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O recente colapso do paradigma neoliberal. A crise mundial de 2007/2009.

Perspectivas para o Estado de Bem- Estar Social

O recente colapso do paradigma neoliberal. A crise mundial de 2007/2009. Perspectivas para o Estado de Bem- Estar Social

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O Estado de Bem- Estar Social (EBES) desempenha um papel econômico fundamental, ao propiciar a cooperação e a coordenação de longo prazo entre os atores centrais da economia nacional.

"Quem vai pensar o destino comum da espécie humana e da única casa coletiva, a Terra? Quem cuidará do interesse geral dos 6,3 bilhões de pessoas? O neoliberalismo é surdo, cego e mudo a esta questão fundamental. Seria contraditório suscitá-la, pois defende concepções políticas e sociais diretamente em oposição ao bem comum. Seu propósito básico é: o mercado tem que ganhar e a sociedade perder. Pois é o mercado que vai regular e resolver tudo. Se assim é, por que vamos construir coisas em comum? Deslegitimou-se o bem-estar-social". [01]

Sumário: 1. Introdução. 2. Crise e adequações do EBES: as décadas de 1970/80 e a nova hegemonia liberal. A recalibragem do EBES nos países europeus. Continuidade e renovação do EBES na Europa na passagem dos séculos XX/XXI. 3. O novo colapso do paradigma liberal – a crise mundial de 2007/2009. Novas perspectivas para o EBES na Europa e nos países emergentes. 4. Conclusão. 5. Referências Bibliográficas.


1.INTRODUÇÃO

A história recente do capitalismo demonstra que o grau de sucesso de inserção das economias no mundo globalizado tende a ser diretamente proporcional a seu distanciamento do ideário ultraliberal.

O Estado de Bem- Estar Social (EBES) desempenha um papel econômico fundamental, ao propiciar a cooperação e a coordenação de longo prazo entre os atores centrais da economia nacional.

Os países que preservam seus EBES na Europa ocidental, por apresentarem economias razoavelmente abertas, com forte inserção internacional (altas taxas de importação e exportação e alto grau de intercâmbio empresarial externo e interno) e dotados de notável capacidade de desenvolvimento tecnológico, têm se mostrado extremamente competitivos e dinâmicos no enfrentamento da economia globalizada.

Primeiramente, pretende-se tratar da suposta crise e das adequações do EBES, com intuito de demonstrar que, não obstante os conturbados acontecimentos das décadas de 1970/80, repercutindo em uma nova hegemonia liberal extremada, bem como as reformas realizadas de Estado de Bem-Estar Social, não houve a falência e a descaracterização deste um modelo estatal.

Posteriormente, apresenta-se uma leitura acerca do diálogo entre o neoliberalismo e o contexto da crise global de 2007/2009, perspectivas para o enfrentamento da crise e para o Estado de Bem-Estar Social, com ênfase na visão de renomados pensadores, que contribuíram nas obras "Capitalismo, Trabalho e Emprego - entre o paradigma da destruição e os caminhos de reconstrução", "O Crash de 2008: dinheiro fácil, apostas arriscadas e o colapso global do crédito", "O ABC da crise" e "O Estado de Bem-Estar Social no Século XXI".

Por fim, defende-se uma saída para essa crise de repercussão mundial, que passa por mecanismos de regulação e efetividade do Direito do Trabalho.


2.CRISE E ADEQUAÇÕES DO EBES: AS DÉCADAS DE 1970/80 E A NOVA HEGEMONIA LIBERAL. A RECALIBRAGEM DO EBES NOS PAÍSES EUROPEUS. CONTINUIDADE E RENOVAÇÃO DO EBES NA EUROPA NA PASSAGEM DOS SÉCULOS XX/XXI.

- A crise do EBES nos anos de 1970/80: caracterização. Traços característicos do ideário ultraliberalista: suas propostas de políticas públicas e gestão econômico-social.

A década de 70 é marcada por um contexto de forte crise econômica então surgida nos países capitalistas.

Diante de uma soma de acontecimentos, tais como: as crises fiscal do Estado e do petróleo, o recrudescimento do desemprego, a terceira revolução tecnológica, a acentuação da concorrência internacional, a reestruturação empresarial, bem como diante da incapacidade conjuntural das políticas públicas então dominantes, de natureza keynesiana, enfrentar, com resultados rápidos, a estagflação despontada naquela época, verificou-se um processo de desconstrução cultural em torno da essencialidade do valor-trabalho, por meio da "internalização acrítica do pensamento ultraliberal", pressuposto do globalismo.

Ratifica Hobsbawm que, diante desse complexo e tenebroso horizonte percebido em meados dos anos 70, marcado pela incapacidade de reação imediata dos keynesianos, "a única alternativa oferecida era a propagada pela minoria de teólogos econômicos ultraliberais". (HOBSBAWM, 1995: 398)

Neste sentido, a corrente neoliberal propagou a insustentabilidade, a crise, o esgotamento, o declínio e até o fim do modelo do EBES para difundir a idéia de um novo paradigma na vida socioeconômica, não mais atrelado às noções e realidades do emprego e do trabalho.

Segundo a linha neoliberal, defendida especialmente por Friedrich Von Hayek e Milton Friedman, a economia e a política do Welfare State seriam insustentáveis, principalmente porque inviabilizariam o controle da inflação, bem como porque gerariam excessivos custos tanto na esfera do governo (em virtude das políticas públicas e sociais), quanto na privada (em decorrência do pleno emprego).

Neste panorama, o liberalismo readaptado (neo ou ultraliberalismo), advogou e advoga, em síntese, pelo "primado do mercado econômico privado na estruturação e funcionamento da economia e da sociedade, com a submissão do Estado e das políticas públicas a tal prevalência", o que representa um genuíno contraponto ao "modelo multifacetado, normatizador e intervencionista do Welfare State". (DELGADO, 2006: 21)

Assim, a generalização do pensamento ultraliberal também ocorreu mediante concurso de diversos fatores e agentes, que passaram a atuar principalmente finais da dessa década de 1970, procurando derruir as bases do pensamento reformista-intervencionista-keynesiano.

Do ponto de vista político, apenas em um instante histórico específico de derrocada da experiência socialista soviética e também de grave enfraquecimento das forças populares nos países ocidentais, é que se tornou viável, a consumação de uma estratégia de atuação interna do Estado sem qualquer consistente preocupação social. (DELGADO, 2006)

Sob a perspectiva cultural, a retomada da hegemonia do liberalismo extremado ocorreu em face da reorientação das políticas macroeconômicas, do império do setor financeiro-especulativo – paradigama capitalismo sem reciprocidade, da autuação concertada dos organismos internacionais ou multilaterais, da tendência à homogenização acadêmica, da uniformização ultraliberal dos meios de comunicação, da uniformização ultraliberal das burocracias estatais e do intercâmbio de influências ultraliberais. (DELGADO, 2006)

Na economia capitalista, prevalece a "Teoria Neoclássica Monetarista", em que vigora: não intervenção do Estado e da norma jurídica na dinâmica socioeconômica do capitalismo; hegemonia do capital financeiro-especulativo sobre o capital essencialmente produtivo, elevação genérica dos juros, contratação monetária e creditícia, desconstrução da atividade econômica estatal; mitigação do potencial de investimento do Estado, tibieza dos níveis de desenvolvimento econômico, desvalorização contínua do emprego e do trabalho. Em síntese, essa teoria se pauta na desregulamentação e liberalização dos sistemas nacionais. (DELGADO, 2006)

Ainda, nas décadas de 1980, sedimenta-se uma longa e cada vez mais intensa e generalizada fase de dominância mundial das transações financeiras, de tal monta que "o valor total das inversões meramente financeiras passou até mesmo a suplantar, nas últimas décadas, o valor total das operações vinculadas ao mercado efetivo de bens e serviços". (DELGADO, 2006:113)

A exacerbação do neoliberalismo, mediante a predominância do capital- fianceiro especulativo, apresenta uma atuação perversa em diversas linhas, em que se destacam a instigação pela mantença do elevado patamar dos juros no conjunto da economia (garantindo-se remuneração privilegiada ao universo de credores-financeiros), a insistência na preservação de políticas redutoras dos investimentos públicos (diretos ou indiretos) e a destruição do aparelho público de prestação de serviços e de intervenção do Estado.

Especificamente, no mundo do trabalho, os ultraliberalistas reduziram o valor social do trabalho a um novo critério, meramente utilitarista, o que passou a difundir a precarização das condições de trabalho por meio da flexibilização e da desregulamentação excessivas.

A falácia apregoada pelo neoliberalismo exarcebado resultou, quase que de imediato, no elevado índice de taxas nacionais de desemprego, sendo que este se tornou um "fenômeno socioeconômico persistente e grave em inúmeros países capitalistas ocidentais, desde o universo europeu desenvolvido até a realidade de distintas economias latino-americanas". (DELGADO, 2006:33)

Vale dizer que dentre outros desdobramentos maléficos decorrentes do neoliberalismo, o desemprego contemporâneo, de caráter prevalentemente conjuntural, reflete o tipo de política pública dirigida precisamente "a alcançar estes objetivos perversos e concentradores de renda no sistema socioeconômico vigorante", seguida pela maioria dos países capitalistas ocidentais, e o desprestígio do emprego/trabalho. (DELGADO, 2006:71)

Neste diapasão, a hegemonia da matriz ultraliberalista repercutiu, especialmente, na ampliação das inseguranças para a "classe-que-vive-do-trabalho" [02], em múltiplas dimensões, e na divisão entre "os incluídos e os sobrantes" [03], num cenário completamente avesso à integração social, à distribuição de renda e à democratização social.

Todavia, os inúmeros prenúncios da referida falácia não foram suficientes para frear o "homo economicus" [04], de tal forma que, atualmente, ele sofre na "própria carne" os efeitos da readaptação exagerada ao "laissez faire, laissez aller, laissez passer", com a vigente crise financeira mundial.

Em suma, pensamento liberal renovado passa a se centralizar na gestão monetária da economia, que repercutiria na hegemonia do segmento financeiro-especulativo do sistema, e no favorecimento aos investimentos privados, que acarretaria, diretamente, nos programas de privatizações das empresas estatais e, de forma indireta, em métodos de desregulamentação normativa generalizada.

- EBES: As mudanças deste modelo estatal europeu ocidental nos últimos 30 anos. Recalibragem e mudanças que traduzem acolhimento de ideários opostos.

Maurizio Ferrera afirma que o Estado de Bem-Estar Social representa uma das maiores conquistas do século XX, uma vez que seus programas sociais fornecem concretude institucional aos ideais de igualdade, liberdade e solidariedade. Este modelo estatal europeu nasceu para responder aos desafios da era industrial e para atender aos interesses das nações, essencialmente após a segunda guerra mundial.

A chamada "Era de ouro" dos Estados de Bem-Estar Social floresceu em meio a um ambiente de crescimento econômico, bem como crescimento do emprego e a conseqüente queda dos níveis de desigualdade social.

Merrien aponta como elementos fundamentais daquele cenário os acordos de Bretton Woods, a nova complementariedade da economia e do social nas políticas keynesianas que dominava os paises desenvolvidos e, por último, as condições estruturais, demográficas, sociais e culturais que embasavam o desenvolvimento de generosos Estados Sociais.

Àquela época os Estados assumiram o controle de sua economia e de sua moeda e passaram a fomentar de sua maneira as políticas de modernização. Dessa forma, o controle do Estado na economia era forte e com diversos setores protegidos, tais como: agricultura e serviços. O keynesianismo fora a ideologia econômica que justificava as posições econômicas assumidamente antiliberais e pró-intervencionista. A economia se estabilizou por meio do crescimento baseado por um consumo em alta constante.

Como bem afirmou Merrien

"Em todos os paises desenvolvidos, os cidadãos esperam obter uma parte de seu bem-estar e de sua renda de prestações independentes de sua atividade no mercado, isto é, que lhe é concedida em razão da pertinência à comunidade nacional, do número de filhos ou de incapacidades temporária ou definitivas".(MERRIEN, 2007:125)

No tocante ao perfil demográfico deste cenário, verifica-se condições favoráveis ao modelo do EBES, tendo em vista que as famílias eram estáveis e possuíam uma taxa de natalidade alta. A mulher ainda não havia se inserido no mercado de trabalho, sendo a responsável pelo cuidado dos filhos e afazeres domésticos, enquanto que o salário do homem era crescente e suficiente para o sustento da família.

Por fim, não podemos deixar de destacar que além de protetor o EBES é também um Estado redistribuidor, que se preocupou com a redução relativa das desigualdades sociais e com a diminuição progressiva da pobreza.

Todavia, conforme aduz FERRERA, o contexto externo modificou-se bastante ao longo dos anos. A Europa teve seu perfil sócio-econômico modificado, fruto de uma transição sócio-demográfica, ligada ao declínio da taxa de nascimento, às novas relações de gênero e às crescentes aspirações de independência pessoal e autorrealização das mulheres. Além disso, a economia passou a ser baseada em serviços e no conhecimento, bem como caracterizada por uma crescente internacionalização.

Entretanto, nas últimas décadas do século XX o Welfare State passou a ser alvo de inúmeras críticas, principalmente no tocante a sua estruturação e ao seu funcionamento, em decorrência do ressurgimento e da reconstrução de uma nova hegemonia cultural neste período: o pensamento ultraliberalista.

Com o fim do pacto de Bretton Woods e com as crises financeiras do petróleo, no final da década de 70 e na década de 80, a estrutura do EBES passa a receber severas críticas, mormente, como já destacado, sob influência do processo de construção da ideologia ultraliberal. As políticas keynesianas sofreram efeitos perversos, como o aumento da taxa desemprego e dos índices inflacionários e se tornaram inviáveis. A ausência de confiança no mercado de um país significava a fuga dos capitais de investidores e consequente queda da moeda, aumento da taxa de juros e da dívida pública, ou seja uma catástrofe ainda maior.

Os Estados então depararam com um novo embate: de um lado a necessidade de abertura do mercado, com uma política monetária e fiscal exigida no cenário internacional; e, de outro lado, a necessidade de continuar a financiar os direito sociais adquiridos, bem como cobrir despesas advindas da crise (principalmente o desemprego).

Além disso, no tocante à realidade demográfica dos Estados que constituíram o EBES esta se modificou, passando a conviver com uma taxa de natalidade mínima (se não negativa), envelhecimento da população e entrada da população ativa cada vez mais tardia. O sistema previdenciário passou a não mais se manter, haja vista o aumento da população inativa ter sido simultâneo a redução da população ativa.

Neste contexo, surge, ainda, o discurso neoliberal que gira em torno da incompatibilidade da globalização com o EBES. Esse discurso se pauta na suposta alegação de que o social tornou-se um fardo para a economia e para toda a sociedade e, ainda, que o EBES mina a competitividade internacional das nações avançadas e constitui uma subtração inaceitável da riqueza.

Segundo Merrien, "a idéia de que a globalização econômica impõe a reorganização e o enfraquecimento dos Estados de Bem-Estar Social é quase que unanimemente compartilhada pelas elites políticas, seja dos países desenvolvidos, seja daqueles em desenvolvimento." (MERRIEN, 2009:119).

Merrien menciona que os especialistas das grandes organizações internacionais como o FMI e o Banco Mundial pintam um quadro negro dos Estados de Bem-Estar Social e destacam que os países que seguirem essa via obtiveram resultados positivos, ao passo que os que não seguiram se afundam na crise.

Desse modo, em nome da globalização, o discurso dos economistas e especialistas internacionais passa a ser no sentido de redução do Estado de Bem-Estar Social, além de outras medidas, tais como: privatização, reforma das prestações sociais, associação entre entes públicos e privados.

Neste sentido as elites políticas argumentam que "As transformações dos Estados de Bem-Estar Social seriam, assim necessárias". (MERRIEN, 2009:119).

Todavia, o argumento da globalização e da impossibilidade da soberania social dos Estados modernos merece ser examinado de maneira mais precisa.

Ao traçar um panorama de alguns países, Merrien revela que nas últimas décadas os governos se mostraram na obrigação de reduzir os respectivos Estados de Bem-Estar Social, ou mesmo de se orientar no sentido das recomendações neoliberais. De acordo com Merrien:

"A maior parte dos países europeus passou a reduzir o nível das despesas sociais; o modo de cálculo das prestações (em matéria de proventos de aposentadoria, por exemplo) é menos favorável do que no passado e um grande número de alocações de recursos não é mais acordado, senão sob condição. Além disso, governos trabalhistas como os da Austrália e Nova Zelândia, ou governos social-democratas como os da Suécia e da Dinamarca, adotaram várias reformas pertencentes ao repertório neoliberal." (MERRIEN, Livro O Estado de Bem-Estar Social no século XXI, 2009:121).

Segundo Merrien, é necessário não interpretar mal a relativa convergência que se pode notar nas políticas sociais dos diferentes países. Para ele, uma parte importante das medidas adotadas tornou-se necessária após as transformações internas dos regimes produtivos, como redução da economia industrial e o desenvolvimento da economia de serviços.

Deve-se considerar também a conversão das elites políticas ao programa neoliberal. Tal conversão revela que "numerosas medidas de políticas sociais, adotadas nas últimas décadas, resultam pouco ou mesmo nada de pressões econômicas, mas sim de pressões puramente estruturais internas, como envelhecimento da população, instabilidade das estruturas familiares, dentre outras". (MERRIEN, 2009:121).

Merrien discorre ainda sobre o que considera como o "coração do problema." Para ele, o novo regime econômico internacional limita a autonomia dos Estados em matéria de políticas macroeconômicas. Ele explica que "essa autonomia reduzida não significa que os Estados devam demolir o arcabouço de proteção social construído desde o fim da Segunda Guerra Mundial. Por outro lado, para continuar a promover as políticas de proteção social é necessário manter o equilíbrio orçamentário." (MERRIEN, 2009:122)

O autor reforça a idéia de que a busca de uma liberalização contínua da sociedade, passando pelo abandono das proteções sociais, não resulta, necessariamente, no milagre econômico, citando como exemplo a Nova Zelândia.

Para concluir a sua exposição, Merrien esclarece que para compreender os pontos apresentados torna-se fundamental reconstituir, brevemente, as condições macroeconômicas e sociais que tornaram possível a edificação dos Estados de Bem-Estar Social desenvolvidos nas décadas de 1960 e 1970, pelo fato de permitir "detectar o que é profundamente novo na situação atual e de mensurar a evolução real das pressões externas sobre as políticas sociais dos Estados." (MERRIEN, 2009:122).

A via da desregulamentação do mercado e do trabalho foi fortemente preconizada pelos representantes de empresários, que neste "novo" cenário possuíam grande força social, com a consequente perda de influência de atores sociais como o sindicato e partidos políticos opositores. O capital financeiro investidor passou a ser o ator principal da economia estatal, sendo buscado a qualquer custo. Neste escopo, os Estados foram pressionados a desenvolver um quadro econômico atrativo: baixos encargos sociais, baixa tributação, Direito do Trabalho flexível e pouco protetor.

No cenário internacional foi presenciado um embate entre o Banco Mundial e Organização Internacional dos Trabalhadores (OIT), já que aquele, a partir principalmente de 1994, aproveitando de seu papel de credor internacional, optou por uma campanha de deslegitimação da OIT e suas respectivas políticas de proteção social do trabalhador em geral. Dessa forma, o Banco Mundial propagou no globo terrestre a privatização dos sistemas previdenciários, limitação de proteção social aos despossuídos e menor seguridade social a classe média.

É preciso ainda destacar que neste mesmo cenário havia dois casos diferentes. De um lado os paises desenvolvidos, que apesar de cederem a várias práticas ultraliberais, possuíam e possuem autonomia bem mais considerável, principalmente em relação a estes órgãos internacionais. De outro lado, os paises sub-desenvolvidos, que se viram e vêem na obrigação novas políticas econômicas e sociais, em sua maioria, ditadas por aqueles mesmos órgãos internacionais.

Diante da suposta crise do EBES tornou-se necessário uma recalibragem neste modelo.

Entretanto, ocorreram e ainda ocorrem recalibragens que em muito se afastaram em seu rumo, de acordo com a posição adotada pelo Estado. Neste sentido, teremos a divisão entre a trajetória neoliberal (marcada pela política social de natureza residual) adotada pelos EUA, Grã-Betanha, Austrália e Nova Zelândia; e a trajetória social-européia (marcada pela busca alternativa no modelo neoliberal, entretanto com a manutenção ainda que limitada das despesas de proteção social), adotada pelos paises europeus em geral.

FERRERA expõe que para modernizar o EBES, torna-se necessário identificar os riscos conexos causados pela modificação sócioeconômica em todos os países europeus, os quais, sumariamente, destacam-se: riscos principalmente relativos às mulheres, devido à dificuldade de se conciliar trabalho e vida familiar; riscos relativos aos jovens, causado pela ausência de acesso ao conhecimento e a redução gradativa dos atributos profissionais. Como consequência de tais riscos, verifica-se a marginalização e a exclusão social, com repercussões nos âmbitos do mercado de trabalho, da economia e do conhecimento.

Os Estados europeus tomaram medidas compensatórias para remediar os danos sofridos pelo indivíduo ou grupo social, em decorrência da emergência dos riscos acima citados. Assim, passaram a prestar assistência escolar, requalificação profissional, subsídio aos trabalhadores menos favorecidos, medidas de combate a pobreza e à exclusão.

Tais medidas, no entanto, são limitadas com relação a sua eficácia uma vez que apenas atenuam as necessidades, sem prevenir os riscos. É necessária uma abordagem preventiva, que promova concretamente oportunidades e capacidades, focando os grupos sociais mais afetados, quais sejam as mulheres e os jovens.

De acordo com Maurizio Ferrera, esta grande estratégia pode ser identificada como uma recalibragem, posto que "reformar o Estado de Bem-Estar Social significa hoje, de fato, deslocar os pesos – a atenção institucional, os recursos financeiros, o acento ideal – de algumas funções a outras, de algumas categorias a outras, de alguns valores a outros" (FERRERA, 2007: 106).

Neste sentido, o esforço de recalibrar/reformar o EBES europeu deve atender a três dimensões: funcional, distributiva e normativa.

A recalibragem funcional relaciona-se com os riscos que são objeto de proteção. Na maioria dos países europeus, o Estado de Bem-Estar Social protege um risco antigo que é a velhice, desconsiderando, quase por completo, os novos riscos conexos a outras fases da vida, como a juventude e o período de constituição familiar.

Fora do contexto dos países nórdicos [05], não se protege o trabalho precário, os encargos familiares, a falta de autossuficiência, a exclusão social, a indisponibilidade de oportunidades.

O envelhecimento demográfico trará aumento significativo no custo das aposentadorias. Assim, se faz necessário redimensionar o orçamento para a proteção de mães que trabalham, das crianças em condições de pobreza, sem reduzir a tutela de idosos em condições de dificuldade.

Para sustentar financeiramente o Estado de Bem-Estar Social, em particular seu sistema previdenciário, serão cruciais recursos gerados por altas taxas de participação feminina no mercado de trabalho, uma vez que a contenção dos desequilíbrios demográficos depende da disponibilidade das mulheres de se tornarem mães.

O declínio da natalidade é o principal fator responsável pelo envelhecimento populacional, aliado aos avanços da medicina que propiciam melhoras significativas nas taxas médias de expectativa de vida.

A desigualdade jurídica da mulher foi herdada de condições sociais anteriores, porém não é causa e sim efeito da opressão econômica da mulher. Na sociedade patriarcal monogâmica, o governo-do-lar deixou de ter caráter social, como o era de forma extremamente importante nos matrimônios poligâmicos em que compreendiam numerosos cônjugues e filhos, transformando-se em serviço privado. A mulher então deixou de ser parte da produção social, tendo somente a proletária possibilidade de participar desta produção.

É importante notar, conforme ensina Cesariano Junior, houve um interesse coletivo masculino de criar uma legislação protetora do trabalho da mulher fora do lar, mas não houve tal intenção com relação ao trabalho doméstico, porque este não criava concorrência com o mundo profissional masculino. A sobrecarga da mulher que trabalha "fora" e no lar criou uma situação discriminatória, sendo que só hoje há parcos indícios da intenção dos homens de dividir tal trabalho, o que ocorre com muito menos frequência nas camadas mais pobres da população, onde a cultura machista se mantém com mais força.

Para assegurar nascimentos e participação feminina no mercado de trabalho, torna-se necessário assegurar políticas públicas de cuidados de crianças e idosos (aliviando-se o trabalho não remunerado de cuidados que recai essencialmente sobre as mulheres), que assegurem a ambos os pais a colaboração na gestão das tarefas domésticas, de salários-família e de deduções fiscais consistentes para compensar, ao menos em parte, os gastos relativos aos filhos; de incentivos à redistribuição das funções familiares para romper hábitos e mentalidades consolidadas, de incentivos às mulheres no mercado de trabalho, no ingresso e também no retorno após a maternidade, bem como nos avanços na carreira.

Face à diminuição drástica da natalidade na Europa, muitos países promoveram políticas públicas visando ao aumento deste setor, como Portugal, Alemanha (desde de janeiro de 2007, decidiu oferecer incentivo de até 25 mil euros a todas as mulheres lá residentes que tenham um filho) e Espanha (o governo espanhol ofereceu 2500 euros a todos os casais residentes no país, espanhóis ou estrangeiros, que tenham um novo filho).

Essas políticas estatais européias demonstram nitidamente as preocupações governamentais com relação à mudança comportamental das mulheres que rejeitam à posição que lhe é imputada pela sociedade de ser indivíduo destinado originalmente à única tarefa de cuidar da prole e do lar.

Tais reformas, tanto com relação às mudanças nas políticas previdenciárias, quanto com relação ao incentivo a maternidade, trarão, a longo prazo, conseqüências positivas para o próprio sistema previdenciário. Isso seria possível através de pequenas modificações na idade de aposentadoria, nas taxas de natalidade e nas dinâmicas migratórias.

Outra frente, de extrema importância, de recalibragem funcional é o combate ao risco de pobreza entre os menores, crescente na Europa, que gera círculos viciosos ao difundir trabalhadores, em regime precário, marginalizados devido a sua pouca qualificação. Este fato aumenta despesas com medidas de assistência compensatórias, além de diminuir a arrecadação fiscal, em virtude de baixas remunerações, aumentando os problemas de sustentação do sistema previdenciário.

O ambiente de formação na primeira fase da infância tem um papel crucial no desenvolvimento do capital humano individual. Carências nesse ambiente conduzem às demais fases da vida, a problemas de aprendizagem, à probabilidade de maior evasão escolar e, consequentemente, a menores chances de mobilidade social. A formação dos jovens deve ser um pilar do EBES europeu em que se combate a herança social da desvantagem.

A recalibragem distributiva relaciona-se com as categorias que são objeto de proteção, sendo necessária para que os custos da transição demográfica sejam repartidos de forma equânime entre as gerações. Deve ser baseada na elevação da idade mínima para a saída da vida laboral e flexibilização da idade legal de aposentadoria.

FERRERA destaca duas categorias de trabalhadores que prevalecem no modelo social europeu: os protegidos pelo sistema e os precarizados. A divisão se dá em decorrência das capacidades profissionais, conexas com a transição para a economia do conhecimento, que aceleram e reforçam a dinâmica de desigualdade. Os trabalhadores precários ocupam postos de trabalho nos setores mais periféricos e fracos do mercado de trabalho.

Neste contexto, ressalta-se a importância de uma incisiva racionalização distributiva para rebalancear a proteção social entre riscos e benefícios das prestações. Essa medida implicará importantes vantagens para os não protegidos e diminuirá o acesso e tratamento no EBES para aqueles que não passam por sérios testes de equidade social.

Esse processo já se iniciou na Itália, França e Áustria, através de gradual equiparação entre empregados públicos e privados no plano previdenciário, embora ainda persistam disparidades de acesso e de disciplina normativa nestes sistemas.

Na tutela contra o desemprego, existem categorias hiper tuteladas e outras quase que totalmente desprotegidas. O trabalho precário não é protegido adequadamente com relação aos riscos de doença, maternidade, desemprego temporário, encargos familiares e sofre graves penalidades em termos de prestação de aposentadorias.

Quanto à recalibragem normativa, FERRERA a relaciona com símbolos e valores. No século XX se afirmou na cultura política européia uma ingênua concepção "emancipadora" dos direitos sociais, defendida independente de seu conteúdo específico, suas regras de acesso e suas contrapartidas.

Nessa ideologia foi formulado um EBES com base na teoria política dos direitos sociais como conquista dos trabalhadores, ao invés de pautar numa teoria ética sobre direitos e deveres dos cidadãos, fundadas em regras e critérios de equidade.

Assim, limitou-se a possibilidade de perceber e combater as degenerações "usurpadoras" do EBES que acabou por criar direitos sociais em resposta à capacidade de pressão de determinados grupos sociais mais fortes e não em resposta às necessidades dos sujeitos mais fracos.

Logo, sob perspectiva normativa, para recalibrar o EBES, FERRERA recomenda ser necessário ancorar estratégias e valorações de política social em explicitas teorias de justiça distributiva (e não em teorias de conflito entre classes) e atribuir maior peso possível no seio dessas teorias ao valor da equidade.

Ainda, realça que o objetivo normativo principal do Estado de Bem-Estar Social é combater a herança social da desigualdade e da exclusão, de tal forma que tutele o individuo ao longo de toda a sua vida.

FERRERA ressalta que o sucesso da economia dos serviços e do conhecimento depende de maneira crucial das qualificações e credenciais educativas do "cidadão-médio", a fim de que se promova coesão social e cidadania em um dado país.

Nos países nórdicos e anglo-saxões há longa tradição de investimento público, não somente financeiro, no setor de instrução, ao contrário dos países do modelo bismarckiano (Europa Meridional e Continental) que investiram basicamente em sistemas previdenciários.

Pelo exposto, FERRERA conclui que a recalibragem do EBES nas supracitadas dimensões depende do apoio de coalizões sociais interessadas em sustentá-la e de uniões políticas capazes de decidí-la.

O Estado de Bem-Estar Social conjuga virtuosamente crescimento e coesão, mercado e proteção social, valorização dos méritos e atendimento às necessidades, especialmente dos menos favorecidos.

Segundo Philip Manow, a globalização pode exercer pressões financeiras sobre o Estado de Bem-Estar Social, mas também pode aumentar a importância dos efeitos benéficos das políticas sociais para a economia.

Uma relação mais próxima entre os regimes de produção e proteção pode diminuir os incentivos para que as empresas saiam de um regime nacional de bem-estar social custoso em busca de outros locais, gerando desastrosas conseqüências para a construção da coalizão política.

As reformas do Estado de Bem-Estar Social tendem a refletir custos econômicos diretos e benefícios econômicos indiretos aos regimes nacionais. Tais reformas refletem as relativas posições de poder dos beneficiários de programas individuais que exercem influência através do canal de democracia numérica e dos beneficiários de programas corporativos protegendo os seus interesses por meio do canal de negociação corporativa.

As principais forças que construíram o Estado de Bem-Estar Social, sindicatos e partidos social democratas, perderam poder político. No entanto, os programas sociais criam e mantém sua própria clientela, dando origem aos respectivos grupos de interesse que buscam a obtenção e manutenção dos programas sociais. Tais grupos dão suporte à manutenção, expansão dos programas sociais, além de os protegerem contra eventuais ataques políticos. Esse fator gera, nas palavras de Manow uma "retro-alimentação positiva das políticas", o que torna extremamente difícil a implantação de medidas diversas dos ajustes indispensáveis.

Somente na Inglaterra verifica-se a teoria da retro alimentação, sendo o eleitorado uma poderosa arma contra as tentativas de redução do Estado de Bem-Estar Social. Isso tem menor efeito nos países da Europa Continental, uma vez que os programas sociais raramente deram origem aos grupos de interesse e as políticas sociais, com freqüência, são consideradas como parte de um complexo corporativo no qual o Estado não pode intervir unilateralmente, devendo buscar o consenso dos sindicatos de trabalhadores e dos empregadores.

Em vários paises, como Holanda, Suécia, Itália, Nova Zelândia e Japão, os aliados tradicionais do Estado de Bem-Estar Social, sindicatos e partidos social democratas, lutam por uma profunda reforma do Estado de Bem-Estar Social, com redução de benefícios, imposição de condições mais rígidas de acesso a estes, privatizações, dentre outras medidas.

Construiu-se uma aliança, ainda que velada, de sindicatos de trabalhadores do setor privado, empregadores e políticos reformadores. O objetivo de tal aliança é a reestruturação do Estado de Bem-Estar Social, incluindo a inversão de sua tendência expansionista nos gastos sociais, através de reforma administrativa e redução de encargos fiscais.

Os governos de alguns países adotam a estratégia de buscar uma legitimidade adicional para efetuar a reforma do Estado de Bem-Estar Social que não conseguem obter nas eleições. A reforma é efetuada de forma negociada e tripartide. Em alguns países europeus ressurgiu a centralidade das negociações e acordos corporativos associados a uma ampliação significativa do leque de tópicos negociáveis que ultrapassam as questões tradicionais de políticas de renda para abranger também aquelas relativas à educação, treinamento, duração do trabalho, tributação.

De acordo com Manow:

"A explicação mais recorrente para as novas alianças inter-classes nas reformas do Estado em tela é de fácil compreensão. As alianças trabalho-capital são geradas por uma nova linha divisória entre trabalhadores e empresas nos setores comerciais e não-comerciais. As empresas dos setores protegidos da economia, consoante tal explicação, podem se livrar melhor dos altos custos por meio do aumento dos preços (ou dependem mais do orçamento público do que do mercado).

As empresas dos setores expostos, ao contrário, devem, essencialmente, assumir os preços. Se o leque de produtos comercializáveis aumenta através da redução dos custos de transação técnicos (tecnologias de transporte avançadas) e legais/econômicos (liberalização do comércio) [...], as empresas são cada vez mais forçadas a mudar sua estratégia, abandonando o repasse dos custos por meio do aumento de preços, para adotar o corte das despesas através da redução salarial, da racionalização e da diminuição dos postos de trabalho".(MANOW, 200:166/167)

Nessa essa linha de raciocínio, a internacionalização dos mercados, a integração econômica de blocos de comércio regionais, bem como a privatização em larga escala de serviços públicos de telecomunicação, transporte e energia implicam no crescimento do percentual exposto em relação ao setor protegido que é financiado pelos orçamentos públicos e que goza de monopólio garantido pelo Estado. Assim, devido à competição internacional intensificada e a preocupação com a contenção da pressão crescente sobre os custos domésticos gerados pelos amplos setores públicos, altera-se a conduta dos sindicatos de trabalhadores com relação à proteção social generosa.

Tal teoria pressupõe que a competição é quase sempre uma competição por preços e que os programas sociais são um peso morto para o empresariado.

O interesse inter-classes seria então a manutenção dos custos em um nível que não colocaria em risco a competitividade internacional dos produtos, através da diminuição de tributos e de contribuições previdenciárias, mantendo-se preços internos dos produtos em patamares mais baixos.

Os sindicatos do setor protegido, sindicatos de servidores públicos, teriam interesses opostos, uma vez que recrutam parte considerável de seus membros no setor de serviços públicos relacionados ao bem-estar.

Ocorre que essas novas coalizões inter-classes, de acordo com a tese elaborada, deveriam surgir em países com economia muito aberta, generosos níveis de gastos sociais, amplo setor público, níveis altos de sindicalização, o que não ocorreu. Tais pactos sociais verificaram-se em países com economias mais fechadas, que não possuíam altos custos sociais, sem movimento trabalhista e tradição neocorporativista forte como Itália, Espanha, Portugal, Irlanda e Finlândia.

A teoria da divisão dos setores expostos versus setores protegidos desconsidera as vantagens institucionais comparativas das modernas economias de mercado que, com freqüência, são muito mais importantes do que as relativas vantagens de custos resultantes de baixos níveis de tributação, reduzidos gastos sociais ou de um setor público diminuto.

As características extraeconômicas das modernas economias de mercado tem papel crucial sobre a atuação das forças de mercado nos países industrializados avançados e podem explicar as diferenças observadas nos respectivos desempenhos econômicos.

O Estado de Bem-Estar Social desempenha um papel econômico crucial, sobretudo com relação ao seu impacto na cooperação e coordenação de longo prazo entre os agentes econômicos.

O sucesso dessa cooperação e coordenação, em longo prazo, pressupõe a presença de instituições que tornem os agentes econômicos capazes de se engajarem e investirem em transações duradouras e confiáveis. Os lucros com baixos custos de transação são proporcionados pelos altos investimentos em estruturas específicas. Tais investimentos podem se traduzir em uma vantagem comparativa para a empresa, setor ou economia como um todo.

A coordenação econômica torna possível a criação de determinados nichos de mercado em que a concorrência com outros competidores é rara ou inexistente. Assim custos fixos altos podem co-existir com custos unitários baixos. Além disso, a coordenação reduz o grau de vulnerabilidade envolvido em longas cadeias de transações e investimentos de longo prazo.

Para Manow, a coordenação econômica de longo prazo pode ser executada de vários modos. Prêmios e benefícios relacionados ao mérito justificam uma relação proporcional entre as prestações previdenciárias e as rendas que elas substituem e legitimam a manutenção do pagamento de aposentadorias de diversos valores. Se relacionadas a níveis de qualificação profissional, tais pagamentos, a longo prazo, incentivam trabalhadores a buscarem habilidades profissionais adicionais que pode ser protegido contra o perigo da rápida desqualificação durantes períodos de desemprego através da estipulação de generosos critérios para a aceitabilidade de ofertas alternativas de trabalho e do estabelecimento de um longo período aquisitivo para acesso aos benefícios estritamente relacionados a renda.

A intervenção estatal, sobretudo nas relações de trabalho, é essencial para se estabelecer tal coordenação econômica de longo prazo, uma vez que o alto salário social gera pressão benéfica para empregadores e trabalhadores, abrindo políticas de redistribuição de renda e forçando os agentes econômicos a buscarem estratégias de produção baseadas em habilidades profissionais elevadas e altos salários.

As empresas passam a buscar estratégias para conquistar amplas parcelas de mercado, obtendo lucros acima da média, devido sua vantagem comparativa em relação aos concorrentes menos coordenados.

O Estado de Bem-Estar Social proporciona segurança de mercado aos capitalistas, advindo da estipulação de um padrão uniforme de proteção social. Além disso, proporciona seguridade social para os trabalhadores, impondo os mesmos custos sociais a todas as empresas e permitindo que estas se especializem e desenvolvam vantagens comparativas sobre suas concorrentes menos coordenadas.

As reformas do modelo clientelista do Estado de Bem-Estar Social objetivaram aumentar a eficiência dos sistemas de seguridade social por meio de corte dos custos. Na verdade, representaram a aproximação do modelo de coordenação da Europa Continental.

Os Estados de Bem-Estar Social bismarckianos preferiram financiar o desemprego ao invés de adotar políticas ativas no mercado de trabalho.

De acordo com Manow "os regimes Estado de Bem-Estar Social que potencialmente melhoram a competitividade são aqueles que estabeleceram um forte nexo entre produção e proteção, isto é, que conseguiram integrar as organizações do capital e do trabalho no Estado e que conectaram o acesso aos benefícios previdenciários à relação de emprego". (MANOW, 2007: 176)


3.O NOVO COLAPSO DO PARADIGMA LIBERAL – A CRISE MUNDIAL DE 2007/2009. NOVAS PERSPECTIVAS PARA O EBES NA EUROPA E NOS PAÍSES EMERGENTES.

- A crise de 2007/2009: traços característicos.

Na introdução do livro "O ABC DA CRISE", Sister informa que apesar de os autores da obra serem filiados a uma ideologia não-liberal, há divergências quanto à natureza da crise e seus desdobramentos, ou seja, quanto aos seus traços característicos.

Uma parcela dos autores aponta que a crise se deu no mercado financeiro e se expandiu para a economia real. Entre esses, podem ser citados o próprio Sister e Singer.

Sister coloca, inicialmente, que não dá para prever com clareza a extensão das consequências da crise. De toda forma, ele aponta que para se entender a crise corrente e tentar compreender seus desdobramentos é preciso atentar para dois fatores:

1) A demanda dos consumidores norte-americanos, mesmo que em menor escala do que no passado, ainda mobiliza direta e indiretamente fábricas, fazendas, mineradoras, usinas e toda ordem de bens e serviços do mundo todo;

2) O enorme aumento da quantidade de recursos em moedas fortes – gerados em boa medida pela venda dos produtos do mundo inteiro para os Estados Unidos (EUA) – provoca a procura de alternativas rentáveis, uma vez que as taxas de remuneração pagas nos títulos mais seguros são declinantes.

Relata, ainda, que de todas as riquezas apuradas pelos EUA (aproximadamente 15 trilhões de dólares), 70% (10,5 trilhões) dizem respeito ao consumo das famílias e, por outro lado, a população vem gastando mais do que ganha (afinal, para que poupar com tantas linhas de crédito barato?). O mesmo se passa com o Governo norte-americano, que tem despesas largamente superiores à arrecadação.

Assim, na sua visão, a máquina financeira para manter esses norte-americanos abastecidos é pródiga.

No que tange ao Estado, o problema é resolvido com a venda de dólares e títulos do tesouro (que são emitidos pelo próprio Governo norte-americano) a quem poupa muito com gastos públicos (como China e Japão).

Em relação aos consumidores, afirma:

"há uma base de empréstimos bancários multiplicadores, que tem origem na casa própria. Com um bem imóvel financiado que dá como garantia (hipoteca), o americano tem acesso a um mundo de outros créditos para comprar carros, eletroeletrônicos, pacotes de viagem e tudo que as vitrines e os catálogos do universo do consumo colocam a sua disposição". (SISTER, 2009:57)

Todavia, a crise aconteceu porque essa equação supracitada foi se tornando crítica. Por um lado, à medida que os títulos do governo americano foram mais procurados e, logo, passaram a oferecer taxas menores de rentabilidade, uma parte dessa liquidez passou a ser canalizada para ativos com lastros efetivos (como as bolsas de valores de todo o mundo; fundos de investimento e títulos de tesouro mais rentáveis, de países como o Brasil, por exemplo). Lado outro, ocorreram negócios insustentáveis no mercado imobiliário dos Estados Unidos, que passou a incluir na clientela pessoas que visivelmente não poderiam pagar pelas casas, aprovando-se crédito mesmo sem qualquer comprovação de renda.

Cita com exemplo a seguinte situação: uma empresa imobiliária proporciona um empréstimo para um consumidor comprar uma casa. Esse "ativo a receber" é transformado em título pelo banco (que tem como garantia o próprio imóvel) e vendido para fundos de pensão, fundos de fundos e toda sorte de investidores em qualquer parte dos EUA ou do planeta. Mais adiante, esse primeiro título (de solvência muito discutível) se transforma em outros títulos, agora de instituições aparentemente mais confiáveis, com boas notas de avaliação pelas agências de risco e todo mundo passa a confiar plenamente neles. Dessa forma, aquele cidadão que comprou a casa, dando em garantia a própria casa (hipoteca), consegue mais linhas de crédito para comprar outros produtos e serviços (como eletroeletrônicos, carros, viagens, etc.). Então, aquela prestação da casa que antes era, ilustrativamente, de mil dólares por mês, passa a ser de dois mil dólares por mês para pagar aquilo que foi consumido. O consumidor então começa a ter dificuldades de pagar tudo que deve (e o lastro ainda é o mesmo imóvel). Por conseguinte, sua renda começa a diminuir, pois os seus vizinhos estão na mesma situação e a atividade econômica como um todo começa a reduzir.

Conforme Sister, quando o referido exemplo começou a se repetir muito, os grandes investidores mais atentos começaram a vender esses títulos de alguma forma vinculados ao subprime, provocando uma contínua redução da rentabilidade dos papéis. Enfim:

"Enquanto uma parte considerável de mutuários deixava de pagar as prestações (uma insolvência que pode facilmente ultrapassar os 2 trilhões de dólares), os maiores bancos de poupança, seus financiadores e seguradores passam a ser olhados com desconfiança e a perder depósitos e créditos". (SISTER, 2009:59).

E foi assim que acentuou a quebradeira em 2008, nos EUA, destacando-se o caso do Lehman Brothers e, posteriormente, atingindo demais bancos e seguradoras norte-americanos. E como estas instituições eram financiadas por bancos de outras partes do mundo, a crise se alastrou para Inglaterra, Alemanha, França, Bélgica, Holanda, Luxemburgo, com respingos pela Ásia, Oriente Médio e Austrália. Em dado momento,

"todo mundo ficou desconfiado de todo mundo e o crédito praticamente parou no globo inteiro. Fundos e investidores de toda parte recolhem o quanto podem de seus recursos espalhados pelas bolsas e bancos do universo e, nova ironia, voam para a "segurança", para o tesouro americano, em busca de seus títulos cada vez mais mal pagos". (SISTER, 2009:60).

Sister relata que:

"Tudo o que acontece em seguida resume-se à tentativa de restabelecer a confiança no sistema financeiro que sobreviveu e, ao mesmo tempo, reduzir ao máximo o impacto da crise na economia real, mitigando ao máximo os efeitos recessivos". (SISTER, 2009:60)

Na tentativa de socorrer o sistema, os governos das economias mais ricas, colocaram bilhões de dólares, a baixos juros (algo em torno de 6,8 trilhões de dólares), à disposição das instituições.

Diante do quadro narrado, Sister aponta que a única certeza é a redução do consumo e da atividade econômica nos grandes países consumidores, como EUA, Inglaterra, Alemanha e França e, ainda, alerta:

"Seja como for, parece óbvio que a economia mundial vai reduzir a demanda por alimentos, matérias-primas, combustíveis, bens industriais e serviços. E é por isso que os preços das principais commodities entraram em queda". (SISTER, 2009:62)

Em linha semelhante, Singer relata que o âmbito financeiro e a economia real são dois mundos distintos.

No mundo financeiro "circulam monetários denominados genericamente de ativos porque são créditos, a cada um dos quais corresponde um passivo (ou débito)" (SINGER, 2009 : 71). Já, no da produção e consumo/valores de uso "circulam bens e serviços que satisfazem as necessidades de seres humanos, que por isso se dispõem a pagar para adquiri-los". (SINGER, 2009 : 71)

Todavia, esses bens e serviços também são valores monetários. Então, a diferença entre ativos e mercadorias é que os ativos são valores virtuais, ou seja, não satisfazem qualquer necessidade diretamente. Lado outro, as mercadorias são valores reais, prontos para serem utilizados ou consumidos.

Conforme ensina Singer,

"As finanças prestam serviços à economia real: recebem em depósito a poupança de famílias e empresas (sem falar dos governos) e lhes oferecem empréstimos. Serviços financeiros são basicamente de intermediação entre famílias e empresas que têm poupanças e outras que necessitam de dinheiro. As finanças recolhem o dinheiro sobrante das primeiras e os emprestam ás últimas. Mas sua atividade principal é emprestar a governos e empresas para que possam fazer investimentos". (SINGER, 2009:72)

Ademais, para ele,

"o que efetivamente importa é que os intermediários podem emprestar mais dinheiro do que captaram do público ou de outros intermediários. Eles podem fazer isso porque gozam de crédito por parte do público que aceita em pagamento os ativos avalizados por bancos". (SINGER, 2009:72)

Feitas essas considerações, Singer relata que há um ciclo de conjuntura, composto tanto pela economia real, quanto pelo âmbito financeiro.

A fase de alta do ciclo, em geral, começa pela economia real, caracterizada por inovações tecnológicas de grande impacto sobre a produção e/ou consumo ou por mudanças institucionais (como a instauração de sistemas de previdência social, de assistências à saúde ou de transferência de rendimentos à população mais pobre).

Essas inovações tecnológicas exigem investimentos vultosos, elevando as demandas de financiamento por parte das empresas. Por outro lado, quando iniciativas governamentais de redistribuição de renda elevam os gastos de consumo de amplos setores da sociedade, também são requeridos investimentos para ampliação da capacidade de produção dos bens e serviços consumidos por esses setores.

Crescendo a demanda por empréstimos, as finanças ficam animadas a farejar oportunidades para bons negócios. Com a alta cíclica da economia real ocorre um efeito manada sobre as finanças e todos os banqueiros se entusiasmam, acreditando que os riscos de inadimplência de empréstimos tornaram-se insignificantes.

Com o pagamento pontual dos empréstimos, o entusiasmo cresce e transforma-se em euforia. Empresas pequenas (microempresas), que não podem oferecer as garantias normalmente exigidas, passam a receber também empréstimos apenas em função do seu potencial, supostamente bom.

A euforia contagiante (que pode ter começado na economia real e contaminado as finanças ou vice-versa) permanece enquanto o potencial das inovações tecnológicas ou das mudanças institucionais não estiver esgotado e "a fase de alta do ciclo se eleva cada vez mais, graças à interação simbiótica das finanças com a economia real". (SINGER, 2009 : 74)

Até que se chega então a um teto, causado pelo: esgotamento da capacidade de expansão da oferta de mercadorias; pela falta de mão-de-obra; pela falta de oferta de energia ou capacidade de transporte e armazenagem; pelo esgotamento da necessidade das mercadorias cuja produção está em perene aceleração; ou por tudo isso em conjunto.

O esgotamento da necessidade das mercadorias cuja produção está em perene aceleração foi o caso da bolha imobiliária, "que está na origem da atual crise financeira". (SINGER, 2009 : 74)

A demanda por habitação chegou a um limite e como a construção de casas e prédios é relativamente prolongada, quando o esgotamento da demanda se tornou visível e manifesto, a quantidade de construções em andamento estava no auge (interrompê-las seria extremamente custoso, mas as levar a cabo implicaria mais investimentos numa mercadoria que provavelmente só seria vendável a um preço muito abaixo do custo ou que seria mesmo invendável).

Ademais, a alta atividade de construção irradia toda a economia, pois causa também maior demanda por material de construção, equipamentos, mão-de-obra, mobília, eletrodomésticos, objetos de decoração, etc.

Além disso, o estouro da bolha imobiliária atinge drasticamente as finanças porque imóveis são objetos privilegiados para a especulação, pois, em teoria, são garantias em si. Com isso, uma parte da intermediação financeira se especializa no financiamento hipotecário e no auge da bolha esse setor atrai quantidades enormes de dinheiro, dinheiro este que é investido na especulação fundiária.

Assim sendo, finalmente, a oferta de imóveis ultrapassa a demanda: "o preço tanto dos terrenos como das construções despenca, acarretando grandes prejuízos não só aos investidores, mas também às instituições que os financiam".

Diante de tal situação, Singer explica que:

"No caso da atual crise financeira, a peculiaridade é que, durante a alta, instituições financeiras fizeram empréstimos à população de baixa renda, que implicam riscos maiores do que os normais. Por isso os títulos de crédito dessas operações recebem a classificação de subprime, o que significa algo como "abaixo dos melhores". (SINGER, 2009:75)

E para vender esses títulos de subprime com bons preços, as instituições "os empacotaram com outros títulos de risco considerado menor, em uma manobra conhecida como de diluição de riscos".

Tal operação teve sucesso e

"títulos no valor de muitos bilhões de dólares foram incorporados às carteiras de ativos de numerosos bancos de investimento não só dos Estados Unidos, mas também da Europa. Quando o ciclo imobiliário entrou em baixa, o preço de compra e venda e o aluguel das residências sofreram forte queda, tornando desproporcionalmente onerosa a dívida assumida por milhões de famílias pobres". (SINGER, 2009:75)

Em outras palavras, Singer ressalta que o prejuízo do estouro da bolha foi colocado nos ombros dos mais pobres e eles não conseguiram honrar suas dívidas.

Dessa maneira, o prejuízo bilionário da crise imobiliária acabou voltando ao colo dos especuladores financeiros, que também não conseguiram suportá-lo, gerando, assim a quebra de bancos, em destaque, o Lehman Brothers.

Com entendimento diverso, Oliveira, não concorda que a presente crise seja somente financeira e tampouco que a sua origem esteja nos mercados financeiros centrais. Para ele, trata-se de uma crise da globalização do capital, que decorre da incorporação da mais-valia gerada na China e na Índia nos últimos vinte anos e, ratifica: "o sintoma financeiro é sua manifestação mais evidente, mas não a sua essência". (OLIVEIRA, 2009:83)

Conforme os ensinamentos de Oliveira, nesses últimos vinte ou até trinta anos foram introduzidos no mercado capitalista de produção China, Índia e os países da antiga União Soviética, colocando trabalhadores de todo o mundo em concorrência internacional direta, pela primeira vez na história.

Nesse período, os trabalhadores dos países ocidentais tradicionais tornaram-se minoria num mercado mundial que ganhou 1,2 bilhão de operários adicionais.

Por conseguinte, 350 milhões de trabalhadores do ocidente, treinados e mais caros, responsáveis pela maior parte da produção global até recentemente, encontraram-se na situação de sem emprego e salário.

Atualmente, metade das 3 bilhões de pessoas economicamente ativas do mercado global ganha menos de 3 dólares por dia.

A parcela de riquezas destinada aos salários é a mais baixa desde 1960 (primeiro ano avaliado) contra a riqueza destinada aos detentores do capital financeiro, que vinha batendo recordes até o início da presente crise.

Em síntese, para Oliveira o custo da mão-de-obra no planeta hoje é extremamente baixo e "Estamos diante de uma crise clássica de realização do valor, amplificada; uma crise da globalização capitalista. O colapso das hipotecas nos Estados Unidos é a manifestação disso". (OLIVEIRA, 2009:84)

Vale ressaltar que quando a produção chinesa e indiana baratearam o consumo para os norte-americanos, forma criadas sobras de capital na China e na Índia, que passaram a financiar o Tesouro dos Estados Unidos (a China tem sozinha mais de 1 trilhão de dólares aplicados em títulos do Governo americano). Esse dinheiro, segundo Oliveira, "é mais-valia extraída do operário chinês que não realiza lá porque o custo de reprodução da mão-de-obra local é baixíssimo". (OLIVEIRA, 2009:84)

Em resumo, para Oliveira, com a chegada de países como China e a Índia ao mercado global, o mercado encharcou-se com produtos que a maioria das pessoas não tinham condições de comprar, justamente, porque a mão-de-obra era mal remunerada e aí sim está a verdadeira crise do sistema (muitos bens e serviços disponíveis e pouca gente que pode pagar por eles), razão pela qual se trata não apenas de uma crise financeira, mas de uma crise de realização do valor.

Guido Mantega também pontua que a crise atual não é só financeira apesar de detonada pelo setor financeiro, retrata também desequilíbrios econômicos que vinham se acumulando há muito tempo, próprio do sistema capitalista.

Assim, Mantega acredita que a crise relaciona-se, fundamentalmente, com a própria dinâmica do capitalismo, cercado de crises, sendo que cada qual têm as suas peculiaridades.

Ao falar sobre esses desequilíbrios, Mantega cito como exemplo o caso dos EUA: "Os Estados Unidos, a maior economia do mundo, vivia à custa dos financiamentos dos outros, da poupança dos outros países. Que tinha um volume de gastos muito elevados, sem consistência". (MANTEGA, 2009:127)

Na sua visão, a crise passou a ser mais grave no lado financeiro em razão do acúmulo de montanhas de capital fictício.

Ao discorrer sobre a crise financeira, Paul Krugman mencionou o denominado "sistema bancário de sombra".

De acordo com este economista, o antigo mundo dos bancos, em que havia o empréstimo de dinheiro a longo prazo, desapareceu em grande parte e foi substituído pelo sistema bancário de sombra e explica:

"os bancos de depósitos dos edifícios de mármore limitam-se agora a desempenhar um papel menor na canalização de recursos dos poupadores para os tomadores; a maior parte dos negócios é feita mediante complexos acordos elaborados por instituições sem depósitos, como os finados Bear Stearns – e o Lehman". (KRUGMAN, 2009:95)

Krugman destaca a crença de que o novo sistema funcionaria melhor diluindo e reduzindo os riscos. Entretanto, com a eclosão da crise da habitação, os riscos ficaram evidentes e os investidores acabaram constatando o grau de exposição ao qual haviam se submetido.

Krugman se vale do exemplo dos investidores que aplicaram em valores mobiliários lastreados por empréstimos subprime [06]. Esses investidores acreditavam que estavam adquirindo ativos extremamente seguros, mas de repente depararam com o fato de que tinham em mãos títulos de alto risco.

Guido Mantega explica que as perdas nesses ativos em lastro, como também nos empréstimos imobiliários subprime, acabaram gerando a desvalorização de todos os ativos, afetando, consequentemente, o crédito em geral.

Segundo Ministro, esse afetamento do crédito acontece pelo fato de que todos pegam de volta os empréstimos concedidos, que acarreta na diminuição mundial da disponibilidade de recursos. Deste modo, a falta crédito para investimento atingem as empresas, que têm de diminuir as suas atividades e o consumidor que fica com menos financiamentos para a aquisição de bens.

No Brasil, ainda de acordo com Mantega, os consumidores foram contagiados pelo medo, causado pelas notícias ao redor do mundo:

"o medo contagiou a todos. Pela virulência da crise, nos Estados Unidos, ela causa medo no investidor, medo no consumidor. Lá, mesmo aquele que tinha dinheiro, parou de comprar com medo do que lhe poderia acontecer, de ficar sem recurso, de ficar sem emprego. Isso em parte nos contagiou, contagiou o consumidor brasileiro. Hoje você tem todas as informações do mundo, a todo momento. Aí vem: desempregaram 500 mil trabalhadores em Dezembro nos Estados Unidos, 500 mil na Europa, só notícias ruins acabam ajudando a criar um cenário de medo, receio. Ainda que desde o primeiro momento tenha ficado claro que a economia brasileira se distinguia das economias avançadas e mesmo dos emergentes. O Brasil foi um dos últimos países a desacelerar a economia. Até Setembro do ano passado, nossa economia vinha a uma velocidade de Cruzeiro. Ninguém ligou muito. O investidor estava confiante porque colhia resultados. Mas quando, em Setembro, começou a escassez forte de crédito, nós também sentimos o impacto". (MANTEGA,2009:133)

De acordo com Márcio Pochamann, a trajetória do desenvolvimento econômico e social, consubstanciada no EBES, mostrou-se incapaz de incluir a todos, uma vez que apenas um terço da população mundial teve algum acesso ao padrão civilizatório produzido pela sociedade industrial do século XX.

Além disso, de acordo com o economista, o padrão de produção e consumo em larga escala leva à insustentabilidade ambiental, devido seu caráter altamente destrutivo.

Pochamann entende que "o projeto de sociedade existente não pode ser universalizado, salvo na forma do subdesenvolvimento que gera o mito de permitir a absorção de alguns simultaneamente à exclusão da maioria." (POCHAMANN, 2009:156).

A atual crise econômica é sistêmica e estrutural, tendo se iniciado no sistema monetário-creditício, contaminando o tecido produtivo de forma generalizada, com drásticos efeitos sociais e políticos, sem precedentes nos últimos setenta anos.

Segundo Jefferson José da Conceição, a base da crise financeira atual encontra-se nas políticas de desregulamentação e da autorregulamentação do mercado. (CONCEIÇÃO, 2009:22/23)

Afirma ele que o sistema financeiro alicerçado na crença de que controlaria, por si só, a emissão dos títulos financeiros, com fundamento em critérios rígidos de avaliação de crédito e da necessária relação da emissão dos títulos com a geração de riqueza real, as autoridades econômicas de diversos países, tendo à frente os EUA, despreocuparam-se em monitorar e regulamentar as "inovações" do mercado financeiro. Por exemplo, no caso dos chamados títulos subprime ou "derivativos".

Conceição relata que a liberdade de funcionamento do mercado e a ausência de controles mais rígidos eram vistas como peças necessárias para a construção de mercados financeiros "globais". Então, o modelo neoliberal estimulou o processo de financeirização da economia capitalista, que é a riqueza produzida na forma de "papeis" (títulos públicos, ações, títulos derivativos, etc.) descolada da riqueza produzida na economia real/produtiva.

Aponta também que outro motivo para o descuido dos bancos centrais com o processo de financeirização da economia foi sua ênfase excessiva e praticamente exclusiva no controle da inflação. (CONCEIÇÃO, 2009:22)

Por fim, cita o artigo de Antônio Martins, no Le Monde, de 6/10/2008, em que há a sintetização da interpretação de François Chesnais, que argumenta que na base da crise financeira atual esta um crise de superprodução.

Morris, de nacionalidade americana, advogado e ex-banqueiro, em sua obra "The Trillion Dollar Meltdown", segunda edição, esta traduzida para o português sob o título "O crash de 2008: dinheiro fácil, apostas arriscadas e o colapso global do crédito", analisa a trajetória da economia americana em direção à sua crise, que ora assola a economia global, bem como apresenta uma agenda parcial para re-regular as finanças [07].

Afirma que, somente em 2008, os mercados entenderam que o mundo estava ameaçado por uma recessão apavorante diante da brutal escassez de crédito e acrescenta:

"Pela primeira vez, ministros das finanças se deram conta de quanto os instrumentos financeiros americanos haviam penetrado nos portfólios de investimento globais; e de até que ponto seus próprios bancos, especialmente na Europa, tinham chegado na imitação dos gigantes americanos". (MORRIS, 2009:30/31)

Impossível não transcrever o trecho em que o Autor, de forma bastante irônica, caracteriza a crise global fabricada pelos Estados Unidos (EUA) e as recomendações feitas por esta superpotência aos países latino-americanos e asiáticos :

"(...) uma festa regada a dívida, marcada por um excesso de bens de consumo importados e pelo pavoneamento de uma ostentosa nova classe de super-ricos que não inventara nem construíra nada, a não ser complicadas correntes de direitos no papel que pessoas obtusas tomaram por riqueza. Esses, é claro, eram os mesmos Estados Unidos que tinham pregado o tacanho "Consenso de Washington" – aumentar a poupança, equilibrar os orçamentos, obter superávits comerciais - na esteira das crises latino-americana e asiática das décadas de 1980 e 1990" (MORRIS, 2009:31/32)

Para prefaciar a versão traduzida dessa obra de Morris, a escolha foi pontual e fiel: Luiz Gonzaga Belluzzo [08], grande estudioso da expansão do poder americano.

Segundo Belluzzo, a trajetória de expansão econômica americana ocorrida no século XIX, pautou-se nos seguintes pilares: inserção "virtuosa" na divisão internacional do trabalho alinhavada pela hegemonia britânica, finança doméstica desregulada, protecionismo comercial e privilégios concedidos pelo Estado aos promotores de negócio. (BELLUZZO, 2009:11)

Nas décadas finais desse século, embora os EUA não dispusessem de uma legislação comercial adequada, os seus bancos de investimento já promoviam a fusão entre o capital industrial e a alta fiança, de tal forma que todos os setores da economia estavam submetidos ao domínio das grandes empresas.

Dessa forma, os EUA terminaram o século XIX "como a maior economia industrial do planeta, tornando-se um poderoso competidor nos mercados mundiais de alimentos, matérias-primas e manufaturados" e, ainda assim, como protagonizantes de frequentes e severas crises financeiras e cambiais, decorrentes do posicionamento de subordinação do dólar, da precariedade institucional de seus sistemas bancários e das práticas arriscadas e especulativas dos bancos de investimento na promoção dos negócios.

Essas práticas financeiras especulativas e os reiterados momentos de deflação de preços implicaram surtos violentos de centralização do capital, de maneira que consolidou uma face "moderna" do sistema econômico, o "capitalismo trustificado" marcado pelo surgimento e desenvolvimento da grande corporação americana e, posteriormente, pelo desdobramento transnacional do grande capital.

Nesta seara, aparece, inclusive, um novo patamar de estratificação da sociedade, formado pela "classe financeira", em que os grandes bancos passaram a deter um "poder crescente no manejo estratégico das relações internas e externas da economia".

Já na virada do século XX, diante da expansão contínua dos lucros excedentes, os EUA observaram a necessidade de buscar mercados externos, não só para difundir suas mercadorias, como também viabilizar a internacionalização do capital, por meio de investimentos diretos e exportação "financeira", sendo este fenômeno decorrente da estrutura da grande empresa e apto a condensar todos os mecanismos interiores de expansão.

Todavia, essa "Era Progressiva" vivenciada pelos EUA, encontrou como contraponto um momento de "rebelião democrática" representado pelos movimentos "populistas", que visavam a: "limitar o poder do big bussiness, tornar o sistema político mais representativo e ampliar o papel do governo na proteção do interesse público e na melhoria das péssimas condições sociais de pobreza". (CASHMAN apud BELLUZZO, 2009:13).

O New Deal, ao retomar e aprofundar estas reivindicações, também representou "uma fratura entre a classe financeira de Wall Street e as novas grandes empresas industriais fortemente atingidas pela depressão dos anos 30".

As décadas iniciais do século XX foram marcadas por uma estratégia de recuperação social e econômica, na Europa e nos EUA, frente à Grande Depressão e à Segunda Guerra Mundial.

No âmbito da finança e do crédito, "as desordens do entreguerras estimularam a imposição de regras de bom comportamento aos bancos e às demais instituições financeiras" e a palavra de ordem foi a regulamentação financeira, muito próxima da noção keynesiana de "moeda administrada".

Esse momento histórico, marcado pela "repressão financeira", foi capaz de evitar os desequilíbrios dos ciclos econômicos tão comuns no modo de ser capitalista, além de apresentar "grande capacidade de recompor as dívidas entre as empresas e os bancos e flexibilidade no que diz respeito ao acesso à liquidez junto ao banco central". (BELLUZZO, 2009: 15)

Nesse mesmo momento de ocorrência de "repressão financeira" e do forte movimento de internacionalização da corporação produtiva americana, surgia a resposta competitiva da Europa e do Japão nos mercados americanos.

No final da década de 1960, surgiram indícios de desorganização no sistema de regulação de Bretton Woods, que, na década seguinte, determinou o enfraquecimento da supremacia do dólar para transações e como reserva.

Ainda, a estagflação se instala na economia americana em meados da década de 1970 e os conservadores monetaristas veem nesta conjuntura "um pretexto para condenar peremptoriamente as incursões dos governos no sagrado território do livre mercado". (BELLUZZO, 2009: 10)

Diante do risco à liderança industrial e financeira dos EUA, no âmbito da concorrência global, a reação americana foi de elevação unilateral das taxas de juros (1979), com o propósito de revalorizar a sua moeda.

Embora a defesa do dólar tenha debilitado a indústria manufatureira americana, ao mesmo tempo, "deu novo vigor à expansão externa da grande empresa americana, além de restaurar a centralidade de Wall Street como praça financeira global". (BELLUZZO, 2009:16)

A partir dos nos anos 80, foi recuperada a soberania monetária americana e a integração financeira promovida pelos EUA, nas últimas três décadas, não teve precedentes. Nesse sentido, Belluzo aduz que "a prerrogativa de administrar a moeda-reserva conferiu aos Estados Unidos o privilégio de abrigar os mercados de dívida e de direitos de propriedade mais líquidos e profundos da cadeia de inter-relações financeiras". (BELLUZZO, 2009:17)

Ainda, no que tange à supremacia americana e à supremacia dos mercados financeiros desregulados, Belluzzo pontua que essas "não só agravaram a chamada assimetria do ajustamento entre os Estados Unidos e seus súditos emergentes, como desencadearam uma sucessão de crises parciais no mercado dominante" [09]. (BELLUZZO, 2009:17)

Ao lançar um olhar panorâmico sobre essas crises e as respectivas medidas de contenção/recuperação, Belluzo destaca que em todas estavam presentes "(...) os riscos implícitos na globalização, sob comando do dólar e da finança desregulamentada". (BELLUZZO, 2009:21)

Na década de 2000, claramente se verificou a construção de um espaço monetário conflitivo (EUA x Ásia x Europa), decorrente da hegemonia americana e seu enorme mercado nacional, acarretando, inclusive, a "separação" entre o consumo e o investimento. A criação de uma nova capacidade produtiva manufatureira passou a ser liderada pela Ásia [10], enquanto a expansão do consumo concentrou-se, principalmente, nos EUA.

Nos últimos cinco anos anteriores à eclosão da recente crise financeira, o consumo das famílias americanas passou a não mais depender da evolução da renda, particularmente dos salários e dos empregos, e, sim, do "efeito-riqueza" e do endividamento. Em outras palavras, "o circuito de valorização da riqueza-crédito-consumo criava poder de compra adicional para as famílias de baixa e média renda, ao mesmo tempo em que as aprisionava no ciclo infernal do endividamento crescente". (BELLUZZO, 2009:22)

Nesse contexto, no mundo comandado pela dinâmica dos mercados da riqueza, duas categorias sociais se predominaram: os credores líquidos e os dependentes crônicos da obsessão consumista e do endividamento. Estes, "permanentemente ameaçados pelo desemprego e obrigados a competir desesperadamente pela sobrevivência" e, aqueles, "consumidores de luxo" diante da "apropriação de frações cada vez mais gordas da valorização dos ativos reais". (BELLUZZO, 2009:23)

As alterações ocorridas ao longo dos últimos trinta anos, não só na estrutura da riqueza capitalista, como também na operação dos mercados financeiros, ampliou a complexidade da trajetória das economias e da contradição da gestão dos bancos centrais.

Em síntese, essas alterações "permitiram maior fluidez nas transações, estimularam a securitização gananciosa e "alavancagem imprudente", o que repercutiu em uma crise de liquidez atingindo o conjunto do sistema bancário. Assim, sem a mão invisível do governo e diante da ausência de socorro tempestivo, os bancos entregaram-se ao desespero da desalavancagem coletiva, "levando à contração do crédito, à ruptura do sistema de pagamentos e à corrida bancária". (BELLUZZO, 2009:27/28)

- Comparações com a crise de 1929: aproximações e diferenciações.

No ano de 1929, a Comissão sobre Recentes Modificações Econômicas, sob a direção do Presidente Hoover, apresentou um pronunciamento,confiante dizendo que "economicamente temos um terreno sem limite à nossa frente; há necessidades novas que abrirão incessantemente caminho para outras mais novas ainda, à medida que sejam satisfeitas. (...) Parecemos ter apenas tocado na orla de nossas potencialidades". Porém, este otimismo teve vida breve.

Os EUA, após a Primeira Guerra Mundial, assumiram a hegemonia econômica do mundo. De devedores passaram a credores, no mercado internacional, pois fizeram grandes empréstimos a outros países, vencedores ou vencidos. Muito contribuíram na reconstrução da Europa, e exportavam muito para este continente. O crescimento trouxe euforia social.

A crise de 1929 foi provocada pelas elevadas taxas de crescimento, e alastrou-se pelo mundo.

Profundas mudanças ocorreram no país. O Capitalismo liberal entrou em crise, passando o governo a desempenhar importante papel na organização da vida econômica. A estabilidade só chegaria com a política do "New Deal".

Conforme Maurice Dobb :

"Os sonhos de um paraíso econômico iriam ser rudemente desfeitos pelos acontecimentos de 1929 a 1931: pelo inicio de uma crise econômica sem paralelo mesmo na Grande Depressão das décadas de 1870 e 1888, e além disso mundial. Os próprios fatos desses anos sombrios, com suas falências repentinas, fábricas abandonadas e filas de gente a pedir pão, forçaram nos espíritos já refeitos a conclusão de que algo muito mais fundamental do que uma adaptabilidade lenta de desordenadas relações de preços devia estar errado no sistema econômico, e que a sociedade capitalista fora tomada por algo com todos os sinais de ser uma doença crônica e ameaçando tornar-se fatal". (DOBB, 1988, p.230)

Mas, a economia "sem rédeas", defendida pelo liberalismo, conduziu à maior crise do sistema capitalista, até então vista: a crise de 29, que iniciou-se nos EUA e se espalhou por todo o mundo (inclusive no Brasil, na questão do café, e contribuiu para a Revolução de 30. Com exceção da URSS).

Era necessário, portanto, a intervenção do Estado para regular os mercados, as empresas, garantir o equilíbrio entre produção e consumo, evitar o abuso do poder econômico, a dominação dos mercados, garantindo verdadeiramente a livre concorrência. Conforme cita Eric Hobsbawm:

O Brasil tornou-se um símbolo do desperdício do capitalismo e da seriedade da Depressão, pois seus cafeicultores tentaram em desespero impedir o colapso dos preços queimando café em vez de carvão em suas locomotivas a vapor. (Entre dois terços e três quartos do café vendido no mundo vinham desse país) (HOBSBAWM, 2001:97)

Afirma ainda, o autor que aqueles que não tinham controle ou acesso aos meios de produção (a menos que pudessem voltar para uma família camponesa no interior), ou seja, os homens e mulheres contratados por salários, a conseqüência básica da Depressão foi o desemprego em escala inimaginável e sem precedentes, e por mais tempo do que qualquer um já experimentara. O único Estado ocidental que conseguiu eliminar o desemprego foi a Alemanha nazista entre 1933 e 1938.

Conforme a análise de SINGER sobre a crise de 1929, esta teria sido uma crise da economia real, enquanto a presente se dá no âmbito financeiro:

"Uma eventual crise da economia real tem conseqüências sociais e políticas muito mais amplas, porque começa por lançar no desemprego, e logo mais na miséria, uma parcela substancial da sociedade. Uma crise da economia real é muito mais difícil de reverter por medidas de Estado, porque não basta recuperar a confiança da população em determinadas instituições. Seria necessário criar novas atividades capazes reinserir milhões de pessoas na economia mediante políticas de fomento e incentivo que somente poderão ser definidas por um processo prolongado de tentativa e erro. A grande crise de 1929 levou uma década para ser superada, e mesmo assim graças ao "auxílio" de uma guerra mundial". (SINGER, 2009:80)

Por outro lado, para Oliveira, ambas as crises, a atual e a de 1929 foram crises de realização de valor. Ou seja, nos dois casos a crise teria ocorrido pela impossibilidade de realizar-se o valor gerado pela mão-de-obra.

Todavia, observa também diferença entre as crises: a crise de 1929 estava circunscrita ao território das economias centrais, enquanto a atual se encontra diante do fenômeno da globalização financeira, de tal forma que repercute em todo o mundo capitalista globalizado, sendo impossível o controle de fluxo de capitais.

Paul Krugman defende a possibilidade concreta de que 2008 possa ser um 1931 revisitado.

Isto porque os efeitos econômicos da crise de 2007/2009 – congelamento do crédito, queda abrupta do valor dos ativos – são os mesmos das grandes corridas aos bancos da década de 1930.

O economista ainda relata que o mundo já se encontra na esfera da denominada economia de depressão. Por outro lado, ele acredita que provavelmente não seja vista uma taxa de desemprego que atinja o pico pós-Depressão de 10,7%, alcançado em 1982.

Consoante Carlos Eduardo Carvalho, a crise atual é provavelmente a maior e mais grave desde a Depressão dos anos 1929-1933, mas felizmente ainda está distante daquela em termos de efeitos econômicos e sociais:

"As semelhanças são fracas e há a solidez do dólar com reserva mundial. Pode ser esse um motivo para ainda não ter dado lugar a questionamentos fortes sobre os paradigmas de política econômica dominantes". Para tanto, talvez seja necessário um agravamento ainda maior dos problemas, a ponto de tornar insuficiente a aplicação desordenada de receitas aprendidas décadas atrás." (CARVALHO, 2009:176)

Jefferson José da Conceição informa que a crise de 1929, iniciada nos Estados Unidos e que se alastrou por todo o mundo, colocou em xeque as idéias econômicas liberais predominantes nos meios acadêmicos e governamentais desde as últimas décadas do século XIX. Estas teorias hegemônicas, até então existentes, baseadas na autorregulação do mercado, não contribuíram, para resolver a grave crise financeira e produtiva de então.

Lembra que novas teorias surgiram propugnando pela implementação de uma série de medidas de intervenção estatal, para que o "motor" do crescimento voltasse a funcionar. Dentre as ações sugeridas: aumento do investimento público e a redução das taxas de juros.

Conceição cita Keynes, que, em seu livro A Teoria geral do emprego, do juro e do dinheiro, de 1936, foi um dos primeiros a propor uma nova explicação para a crise, dizendo que o alto nível de desemprego verificado era fruto do baixo volume de investimentos privados, e não dos déficits públicos ou da "inflexibilidade salarial" gerada pela ação dos sindicatos, como diziam os economistas liberais, e, ainda, sugeriu que os investimentos públicos fossem elevados, ainda que por meio de déficits, como meio de solução da crise.

Frisa que foi a teoria de Keynes que serviu de base ao New Deal, do Presidente Franklin Delano Roosevelt, nos Estados Unidos, que ajudou este país a sair da crise nos anos 30.

Para Jefferson Conceição, há uma diferença importante entre a crise atual e a de 1929: seria a relativa rapidez com que, mesmo nos círculos mais liberais, houve o reconhecimento da necessidade de intervenção do Estado para por termo aos efeitos da crise ou ao menos mitigá-los.

Assim, diante da velocidade das informações, quaisquer informações, reais ou especulativas, tornam-se conhecidas em momento, causando imediata repercussão e grande repercussão no mundo todo, com impacto nas bolsas, nas decisões de investimentos e consumo e nas decisões governamentais. E, o quadro é agravado diante do "jornalismo de mercado" [11], posto que dentre os jornalistas que tratam da crise, além de poucos serem especialistas em economia são filiados aos grandes meios de comunicação, que por sua vez, são controlados por grupos econômicos com interesses econômicos e políticos próprios em jogo.

Todavia, para Márcio Pochamann, medidas keynesianas moderadas, até então adotadas, não possibilitaram a correção das causas da última crise mundial, mas, tão somente, seus efeitos. Não se trata, portanto de uma alternativa concreta e efetiva como fora durante a crise de 1929. Devido à profundidade da crise do capital globalizado, dificilmente a reprodução de medidas idênticas àquelas adotadas na crise de 1929 terão sucesso pleno.

Segundo o Ministro Maurício Godinho Delgado, a grande semelhança entre a crise atual e a de 1929 é o fato de ambas serem subsequentes a um período de hegemonia do pensamento ultraliberal e de desregulamentação da economia – que tinha na Justiça do Trabalho um "adversário privilegiado". "Supunha-se que o sistema capitalista funcionaria com tamanha perfeição que, sem intervenções, produziria um resultado mais eficiente, inclusive quanto à distribuição de riquezas e bem-estar na sociedade". (DELGADO, 2009)

- Influências das políticas de desregulamentação implementadas nos últimos 30 anos, presença do ideário ultraliberalista e a crise de 2007/2009.

Paul Krugman atribui à ideologia o motivo pelo qual nenhuma medida foi tomada de instantâneo para evitar a crise.

Para este economista, "as afirmações de que os mercados financeiros não regulamentados se cuidariam sozinhos mostram-se tão erradas quanto às alegações de que a desregulamentação reduziria os preços da energia elétrica." (KRUGMAN, 2009:93)

Conceição explica que a desregulamentação e liberalização dos mercados financeiros e cambiais iniciaram-se antes da ruptura do sistema de Bretton Woods e contribuíram para sua derrocada.

Em meados dos anos 60, já surgiram os primeiros sintomas de desorganização desse arranjo "virtuoso".

No que diz respeito aos sistemas monetários e financeiros, os fenômenos mais importantes na etapa de dissolução do consenso Keynesiano foram:

1.subida do patamar inflacionário, tornando insustentáveis os limites impostos às taxas de juros;

2.a criação do Euromercado e das praças off-shore, estimuladas pelo excesso de dólares produzido pelo déficit crescente do balança de pagamentos dos Estados Unidos e, posteriormente, pela reciclagem de petrodólares;

3.a substituição das taxas fixas de câmbio por um "regime" de taxas flutuantes, a partir de 1973.

Carvalho expõe que a grave crise desmoralizou as teses neoliberais sobre as supostas virtudes da autorregulamentação dos mercados:

"É verdade que a desregulamentação das finanças era uma das teses mais relevantes para a ideologia neoliberal, mas nada assegura que a crítica vigorosa em curso vá de fato conduzir a formas de regulação que limitem os interesses da grande finança. Da mesma forma, não é verdade que o neoliberalismo tenha de fato promovido políticas de redução de capacidade de intervenção do Estado nos países centrais. A receita de redução do Estado era para as periferias do mundo. Nos países em que a tese encontrou adeptos fervorosos, os resultados foram muito negativos". (CARVALHO, 2009:166)

Explica que a onda neoliberal iniciada há trinta anos nos países centrais acabou por ampliar a capacidade de intervenção discricionária do Estado. Na verdade, o Estado foi liberado de compromissos com os direitos sociais e econômicos. O Estado continuou forte, todavia, para cuidar do capital.

Assim, Carvalho defende que "o Liberalismo é um conjunto de idéias e valores bem mais amplo que as políticas econômicas que nele se referenciam, e não apresenta um conjunto rígido e bem definido de políticas a serem aplicadas. Nos governos ditos neoliberais há grande variedade de políticas econômicas específicas". (CARVALHO, 2009:166)

Para ilustrar, este economista faz uma comparação entre todos os tipos possíveis de políticas cambiais nos últimos anos, nos principais países da América Latina:

. Chile: câmbio flutuante "sujo", com foco no câmbio real e controle de capitais de curto prazo.

. Argentina: currency board rígido na Argentina de 1991 a 2001.

. Brasil e México: câmbio deslizante com desvalorizações prefixadas no Brasil de 1995 a 1998 e no México de 1988 a 1994; câmbio flutuante "sujo" no México a partir de 1995 e no Brasil a partir de 1999.

Ressalte-se que no Brasil e na Argentina foram implementados programas anti-inflacionários de choque, em 1991 e 1994, o México utilizou gradualismo com negociação, de 1988 a 1994, enquanto o Chile, de 1984 a 1999 procurou a redução gradativa sem choques e enfatizou a estabilidade da taxa de câmbio real.

Conforme os ensinamento de Carvalho:

"É verdade que o quadro é mais definido nas privatizações, mas não se pode esquecer que a desestatização radical da Argentina conviveu com a manutenção da grande estatal do cobre no Chile, cujas receitas apropriadas pelo Estado sustentaram grande parte das políticas de apoio às exportações, de privatização da Previdência e de regulação macroeconômica anticíclica. Esse intervencionismo ativo no Chile conviveu com a liberalização radical das importações e viabilizou o apoio firme às exportações. Além disso, o tamanho do setor público varia muito: a carga tributária brasileira é quase o dobro da Argentina e da Mexicana, com o Chile em posição intermediária, apoiado nas receitas na estatal do cobre". (CARVALHO, 2009:167)

Em suma, Carvalho acredita que o neoliberalismo se revela mais um conjunto de valores gerais para orientar as políticas econômicas a um conjunto articulado de políticas específicas, nos seguintes termos:

"É um paradigma forte o bastante para estabelecer limites rígidos para as orientações básicas das políticas a serem feitas, para estabelecer um campo de idéias difícil de ser rompido e contestado, mas é também um paradigma elástico e amplo o bastante para abrigar políticas específicas muito variadas e mesmo díspares entre si". (CARVALHO, 2009:167)

Neste sentido, destaca os seguintes traços gerais da agenda desse paradigma, em especial na América Latina:

1)Prioridade absoluta para os direitos do capital:

. ampliação dos direitos dos credores e dos investidores em títulos financeiros: "respeito aos contratos", "regras claras", transparência";

. ajuste fiscal para garantir o pagamento pontual das obrigações do Estado com a dívida pública;

. estabilidade do valor da moeda e do sistema financeiro, para evitar os riscos de desvalorização de ativos financeiros;

. liberdade cambial, livre movimentação de capitais, conversibilidade.

2)Ocultamento das relações capital-trabalho e responsabilização do indivíduo diante do capital:

. exclusão das relações de trabalho do debate público, colocadas como questão inexistente ou como questão privada, sobre a qual não se deve falar;

. proteção social tratada como questão individual, como decisão pessoal de prevenir-se; previdência pública apenas para os miseráveis, os que "não deram certo";

. direitos dos trabalhadores tratados como privilégios, fruto de populismo, e causa de desemprego e de ineficiência econômica;

. possibilidade de emprego como decorrência da qualificação e das aptidões do trabalhador, e não como função do desempenho da economia e da estrutura produtiva.

3)Despolitização da política econômica, tratada como técnica universal:

."fim da macroeconomia": políticas macroeconômicas apresentadas como técnicas rígidas, divididas apenas em "responsáveis" ou "populistas";

. transferência das preocupações com o crescimento, o emprego, a distribuição de renda, a eficiência e a produtividade, para programas localizados, "microeconômicos";

. independência e autonomia das instâncias públicas decisivas, em especial o Banco Central, de modo a deixá-las fora do alcance da sociedade e das instituições políticas democráticas.

4)Abertura de novos espaços para a valorização do capital:

. Privatização generalizada do setor produtivo estatal;

. Transferência da saúde, previdência e educação para o setor privado, pois o mercado é mais capaz de prover as necessidades individuais e sociais que o Estado.

5)Responsabilização dos países dependentes pelos efeitos da desordem financeira internacional:

. defesa da liberdade de circulação de capitais e da livre conversibilidade das moedas;

. responsabilização de fatores domésticos pelas crises cambiais: ausência do "ajuste fiscal necessário", falhas de regulação dos sistemas financeiros, políticas monetárias "frouxas".

Diante deste contexto, constata-se que o paradigma neoliberal opera-se firmemente em favor dos grupos mais influentes do capital e que "despolitiza a macroeconomia, a pretexto de haver técnicas inequívocas, mas convive com enorme diversidade de políticas". (CARVALHO, 2009:171)

De acordo com Guido Mantega, os desequilíbrios fiscais, financeiros e econômicos foram gerados no coração dos países mais avançados. O excesso de liberalidade do crédito, a acumulação de riquezas fictícias no mercado, a movimentação de montanhas de dinheiro que não tinha lastro efetivo na economia real, fruto da política neoliberal, acabou gerando um acúmulo de ineficiência econômica nesses países mais avançados.

Mantega menciona que "muitas empresas tradicionais, como as do setor automobilístico americano, estavam perdendo a concorrência externa havia muito tempo. E isso ajudou na produção de déficits comerciais e fiscais muito altos, ou seja, acumulação de dívidas". (MANTEGA, 2009:128)

Explica que os governos, ao serem adeptos da desregulamentação, permitiram a liberalização de vários tipos de mercado e exemplifica tal fenômeno ao citar o mercado de credit default swap, que permitia, sem regulamentação, que uma dívida fosse transformada em título e vendida para terceiros.

Mantega cita, ainda como exemplo, a criação de bancos de investimentos, que, ao contrário dos bancos comerciais, não têm limite de alavancagem. Deste modo, podem movimentar muitas vezes o seu patrimônio.

A ausência do limite de alavancagem acaba tornando os mercados completamente desprotegidos na hora de uma crise. Isto em razão da movimentação constante do capital, que acaba não propiciando a cobertura financeira necessária na hora de uma crise.

Mantega expõe que "basta uma pequena corrida mais forte de investidores para sacar dinheiro dos fundos ou alguma dificuldade para refinanciar as suas operações no mercado interbancário para quebrar".

Diante do exposto, Mantega conclui que a adoção das políticas de desregulamentação gera o enfraquecimento da economia. Consequentemente, cortes emprego.

Ressalte-se, ainda, que o aumento do desemprego propiciará novos cortes nos gastos dos consumidores. E, ainda dentro deste ciclo vicioso, sendo fracos os gastos dos consumidores, virão, cortes nos planos de investimentos das empresas.

Segundi Pochamman, os protagonistas da agenda global neoliberal são as principais agências multilaterais [12] que possuem suas respectivas ramificações nos espaços nacionais. Essas buscam promover regulação competitiva tanto na repartição da renda e da riqueza por parte das corporações transnacionais, quanto por meio no enxugamento do papel do Estado, que se transforma, cada vez mais, em um mero reprodutor das ações internas voltadas à regulação competitiva dos capitais e às políticas sociais distantes de caráter universal. [13]

O avanço tecnológico combinado com a difusão de múltiplas cadeias de produção em rede planetária aprofundou a distinção entre trabalho de concepção, que exige educação continuada e de qualidade compatível com remuneração e condições de trabalho mais civilizadas e o trabalho de execução, em um cenário de desgovernança global.

Geograficamente, promoveu-se uma nova divisão internacional do trabalho que concentrou, nos países ricos, o trabalho de concepção. Nos países periféricos, com as reformas liberais em maior escala, prevalece o trabalho de execução, geralmente pouco qualificado, sub-remunerado e em condições de exploração muito acentuadas.

Os organismos governamentais e as instituições ligadas aos grupos econômicos transnacionais voltaram-se à defesa de ações estatais pontuais e focalizadas na regulação social competitiva, à margem da regulação pública ou estatal, mas compatível com campanhas supranacionais de caráter assistencial e mercadológico envoltas na lógica da responsabilidade social e de estímulo voluntário e assistencial isolacionista.

A desregulamentação financeira e a globalização econômica desigual levaram ao surgimento de uma nova casta política e econômica mundialmente privilegiada, que se beneficiou dos ganhos da financeirização da riqueza em escala planetária. Para isso, o fundo público tornou-se a chave para a repartição de renda entre os detentores dos direitos da riqueza financeirizada e os dependentes das políticas sociais nacionais despossuídas de seu caráter universal.

Pochamann afirma que "o neoliberalismo representou um inegável esforço pela busca da acomodação política em contextos nacionais crescentemente marcados por maior polarização e exclusão social." (POCHAMANN, 2009:158)

Esse contexto foi responsável por sinais de regressão nas estruturas sociais durante o ciclo de desenvolvimento fordista do século XX que representou o "desaburguesamento" das classes médias e a "desproletarização" da classe operária.

Aprofundando-se o problema da desigualdade social, a nova polarização entre ricos e pobres tende a ser acomodada por medidas funcionais simultaneamente à pobreza e à riqueza.

A transformação do Estado Liberal em Estado de Bem-Estar Social dependeu da democratização política das estruturas de poder, produção e consumo, levadas avante por intensas lutas sociais. No entanto, não é mais cabível a concepção de um Estado que setorize as ações públicas de forma desarticulada, quando não competitivas entre si. No Estado de Bem-Estar Social do século XX, a soma das ações em partes oferecia um todo superior.

De acordo com Beluzzo "os fenômenos centrais do capitalismo destravado de nosso tempo são o acirramento da concorrência entre as grandes empresas internacionais, a escalada da financeirização e as rápidas mudanças na geoeconomia mundial." (BELUZZO, 2009: 119).

Na visão liberal conservadora, Estado e mercado deixam de ser instâncias da constituição do capitalismo como sistema histórico das relações sociais, políticas e econômicas e passam a ser alternativas abstratas da organização da sociedade.

A ideologia economista neoliberal defende ser necessário libertar as forças criativas da iniciativa privada e permitir a fluência mercantil, sem a imposição de restrições estatais. A escolha racional do indivíduo "utilitarista" deve ser limitada apenas por restrições impostas pela escassez de recursos e pelo funcionamento dos mercados competitivos. Sustentam que o Estado interventor criou uma clientela que deseja garantia de emprego, mas que as políticas intervencionistas produzem menos crescimento e geram desemprego a longo prazo.

Os mercados financeiros devem ser desregulamentados, eliminando-se as barreiras à entrada e saída de capital dos países de modo que a taxa de juro possa exprimir, sem distorções, a oferta e a demanda de poupança nos espaços integrados das finanças mundiais.

As empresas dos mercados de bens devem se submeter à concorrência global, eliminando-se os resquícios protecionistas ou quaisquer medidas de fomento. Os mercados de trabalho, por sua vez, devem ser flexibilizados, removendo-se cláusulas sociais, supostamente ineficientes e danosas para os trabalhadores.

As dimensões públicas das economias de mercado, moeda e finanças do Estado, devem ser administradas de forma que não perturbem o funcionamento das forças que conduzem a economia privada.

Com a presença da China e da Índia no comércio mundial, tornaram-se obsoletas as teses de benefícios do comércio mundial, segundo as quais, os países avançados produzem bens de alta tecnologia com mão de obra qualificada e os países menos desenvolvidos se dedicam aos setores menos tecnológicos com utilização de mão de obra não qualificada.

A internacionalização da economia é um fenômeno constitutivo do capitalismo, embora este fato não possa ser confundido com as limitações crescentes impostas aos Estados nação. As novas formas financeiras contribuíram para aumentar o poder das grandes corporações.

As fusões, aquisições e incorporações suscitaram um maior controle do mercado e promoveram perversas campanhas contra os direitos sociais e econômicos, considerados obstáculos à lei de livre concorrência.

A abertura do mercado e o acirramento da concorrência coexistem com a tendência do monopólio, além de restringirem a soberania nacional e impedirem que os cidadãos, no exercício da política democrática, tenham capacidade de decidir sobre a própria vida. O capitalismo financeirizado implica na pretensão dos bem-sucedidos de acumular tempo livre, sob a forma de capital fictício, ao mesmo tempo, que libera os dependentes para o desemprego, a precariedade do trabalho, queda dos salários reais e a exclusão social.

Segundo Beluzzo, a bolha imobiliária que originou a crise econômico-financeira, iniciada em 2007, ocorreu devido à mudança de modelo de negócios em Wall Street.

O Glass-Steagall Act, promulgado em 1930, determinava a separação entre os bancos comerciais e os bancos de investimentos.

Os primeiros recebem depósitos à vista e realizam empréstimos mantidos em carteira até o vencimento; são responsáveis pela criação da moeda; avançam o poder de compra, até então inexistente, aos proprietários da riqueza, a partir da avaliação dos riscos de crédito. Não são simples intermediários financeiros, mas detêm a prerrogativa de conceder empréstimos que excedem o valor de seus depósitos. Os bancos de investimentos, por sua vez, se dedicam ao aconselhamento de empresas nas emissões primárias de títulos de dívida e ações e na gestão desses instrumentos financeiros avaliados e negociados diariamente nos mercados de capitais, primários e secundários.

Ocorre que o Glass-Steagall Act foi rejeitado em 1999, o que permitiu que as instituições bancárias que cumpriam funções distintas criassem um tipo de sinergia entre as suas incompetências.

A desregulamentação financeira rompeu os limites impostos após a crise de 1929 e os bancos comerciais passaram a se valer de securitização de crédito, operação através da qual o banco empresta para uma pessoa e, com base no título de crédito assinado pelo tomador, emite um título de renda fixa que é vendido para investidores de mercado.

Segundo Beluzzo, "a nova configuração institucional acirrou a concorrência entre as instituições financeiras na atração da clientela e na aceleração das inovações financeiras." (BELUZZO, 2009:108).

Os bancos comerciais, os gestores de fundos de investimento e de fundos mútuos são constrangidos a exibir melhores performances para vencer a dura concorrência instalada. A disputa nos mercados financeiros desregulados implica na busca por rendimento máximo. Desta forma, é impossível negar que a ausência de regulação no mercado de hipotecas contribuiu de forma decisiva para a eclosão da crise.

O capitalismo americano tem como marca a omissão das autoridades diante das euforias dos mercados. Ocorre que as crises financeiras tornam-se graves quando as flutuações no valor da riqueza contaminam os bancos comerciais que funcionam como sistema de pagamentos na economia monetária.

Em setembro de 2008, os bancos cobravam entre si taxas exorbitantes nos mercados interbancários, onde são efetuadas as trocas de reservas que são operações de empréstimo entre bancos com excesso de caixa e bancos que necessitam de recursos para finalizar as operações do dia.

O aumento de tais taxas sinalizava uma forte contração no crédito, não obstante as maciças e sucessivas injeções de liquidez promovidas pelos bancos centrais. Quando isso ocorre, a economia trava, embora a intervenção dos bancos centrais tenha por objetivo estimular o crédito.

A corrida de investidores para os títulos do governo americano demonstra que os mercados estão prestando reverência à soberania monetária do Estado nacional, responsável pela gestão da moeda de reserva. Porém, os preços dos ativos decaem, as moedas fictícias se desvalorizam e o crédito desaparece. Essa preferência pela liquidez demonstra que a diversificação e o fracionamento da riqueza e das moedas sucumbem ao caráter central e centralizador do dinheiro universal.

A hesitação do Federal Reserve (FED) [14] e do Tesouro americano em tomar medidas necessárias para conter a crise provocou conseqüências desastrosas, uma vez que acelerou os saques nos fundos mútuos e fundos de hedge administrados por bancos de investimentos, induzindo tais instituições a queimar ativos ou bloquear as retiradas. Também precipitou a retirada de recursos das aplicações de curto prazo que financiavam as posições alavancadas nos ativos originados em empréstimos hipotecários e outras operações de crédito securitizadas. Ocorreram retiradas maciças dos depósitos das instituições menores e mais frágeis, concentrando-se estas em bancos de maior porte.

Os bancos mais sólidos adotaram os critérios mais rigorosos de concessão de crédito, ocasionando a derrocada das instituições ilíquidas, mas solventes.

Em momentos de crise financeira, a interação entre as instituições e os mercados pode levar a situações críticas em que os preços dos ativos não refletem os fluxos de receitas por estes gerados e sim a disposição do mercado em adquiri-los. A derrocada dos preços dos ativos afeta diretamente o valor das carteiras dos bancos, o que gera contágio e força os bancos à insolvência, mesmo se estes tiverem aptos a cumprir seus compromissos.

A crise de liquidez transforma-se em crise de crédito e, posteriormente, em um festival de insolvências. Nos países periféricos, isso ocasiona a fuga de moeda local e caos monetário.

A capacidade dos bancos, em conjunto, em expandir o crédito e criar depósitos que funcionariam como meio de pagamento, depende, em uma economia fechada, da demanda de público e das condições impostas pelo banco central para o abastecimento da liquidez aos integrantes do sistema bancário.

Beluzzo esclarece que:

"na história da economia mercantil, as incessantes transformações nos regimes monetários e financeiros resultam do conflito permanente entre as ‘regras’ do jogo e a compulsão dos possuidores de riqueza para transgredi-las. Não há, portanto, um ‘modelo’ e muito menos um conjunto de regras de gestão que possam ser tomados como absolutos". (BELLUZZO, 2009: 125)

A crença de que as decisões privadas são estabilizadoras uma vez que a escolha pelo modelo correto de andamento do mercado se dá de acordo com leis universais se mostra, desta forma, completamente falaciosa.

Os gestores de moedas nacionais são partícipes de um sistema universal e hierarquizado de pagamentos e de liquidez. Os que administram moedas conversíveis [15] estão relativamente protegidos das flutuações entre as suas moedas. Para elas existe sempre um ponto de compra ou mercados de hedge líquidos e profundos em que os agentes podem buscar proteção contra eventuais flutuações cambiais a um custo conveniente. Em um momento de fuga desabalada para a liquidez, os detentores da riqueza buscam moeda reserva.

Já os que emitem moedas inconversíveis, no mundo globalizado, estão obrigados a segurar as reservas em moeda forte e manter os excedentes comerciais de forma permanente, mas tais medidas não impedem as vendas maciças da moeda local. Expostos à fuga de capital, dificilmente são capazes de aplacar, com a elevação de juros, os movimentos abruptos de desvalorização do câmbio.

As autoridades reguladoras e os gestores da riqueza apoiaram-se em uma falsa avaliação sobre o funcionamento dos mercados. Sustentavam que os mercados tendem ao equilíbrio e que os desvios são apenas aleatórios. Isso permitiu a elaboração de produtos financeiros estruturados e produziu uma crise mais abrangente e de maiores proporções do que uma simples bolha imobiliária.

As autoridades reguladoras têm obrigação de conter as bolhas, antes que estas se tornem endêmicas. Não basta apenas utilizar a política monetária, através do aumento de juros, para controlar um ciclo de ativos e conter a expansão da bolha. É necessário que as taxas se elevem muito para conter as expectativas eufóricas dos investidores, o que pode provocar graves danos à economia.

É necessário operar o canal de crédito, modificando-se as exigências de reservas e de capital conforme a toada do ciclo econômico. O Banco Central deve recorrer à ampliação das exigências de capital e de liquidez para dar eficácia anticíclica às suas políticas.

-.Estratégias de enfrentamento da crise atual: traços característicos.

Sister lembra que o Governo de Obama acredita que ser preciso colocar dinheiro nas mãos dos mutuários para que possam pagar suas casas.

Singer defende que os governos nacionais devam tomar como primeira medida o restabelecimento do controle sobre a movimentação internacional dos capitais privados para que possam recuperar o controle sobre o capital financeiro.

Assim, considera que a crise financeira será incontornável enquanto a desregulação das finanças permanecer em vigor, mas num primeiro momento, é necessário conter a crise financeira, para que não contamine a economia real, posto que esta é muito mais grave e não pode ser combatida apenas com medidas que recuperem a confiança da população em determinadas instituições.

Segundo Singer, a crise da economia real não aconteceu ainda, sendo possível a sua prevenção , desde que adotadas políticas capazes de resolver em curto prazo a atual crise financeira e, ao mesmo tempo, devem ser lançados fundamentos de uma nova estrutura institucional capaz de evitar novas crises financeiras no futuro.

Para que a atual crise financeira seja contida, é necessário restaurar o crédito, mediante intervenção efetiva do Poder Público nos bancos.

Depois de superada a presente crise, defende:

"a estatização perene de todos os bancos que emitem os meios de pagamento do país, não só para preservar o meio circulante da especulação, mas, sobretudo, para garantir os valores dos depositantes e fazer que sejam aplicados onde são mais necessários, do ponto de vista do interesse geral da sociedade. O que pode implicar uma governança participativa do novo sistema financeiro, com forte presença dos assalariados, trabalhadores da economia solidária, além dos setores empresariais de praxe". (SINGER, 2009:81)

Dessa forma, SINGER propõe um comando unificado para as finanças, para que possam controlar a economia real, "impondo-lhe diretrizes sobre o que e quanto produzir e consumir, de forma semelhante ao que foi feito nos países do "socialismo real" no afã de planejar centralmente todas as atividades econômicas". (SINGER, 2009:81)

Por fim, ratifica que o mercado financeiro deverá ser reformulado, para coibir-se a especulação e igualmente para reconstruir-se "os laços entre o investidor privado e o empreendimento em que ele é sócio". (SINGER, 2009:81)

Noutro giro, Oliveira entende que o receituário keynesiano serviu para resolver uma crise em um contexto de economia fechada, na qual se podia conter a livre movimentação de capitais. No entanto, no atual contexto de globalização e circulação de capitais em nível mundial, as opções keynesianas não são suficientes.

Para ele a crise atual é longa e dura, de tal modo que exigirá a "reacomodação brutal de forças" e imporá "mudanças em todo o mundo e no Brasil também". (OLIVEIRA, 2009:86)

OLIVEIRA acredita que a solução para o Brasil seria a realização de algo como feito por Getúlio Vargas em 1930,

"uma soma de coragem política e investimento público pesado. Criar algo como cinco Embraer por ano em diferentes setores; promover uma superação do modelo ancorando-o agora em forças sociais da base da sociedade". (OLIVEIRA, 2009: 87)

Para MEDEIROS, o Brasil "reúne condições propícias para manter o novo ciclo duradouro de crescimento econômico acompanhado de redução de desigualdades sociais e regionais, já em curso". (MEDEIROS, 2009 : 147)

As referidas condições seriam: as reservas em divisas que ultrapassam 200 bilhões de dólares e a posição alcançada pelo Brasil de investment grade.

Segundo ele, esses fatores permitirão que o País volte a captar recursos com menores encargos financeiros e com prazos mais longos após a crise.

Ademais, MEDEIROS relata que as empresas estatais e privadas nacionais e transnacionais, de maneira geral, obtiveram lucros crescentes nos últimos cinco anos, o que lhes permite realizar investimentos com recursos próprios. Além disso, os fundos de pensão, os mútuos de investimentos e as instituições financeiras igualmente obtiveram elevada rentabilidade tanto em renda fixa quanto em renda variável nesse período.

Enfim, esses excedentes financeiros acumulados podem gerar fundos capazes de financiar investimentos de curto, médio e longo prazos e, ademais, complementar as tarefas do Orçamento Geral da União na construção e modernização da infraestrutura nacional.

Noutro giro, para o referido autor o Banco Central deve passar a compatibilizar metas de inflação com metas de crescimento de emprego e renda, bem como trabalhar para manter fortes e sólidas as instituições financeiras, avaliando-as individualmente, especialmente os níveis de consistência entre a composição dos passivos e ativos.

Explicitando mais profundamente suas opiniões a respeito da superação da crise, MEDEIROS sugere novos pontos estratégicos a serem enfrentados pelos bancos oficiais, que deverão ser capacitados para a liderança na indução do sistema financeiro privado, construindo-se um novo ciclo de crédito e de fortalecimento do mercado de capitais.

Além disso, MEDEIROS entende e sugere que:

Quanto à infraestrutura e ao processo de expansão/modernização de setores intensivos em capital e em tecnologia, que envolvem elevado custo de capital, com taxas de retorno mais baixas, será necessário presença do governo segundo o interesse dos empreendedores. A criação de uma Empresa Nacional de Ativos (Probr ou Probrasil) poderá ter, no Brasil, funções semelhantes às desenvolvidas pelo Instituto de Reconstrução da Itália (IRI). (MEDEIROS, 2009:149)

De acordo com Paul Krugman, para escapar da atual crise, será necessário que o governo federal ofereça estímulos econômicos na forma de aumento dos gastos e de ajuda aos que estão em dificuldade.

Guido Mantega relata que o grupo de países que formam o G-20(9) vem trabalhando, desde 2008, na criação de uma nova regulamentação financeira internacional, com a elaboração de propostas para reforma dos organismos internacionais e regulamentação financeira.

Na visão de Carlos Eduardo Carvalho, o paradigma neoliberal continua pautando os debates sofre o enfrentamento da crise e sobre as mudanças instituições e nas políticas econômicas.

A crítica do economista é no sentido de que os debates não visam a rever questões altamente relevantes, como por exemplo, a precarização do trabalho ou o direito dos bancos centrais de emitir dinheiro e comprar ativos desvalorizados, sem prestar contas a ninguém, muito menos a responsabilização dos governos centrais pelos danos que os capitais especulativos trazem aos países periféricos com a desregulamentação financeira.

Carvalho menciona que em países como o Brasil, não se consegue trazer à discussão a necessidade de colocar limites à autonomia do Banco Central e de cobrar responsabilidades de seus diretores, pela insistência em manter juros elevados enquanto a atividade produtiva afunda, como ocorreu nos últimos meses do ano de 2008.

Como estratégias de enfrentamento da crise, Carvalho menciona a política adotada pelo governo Obama: "o governo obama anunciou medidas fiscais que elevam a tributação sobre as pessoas de alta renda e sobre as grandes empresas para financiar a ampliação dos programas de saúde para a maioria dos cidadãos".

O governo Lula aderiu a tais medidas. Carvalho apresenta uma crítica à essa adesão: "trata-se de um verdadeiro tabu no Brasil, ao qual o governo Lula aderiu sem maiores reflexões". (CARVALHO, 2009:175)

De acordo com o economista:

"O Brasil mantém alíquota máxima de imposto de renda muito baixa, sob o pretexto de que os riscos aumentarão a evasão caso haja alguma tentativa de tributá-los, tese defendida longamente pelas agências internacionais que se orientam pelo neoliberalismo, como o Banco Mundial". (CARVALHO, 2009:175)   

Outra novidade, não menos importante, implementada no governo Obama é a exigência dos Estados Unidos de que os bancos suíços informem os nomes dos cidadãos norte-americanos que utilizaram o sigilo bancário suíço para acobertar a evasão de impostos.

Carvalho menciona que nunca ocorreu ao governo brasileiro adotar tais exigências, o que sem dúvidas permitiria reduzir a evasão de impostos e os esquemas de corrupção.

Finalmente, aponta a necessidade da regulação financeira, mais especificamente, nos limites à atuação do capital financeiro nos mercados internacionais.

Carvalho conclui que nada assegura que de tais medidas resultarão providências que ajudem os países da periferia a se proteger melhor contra as ameaças financeiras. Para o economista, tudo vai depender da extensão da crise e, principalmente, da luta política que se consiga desenvolver para, de fato, superar as mazelas que o sistema impõe sobre a maioria da humanidade.

Essa visão é compartilhada por Paul Krugman:

"No momento, todos olhos procuram uma resposta imediata para a crise. Será que o estímulo fiscal a ser empregado pela administração Barack Obama vai mudar a situação do emprego e da produção? Como todos nós estamos tão preocupados com essa crise, é difícil concentrar a atenção em questões de prazo mais longo – do tipo colocar um freio no nosso descontrolado sistema financeiro, assim como prevenir, ou pelo menos limitar, a próxima crise. A experiência da última década sugere que devemos nos preocupar com a reforma financeira, sobretudo com uma regulamentação do sistema bancário paralelo, no centro da atual desordem, o mais brevemente possível". (KRUGMAN, 2009:106)

Belluzzo entende ser necessário que os bancos centrais, como autoridades monetárias e representantes do interesse coletivo, garantam a abundante liquidez para os mercados em crise e alerta que a tentativa americana de reduzir o déficit externo pode ser desastrosa.

Pochamann afirma ser necessária a construção de uma nova agenda política mediante a coalizão interclasses sociais que abranja desde as famílias plenamente incluídas no atual padrão de produção e consumo até os segmentos mais miseráveis da população, pouco incluídos pelas políticas sociais tradicionais.

A maioria política será obtida através da aliança com atores sociais derrotados como o capital produtivo, defendendo-se a sustentação das atividades produtivas com redistribuição de renda e riqueza, acompanhada da democratização das estruturas de poder, produção e consumo.

O Estado deve ser restabelecido sobre novas bases, não cabendo o velho modelo do século XX, que se apresentava consentâneo com a problemática socioeconômica pertencente à sociedade industrial.

No começo do século XXI, na sociedade pós-industrial, onde mais de 70% das ocupações se referem a atividades intangíveis, a produtividade que mais cresce é aquela decorrente do trabalho imaterial, sendo assim, é necessário para o enfrentamento dessa crise novas receitas.

A transformação da propriedade em favor de todos, em especial as propriedades financeira e intelectual, impõe exigências como educação para a vida toda. Adultos e velhos necessitam estudar toda a vida, ainda mais se considerarmos que a expectativa média de vida deve superar os 100 anos de idade. O trabalho imaterial, ao contrário do trabalho material, pode ser exercido em qualquer lugar, pois a velha e rígida divisão fordista da atividade (trabalho) e inatividade (estudo) deixou de ser funcional.

Não há mais razões técnicas que justifiquem as longas jornadas de trabalho do século XX, mas para se aumentar o tempo livre se faz necessário o financiamento público, assim como este é necessário para as ações que envolvam descontaminar o trabalhador das novas doenças profissionais.

A tributação dos ricos deve aumentar, sobretudo dos novos detentores das riquezas imateriais. A defesa do espaço nacional, com exploração plena de todo o potencial econômico, impõe fortalecimento da iniciativa privada, com novas regras que permitam ampliar a competição, confrontando-se os 500 grandes grupos econômicos que atualmente controlam 50% do PIB mundial.

A sociedade pós-industrial pressupõe a construção de um Estado matriarcal, trans e intersetorial, capaz de fazer confluir o conjunto de especializações em ações totalizantes.

Esse novo tipo de aliança pode fortalecer o conjunto dos estratos sociais de baixa renda e nível médio para expressar resistências à condução neoliberal.

O fundo público deve ser originado pela luta política dos segmentos sociais mais organizados e vinculado às receitas originárias, permitindo favorecer a progressividade na tributação sobre a renda dos ricos com a universalidade da proteção social.

Morris alerta que no presente momento é extremamente oportuna a adoção pelos EUA destas medidas severas, pregadas há muito tempo a outros países, acredita ser inevitável, para não dizer desejável, a ocorrência de um período de recessão dura, nos moldes da estagnação decenal sofrida pelo Japão, e aconselha:

"Reenergizar os empréstimos e gastos de consumo com dinheiro barato é exatamente o que não devemos fazer. O consumo tem de cair no mínimo de 4% a 5% do PIB, e o dinheiro precisa ser deslocado para poupança e investimento. O hipertrofiado setor financeiro tem de sofrer um encolhimento drástico. E precisamos reduzir a enorme quantidade de dívida em dólar existente, produzindo, pela primeira vez em muito tempo, mais do que podemos comprar – de fato, trabalhando mais intensamente e vivendo com menos recursos". (MORRIS, 2009:42)

Morris reconhece as impossibilidades de reparação dos danos causados pela crise americana e, talvez, a de resgate da confiança global nos mercados americanos. Observa que o exercício da supremacia americana é marcado de surtos episódicos de irresponsabilidade e, ainda, esta última década caracteriza-se como a mais destrutiva de todas as demais, sendo que não só os EUA como o mundo inteiro pagarão o preço por muito tempo.

Todavia, valendo-se da teoria cíclica da política americana atribuída a Arthur Schlesinger pai [16], apresenta uma posição otimista ao crer na possibilidade de recuperação e prosperidade dos EUA, desde que as mudanças necessárias passem, no mínimo, por uma restauração razoável de regulação financeira concomitante com a quebra do dogma da Escola de Chicago, em que o governo é sempre o problema.

Neste sentido, Morris conclui que a crônica desenvolvida em seu livro sobre a amplitude do crash financeiro atual sugere que "chegamos ao ponto em que o dogmatismo de mercado é que se tornou o problema, e não a solução. E depois de um quarto de século, é hora de o pêndulo oscilar na outra direção". (MORRIS, 2009: 224)


4.UM OLHAR INICIAL SOBRE AS REPERCUSSÕES DA CRISE DE 2007/2009 NO BRASIL

Até janeiro de 2008, os exportadores brasileiros tomavam financiamentos em dólar, através de adiantamento de contrato de câmbio, a um custo de 9% ao ano. [17] Muitas dessas empresas, pegavam empréstimos em dólar para aplicar o dinheiro no mercado financeiro no Brasil e assim lucrar com a diferença. Outra forma de obter lucro era através da valorização do real, uma vez que somente no primeiro semestre de 2008 o dólar caiu mais de 9%.

Empresas brasileiras [18] se valeram também de derivativos de balcão, operações realizadas diretamente entre a empresa e o banco, sem passar pelas bolsas de valores e pelos controles da Comissão de Valores Mobiliários (CVM). Tais operações, em sua maioria, eram contratadas com bancos estrangeiros. Empresas não exportadoras também aderiram a essas arriscadas operações.

Por algum tempo, os resultados foram compensadores, no entanto, a inversão brutal no movimento do câmbio impôs prejuízos às empresas que apostavam na valorização do real [19].

Na economia da especulação não existe estabilização do câmbio em torno de um valor fundamental, como falaciosamente pretendem as teorias que sustentam os regimes de câmbio flutuante. Tais teorias somente se verificariam eficazes se aplicadas a um mercado em que a taxa de câmbio real exprimisse os preços relativos entre os bens produzidos domesticamente e aqueles de produção estrangeira, uma vez que o câmbio se moveria em razão da posição da balança em transações correntes, reagindo aos déficits ou superávits na conta que registra as importações e exportações de mercadorias e serviços.

Quando as economias estão abertas aos movimentos de capitais e sujeitas à formação de posições especulativas em mercados futuros, tais posições especulativas não funcionam, uma vez que as taxas de câmbio refletem a demanda e a oferta de moedas enquanto ativos financeiros. As antecipações sobre as variações de preço provocam ajustamentos entre a moeda nacional e a moeda internacional de referência, sem proporção com o resultado do comércio.

Após dois trimestres seguidos de recuo do PIB [20] brasileiro, que caracteriza a chamada "recessão técnica", a economia vem retomando o crescimento [21] e o mercado de trabalho também vêm reagindo, ainda que discretamente.

Segundo dados do DIEESE [22], verificou-se uma tímida redução do desemprego no primeiro semestre de 2009. A massa de rendimentos expandiu devido o crescimento do nível de ocupação, recuperando-se o emprego formal. [23]

A atividade industrial vem se recuperando [24], embora seja ainda inferior se comparada a junho de 2008. O aumento de produção mais expressivo foi registrado no segmento de bens de capital (2,1%), o qual, com terceira taxa positiva de crescimento consecutiva, acumulou ganho de 5,5% entre março e junho.

Os trabalhadores obtiveram aumentos reais [25], o que confirma que, de maneira geral, a crise mundial teve pouco efeito sobre os resultados para este item de pauta nas negociações coletivas trabalhistas no Brasil [26]. Os efeitos da crise na economia brasileira que, ao longo do tempo, se configuraram como menos drásticos que o observado nos países centrais; a trajetória de recuo dos preços apontada pelo INPC-IBGE nos seis primeiros meses de 2009 e a política de valorização do salário mínimo que impulsionou o reajuste dos menores salários foram os fatores facilitadores da negociação dos reajustes salariais.

Além disso, os ajustes das empresas, nos segmentos econômicos e regiões geográficas em que a crise se manifestou violentamente, ocorreram principalmente pelo expediente da demissão de trabalhadores, e não pela contração dos reajustes salariais das categorias.

Após a eclosão da crise, a China passou a ser o maior parceiro comercial do Brasil em 2009, superando os Estados Unidos, sendo que passamos a importar desta 85% de produtos primários, e praticamente nada de produtos manufaturados com maior valor agregado. As importações de produtos europeus decresceram, uma vez que suas manufaturas, com maior índice de tecnologia, possuem maior valor agregado. O Brasil continua exportando produtos industriais aos países sul-americanos, embora com crescentes dificuldades, em função do aumento do protecionismo, decorrente da crise financeira.

As conseqüências da valorização do real são danosas. Há uma redução dos investimentos na indústria de transformação e são crescentes as dificuldades para a exportação, especialmente em setores que concorrem diretamente com a indústria chinesa. Além disso, é visível a deterioração da pauta exportadora brasileira.

A redução das exportações nos primeiros sete meses de 2009 em relação à igual período de 2008 ocorreu de forma substancial em todos os segmentos, porém, em muito menor proporção nas exportações de produtos básicos [27]. A partir da menor redução das exportações dos produtos básicos, em relação ao conjunto, ocorreu recentemente uma alteração do perfil das exportações nacionais, com o aumento da fatia destes produtos no total das vendas, passando de 36,3% para 42,6% no período em questão. Entre os principais produtos básicos da pauta, o grande destaque nos primeiros sete meses do ano foi a soja em grão e o farelo de soja, com aumentos de 14,8% e 6,0%, respectivamente, em relação ao mesmo período do ano passado.

Quanto à venda dos produtos industrializados houve queda de 31,3% no período compreendido entre janeiro e julho de 2009, em função da retração nos mercados internacionais, decorrente da crise. Isto fez com que a participação dos industrializados no total das exportações brasileiras caísse de 61% para 55% no período em tela.

Diferentemente de outros momentos de crise financeira internacional, desta vez parece estar descartada uma crise cambial, com fugas de capitais do Brasil. Os indicadores de robustez nas contas públicas e a continuidade da demanda global pelas commodities [28] produzidas pelo país afastam o risco de crise mais graves nas contas externas, o que possibilita a tributação dos capitais internacionais.

No entanto, é necessário promover uma redução maior na taxa Selic, já que as taxas de juros nos países desenvolvidos estão próximas de zero e está afastado, neste momento, qualquer risco de aumento da inflação.

A intensificação da política de compra de reservas também é uma medida que deve ser adotada. O governo tem adquirido todo dólar extra que tem entrado no país, mas é preciso intensificar esta política. O custo de acumulação das reservas diminuiu em função do diferencial de juros externos e internos. Esta política, além de reduzir a oferta de dólares no mercado, o que evita uma queda ainda maior da moeda, ainda engorda as reservas internacionais brasileiras.

Não há uma fórmula mágica que as autoridades econômicas possam tomar que encaminhe para a correção do problema do câmbio valorizado de forma imediata. A solução do problema requer políticas de longo prazo. Os superávits comerciais são fundamentais para o Brasil. Foram eles que nos permitiram a melhora no balanço de pagamentos e a redução da vulnerabilidade externa ocorrida nos últimos anos. Mas os resultados na balança têm que vir acompanhados da melhoria de sua qualidade, ou seja, é fundamental agregar valor às nossas exportações, já que a valorização das commodities nos mercados internacionais não vai durar eternamente. O problema é grave, mas por ter uma clara dimensão estrutural, necessita de políticas voltadas para o seu enfrentamento também a longo prazo.


5.CONCLUSÃO

A crise financeira que assolou os EUA, intitulada como a "vergonha do excesso" [29], teve seu ápice no dia 15 de setembro de 2008, por meio da falência da Lehman Brothers, e, a partir de então, a repercussão foi global. Houve o desencandeamento de "uma torrente de destruição da riqueza das pessoas, empresas e países" [30], em face da:

"financeirização da economia, da preferência pelo capital especulativo sem correspondência com a massa de valores reais e da globalização/repartição dos prejuízos econômicos amargados por um país de hegemonia econômica frente a outras nações". (FABIANO,2009:2)

Desde a Grande Depressão de 1929, não se via um cenário tão grave comparado ao presente e a medida encontrada para conter os prejuízos girou em torno da "desalavancagem" da economia e da produção, o que acarreta, diretamente, no mundo do trabalho.

Mais uma vez, a história se repete. Estamos diante de um momento de incerteza e desconfiança generalizados, num período similar de "desgovernaça pública" [31].

A presente crise teve os seus efeitos generalizados de tal forma que atacou o centro do capitalismo e se espalhou pelo sistema e pela sociedade como um todo, não havendo possibilidade de blindagem, repercutindo, assim, numa crise social. Nesta, não há que se falar em período "pós-crise".

Dessa forma, é inegável a orgânica conexão entre o tipo de política pública seguida, hegemonicamente hoje, na maioria dos países capitalistas ocidentais, inclusive no Brasil, a crise mundial de 2007/2009.

O capitalismo não precisa funcionar "sem peias", sem reciprocidade, mas assim se encontra em razão da "reiteração da mesma matriz de suas políticas públicas principais". (DELGADO, 2006:118/119)

Entretanto, essencial salientar, em que pese seus prejuízos, a crise financeira mundial e os seus impactos criam também uma oportunidade histórica: "a construção de algo superior. Ela abre perspectiva do enfraquecimento da dominação política que antes moldava o mundo, ou seja, abre a possibilidade de construção de um novo padrão civilizatório". (POCHMANN, 2009)

A lição fundamental que se pode tirar é que "o ideário da desregulamentação exacerba problemas e distorções e acentua o processo de exclusão social". (DELGADO, 2009)

Pelo exposto, independente do ideário político, no mínimo o bom senso leva a compreender que a saída para a crise mundial passa pelo "restabelecimento de mecanismos de regulação, por meio de um processo maciço de intervenção do Estado na economia". (DELGADO, 2009)

Ainda, pontua Delgado que qualquer reflexão sobre essa crise tem de passar também pela redescoberta das instituições e dos segmentos sociais do Direito [32].

Frisa Delgado, "a crise criou uma oportunidade excepcional de reflexão sobre as instituições, o Estado, a democracia e o direito, particularmente os direitos sociais – entre eles o do Trabalho". (DELGADO, 2009)

Previsões para um futuro próspero? Pode-se dizer que "O futuro depende da sociedade, da democracia e do bom funcionamento das instituições", em destaque, o Direito do Trabalho, por ser fundamental para o bem-estar das pessoas, e está provado que é fundamental para o bom funcionamento do capitalismo porque cria o mercado interno". (DELGADO, 2009)


6.REFERÊNCIAS BIBIOGRÁFICAS

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MORRIS, Charles R. O crash de 2008: dinheiro fácil, apostas arriscadas e o colapso global do crédito. São Paulo: Aracati, 2009. 254p.

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Notas

  1. BOFF, Leonardo. Ética e Moral: a busca dos fundamentos. Petrópolis, RJ: Vozes, 2003, p. 63.
  2. Expressão do Professor Ricardo Antunes.
  3. Expressão de Magda Biavaschi.
  4. Expressão de Adam Smith, constante da obra Investigação sobre a natureza e causas da riqueza das nações, que o caracteriza por agir comercialmente por interesse próprio, egoísmo e cobiça (self- interest)
  5. Países que adotam o modelo beveridgeano, na definição de Carlos Faria.
  6. Créditos hipotecários concedidos a pessoas que não atendem aos créditos financeiros normais.
  7. Para compreensão dessa agenda e suas prioridades específicas, recomenda-se a leitura do último capítulo, qual seja, "Recuperando o equilíbrio" da presente obra de Morris.
  8. Luiz Gonzaga Belluzzo, dentre outras atribuições, é professor do Instituto de Economia da UNICAMP e da FACAMP e conselheiro editorial da revista Carta Capital. Como autor, destacam-se as suas participações na obra coletiva "O poder americano", organizado por J.L.C. Fiori, bem como "O abc da Crise", organizado por Sérgio Sister.
  9. Para compreensão específica dessa sucessão de crises a que Belluzo se refere, recomenda-se a leitura do prefácio do livro "O crash de 2008: dinheiro fácil, apostas arriscadas e o colapso global do crédito. São Paulo: Aracati, 2009. p. 17-23.
  10. Vale destacar que o progresso da desregulamentação financeira comandada por Wall Street foi essencial para a metástase produtiva asiática, ocorrida principalmente nas décadas de 1980/90, em que se presenciou um cataclismo na divisão internacional do trabalho. No território dos asiáticos, de mão-de-obra barata, câmbio desvalorizado e abundância de investimento estrangeiro, são produzidas as novas manufaturas.
  11. Expressão do Ministro Mauricio Godinho Delgado, constante de suas obras.
  12. Ilustrativamente, dentre outros, FMI e OMC.
  13. As agências internacionais defendem a adoção de ações assistenciais focalizadas para o grupo dos estritamente pobres, em detrimento de políticas públicas de caráter universal.
  14. Banco Central americano.
  15. Moedas que dominam em grande escala as transações financeiras e de mercadorias no mercado mundial.
  16. Segundo Morris, essa teoria representa que "o consenso político-econômico tende a oscilar entre os ciclos liberais e conservadores em arcos de mais ou menos 25 anos". (MORRIS, 2009:45)
  17. A taxa média para empresas, em reais, era de 24,7% ao ano.
  18. Empresas brasileiras como Aracruz, Sadia, Votorantim investiram em tais operações de balcão.
  19. João César Silva, empregado da unidade da Votorantim em Juiz de Fora desde 1984, Vice-presidente do Sindicato dos Trabalhadores Metalúrgicos de Juiz de Fora e Região e secretário de saúde da Federação dos Trabalhadores Metalúrgicos de Minas Gerais (FEM-CUT-MG) informa os prejuízos causados por essa arriscada operação especulativa. De acordo com o dirigente sindical, a unidade da Votorantim em Juiz de Fora permaneceu fechada, sem produzir, desde dezembro de 2008 até o final de março de 2009. A unidade da empresa contava com 430 empregados em outubro de 2008, sendo que 56 foram dispensados através de Programa de Demissão Voluntária (PDV). Somente a partir de abril de 2009, a unidade da Votorantim de Juiz de Fora voltou a produzir, utilizando 70% de sua capacidade. Em junho de 2009 passou a utilizar sua capacidade máxima de produção e em setembro de 2009 recontratou 10 empregados. A empresa estava investindo na construção de unidade de polimetálicos em Juiz de Fora, que iria produzir chumbo metálico a partir de bateria veicular reciclável, fruto de um acordo mundial celebrado com a empresa HELIAR, produtora de baterias veiculares. O investimento continua suspenso, com previsão de retomada no início de 2010.
  20. Produto Interno Bruto.
  21. Em junho de 2009 o volume de vendas cresceu 1,7% e a receita nominal registrou alta de 2,1% em relação a maio de 2009. No acumulado de 2009, contabilizando o primeiro semestre, o setor comercial segue com índices confortáveis de desempenho, tanto em relação ao volume de vendas, com alta de 4,4%, como também em receita nominal, com crescimento de 9,9% em relação ao mesmo período de 2008. Fonte: DIEESE – Escritório Regional de Minas Gerais.
  22. DIEESE - Departamento Intersindical de Estatística e Estudos Socioeconômicos.
  23. Conforme informações da PED –Metropolitana, em junho de 2009, a taxa de desemprego total diminui de 15,3% para 14,8% da PEA, após ter ficado 5 meses sem redução. Já nos últimos 12 meses a tendência é de pequena elevação: em relação a junho de 2008, a taxa de desemprego total passou de 14,6% para os atuais 14,8%. A massa de rendimentos reais expandiu 0,5% nos últimos 12 meses, findos em maio, resultado do crescimento do nível de ocupação e o decréscimo do rendimento médio. Os dados do Cadastro Geral de Empregados e Desempregados (CAGED), apesar da queda comparativa ao ano de 2008, mostram recuperação do emprego formal. Foram 138.402 vagas em julho, acumulando um saldo de 437.908 postos no ano. Fonte: DIEESE – Escritório Regional de Minas Gerais.
  24. Em junho, o crescimento de 0,2% da produção física industrial foi o sexto aumento seguido revelando uma trajetória de recuperação, que já acumula 7,9% neste ano. A produção industrial avançou 3,4% no segundo trimestre, em relação ao primeiro, sem os efeitos sazonais, um sintoma importante de que a indústria saiu da recessão no período. No entanto, em comparação a junho de 2008, a produção industrial brasileira ainda é 10,9% inferior e, no ano, o recuo é de 13,4% na comparação com o mesmo período de 2008, caracterizando, segundo o IBGE, o pior resultado para um primeiro semestre desde o início da pesquisa em 1975 (o que revela o tamanho do recuo da indústria, na crise). Fonte: DIEESE – Escritório Regional de Minas Gerais.
  25. Reajustes salariais iguais ou acima do INCP – IBGE (índice que apura inflação).
  26. Até junho de 2009, o percentual de negociações com reajustes iguais ou acima do INPC-IBGE ficou próximo a 93%, enquanto no ano anterior, 87%. Fonte: DIEESE – Escritório Regional de Minas Gerais.
  27. Fonte: DIEESE – Escritório Regional de Minas Gerais.
  28. Commodities são mercadorias utilizadas nas transações comerciais de produtos de origem primária nas bolsas de mercadorias. Usadas como referência aos produtos de base em estado bruto (matérias-primas) ou com pequeno grau de industrialização, de qualidade quase uniforme, produzidos em grandes quantidades e por diferentes produtores. Estes produtos "in natura", cultivados ou de extração mineral, podem ser estocados por determinado período sem perda significativa de qualidade. O que torna os produtos de base muito importantes na economia é o fato de que, embora sejam mercadorias primárias, possuem cotação e "negociabilidade" globais; portanto, as oscilações nas cotações destes produtos de base têm impacto significativo nos fluxos financeiros mundiais, podendo causar perdas a agentes econômicos e até mesmo a países. O mercado de derivativos surgiu como uma proteção aos agentes econômicos contra perdas provocadas pela volatilidade nas cotações dos produtos de base. Fonte: http://pt.wikipedia.org/wiki/Commodity, acessado em 05 de novembro 2009.
  29. Expressão do Ganhador do Prêmio Nobel de Economia em 2008.
  30. Revista Veja. O mundo pós-crise como usar. Edição 2130, ano 42, n.37, de 16 de setembro de 2009, p. 124.
  31. Expressão utilizada pelo economista Márcio Ponchamann, em entrevista no dia 16/09/09, disponível em: http://www.contee.org.br/noticias/msoc/nmsoc777.asp
  32. Palestra proferida pelo Professor Maurício Godinho Delgado, no TRT 3ª Região, em 24/04/2009, sobre Liberalismo Econômico, Estado Social, Constituição e Poder Judiciário: Reflexões sobre Economia e Poder Judiciário em tempos de crise econômica.

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Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

MELLO, Roberta Dantas de; GOMES, Maíra Neiva et al. O recente colapso do paradigma neoliberal. A crise mundial de 2007/2009. Perspectivas para o Estado de Bem- Estar Social. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 14, n. 2328, 15 nov. 2009. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/13858. Acesso em: 23 abr. 2024.