Inversão do ônus da prova no CDC.
Matéria de instrução ou regra de julgamento?
Inversão do ônus da prova no CDC. Matéria de instrução ou regra de julgamento?
Thiago Luiz Pacheco de Carvalho
Publicado em . Elaborado em .
O Código de Defesa do Consumidor, em seu artigo 6º, VIII, autoriza que o magistrado inverta ope judicis o ônus da prova nas demandas que versem sobre relações de consumo, em duas hipóteses, a saber: quando verossímil a alegação do consumidor, consoante as regras ordinárias de experiência; ou quando o consumidor for hipossuficiente. [01]
Como leciona Fredie Didier Jr., "em ambos os casos, a inversão é sempre um critério do juiz, que deverá considerar as peculiaridades de cada caso concreto". [02] Pois, caberá a cada magistrado - analisando caso a caso - a verificação da presença dos pressupostos legais ensejadores da inversão do ônus da prova em prol do consumidor.
Assim, tem-se que o instituto processual da inversão do ônus probante serve para facilitar a defesa do consumidor e, por consequência, onerar a defesa do fornecedor.
Fazendo-se uma análise prévia do instituto, parece plausível imaginar que o fornecedor tem o direito de saber, já que não existe uma certeza legal, se a incumbência do ônus da prova é sua, ou não, antes mesmo que se proceda a instrução e o julgamento da demanda, a fim de que não haja o cerceamento do seu direito de defesa.
Nessa toada, vislumbra-se que, diferentemente do que ocorre com a regra de distribuição do ônus da prova, a regra de inversão do ônus da prova não corresponde a uma regra de julgamento, pois, caso assim se entendesse, poderia o fornecedor ter tolhido o seu direito à ampla defesa, na medida em que restaria encolhido o lapso temporal para que o mesmo providenciasse as provas suficientes à comprovação de seu direito. Destarte, cite-se o entendimento da doutrina a respeito do tema:
A regra de inversão do ônus da prova é regra de processo, que autoriza o desvio de rota; não se trata de regra de julgamento, como a que distribui o ônus da prova. Assim, deve o magistrado anunciar a inversão antes de sentenciar e em tempo do sujeito onerado se desincumbir do encargo probatório, não se justificando o posicionamento que defende a possibilidade de a inversão se dar no momento do julgamento, pois "se fosse lícito ao magistrado operar a inversão do ônus da prova no exato momento da sentença, ocorreria a peculiar situação de, simultaneamente, se atribuir um ônus ao réu, e negar-lhe a possibilidade de desincumbir-se do encargo que antes existia". Uma coisa é a regra que se inverte (a regra do ônus), outra é a regra que in verte (a da inversão do ônus). [03]
O juiz, ao receber os autos para proferir sentença, verificando que seria o caso de inverter o ônus da prova em favor do consumidor, não poderá baixar os autos em diligência e determinar que o fornecedor faça a prova, pois o momento processual para a produção dessa prova já terá sido ultrapassado. [04]
O juiz, ao inverter o ônus da prova, deve fazê-lo sobre fato ou fatos específicos, referindo-se a eles expressamente. Deve evitar a inversão do onus probandi para todos os fatos que beneficiam o consumidor, de forma ampla e indeterminada, pois acabaria colocando sobre o fornecedor o encargo de provar negativa absoluta, o que é imposição diabólica. [05]
Pelos entendimentos doutrinários acima expostos, se faz prudente concluir que a inversão do ônus da prova, em matéria de Direitos do Consumidor, deve ser entendida como matéria de instrução, haja vista que a declaração de inversão do ônus probante pelo juiz deve ser realizada antes mesmo da prolação da sentença, a fim de que o onerado disponha de tempo hábil para se desincumbir do encargo probatório.
Afinal, caso assim não se entenda, estar-se-á cometendo uma confusão entre as regras de distribuição do ônus da prova e de inversão do ônus da prova, pois, como dito, apenas aquela pode ser tida como regra de julgamento. A respeito, transcreva-se o entendimento da doutrina, nas palavras de Fredie Didier Jr.:
As regras do ônus da prova não são regras de procedimento, não são regras que estruturam o processo. O ônus da prova é regra de juízo, isto é, de julgamento, cabendo ao juiz, quando da prolação da sentença, proferir julgamento contrário àquele que tinha o ônus da prova e dele não se desincumbiu. [06]
No que pertine ao momento processual adequado para que se efetive a inversão do ônus probante em prol do consumidor, os apontamentos supra levam a um juízo de que a inversão do ônus da prova realizada no momento da sentença consiste em verdadeira armadilha processual, vez que ferirá os princípios constitucionais do contraditório e da ampla defesa, não sendo dadas às partes iguais condições de defesa dentro do processo.
Nesse sentido, a jurisprudência - em sua maioria - a respeito do tema leciona que a inversão do ônus da prova em favor do consumidor deve ser efetivada antes mesmo da instrução do feito, logo após o momento processual de requerimento das provas, sob pena de se causar indevido cerceamento do direito de defesa do fornecedor, in verbis:
(omissis) 3. Determinada a inversão do onus probandi após o momento processual de requerimento das provas, deve o magistrado possibilitar que as partes voltem a requerê-las, agora conhecendo o seu ônus, para que possa melhor se conduzir no processo, sob pena de cerceamento de defesa. 4. Agravo regimental provido para conhecer em parte e prover o recurso especial. [07]
(omissis) Inconformismo da empresa ré com a decisão monocrática que deferiu a inversão do ônus da prova antes da citação. Desnecessidade de formulação do pedido pela inversão por parte dos autores para que o seja pelo Juízo condutor da instrução. Contudo, o deferimento deve se dar quando do saneamento, momento em que é fixado o ponto controvertido da lide e que se toma conhecimento acerca das provas que serão produzidas, sob pena de afronta aos princípios do contraditório e da ampla defesa. Manifesta comprovação acerca da violação ao devido processo de direito. Cerceamento de defesa. (omissis). [08]
Portanto, com base nos julgados acima colacionados, conclui-se que o momento processual mais adequado para que se efetive a inversão do ônus probante - em prol do consumidor - é quando da prolação do despacho saneador pelo magistrado, vez que esse é o momento em que se fixam os pontos controvertidos da lide e que se toma conhecimento das provas que serão produzidas, a fim de que não haja violação aos princípios constitucionais da ampla defesa e do contraditório.
Referências Bibliográficas:
Brasil. Superior Tribunal de Justiça. 4ª Turma. Relator Ministro João Otávio de Noronha. Agravo Regimental no Recurso Especial nº 1095663/RJ. Acórdão publicado no Diário da Justiça do dia 17/08/09.
Brasil. Tribunal de Justiça do Rio de Janeiro. 13ª Câmara Cível. Relator Des. Sirley Abreu Biondi. Agravo de Instrumento nº 2008.002.16892. Julgamento ocorrido no dia 23/06/08.
CAMBI, Eduardo. A Prova Civil. Admissibilidade e Relevância. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2006.
DIDIER JR, Fredie, BRAGA, Paula Sarno e OLIVEIRA, Rafael. Curso de Direito Processual Civil. Direito Probatório, Decisão Judicial, Cumprimento e Liquidação da Sentença e Coisa Julgada. v. 2. 2ª Ed. Salvador: Jus Podivm, 2008.
NERY JR, Nelson. Aspectos do Processo Civil no Código de Defesa do Consumidor. São Paulo: Revista dos Tribunais, v. 1.
Notas
- Artigo 6º da Lei Federal nº 8.078/90 (CDC): São direitos básicos do consumidor: (...) VIII - a facilitação da defesa de seus direitos, inclusive com a inversão do ônus da prova, a seu favor, no processo civil, quando, a critério do juiz, for verossímil a alegação ou quando for ele hipossuficiente, segundo as regras ordinárias de experiências;
- DIDIER JR, Fredie, BRAGA, Paula Sarno e OLIVEIRA, Rafael. Curso de Direito Processual Civil. Direito Probatório, Decisão Judicial, Cumprimento e Liquidação da Sentença e Coisa Julgada. v. 2. 2ª Ed. Salvador: Jus Podivm, 2008, p. 80.
- DIDIER JR, Fredie, BRAGA, Paula Sarno e OLIVEIRA, Rafael. Curso de Direito Processual Civil. Direito Probatório, Decisão Judicial, Cumprimento e Liquidação da Sentença e Coisa Julgada. v. 2. 2ª Ed. Salvador: Jus Podivm, 2008, p. 81.
- NERY JR, Nelson. Aspectos do Processo Civil no Código de Defesa do Consumidor. São Paulo: Revista dos Tribunais, v. 1. p. 217.
- CAMBI, Eduardo. A Prova Civil. Admissibilidade e Relevância. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2006. p. 420
- DIDIER JR, Fredie, BRAGA, Paula Sarno e OLIVEIRA, Rafael. Curso de Direito Processual Civil. Direito Probatório, Decisão Judicial, Cumprimento e Liquidação da Sentença e Coisa Julgada. v. 2. 2ª Ed. Salvador: Jus Podivm, 2008, p. 75.
- Brasil. Superior Tribunal de Justiça. 4ª Turma. Relator Ministro João Otávio de Noronha. Agravo Regimental no Recurso Especial nº 1095663/RJ. Acórdão publicado no Diário da Justiça do dia 17/08/09. Disponível em: <http://www.stj.jus.br/SCON/jurisprudencia/doc.jsp?livre=momento+invers%E3o+%F4nus+prova&&b=ACOR&p=true&t=&l=10&i=1> Data do acesso: 07/10/09.
- Brasil. Tribunal de Justiça do Rio de Janeiro. 13ª Câmara Cível. Relator Des. Sirley Abreu Biondi. Agravo de Instrumento nº 2008.002.16892. Julgamento ocorrido no dia 23/06/08. Disponível em: < http://srv85.tj.rj.gov.br/ConsultaDocGedWeb/faces/ResourceLoader.jsp?idDocumento=000313DA3D71A11322EA837B0817EEAFE80AB1C402092737> Data do acesso: 07/10/09.
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Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)
CARVALHO, Thiago Luiz Pacheco de. Inversão do ônus da prova no CDC. Matéria de instrução ou regra de julgamento?. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 14, n. 2327, 14 nov. 2009. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/13856. Acesso em: 2 maio 2024.