, busca assegurar a sintonia com a luta da comunidade universitária e com os preceitos constitucionais que garantem a autonomia didático-cientifica, administrativa, financeira, patrimonial e de gestão democrática. Nesse sentido solicitamos que os nobres deputados da casa apreciem este projeto de lei e concordem com sua propositura fundamental. Vivemos tempos de democratização do processo de escolha de quem dirige nossas instituições. Sala das Sessões, em 22/6/2009".

A democratização do processo de escolha é necessária para lastrear de representatividade a Reitoria e se supõe que um peso maior passe a ser conferido à opinião dos administrados pelo professor que pleiteia o cargo.


Conclusão

O tema da autonomia universitária foi caro para Florestan Fernandes nos debates sobre a assembleia constituinte e, mesmo antes, já em 1964, o professor foi impelido a refletir sobre as consequências da relação entre o espaço acadêmico e a sua militarização. Ainda que fortemente datada, tal como o trecho transcrito na epígrafe do professor Goffredo Telles, parte da carta merece registro pela sua pertinência:

"Não somos um bando de malfeitores. Nem a ética universitária nos permitiria converter o ensino em fonte de pregação político-partidária. Os que exploram meios ilícitos de enriquecimento e de aumento de poder afastam-se cuidadosa e sabidamente da área do ensino (especialmente do ensino superior) (...). Foi com melancólica surpresa que vislumbrei a indiferença da alta administração universitária diante dessa investigação que estabelece uma nova tutela sobre a nossa atividade intelectual. Possuímos critérios próprios para a seleção e a promoção de pessoal docente e de pesquisa (...) dispomos de padrões próprios – a um tempo: adequados, altamente seletivos e exigentes, para forjar mecanismos auto-suficientes de organização e supervisão (...). A nossa Escola, por ser inovadora e por ter contribuído de maneira poderosa para a renovação dos hábitos intelectuais e mentais imperantes no Brasil, foi vítima de um processo de estigmatização que muito nos tem prejudicado, direta e indiretamente. Não podendo destruir-nos, os agentes da estagnação cultural optaram pela difamação gratuita e pela detratação sistemática. Ambas não impediram que a nossa Escola avançasse, até atingir sua situação atual, ímpar no cenário cultural latino-americano (...). Não existem dois caminhos na vida universitária e na investigação científica. A liberdade intelectual, a objetividade e o amor à verdade resumem os apanágios do universitário e do homem de ciência autênticos (...)".

O campus, como lugar privilegiado do aprendizado, carrega consigo especificidades que não podem ser relegadas à conveniência do Poder Executivo e, por isso mesmo, a questão foi sedimentada no alto patamar constitucional.

A autonomia carece, até hoje, de regulamentação pelo legislador ordinário, que não pode se furtar às diretrizes e bases da educação nacional, reservadas privativamente à União Federal por exigência do inciso XXIV do artigo 22 da Constituição Federal de 1988.

As manifestações estudantis decorrentes das tensões com o atual governo do Estado de São Paulo foram férteis, portanto, no cultivo de resultados práticos, desde greves e passeatas a outras intervenções. Como se supõe que o corpo discente das universidades tenha acesso a certo tipo de instrumental especializado, supõe-se também que poderiam ser criadas comissões, ou congêneres, para o estudo da viabilização jurídica de algumas de suas reivindicações, sendo a prática do debate extremamente prolífica, o que de nenhuma forma pressupõe o descarte de outras formas de manifestação.

Neste sentido, vislumbramos, ainda, a possibilidade do recurso à ação civil pública como instrumento hábil de negociação, uma vez que a Lei nº 7.347/1985, que a instituiu, bem como o inciso III do artigo 129 da Constituição de 1988, disponibilizam possibilidades instigantes e inovadoras à sociedade, tais como o Inquérito Civil, presidido pelo Ministério Público, e o Termo de Ajustamento de condutas (TAC).

No caso em concreto, acreditamos, em primeiro lugar, que a deliberação do Conselho Universitário da Universidade de São Paulo no sentido de que estaria previamente justificada a convocação da Polícia Militar no caso de ameaça de invasão a prédios públicos deveria ser revogada, por se tratar de decisão que fere dispositivos normativos de hierarquia indiscutivelmente superior, bem como em prestígio à prática do livre pensamento em relação à sociedade em geral.

No mesmo sentido, os reiterados pedidos de renúncia dirigidos à reitora Suely Vilela, ademais, em nosso entendimento bem poderiam ser atendidos, sobretudo em virtude da situação de fragilidade na qual a reitora se encontra atualmente, em decorrência de sua confessada dificuldade para lidar com situações de conflito social, conforme relatou no jornal Folha de São Paulo em 11 de junho de 2009.

Contudo, trata-se de questão meramente incidental e periférica ao ser pareada com o duplo-foco principal que poderia ser suscitado. Primeiramente, uma profunda discussão sobre os sentidos e alcances da autonomia universitária. E, ainda, a proposta da realização de eleições diretas para a escolha dos dirigentes da comunidade acadêmica, bem como as formas a serem assumidas por este sufrágio, como decorrência do pleno exercício da autonomia


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BRANCO, Leonard O. de Araújo. Aprendizado e violência. Da autonomia à militarização do espaço universitário. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 14, n. 2250, 29 ago. 2009. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/13420. Acesso em: 19 abr. 2024.