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Publicidade enganosa: da relação de consumo da cerveja sem álcool

Publicidade enganosa: da relação de consumo da cerveja sem álcool

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Resumo

A legislação pátria sofreu modificações no que se refere à política desenvolvida pelo Estado para tentar diminuir as mortes no trânsito de veículos automotores decorrentes de ingestão de bebidas alcoólicas. Isso surge a partir da promulgação da Lei nº 11.705/2008, que imprimiu fortes restrições ao consumo na nova redação dada ao Código de Trânsito Brasileiro.

Nesse sentido, sobrevém questão importante sobre as cervejas "sem álcool", pois os consumidores vislumbram nesse produto a mensagem destacada em seu rótulo mencionando que não há teor alcoólico em seu conteúdo, e outra bem minúscula citando o verdadeiro teor, o que deflagra violação ao Código de Defesa do Consumidor (Lei nº 8.078/90).

É uma situação nova diante da forte restrição da lei seca, podendo um consumidor que ingeriu quantidade alta desse produto ser enquadrado na hipótese de infração da nova legislação de trânsito. Desse modo, a prática das empresas que fabricam as cervejas "sem álcool" está em desacordo ao disposto na lei que disciplina as relações de consumo, o que pode ocasionar algum dano aos milhares de consumidores que apreciam a bebida.

Palavras-chave: Lei Seca. Cervejas sem álcool. Publicidade enganosa.


Introdução

Um pouco mais de ano após a promulgação da Lei nº 11.705 (Lei Seca), os brasileiros já se ambientaram com a austeridade que sua disciplina jurídica trouxe ao cotidiano nacional. Muito se indagou sobre a viabilidade da lei e criou-se, assim, um cenário de incerteza. Recentemente, o Ministério da Saúde divulgou números que atestam o efeito positivo na redução tantos das internações quanto das mortes ocorridas no trânsito em comparativo entre o segundo semestre de 2007 e o segundo semestre de 2008 nas capitais.1

Dessarte, foi dado um passo largo acerca da prova de eficácia na missão nada fácil do Estado em reduzir, por exemplo, o número de acidentes de transporte terrestre, que matam mais de um milhão de pessoas no mundo por ano.

Importante objeto de análise é sobre a questão das cervejas sem álcool. É dita importante em vista da vigência da lei seca e sua consequência pungente e, partindo dessa colocação, se pode alguém que consumiu quantidades exorbitantes desta bebida ser aferido no contexto da lei.

Certamente é um tema que pouco se vislumbrou, porém carrega um pouco de desconfiança ao ser posto em discussão. Nesse aspecto, se oportuniza essa contenda aos leitores para tentar explicitar todas as questões que possam surgir.

Além disso, analisar-se-á como está sendo veiculada a publicidade dessas cervejas sem álcool e a correlação com o Código de Defesa do Consumidor, bem como comentar sobre os meios processuais que estão à disposição da sociedade.


Dos efeitos do consumo de cerveja no trânsito brasileiro de veículos automotores

É certo que a combinação álcool e trânsito nunca foi benéfica. As estatísticas comprovam que milhares de pessoas falecem ou ocasionam acidentes depois de ingerirem algumas doses de bebidas alcoólicas, que acarretam em diminuição da percepção e da destreza do motorista, essenciais para dirigir. Em 2007, o número de vidas ceifadas no Brasil decorrentes de acidentes nas estradas girou em torno de 35 mil mortes, sendo certo que porcentagem considerável decorreu da mistura álcool e direção.2

Desta feita, a Secretaria Nacional Antidrogas (SENAD) do Gabinete de Segurança Institucional da Presidência da República, em parceria com a Unidade de Pesquisa em Álcool e Drogas (UNIAD), do Departamento de Psiquiatria da Universidade Federal de São Paulo (UNIFESP) realizou o I Levantamento Nacional sobre os Padrões de Consumo de Álcool na População Brasileira.3

Nesse estudo foram entrevistadas 3.007 pessoas, sendo 2.346 adultos de faixa etária superior a 18 anos e 661 entrevistas com adolescentes de 14 a 17 anos em 143 municípios brasileiros. Por meio desta, ficou constatado que as bebidas mais consumidas são a cerveja e o chope, representando conjuntamente 61% do total. Já entre os jovens brasileiros, a cerveja ocupa ainda a primeira colocação, porém com 52%.

Entre os jovens, o uso do álcool iniciou-se com idade inferior a 14 anos. Contrapondo a estes, os adultos iniciaram seu consumo com mais de 15 anos, razão pelo qual é notória a tendência de decréscimo na idade do primeiro contato com as bebidas.

Defronte a todas essas estatísticas, merece atenção maior a que trata da porcentagem de acidentes fatais com álcool como fator causador. Há 24 países elencados na pesquisa, dos quais o único que sobressalta a faixa dos 40% é o Brasil. Comparando com outros países, o nível é alarmante, já que o México, por exemplo, possui índice inferior a 5%.4

Ademais, dados do IML (Instituto Médico Legal) de São Paulo atestaram que, no ano de 1999, os acidentes de trânsito foram a segunda maior causa externa de morte com 21,96%, somente sendo precedida pelo crime de homicídio.5 Contudo, os números divulgados no 2º trimestre de 2008 pela Secretaria de Segurança Pública de São Paulo mostraram que as mortes em acidentes de trânsito superaram em 175 casos os assassinatos.6


Da atuação estatal na busca de se diminuir os impactos maléficos do consumo da cerveja no trânsito

Inúmeros argumentos poderiam respaldar os números expostos anteriormente. Com a facilidade em comprar bebidas, os jovens cada vez mais cedo consomem produtos alcoólicos, dentre outras drogas.7 O Estado é um dos maiores prejudicados, tendo em conta os gastos elevados para manter um sistema de saúde com o propósito atender uma demanda estratosférica de acidentados.

Imagine-se quanto de despesa o Estado tem para atender as vítimas do trânsito e prestar-lhes devidamente atendimento médico-hospitalar.8 Em 2005, o custo anual dos acidentes de trânsito nas rodovias brasileiras alcançou a trágica cifra de R$ 22 bilhões de reais, correspondente a 1,2% do PIB brasileiro. Aliás, os efeitos de um acidente estendem-se a outros ramos, entre os quais o Terceiro Poder.

Nessa linha, o Estado, em face às pressões populares e como gestor das políticas públicas, modificou o Código de Trânsito (Lei nº 9.503/97) para se adaptar às tendências mundiais de combate a embriaguez ao trânsito.

No dia 20 de junho de 2008, a Medida Provisória nº 405, que versava sobre a proibição de vendas de bebidas alcoólicas em estradas federais, recebeu novos artigos com vistas a regulamentar a matéria que trata da embriaguez no trânsito. Ato contínuo, foi convertida na Lei nº 11.705, popularmente intitulada de "Lei seca" ou "Lei de tolerância zero".

Apesar da discrepância em relação aos dados posteriores à vigência da lei seca, a maioria constata que houve benefícios à sociedade, tais como redução no número de acidentes, diminuição dos gastos, entre outros. Pode-se comprovar, por exemplo, com os números divulgados pela Polícia Rodoviária Federal, propagados por inúmeros meios de comunicação, dentre os quais a Agência Brasil.9 As estatísticas revelam um decréscimo de 6,2% relativo ao número de acidentes com mortes em rodovias federais nos primeiros cinco meses de vigência da lei seca em comparação com o mesmo período do ano passado.

A experiência do Brasil no combate ao álcool chamou a atenção de 26 países que discutiram o tema em São Paulo num encontro convocado pela Organização Mundial da Saúde (OMS), que está realizando Consultas Técnicas Regionais nos cinco continentes (América, Europa, Ásia, África e Oceania) com o objetivo de debater o problema do consumo nocivo de álcool no mundo. O exemplo brasileiro da Lei Seca foi bastante comentado, como alternativa à redução das mortes e ferimentos no trânsito.10


Da Lei Seca (Lei nº 11.705/08) e das modificações do Código de Trânsito Brasileiro

O segredo do sucesso da lei até então constatada não paira na sua rigidez normativo-punitiva, mas na intensa fiscalização feita pelo Estado. Gomes (2008, p.1) aduz que

a fiscalização intensa da polícia nos últimos dias veio comprovar que ela é que é fundamental na prevenção de acidentes. É um equívoco imaginar que leis mais duras são suficientes. A fiscalização é que é decisiva, ao lado da educação, conscientização, engenharia e punição.

Isto é, a palavra chave da eficiência na diminuição dos acidentes é: fiscalização em conjunto com a punição certa, que resulta em uma certeza de repreensão, fazendo o sujeito mudar seu comportamento.

Em primeiro, esmiuçar-se-á o art. 165 do CTB que trata da infração administrativa. Essa norma prevê que quem manifeste qualquer quantidade de álcool incorrerá em penalidades, quais sejam: multa de R$ 955,00, suspensão do direito de dirigir por 12 meses, recolhimento da carteira, além da apreensão do veículo até que outra pessoa habilitada possa retirá-lo. O artigo faz alusão apenas a dirigir "sob a influência de álcool", sem qualquer menção ao grau de alcoolemia suficiente.

Além disso, outro objeto de modificação da lei foi o art. 306, que trata do crime de embriaguez ao volante. Por este, qualquer pessoa que consuma bebida alcoólica ou outras substâncias psicoativas e seja detectado teor igual ou maior a 6 dg por litro de sangue enquadra-se no tipo legal, sendo diametralmente oposto com a dicção do artigo revogado, visto que neste não mencionava nenhuma quantidade de álcool. No entanto, previa perigo concreto a outrem para a sua tipificação.

No magistério de Jesus (2008, p.1),

dirigir veículo automotor, em via pública, "sob a influência" de álcool ou substância similar significa, sofrendo seus efeitos, conduzi-lo de forma anormal, fazendo ziguezagues, "costurando" o trânsito, realizando ultrapassagem proibida, "colado" ao veículo da frente, passando com o sinal vermelho, na contramão, com excesso de velocidade etc. De modo que, surpreendido o motorista dirigindo veículo, após ingerir bebida alcoólica, de forma normal, "independentemente do teor inebriante", não há infração administrativa, não se podendo falar em multa, apreensão do veículo e suspensão do direito de dirigir. Exige-se nexo de causalidade entre a condução anormal e a ingestão de álcool.

Então, o parâmetro da nova lei é objetivo, bastando a averiguação da alcoolemia do sujeito, não se prendendo ao perigo concreto, por exemplo, dirigir em ziguezague.


Cerveja "sem álcool": regulamentação

Oportuno tecer neste tópico algumas linhas sobre o cerne do presente trabalho, qual seja, a cerveja sem álcool e suas implicações jurídicas, mormente a publicação da Lei nº 11.705/08. Antes, necessário elucidar uma questão controvertida: A cerveja sem álcool não possui realmente nenhuma quantidade dessa substância?

Para essa pergunta, o senso comum responderia negativamente de forma uníssona. E diante dessa falsa aparência que surge a surpresa. A cerveja sem álcool possui quantidade de álcool, embora minimamente, girando em torno de 0,5% (dez vezes menor que uma cerveja comum).

Hodiernamente, vige no Brasil o Decreto nº 2.314/97, do Ministério da Agricultura, que regulamentou a Lei nº 8.918/94, dispondo sobre a padronização, classificação, registro, inspeção, produção e fiscalização de bebidas.

O art. 66, III, "a" traz a definição legal de cerveja sem álcool, sendo aquela bebida cujo conteúdo em álcool for menor que meio por cento em volume, não sendo obrigatória a declaração no rótulo do conteúdo alcoólico.

As empresas respaldam-se nesse dispositivo, pois sempre alegam que estão conforme a preleção da lei. No entanto, a lei seca produziu diversos efeitos na sociedade brasileira incompatíveis com o decreto, de forma que a cerveja sem álcool volta-se como um refúgio para os apreciadores e, em razão disso, pode perfeitamente tipificar-se em um dos seus artigos, visto que cada pessoa reage de um jeito aos efeitos da bebida, considerando peso, se foi feita uma refeição anteriormente etc.11

Ademais, as vendas de cervejas sem álcool aumentaram consideravelmente em virtude da rigidez da nova lei, o que torna mais necessário o debate sobre a ineficácia atual do Decreto nº 2.314/97. Isso porque esse aumento está intimamente ligado com a restrição posta aos consumidores da bebida alcoólica mais apreciada do Brasil, porquanto vislumbram na cerveja aludida como sem álcool uma forma de escapar da nova lei.

Desta feita, considera-se como medida inarredável a modificação do decreto, visto que é possível que um sujeito que ingeriu certa quantidade da bebida seja parado em uma blitz, com arrimo na legislação nova do trânsito brasileiro, embora se constate que essa quantidade deva ser excessiva para o possível enquadramento ao disposto na lei.

Observa-se que o Decreto tornou-se obsoleto. Isto porque defende-se nesta pesquisa a mesma posição da Associação Brasileira de Defesa do Consumidor (PRO TESTE), que milita em favor da restrição do uso da terminologia "sem álcool" às bebidas alcoólicas realmente 0,0% de álcool para não induzir o consumidor a erro. Nesse aspecto, somente a marca Líber possui essa porcentagem.12

Ao confrontar com outros países, o Brasil passa a tratar fortemente a relação álcool/direção. Em pesquisa realizada nos EUA pela International Center For Alcohol Policies13, o país posicionou-se entre os mais rígidos no que tange a limitação de álcool no sangue para dirigir, numa lista de 82 países. Conforme o Decreto 6.488/08, o limite de alcoolemia (quantidade de álcool por litro de sangue) está em 2 dg/l.

Pela pesquisa, constata-se que o Brasil é mais rígido que 63 nações, igualando-se em rijeza com cinco outros países e é mais tolerante que outros 13. Por exemplo, a Alemanha (0,5), Canadá (0,8), USA (0,8), Japão (0,3), Reino Unido (0,8), Rússia (0,3), Itália (0,5), entre outros.

Na Croácia, destaca-se uma peculiaridade: o seu limite está em 0,5 mg/ml, porém somente para motoristas com idade superior a 24 anos. Isso significa que os que não possuem essa idade não devem ingerir nenhuma quantidade de álcool.

Ora, considerando a austeridade da legislação brasileira, mormente a lei seca, mostra-se controverso a forte restrição ao consumo de bebidas com algum teor alcoólico e o tratamento mais consentido às empresas controladoras da fabricação do produto no que tange à publicidade ofertada aos consumidores.

Diante dessa ponderação, o presente trabalho analisará a publicidade e o seu efeito no consumo das cervejas "sem álcool", ou seja, até onde as propagandas podem influenciar os consumidores de boa-fé. Além disso, tratar-se-á da questão do regramento dado pelo legislador à publicidade veiculada sobre essas cervejas, dando relevância ao Código de Defesa do Consumidor.


Noções iniciais

Primeiramente, antes de adentrar ao objetivo do presente trabalho, importante analisar em poucas palavras a evolução da publicidade, sobretudo sua abrangência no modelo econômico atual.

Há tempos, quando pouco balizado o assunto, a publicidade caracterizava-se unicamente como meio informativo entre vendedor e comprador.

Dessa concepção incipiente muito se incrementou ao modelo conceitual atual. Pasqualotto (1997, p. 19) a trata como o "conjunto de técnicas e atividades de informação e persuasão destinadas a influenciar, num determinado sentido, as opiniões, os sentimentos e as atitudes do público". Destarte, o ilustre autor (1997, p. 25) a conceitua como

toda comunicação de entidades públicas ou privadas, inclusive as não personalizadas, feita através de qualquer meio, destinada a influenciar o público em favor, direta ou indiretamente, de produtos ou serviços, com ou sem finalidade lucrativa.

Notadamente, a publicidade é cada vez mais necessária para a inserção de um empreendimento no arriscado mercado global, visto que as empresas investem pesadamente em visibilidade, movimentando a economia e fomentando o consumo, tornando-o às vezes irrefreável.

De forma que a publicidade meramente informativa transformou-se num meio de sobrevivência envolto a tanta concorrência. Incrementou-se à ideia de publicidade a necessidade por lucros, o alto investimento e, sobretudo, a persuasão.

Ceneviva (1991, p. 58) alude com peculiar propriedade sobre a economia capitalista.

A transformação da economia capitalista provocou a necessidade imperiosa de mecanismos dinâmicos aptos a instrumentalizar as relações mercantis transformadas.

(...)

O processo se desenvolveu tendo em vista o atingimento eficaz dos interesses do comercio e da indústria em relação a toda a cidadania, em particular nos últimos decênios, quando se tornou notória a influência da propaganda no reforço dos mesmos interesses.

É fato que a publicidade cria mercados, movimenta a economia e aproxima o produto do consumidor final. Sendo assim, com o meio de confrontar com a forte concorrência, as empresas despendem-se de volumosos investimentos na TV, rádio, outdoors etc., com vistas à divulgação de seus produtos. Com efeito, a publicidade fortalece como meio diferenciador um ou outro produto, mesmo que não demonstre a realidade ao consumidor.


Função persuasiva

Certamente, o efeito persuasivo contido na publicidade foi responsável pela sede de compra que vige na sociedade. Diante desse movimento, as empresas valorizam o seu produto por meio da publicidade, intensificada pelo seu efeito persuasivo que, por sua vez, produz aquele convencimento na hora da compra.

A intenção da persuasão na publicidade é divulgar o produto das empresas e convencer a população que o seu é superior e que lhes trará vantagens. Assim, "não se trata, em suma, de uma narrativa imparcial, mas de mensagem produzida com o fito de convencer, de seduzir o consumidor para a aquisição de um produto ou serviço". (NUNES, 2005, p. 41)

No entanto, atualmente verifica-se que há uma forte discrepância nos dois polos da relação. Como as empresas cultuam o consumo pelo convencimento a qualquer custo, os consumidores perdem sua opinião, de tal forma que são hipnotizados pelo anuncio publicitário.

Pasqualotto (1997, p. 29) afirma que

o caráter persuasivo da publicidade revela-se na lógica da sua atuação. A ênfase da mensagem publicitária é deslocada do produto para o seu usuário. A função de uso do produto é substituída por uma função de signo, ao qual é atribuído um valor simbólico.

O produto em si é deslocado da mensagem que as empresas tentam passar, pois o que é posto em venda são os "elementos ideológicos de diferenciação do mundo capitalista, que na realidade imediata não encontram satisfação". (MARCONDES, 1986, p. 145).

O modelo contemporâneo de publicidade fruto dessa visão gananciosa acarreta numa questão polêmica: as empresas primam mais pela publicidade do produto do que pela sua qualidade. Muitos não os adquirem pela característica conteudista, mas pela característica agregada pelo efeito persuasivo da publicidade nos meios de comunicação.

Consoante às explanações alinhavadas, a exacerbação na publicidade, insculpindo um mundo surreal e mantendo o consumidor a mercê do fornecedor é característica da manipulação em massa feita pelas empresas, desequilibrando a relação de consumo.


Regulamentação

A regulamentação da publicidade é uma forma de intervenção do Estado na iniciativa privada. Como assentado, defronte a investimentos vultosos, torna-se presa fácil o consumidor desatento, sobretudo agindo sob o manto do principio da boa-fé, induzido a participar de uma relação de consumo pautada previamente no desequilíbrio entre os contraentes.

Dessa forma, é vulnerável o polo relativo ao consumidor e é nesse sentido que foi necessária a atuação do Direito com o fim de equilibrar esse tipo de relação. Todavia, o primeiro Código brasileiro originado para regulamentar a publicidade foi fruto do ativismo de profissionais liberais.

O Código Brasileiro de Auto-regulamentação Publicitária foi criado em 1978 como forma de reagir a intenção do Governo de censurar a publicidade. Foi escrito por profissionais da propaganda para garantir a liberdade de expressão e norteou como principio a responsabilidade perante o consumidor.

Apenas para informar, existe uma instituição que se vale da efetiva aplicação do Código referido, o CONAR (Conselho Nacional de Auto- regulamentação publicitária). É uma sociedade civil fundada em 1980 por agências, anunciantes e veículos de comunicação com atribuição de defender o Código Brasileiro de Auto-regulamentação Publicitária.

Estabelece no seu estatuto social os objetivos sociais da Sociedade, dentre os quais se destaca o inciso IV, do art. 5º, localizado no capítulo II (Dos objetivos sociais), que reza:

Divulgar os princípios e normas do Código Brasileiro de Auto- Regulamentação Publicitária, visando a esclarecer a opinião pública sobre a sua atuação regulamentadora de normas éticas aplicáveis à publicidade comercial, assim entendida como toda a atividade destinada a estimular o consumo de bens e serviços, bem com o promover instituições, conceitos e idéias.

No Brasil, o Estado interviu na publicidade para resguardar o interesse público. Assim, foi criado pela Lei 8.078/90 o Código de Defesa do Consumidor. Bittar (2003, IX) na apresentação de seu livro aduz que

Nos termos da determinação constitucional, a expedição do CDC responde a antiga exigência da economia de mercado, que se ressentia de instrumental adequado para contrabalancear os desequilíbrios entre as grandes concentrações empresariais e os consumidores em geral, na aquisição e na fruição de bens e de serviços para satisfação de necessidades humanas primárias.

Diga-se que foi um marco para o Direito no Brasil, tendo em conta o respaldo finalmente dado a pretensão de uma proteção ao consumidor. Dessa feita, guiou pelo equilíbrio entre as partes, a restrição a publicidade nociva, entre outros. Aliás, em relação à vulnerabilidade do consumidor frente às empresas, o art. 4º do CDC além de reconhecer sua posição mais fraca, impôs ao Estado a necessidade de proteger este sujeito de direitos. Com relação a este artigo, Benjamin (2009, p. 58) discorre com propriedade ao afirmar que

a igualdade procurada aqui é a material e não só a formal. Daí o papel preponderante da lei sobre a vontade das partes, que acaba por impor uma maior boa-fé nas relações de mercado (art. 4 o, III) e conduz o ordenamento jurídico a controlar mais efetivamente o equilíbrio da relação de consumo, como o princípio do art. 4 o, III, impõe.

Em relação à publicidade, o Código de Defesa do Consumidor não traz conceito explícito. No entanto, consoante às explanações de Pasqualotto (1997, p. 24):

Do ponto de vista das relações de consumo e à vista do CDC, certamente integram o conceito de publicidade toda informação (art. 30) veiculada por qualquer forma ou meio de comunicação (arts. 30 e 36), por qualquer fornecedor (art. 3º: qualquer pessoa, física ou jurídica, pública ou privada, nacional ou estrangeira, inclusive entre entes despersonalizados), sobre quaisquer produtos ou serviços (art. 3º, §§ 1º e 2º).


Publicidade enganosa e a relação com a cerveja sem álcool

Como foi dito alhures, a publicidade foi objeto de preocupação do legislador na elaboração do CDC. Como escopo, o Código revelou a proteção aos consumidores mais vulneráveis a persuasão dita enganosa.

Tocante à publicidade, reservou o referido texto legal o art. 37 para tratar incisivamente do assunto e, por ele, tem-se a publicidade enganosa e a abusiva, transcritas abaixo:

Art. 37. É proibida toda publicidade enganosa ou abusiva.

§ 1° É enganosa qualquer modalidade de informação ou comunicação de caráter publicitário, inteira ou parcialmente falsa, ou, por qualquer outro modo, mesmo por omissão, capaz de induzir em erro o consumidor a respeito da natureza, características, qualidade, quantidade, propriedades, origem, preço e quaisquer outros dados sobre produtos e serviços.

§ 2° É abusiva, dentre outras a publicidade discriminatória de qualquer natureza, a que incite à violência, explore o medo ou a superstição, se aproveite da deficiência de julgamento e experiência da criança, desrespeita valores ambientais, ou que seja capaz de induzir o consumidor a se comportar de forma prejudicial ou perigosa à sua saúde ou segurança.

A publicidade enganosa é aquela em que o consumidor interpreta uma informação erroneamente por não restar correta ou clara. Assim, o consumidor é ludibriado por uma informação inexata ou obscura que, de seu turno, possibilita uma escolha que não ocorreria, caso a mensagem fosse mais objetiva.

Trazendo as exposições ao tema principal do trabalho, que é o enfoque sobre as implicações jurídicas das cervejas "sem álcool" em virtude da lei seca, não há de se olvidar a incidência do CDC nas relações de consumo entre pessoas comuns e as empresas fabricantes deste produto.

Diga-se que o Código de Defesa do Consumidor visa à proteção dos mais desavisados e sujeitos à publicidade enganosa, qualificada como a situação em que tendo o consumidor melhores informações sobre o produto tem a opção de enjeitá-lo.

Nessa questão, indaga-se: O consumidor compraria cerveja "sem álcool" sabendo claramente que ela possui quantidade de álcool e que poderia incriminá-lo em um dos dispositivos da nova lei seca?

Primeiramente, frisa-se que é perfeitamente possível que o consumo de uma quantidade razoável de cerveja "sem teor alcoólico" possa submeter o sujeito ao rigor da lei, como já explanado anteriormente.

Além disso, veja-se que é visível a ostentação no rótulo da informação "sem álcool". De outra sorte, pouco se vislumbra no pequeno espaço destinado, acostada ao mesmo rótulo, com letras minúsculas, para a informação da real concentração alcoólica da cerveja. Isso fere totalmente os princípios do Código de Defesa do Consumidor, sendo medida de justiça o posicionamento acerca da aplicação das penalidades quanto à publicidade enganosa, sendo certo que o consumidor é induzido a consumir um produto, tendo sua principal característica apresentada o vazio alcoólico em seu conteúdo.

Com relação a isto, assevera-se que não há necessidade de lesão ao consumidor para incidir o CDC. Para tanto, basta a aferição da potencialidade lesiva da propaganda. Trata-se de critérios objetivos, sem espaço para elementos subjetivos, como a boa-fé e a má-fé.

Então, diante da nova lei que reformou alguns artigos do Código de Trânsito Brasileiro, conforme assentada nos itens anteriores, é eivada de engano a publicidade veiculada pelas cervejarias dirigidas a esse tipo específico de produto.

Repise-se: o que se afirma é que o consumidor, inibido pelas restrições da lei e a forte fiscalização da polícia, o que é medida certa para conter os acidentes de trânsito, depara-se com um produto que destina uma expressão "sem álcool" em detrimento da real informação que elucidaria melhor a relação consumerista.

É uma situação jurídica nova, resultado dos efeitos gerados pela lei seca. E mais importante: o Estado deve agir preventivamente a fim de resguardar essa situação antes que ocorram sucessivas lesões a população.

Veja-se: o consumidor é levado a consumir a bebida. Há um forte investimento em publicidade para que a primeira imagem a surgir na mente do brasileiro seja a "suposta" ausência de álcool. Dessa feita, tendo na realidade um percentual mínimo de álcool, em média 0,5%, torna-se incontroverso argumentar que há infringência dos artigos do CDC.

Oportuno observar que:

o conceito de enganosidade envolve expressamente a omissão da informação essencial, por via transversa, o dever do fornecedor veicular mensagem honesta, a permitir que o consumidor realize o ato de consumo conscientemente. (NUNES, 2005, p. 142)

E não é importante considerar se as empresas se ativeram ao novo regramento dado pela lei, uma vez que é exigível que uma sociedade comercial com alcance nacional esteja prevenida para salvaguardar os seus objetivos comerciais, sem afrontar os direitos garantidos pelo CDC.

Neste momento, faz-se necessário elucidar sobre a potencialidade de lesão das cervejas "sem álcool". É certo que a possibilidade de dano ao consumidor relativo ao caso tratado é mínima, pois a concentração de álcool neste produto é baixa. Porém, existe, embora em valores ínfimos. É neste contexto que são dois os motivos principais deste trabalho científico, quais sejam: primeiramente, como cada organismo reage de modo singular em relação aos efeitos da bebida e se há possibilidade de dano conforme a quantidade ingerida, é indispensável a atuação do Direito a fim de oferecer uma solução jurídica. Em segundo, as empresas em quase sua totalidade não dispõem, de forma clara, a informação da quantidade de álcool no rótulo do produto, o que resulta em contrariedade ao disposto no Código de Defesa do Consumidor.

Ao se deparar com o produto, o consumidor deve identificá-lo sob dois aspectos: o imediato (no momento da exposição) e o de fácil compreensão (sem esforço ou capitação técnica). Sem esses dois aspectos, não se pode falar em informação clara de uma publicidade, norteada no CDC pelo art. 9º e 36. Para Alvim (1995, p. 83):

A adequação e a ostensividade da informação deverão ter como parâmetro a sua própria função, que é evitar o dano ao consumidor, e devem ser suficientemente completas, incorporadas ao produto, explícitas, claras e concisas, primando o fornecedor pela prudência ao orientar as informações que acompanham o produto de acordo com sua periculosidade e a qualificação (social e cultural) dos possíveis utentes.

A informação do produto para o consumidor deve ser clara e precisa e quando a "publicidade não quer assumir a sua qualidade é atividade que, de uma forma ou de outra, tenta enganar o consumidor. E o engano, mesmo o inocente, é repudiado pelo Código de Defesa do Consumidor.". (GRINOVER, 2007, p. 281)

Logo, sendo enganosa qualquer modalidade de informação, de caráter publicitário, capaz de induzir em erro o consumidor, significando a potencialidade lesiva da mensagem veiculada, é forçoso concluir pela incidência do CDC a fim de tutelar os direitos dos consumidores, relevados a parte frágil da relação contratual.


Conclusão

O que se pretende com o labor despendido no presente trabalho é alertar para o risco que passa despercebido pela sociedade. Frisa-se que a cerveja "sem álcool" é um produto que trouxe uma alternativa para o consumidor privado ao consumo da cerveja "com álcool".

Enfim, o que se busca é o enquadramento das empresas que fabricam tal produto à nova realidade imposta pelo Estado, conciliando os objetivos econômicos com os direitos dos consumidores.


Notas

1Disponível em: <http://portal.saude.gov.br/portal/aplicacoes/noticias/default.cfm?pg=dspDetalheNoticia&id_area=124&CO_NOTICIA=10320>. Acesso em: 15 mai. 2009.

2 - O Estado de São Paulo. Disponível em: <http://www.estadao.com.br/estadaodehoje/20080808/not_imp219804,0.php>. Acesso em: 13 dez. 2008.

3 – Disponível em: <http://www.cisa.org.br/UserFiles/File/cartilha_alcool.pdf>. Acesso em: 12 dez. 2008.

4 – Disponível em: <http://www.cisa.org./categoria.html?FhldCategoria=4a2029b6b81f33f763ab1312478577a6&ret=&>. Acesso em: 09 nov. 2008.

5 - Leyton V, Greve JMD’A, Carvalho DG, Muñoz DR. Perfil epidemiológico das vítimas fatais por acidente de trânsito e a relação com o uso do álcool. Saúde, Ética & Justiça, São Paulo. 2005;10(1/2):12-8. Disponível em:

<http://www.fm.usp.br/iof/revista_2005/03_perfil_epi>. Acesso em: 12 jul. 2008.

6 - O Globo. Disponível em:

<http://oglobo.globo.com/sp/mat/2008/07/31/acidentes_de_transito_matam_mais_do_que_homicidios_em_sao_paulo-547501370.asp>. Acesso em: 22 fev. 2009

7 - A maioria dos dados e informações foram coletados no website da CISA (Centro de Informações sobre Saúde e Álcool), uma ONG sem fins lucrativos que visa a obtenção de informações sobre o binômio saúde e álcool por meio de publicações nacionais ou internacionais. <www.cisa.org.br>.

8 - O custo anual dos acidentes de trânsito nas rodovias brasileiras alcançou a trágica cifra de R$ 22 bilhões de reais, correspondente a 1,2% do PIB brasileiro. Dados de 2005. <http://apache.camara.gov.br/portal/arquivos/Camara/internet/publicacoes/estnottec/tema14/2007_2199.pdf>. Acesso em: 11 dez. 2008.

9 – Agência Brasil. Disponível em: <http://www.agenciabrasil.gov.br/noticias/2008/11/21/materia.2008-11-21.4414609373/view>. Acesso em: 24 abril 2009.

10 - Disponível em: <http://portal.saude.gov.br/portal/aplicacoes/noticias/default.cfm?pg=dspDetalheNoticia&id_area=124&CO_NOTICIA=10192>. Acesso em: 23 jul. 2009.

11 - No site da CISA, estão disponíveis duas tabelas, sendo uma destinada às mulheres e a outra aos homens, nas quais apresentam valores aproximados de alcoolemia em gramas de etanol por litro de sangue (g/l). <www.cisa.org.br>.

12 - Associação PRO TESTE Consumidores. Disponível em:

<http://www.proteste.org.br/map/src/468621.htm>. Acesso em: 15 jan. 2009.

13 - ICAP – Internation Council on Alcohol Polices. Disponível em: <http://www.icap.org/PolicyIssues/DrinkingandDriving/BACTable/tabid/199/Default.aspx>. Acesso em: 10 set. 2008.


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SANTOS, Lucas Gabriel Molina dos; LORENZONI NETO, Antônio. Publicidade enganosa: da relação de consumo da cerveja sem álcool. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 14, n. 2364, 21 dez. 2009. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/14052. Acesso em: 26 abr. 2024.