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Participação nos lucros e resultados (PLR).

Instituto em favor do trabalho ou do capital?

Participação nos lucros e resultados (PLR). Instituto em favor do trabalho ou do capital?

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"Nem só de pão viverá o homem..."

Matheus 4:4.

SUMÁRIO: 1. Introdução. 2. O surgimento do capitalismo industrial. 3. O sistema capitalista e suas formas de superar as crises cíclicas. 4. O sistema toyotista de produção e a desarticulação dos trabalhadores. 5. A real finalidade da participação nos lucros e resultados. 6. Conclusão.


1. Introdução

Em toda negociação entre capital e trabalho, verificamos inexoravelmente a resistência dos detentores dos meios de produção em concederem aos trabalhadores aumentos salariais significativos que impliquem em melhorias nas condições de vida do operariado. Essa realidade se faz presente desde os primórdios da sociedade capitalista, sendo que as justificativas para manter a exploração variam de acordo com a conjuntura política e social, mantendo, no entanto, a mesma fundamentação retórica e ideológica, quais sejam, a incerteza do futuro e a vedação à distribuição de riquezas.

Em tempos de recessão ou de crises do sistema, como a que atualmente assombra o capital e cujo estopim foi justamente a especulação financeira, nos deparamos com a resistência patronal justificada retoricamente pela incerteza do futuro e previsões com tons messiânicos de que haverá retração no consumo e escassez de trabalho. Nestas situações resta somente aos trabalhadores lutarem arduamente para apenas recompor a massa salarial, buscando recuperar as perdas sofridas durante o período anterior.

Mas e nos momentos em que a economia cresce vertiginosamente, há alteração no discurso patronal? Não. Infelizmente, nestes períodos, a resistência do capital às vezes se torna até mais implacável. E é justamente nestes períodos que verificamos que as entidades sindicais mais se fragilizam. O que ocorre então? Porque, não obstante as reivindicações sindicais de valorização da massa salarial devido o crescimento da economia e da riqueza produzida, é exatamente neste período que a resistência coletiva se torna mais frágil?

Em períodos de pujança econômica, os trabalhadores são levados a crer que há distribuição de riqueza e redução do nível de exploração através da concessão de "benefícios" que os permitem sonhar momentaneamente com a satisfação de seus desejos consumistas. A cultura do consumismo desenfreado os faz acreditar que uma vida feliz é obtida através da aquisição de bens e que de acordo com os itens de consumo adquiridos se define a hierarquia da pirâmide social à qual o indivíduo pertencerá.

Através do controle social que outrora foi exercido pela doutrina da Igreja Católica e que hoje é efetuado pelos meios de comunicação de massa, os detentores dos meios de produção conseguem então sustentar-se no poder econômico e político, mantendo a exploração da força de trabalho nos mesmos patamares.

No presente estudo, nos limitaremos a analisar o desvirtuamento do instituto da Participação nos Lucros e Resultados, que passaremos a denominar simplesmente como PLR, instituto justrabalhista que originariamente foi um pleito dos trabalhadores e que hoje vem provocando o desmantelamento da solidariedade de classe e consequentemente das entidades sindicais.

A relevância do tema está no fato de que o instituto da PLR vem sendo utilizado como instrumento de flexibilização de direitos trabalhistas com o objetivo de obtenção de maior margem de lucro pelo capital, bem como método de desarticulação dos sindicatos, impactando todo o universo de trabalhadores.

A PLR estabelece competição entre os trabalhadores, o que causa a quebra da unidade de classe e, consequentemente, o enfraquecimento das entidades sindicais. O sindicato fraco não protege os trabalhadores representados propiciando o aprofundamento das políticas de flexibilização e desregulamentação. Além disso, a PLR causa danos à saúde psicológica dos trabalhadores ao transferir a estes os riscos da atividade econômica, violando assim o princípio da assunção dos riscos consagrado pelo art. 2º da CLT.

O Direito do Trabalho surgiu como instrumento jurídico para proteger a parte hipossuficiente da relação de trabalho, visando minimizar o desequilíbrio natural da relação capital x trabalho. A PLR, por sua vez, originou-se de uma reivindicação dos trabalhadores para que fosse distribuída a riqueza produzida diminuindo-se assim as desigualdades sociais.

A ciência do direito, como ciência social aplicada, não pode permitir o desvirtuamento de seus institutos, e o Direito do Trabalho não pode esquivar-se de seu objetivo primordial de proteção, admitindo a flexibilização ou desregulamentação dos direitos sociais em prol de política neoliberal.

Somente sindicatos fortes e atuantes poderão brecar a flexibilização e desregulamentação dos direitos. Fórmulas que quebram a solidariedade de classe necessária para atuação sindical, somente auxiliam na prática neoliberal.

Utilizaremos como marco teórico, no presente estudo, os princípios constitucionais da valorização do trabalho e do fim social da propriedade privada, além do conceito marxista de mais valia.

Para possibilitar a real compreensão do desvirtuamento do instituto da PLR e as suas consequências, estudaremos o surgimento do sistema capitalista, suas crises e formas de superação, a organização dos trabalhadores, o ideário neoliberal, o sistema toyotista e a desarticulação sindical, a formação do instituto da PLR no mundo e no Brasil e seu impacto na organização sindical e nas normas jus trabalhistas.

Por fim, iremos comparar dados do IBGE e do Sindicato dos Trabalhadores nas Indústrias Metalúrgicas, Mecânicas e de Material Elétrico de Belo Horizonte, Contagem e Região para demonstrar que a PLR tal como praticada visa atender os interesses do capital e iremos propor alternativas para evitar o desvirtuamento do instituto.


2. O surgimento do capitalismo industrial

Somente na sociedade capitalista de produção é que surge a pedra de toque do Direito do Trabalho, qual seja, a subordinação jurídica. Nos períodos anteriores, após o trabalho e os meios de produção deixaram de ser comunitários, o trabalhador subordinava-se aos donos do meio de produção de maneira fática, sendo que esta subordinação atingia sua esfera pessoal, social, religiosa e familiar.

Após a queda do império romano, os países de tradição ocidental adotaram o modo de produção feudal, no qual o trabalhador servo estava atrelado à terra, onde produzia para o senhor do feudo, para si e para sua família. Nesta época raramente utilizavam-se moedas, sendo a produção de subsistência, trocava-se o excedente produtivo em feiras semanais locais, realizadas inicialmente dentro dos limites do feudo.

No entanto, a troca de mercadorias era demasiadamente restrita, sendo coibida pelos senhores feudais e pela Igreja Católica.

Através das Cruzadas, guerras que se iniciaram no século X e se caracterizaram pela disputa de territórios entre cristãos e mulçumanos, foi reativado o escambo de mercadorias entre culturas distintas. Isto favoreceu o surgimento de rotas comerciais e fomentou a criação de burgos, cidades muradas onde viviam e comerciavam os mercadores. No século XI, pesos, medidas, moedas foram padronizados e o comércio evoluiu. No século XII, a Europa se transformou devido o aquecimento comercial, deixando de se caracterizar como sociedade primordialmente agrária.

Com o crescimento destas cidades, o artesanato e a manufatura deixaram de ser para satisfazer as necessidades pessoais dos servos e senhores feudais, tornando-se profissão. Nas aldeias e cidades, estabeleceram-se artesãos que possuíam pequenas oficinas em suas casas e manufaturavam a matéria prima para vendê-las. Nesta época, o artesão era dono da matéria prima e da ferramenta de trabalho e se especializava na produção de um produto específico.

Os artesãos admitiam jovens aprendizes que com eles residiam para aprender o ofício. Após a aprendizagem, os jovens tornavam-se artesãos com oficina própria. Inicialmente estes jovens de doze, treze anos, auxiliavam e aprendiam com os mestres artesãos, sendo denominados ajudantes ou jornaleiros, depois se tornavam aprendizes e posteriormente mestres de sua própria oficina. As famílias deixavam o jovem residindo com o mestre para aprender o ofício e em contrapartida forneciam uma pequena contribuição anual. O jovem contribuía com o trabalho e o mestre retribuía com o conhecimento passado, fornecimento de moradia, comida e roupas.

No início havia igualdade entre os artesãos. Com o desenvolvimento deste comércio, os mestres de determinados ofícios passaram a se organizar em corporações de ofício e monopolizar na região o determinado ofício. Assim, um mestre confeiteiro, por exemplo, só poderia produzir bolos na cidade de Paris se pertencesse à corporação de ofício de confeiteiros de Paris.

Os mestres passaram a explorar o trabalho de aprendizes e jornaleiros, passando apenas à comprar a força de trabalho destes, acabando a igualdade entre eles. Por sua vez, os trabalhadores forçados a vender sua força de trabalho para sobreviverem devido à crise agrícola que se estabeleceu com o declínio do feudalismo [01], se indignaram e passaram a formar suas próprias corporações de jornaleiros que incluíam também os aprendizes, formando o embrião do que hoje conhecemos como Sindicatos. Através de suas corporações, os jornaleiros estabeleciam condições mínimas de trabalho, uma vez que, com o crescimento do comércio, um mestre não conseguia produzir tudo sozinho.

Nesta época as cidades se desenvolveram demasiadamente e os camponeses saíram dos feudos para prestar trabalho nas cidades, mas quem não pertencesse à corporação de jornaleiros não podia exercer o ofício.

Como estavam miseráveis devido à profunda crise do sistema feudal, sem de onde tirar o próprio sustento, os camponeses aceitavam qualquer remuneração em troca de trabalho. Assim, surge a figura do intermediador da produção.

No século XVI, os intermediadores levavam na casa dos camponeses, que não pertenciam às corporações dos jornaleiros, matéria prima e as ferramentas de trabalho. Estes então, em suas casas, transformavam a matéria prima e vendiam ao intermediário que posteriormente somente comercializava o produto. Surge assim a primeira forma de organização fabril que se caracterizava por ser descentralizada.

Os intermediadores então formaram corporações de mercadores que monopolizam o comércio em uma determinada cidade, sendo este o embrião das primeiras companhias de sociedade anônima. Nesta época ocorre a "descoberta" das Américas e estabelece-se a corrida mercantilista em busca de matérias primas e mercado consumidor nas Américas, Índia, África, Ásia.

O rei era o senhor feudal supremo que arrendava terras à outros senhores feudais, denominados vassalos que compunham a nobreza. No período feudal, o Direito se configurava como a vontade exclusiva do Rei, da nobreza e da Igreja Católica.

É importante destacar que neste período há quase que exclusivamente o desenvolvimento do Direito Canônico, o que demonstra a arbitrariedade que todos os indivíduos, não pertencentes à classe da nobreza ou eclesiástica, estavam sujeitos.

Com o declínio do modo de produção feudal e o fortalecimento do comércio, os comerciantes, agora denominados burgueses e que provinham da plebe, passam a possuir poder econômico e a pleitear o poder político.

Surgem as ideias iluministas, que provocam verdadeira revolução cultural e inspiram a revolução política da burguesia em 1789 (Revolução Francesa). Desejando extirpar a herança do Direito feudal, a nova classe detentora do poder econômico e político impulsiona uma nova forma de organização política e social.

O poder deixa de ser descentralizado, unificam-se os territórios, criam-se os Estados Nacionais, assim regiões antes divididas em feudos tornam-se nações.

A administração do país passa a ser centralizada em torno de um Estado Nacional, pautado pela normatização jurídica e não mais pela arbitrariedade. No entanto, o Direito, como reflexo dos ideais e anseios da classe dominante, não deixou de cumprir o seu papel histórico. Os textos constitucionais desta época criaram e implantaram o Estado Liberal de Direito, pautado pela primazia da sociedade privada, pela igualdade meramente formal [02], pela liberdade do comércio e liberdade individual, desde que o cidadão apto ao exercício destes direitos seja detentor de poder econômico. O objetivo do Estado Liberal é controlar o Estado para que este não intervenha na esfera privada dos burgueses e não prejudique o comércio.

Faz-se mister salientar que todas as organizações sociais e a normatização delas advindas cumprem historicamente o mesmo papel de atender os interesses da classe que detém o poder econômico e político e o Estado Liberal não deixou de cumprir este papel.

A autora Wanise Silva assim define o Estado:

"Como o Estado é o Estado da classe dominante, são as idéias dominantes em cada época. As idéias dominantes parecem ter validade para toda a sociedade, isto é, também para as classes submetidas e dominadas. Forja-se a ilusão histórica de que cada época da vida social resulta não de determinados interesses materiais de uma classe, mas de idéias abstratas como as de honra e lealdade (na sociedade aristocrática) e as de liberdade e igualdade (na sociedade burguesa)." [03]

Até os dias de hoje, das experiências socialistas às supostamente democráticas capitalistas, incluindo os Estados Sociais da Era Dourada, período assim definido pelo historiador Eric Hobsbaw, [04] mesmo após a evolução da produção científica e intelectual, nunca verificamos a existência verdadeira de um modelo de Estado que visasse atender a maioria dos cidadãos.

Com a tomada do poder político que consolidou definitivamente o poder econômico da burguesia, o Estado e o Direito passaram a servir aos interesses do capital, iniciando um novo período histórico denominado posteriormente de Idade Contemporânea, fundamentado no individualismo e exploração dos indivíduos não detentores dos meios de produção.

No século XVIII, as fábricas estavam massificadamente implantadas na Europa, os camponeses, antes dispersos em unidades fabris domésticas, foram empregados na indústria e tornam-se proletários.

No século XIX ocorre a primeira revolução industrial na Inglaterra. Em março 1776, o Sr. Watt inventa a máquina à vapor. Em 1800 esta máquina está amplamente difundida na Inglaterra, passando a ser instrumento essencial nas unidades fabris europeias.

Para organizar o sistema fabril, diminuir custos, aumentar a produção e o lucro, o capital reúne os trabalhadores em grandes fábricas. Estes passam a morar em cortiços em torno das fábricas. Surge o modelo taylorista de produção que se caracteriza pela organização dos trabalhadores em grandes unidades fabris. Fábricas verticais, ou seja, que transformavam a matéria prima em produto final, onde toda a etapa de produção está centralizada em uma única unidade fabril. Extingue-se o tempo morto, ou seja, não pode haver tempo sem produção, as máquinas ficam ligadas produzindo ininterruptamente.

Ocorre a divisão do trabalho, o proletário não produz o produto inteiro, mas apenas uma parte da mercadoria. Este fenômeno é denominado alienação do trabalhador, pois retira a sua criatividade e ele passa à não ter conhecimento para produzir um produto inteiro. O trabalhador é forçado a se tornar também consumidor para sobreviver.

As jornadas de trabalho são demasiadamente extensas e cansativas, chegando até a dezoito horas de trabalho. São utilizadas meias forças que são crianças e mulheres que fazem o mesmo trabalho de um homem adulto e recebem apenas metade da remuneração pela venda da força de trabalho. Nesta época até crianças de apenas dois anos trabalhavam conforme relatos de Leo Huberman. [05]As condições de vida e trabalho são miseráveis, não há nenhum direito garantido aos trabalhadores.


3. O sistema capitalista e suas formas de superar as crises cíclicas

Como nos demais sistemas de produção outrora vigentes que não se fundamentam no trabalho comunitário, o capitalismo é calcado na exploração do trabalho. No capitalismo, a força de trabalho é empregada para transformar a matéria prima em bens de consumo que são vendidos pelo capital.

O trabalho é uma eterna necessidade entre os homens, é o meio pelo qual o homem modifica a natureza e extrai os insumos necessários à sua sobrevivência. O trabalho alienado é ato do processo de acumulação do capital que se identifica como forma de controlar os meios de subsistência. No modelo capitalista de produção o trabalhador se torna necessariamente consumidor e como não detém os meios de produção e a matéria prima, que estão concentrados nas mãos dos capitalistas, coloca a venda seu único meio de sobrevivência que é a sua força de trabalho.

O lucro é obtido através da extração da mais valia [06], que é o excedente do tempo de trabalho socialmente necessário para pagar o valor indispensável para a força de trabalho se reproduzir. A força de trabalho é vendida pelo trabalhador para que este possa extrair os meios de sua subsistência. No modo de produção capitalista, o trabalhador se torna vendedor e consumidor. Assim, para comprar os produtos necessários à sua sobrevivência ele somente dispõe de sua força de trabalho para vender. Esta força de trabalho é comprada pelo proprietário dos meios de produção (detentor da matéria prima e das ferramentas de trabalho), denominado burguês ou capital.

A mais valia é, então, a diferença entre o valor de compra da força de trabalho e o valor obtido com a venda da mercadoria por ela produzida. Assim, quanto menos se paga para a força de trabalho, maior é o lucro.

A extração de mais valia foi possibilitada através da divisão do trabalho que é uma das principais formas de sua exploração. A divisão do trabalho é a estratégia de separação entre a atividade intelectual e manual, entre quem pensa e quem executa o trabalho. É a forma de alienação do trabalhador.

O sistema capitalista de produção se baseia no lucro e na propriedade privada. No entanto, ao contrário do que difundem os defensores do ideário neoliberal, a crise do capitalismo não é casual e sim decorrente da lógica do sistema. O capitalismo é um sistema predatório, que se baseia na concorrência entre os proprietários dos meios de produção, o que gera a instabilidade permanente do sistema, levando-o à um desenvolvimento irregular e à crises constantes, cíclicas, históricas.

O autor Zéu Sobrinho assim esclarece a lógica do sistema capitalista:

"A crise do modo de produção capitalista é discutida por Marx no debate sobre a reprodução, simples e em escala ampliada, e baseia-se na tese de que a concorrência imprime uma tensão, uma instabilidade permanente ao capitalismo, levando-o a um desenvolvimento irregular." [07]

A expansão do capitalismo é antecedida por uma fase na qual o capital de vê acumulado e ocioso, de acordo com os ensinamentos de Mandel. [08] A acumulação leva o capital a investir na produção para obtenção de uma margem de lucro superior à taxa média (superlucro). Isto somente é obtido através de uma redução dos custos. Esta redução, por sua vez, é obtida através de inovações tecnológicas, melhor produtividade, redução do valor da força de trabalho. Cada ciclo capitalista contempla uma expansão e uma contração. Após o momento de expansão verifica-se, inexoravelmente, uma fase de superprodução e consequente crise, na qual há diminuição do consumo e um excedente de produção, assim há, inevitavelmente, uma fase de contração do capitalismo.

A superprodução se dá, pois o sistema se torna tão eficiente e tão produtivo, mas, em contrapartida, reduz tanto os custos da força de trabalho que impossibilita o consumo.

No entanto, esta não é a única contradição do sistema capitalista. A aglomeração dos trabalhadores em grandes unidades fabris em péssimas condições gera um sentimento de união e solidariedade entre estes. Assim o trabalhador percebe que sozinho nenhuma de suas reivindicações será atendida, pois o capital, devido o impacto que suas ações ou omissões causam no conjunto de trabalhadores e na sociedade, caracteriza-se como um ser coletivo. Os trabalhadores passam então a fazer reivindicações de forma coletiva.

A primeira reação coletiva dos trabalhadores foi contra as máquinas, eles entendiam que suas péssimas condições de vida são decorrentes da implantação da máquina a vapor e passaram a destruí-la. Este movimento que se difundiu na Europa foi denominado Ludismo.

Ao perceberem que não são as máquinas responsáveis por suas péssimas condições de vida e sim os proprietários destas, os trabalhadores iniciaram o movimento Cartista, que consistia em enviar cartas ao parlamento pedindo melhores condições de vida e trabalho. Mas nada se altera e os trabalhadores percebem que os detentores do poder político são os próprios capitalistas. Ao perceberem este fato, passam a lutar por direitos políticos também. Surgem as ideias socialistas e os trabalhadores buscam formas de se organizar e minimizar o impacto da exploração do capital.

As grandes potências capitalistas da época, Alemanha, Inglaterra, França, Áustria Hungria entraram em conflitos mundiais por mercador consumidor. Este período é denominado duas grandes guerras mundiais, guerras que pela primeira vez na história se dão em escala mundial, que são tipicamente capitalistas e que se justificavam pela necessidade de garantir o escoamento da produção uma vez que a revolução industrial trouxe a produção em massa. [09]

A guerra trouxe miséria, fome, doenças. Com a ampla difusão dos ideais socialistas e as condições de miserabilidade e revolta provocadas pela Primeira Guerra, ocorre em 1917, na Rússia, a revolução dos trabalhadores que instaura a ditadura do proletariado denominada sistema comunista.

No período entre guerras, em 1929, o capitalismo entra em crise por excesso de produção e declínio vertiginoso do consumo. Após a Segunda Guerra capitalista, como aprimoramento em busca de maior lucratividade, ocorre nova reorganização produtiva, denominada modelo fordista de produção, que introduz a esteira nas fábricas possibilitando o controle do ritmo da produção. O consumo passa a ser em massa e as fábricas passam a possuir grandes estoques.

Neste mesmo período, para evitar que a revolução dos trabalhadores se tornasse mundial, o capital, com o intuito de se manter no poder e evitar a revolução operária, cede à algumas reivindicações dos trabalhadores. Surge o Direito do Trabalho, o Direito Previdenciário, a OIT (Organização Internacional do Trabalho), ou seja, surge o arcabouço jurídico denominado Direito Social ou segunda geração dos direitos fundamentais.

O objetivo era conceder direitos aos trabalhadores, mesmo que isto implicasse na diminuição do lucro, e assim frear as manifestações. Na Alemanha estes direitos são instituídos em 1919 e depois estendidos por Hitler, no Brasil isto ocorre em 1937 com a CLT de Getúlio Vargas.

A lógica de alimentação do sistema capitalista, no período fordista, era transformar o trabalhador em empregado e este em consumidor. Na década de 60 os trabalhadores, rompendo com o pacto fordista, passam a exigir sua cota pela riqueza construída e questionam o sistema diretivo pleiteando a co-gestão. Nesta mesma época ocorreu queda das taxas de lucro provocada pela defasagem entre a produção e o consumo (superprodução). A crise do petróleo de 1972/1973, agravada em 1978/1979 aprofunda a retração do consumo e comprova a tese da crise cíclica do sistema.

O sistema, então, ataca brutalmente o movimento operário, pois o considera como um dos problemas que desencadeia a crise uma vez que os trabalhadores, em conjunto com a sociedade civil, fazem reivindicações em um período que, sob a ótica do sistema, deveriam se reduzir custos. No Brasil isto ocorre nas décadas de 80/90.

Com a queda do regime soviético, a descrença nas teorias marxistas, bem como o alto índice de desemprego que forma enorme exército de reserva (mão de obra inativa), critica-se o modelo de Estado Social, alardeando-se a retomada das ideias liberais, difundindo-se assim o ideário neoliberal.

"(...) o neoliberalismo no poder resolveu a crise inflacionária. Ele conseguiu isso revertendo completamente as condições no mercado de trabalho. O desemprego tornou-se de massa e com duração cada vez maior. Os sindicatos perderam prerrogativas e garantias legais de estabilidade no emprego foram enfraquecidas, quando não revogadas. Em poucos anos, o movimento operário sofreu derrotas decisivas nos principais países desenvolvidos." [10]

A primeira resposta do sistema para superar novamente a crise, no plano de organização produtiva, foi a automação que se mostrou cara e desnecessária. A fragilização dos Sindicatos provocada pelo aumento assombroso da taxa de desemprego e a submissão do exército de reserva auxiliaram na busca de soluções para redução de custos. Foi então implantado o sistema toyotista de produção. A fábrica de rígida, grande, verticalmente hierarquizada, estável tornou-se enxuta, flexível, horizontal.


4. O sistema toytista de produção e a desarticulação dos trabalhadores.

Este novo modelo de produção toyotista é pautado no princípio de desfragmentação das empresas para diminuir os custos. Surgem as ilhas de produção, outras empresas fabricam parte dos produtos que serão finalizados pela empresa controladora do ciclo produtivo. O consumo continua massificado, porém o estoque é zero, só se produz as mercadorias já negociadas. Os produtos se tornam mais baratos e sofisticados, mas com menor durabilidade, tudo para incentivar o consumo. Surgem os programas de qualidade total caracterizados pela alta tecnologia e sofisticação dos produtos.

No sistema fordista de produção, calculavam-se os custos, projetava-se o lucro e depois fixava-se o preço. No modelo toyotista estima-se os preços cada vez menores, fixa-se os lucros e cortam-se os custos, geralmente através do corte dos direitos trabalhistas.

Com a terceirização, forma organizativa essencial do modelo toyotista, além do estoque de mercadorias, o estoque de mão de obra é zero, flexível, sendo utilizado somente quando necessário, de acordo com as variações de mercado.

Com a automatização propiciada pela nova revolução industrial que denominaremos digital, passa a ser exigido como fator determinante para se colocar no mercado de trabalho a qualificação, ou seja, a adequação do trabalhador à máquina. Esta ainda ameaça o trabalhador que teme que seu trabalho seja dispensável devido à evolução tecnológica ou que seja substituído por trabalhador mais jovem e mais adaptável à máquina. O trabalhador mais jovem possui custo mais baixo uma vez que geralmente está em busca do primeiro emprego ou colocação no mercado de trabalho, sujeitando-se à condições precárias. Este temor entre os trabalhadores provoca a competição entre eles, que buscam, de forma individual, quase clandestina, o aprimoramento profissional.

O trabalhador mais qualificado tecnologicamente é individualizado e empresarialmente útil. Assim possui valor específico e opta por negociar pessoalmente suas condições laborais, dispensado o apoio do Sindicato. Porém, estes trabalhadores, embora exerçam múltiplas funções e eliminem, mesmo que inconscientemente vários postos de trabalho, são minoria. Os trabalhadores não qualificados, por sua vez, buscam proteção coletiva uma vez que isoladamente não possuem força de pressão diante do empregador. Entretanto, o universo dos trabalhadores desmaterializa e dificulta esta proteção vez que não há mais homogeneidade de condições de vida e trabalho.

O tempo de trabalho tem uma nova concepção, individual, fragmentado, heterogêneo, o que coletivamente gera problemas de coordenação e consequentes condições necessárias à integração social.

A negociação individualizada gera distorções e heterogeneidade conforme nos esclarece Carlos Chiarelli.

"E se o trabalhador, individualmente considerado, fragilizar-se negocial e empregaticiamente, com ele – posto que a sua situação análoga a de outros – enfraquece-se o grupo operário e, por decorrência, o sindicato de que faz (ou poderia fazer) parte." [11]

Como as fábricas são divididas, os trabalhadores são incitados a competirem entre si. Quebra-se o sentimento de solidariedade de classe, através de políticas de terceirização, metas de produção, remunerações variáveis, participação nos lucros e resultados, negociações individualizadas.

Experiências como a da categoria dos trabalhadores da Copasa nos demonstram as consequências arrasadoras das metas de produção e remunerações variáveis.

No período em que tivemos a oportunidade de assessorar as negociações coletivas do Sindágua/MG, verificamos que a Copasa somente admitia a concessão de aumento real através de uma parcela denominada GDI (gratificação de desenvolvimento institucional). Tal parcela incorporava-se ao salário, porém não era linear, não sendo concedida em um mesmo percentual para todos os trabalhadores da empresa.

O percentual da referida gratificação era mensurado de acordo com o IDI (índice de desenvolvimento institucional) de cada unidade da Copasa. Este índice se propunha à mensurar a redução de custos de cada ilha de produção. Para obtenção de tal índice, eram considerados o consumo de luz, água e até papel higiênico de cada unidade, além do total de consumidores inadimplentes, dentre outros fatores.

Embora o Sindicato tenha envidado enormes esforços para não atrelar o aumento real ao IDI e tenha sido deflagrada greve no ano de 2003 devido ao referido atrelamento, o movimento paredista foi completamente desarticulado por trabalhadores de unidades cujo IDI possibilitava maior aumento real. As assembleias realizadas sequer autorizavam o Sindicato à demandar judicialmente para impedir a imposição do empregador. Assim, o sentimento de solidariedade foi completamente destruído e o Sindicato não teve condições de impedir a instituição da remuneração variável que perdura até os dias de hoje, além dos riscos do empreendimento teriam sido repassados aos trabalhadores, contrariando o disposto na CLT. [12]

Com tais medidas, os Sindicatos se enfraquecem e assim cria-se terreno fértil para a desregulamentação e flexibilização dos direitos dos trabalhadores. A proposta neoliberal consiste em retirar direitos estabelecidos através de normas heterônomas estatais para negociá-los posteriormente de forma individualizada. Ocorre que esta negociação não se dá de forma equilibrada, uma vez que é efetuada individualmente ou com Sindicatos enfraquecidos.

"(...) ao se fragmentar, a empresa também fragmenta o movimento operário; mas, ao se recompor, formando a rede não o recompõe (...) Na medida em que a fábrica se dissemina, o sindicato perde a referência, o seu contraponto (...) Hoje, os trabalhadores – especialmente os terceirizados – vagam no espaço e no tempo. Vão e voltam, passando do emprego ao desemprego, ao subemprego e a um novo emprego, numa relação de permanente curto-circuito. É difícil identifica-los e reuni-los, pois o sindicato não tem a mesma plasticidade." [13]

A descentralização das atividades empresariais também fragmenta o universo operário. O setor terciário, fruto da globalização, aumenta diminuindo-se consideravelmente o operariado industrial.

De acordo com dados do autor Túlio Massoni, no final do século XX, os empregos no setor de serviços atingiu 70%. [14] Ocorre que é uma característica dos trabalhadores no setor de serviço a competição acirrada entre eles e o individualismo exacerbado, valores estes baseados na qualificação pessoal, desempenho profissional e ascensão social, cultura gerada pela solidão.

A reivindicação deixou de ser homogênea, pois não há mais a composição de um todo homogêneo cujos membros enfrentavam as mesmas dificuldades de vida e trabalho, impossibilitando a emancipação dos trabalhadores unidos por definição.

"(...) a fragmentação resultante da introdução de relações de trabalho atípicas e precárias, que cria uma diversidade de ocupações até então desconhecidas, debilita o poder do sindicato. A antiga ‘comunhão de interesses’ desaparece ante a atomização das atividades produzidas pelo teletrabalho, por novas formas de trabalho em domicílio, pelo trabalho informal." [15]

As empresas passam a dar ampla ênfase à remuneração estratégica que passa a ser adotada conforme atingimento de metas e resultados. A PLR é um exemplo clássico disto. Os Sindicatos encontram dificuldades de gerenciar as negociações coletivas e encontrar uma linguagem comum para interesses divergentes dos trabalhadores, acentuada pelo crescimento da mão de obra especializada e individualizada.

"Observa-se, portanto, um declínio de valores coletivistas e igualitários. Rejeita-se a crença de que o bem-estar e felicidade individual são alcançáveis por meio do bem estar coletivo e se valoriza o individualismo, a competição e o mérito." [16]

A burocratização dos Sindicatos dificulta sua atuação, pois distancia seus dirigentes da base, afastando os trabalhadores. A fragilização dos Sindicatos se deve a perda de representatividade. Assim é necessário criar uma nova mentalidade dos trabalhadores.

"O sindicato não é apenas uma organização de representação de trabalho assalariado, mas um ator social que expressa a identidade global dos trabalhadores em seu conjunto, relacionando-se com os demais atores sociais e políticos. [17]

(...) o movimento sindical é condição essencial para a preservação e mesmo ampliação da democracia na sociedade e, em especial, de garantia para a instituição da cidadania no mundo do trabalho. [18]

É necessário que as entidades sindicais busquem novas formas de organização para superar os obstáculos criados pelas estratégias neoliberais. O Direito do Trabalho, como fruto direto da luta sindical, necessita da rearticulação desta para continuar cumprindo seu papel histórico de proteção dos trabalhadores face à exploração do sistema capitalista.


5. A real finalidade da participação nos lucros e resultados

O instituto de Participação nos Lucros e Resultados surgiu dos ideais políticos operários de distribuição igualitária da riqueza produzida. No entanto, é necessário esclarecer que as lutas sindicais iniciais reivindicavam condições humanas de trabalho, tal como remuneração mínima, jornada de trabalho que assegurasse também o descanso e o lazer, medidas de saúde e segurança, bem como liberdade de organização e poder político aos trabalhadores.

Com o surgimento do Estado Social de Direito, devido ao temor do avanço do comunismo, houve fortalecimento dos Sindicatos e criação de diversos direitos dos trabalhadores através de diplomas normativos heterônomos e autônomos. No auge do sindicalismo europeu, na década de 60, os Sindicatos sistematicamente passaram a pleitear a distribuição da riqueza produzida. Após árdua resistência do capital, que utilizou o argumento de que a riqueza fora produzida pela propriedade privada e que o risco do empreendimento era dos proprietários dos meios de produção, a participação nos lucros começou a ser adotada pelas empresas adeptas ao modelo toyotista.

Para compreendermos esta estranha mudança de posição ideológica com relação ao instituto, se faz mister dissertar acerca da evolução da participação nos lucros e seus objetivos, tanto para os trabalhadores, quanto para os empregadores.

A primeira menção histórica do instituto da PLR situa-se em 1812 na França, quando Napoleão Bonaparte assegurou aos artistas de teatro de comédia o direito na participação nos lucros.

Em 15 de maio de 1891, a Igreja Católica, através do Papa Leão XIII, edita a encíclica Rerum Novarum que trata exclusivamente da condição dos operários, documento este que tinha como objetivo difundir a doutrina da Igreja. Neste documento condena as ideias socialistas e as pretensões políticas dos trabalhadores.

"Os socialistas, para curar este mal, instigam nos pobres o ódio invejoso contra os que possuem, e pretendem que toda propriedade de bens particulares deve ser suprimida, que os bens de um indivíduo qualquer devem ser comuns a todos, e que a sua administração deve voltar para os municípios ou para o Estado. Mediante esta trasladação das propriedades e esta igual repartição das riquezas e das comodidades que elas proporcionam entre os cidadãos, lisonjeiam-se de aplicar um remédio eficaz aos males presentes." [19]

É de suma importância ressaltar que para a Igreja Católica a solução para o problema da miséria não é a instigação dos pobres, inserindo neles pensamentos "invejosos". Para a Igreja Católica os trabalhadores não poderiam refletir sobre as motivações das desigualdades sociais, deveriam sim aceitá-las sem qualquer hesitação, como se a sua condição social fosse uma vontade divina incontestável.

Após a grave crise desencadeada pela Primeira Guerra Mundial e a queda da bolsa de Nova York em 1929, em 15 de maio de 1931, a Igreja, através do Papa Pio XI, edita a encíclica Quadragésimo Anno que em 1961, no auge do Estado Social de Direito, é reafirmada pela Encíclica Mater Et Magistra. Estes dois documentos reafirmavam a posição da Igreja com relação ao socialismo e as pretensões políticas dos trabalhadores e apresentavam a participação nos lucros como forma de fazer justiça social e livrar o mundo do mal do comunismo.

"Para vir agora ao particular, começamos pelo direito de propriedade. Sabeis, veneráveis irmãos e amados filhos, que Leão XIII, de feliz memória, defendeu tenazmente o direito de propriedade contra as aberrações dos socialistas do seu tempo, mostrando que a destruição do domínio particular reverteria, não em vantagem, mas em ruína da classe operária(...)

Ora, nem toda a distribuição de bens e riquezas entre os homens é apta para obter totalmente, ou com a devida perfeição, o fim estabelecido por Deus. É necessário que as riquezas, em contínuo incremento com o progresso da economia social, sejam repartidas pelos indivíduos ou pelas classes particulares, de tal maneira que se salve sempre a utilidade comum, de que falava Leão XIII, ou, por outras palavras, que em nada se prejudique o bem geral de toda a sociedade. Esta lei de justiça social proíbe que uma classe seja pela outra excluída da participação dos lucros(...)

Cada um deve, pois, ter a sua parte nos bens materiais; e deve procurar-se que a sua repartição seja pautada pelas normas do bem comum e da justiça social." [20]

Na encíclica Quadragesimo Anno, a Igreja reafirma sua posição com relação aos objetivos políticos operários, mas tendo em vista a enorme crise na qual o sistema capitalista passava, aponta alternativas para superá-la e manter o capital no exercício do poder político e econômico. Se faz mister ressaltar que, quando da edição da Quadragesimo Anno, a URSS já estava estruturada e a ditadura do proletariado já não era mais somente uma ideologia impalpável, mas, para os olhos do mundo, uma realidade.

Assim a Igreja admite e orienta que é necessário que o capital, para se manter no poder, faça concessões aos trabalhadores, inclusive com relação à divisão dos bens produzidos.

"O que fica exposto sobre a eqüitativa repartição dos bens e sobre o justo salário diz respeito aos indivíduos, e não visa senão acessoriamente à ordem social, que o nosso predecessor Leão XIII desejou e procurou restaurar pelos princípios da sã filosofia e aperfeiçoar segundo as normas sublimes da lei evangélica." [21]

Na encíclica Mater Et Magistra, editada pelo Papa João XIII em 15 de maio de 1961, época na qual vigorava em sua plenitude o Estado Social, a Igreja Católica elabora doutrina na qual reconhece a função social da propriedade e a necessidade desta para se manter o sistema de produção capitalista.

"Outro ponto da doutrina, proposto constantemente pelos nossos predecessores, é que o direito de propriedade privada sobre os bens possui intrinsecamente uma função social. No plano da criação, os bens da Terra são primordialmente destinados à subsistência digna de todos os seres humanos (...)" [22]

Verificamos nitidamente através da doutrina católica que a defesa da função social da propriedade privada e da participação nos lucros não tinha como objetivo a distribuição de riquezas, mas sim, e tão somente, a manutenção da ordem social, ou seja, manutenção da forma de organização social instituída pelo sistema capitalista.

A instituição da segunda geração de direitos fundamentais, ou seja, dos direitos sociais tem como único objetivo brecar as manifestações operárias e os ideais comunistas, a partir da cessação das reivindicações. Este é o objetivo fundamental do Estado Social, a preservação da propriedade privada, através da atenuação das distorções sociais. Mais uma vez o Estado e o Direito cumpriram seu papel histórico de manter os detentores dos meios de produção no poder exercício pleno do poder político.

A participação nos lucros foi um pleito elaborado pelos trabalhadores a partir da verificação de que a mão de obra utilizada na produção era explorada. Cumpre mencionar que apenas a partir da teoria econômica e política marxista foi possível concluir, utilizando-se metodologia científica, que havia exploração de uma classe sobre outra e que a história da humanidade era na verdade a história das revoluções constantes de uma classe explorada e que este movimento é cíclico e eterno.

A difusão das teorias marxistas, principalmente através do Manifesto Comunista, possibilitou aos trabalhadores a compreensão da fórmula da extração de riquezas no sistema capitalista (mais valia) e consequentemente despertou o desejo da distribuição das riquezas produzidas pela classe operária a partir da compreensão de que os trabalhadores eram essenciais para sobrevivência do sistema.

O sistema capitalista se alimenta da locação de mão de obra alienada que é obrigada a comprar do próprio proprietário dos meios de produção que locou sua mão de obra, os meios de sua subsistência.

Sem o trabalhador que vende sua mão de obra, impossível se é produzir e sem o trabalhador que consome os produtos produzidos, impossível se é comerciar. Assim, o trabalhador contribui em dois momentos para obtenção dos lucros, no momento em que permite a extração da mais valia e no momento em que compra as mercadorias por eles próprios produzidas.

A previsão de pagamento de Participação nos Lucros surgiu em textos normativos em 1919 na Constituição de Weimar na Alemanha. A Constituição de Weimar é a primeira Constituição Social da Europa que possui os mesmos princípios da primeira Constituição Social, a Mexicana de 1917. A primeira constituição social brasileira é a de 1934.

Inicialmente, o capital era contrário ao pagamento de participação nos lucros afirmando que a estrutura capitalista se fundamenta no direito da propriedade privada. Alegavam ainda que os riscos econômicos do empreendimento eram do capital e que por isso os lucros não podiam ser repartidos.

Após a Segunda Guerra Mundial e a miséria por esta provocada se viu a necessidade de se reestruturar o modelo de produção. Assim, no Japão, país que saiu derrotado na guerra e sofreu graves consequências econômicas em virtude deste fato, surge o modelo toyotista de produção e é adotado o pagamento de participação nos lucros aos trabalhadores.

Com o surgimento do modelo toyotista que acabou com o sentimento de solidariedade entre os trabalhadores, verificou-se que a participação nos lucros era uma forma de aumentar a produção, através do sentimento de competição entre os trabalhadores e o fim do sentimento de união para reivindicações, além do aumento de esforço no trabalho para atingir metas de produção.

No Brasil a participação nos lucros surge pela primeira vez em 1943, no art. 621 da CLT, que determina que ela é objeto de negociação entre Sindicato e empregador. Na Constituição de 1946 ela surge novamente, mas também não é implementada, pois os empregadores se recusam a negociá-la.

A Constituição de 1988 determina que a PLR é direito dos trabalhadores e que a propriedade privada tem que cumprir sua função social. Assim a participação nos lucros deixa de ser uma faculdade do empregador e passa a ser obrigatória. Mas o texto constitucional condiciona a sua implementação à edição de norma para regulamentá-la.

Somente em 1994, quando o Brasil, através do governo Collor, adere ao neoliberalismo, são editadas medidas provisórias, que determinam a forma de pagamento da PLR.

Em 2000, o governo FHC e o então presidente do Congresso Nacional, Antônio Carlos Magalhães, promulgam a Lei nº. 10.101 que determina que a PLR é objeto de negociação.

Nítido é o retrocesso jurídico da Lei nº. 10.101/2000, pois a PLR, obrigatória na CF/ 88, passa a ser facultativa. O instrumento legal prevê ainda que o montante pago à título de PLR pode ser deduzido para apuração do lucro real.

Porém, a característica mais interessante deste instrumento legal é o fato de que além de tornar a PLR um faculdade da empresa, ao contrário da redação dada pelo inciso XI do art. 7º da Constituição Federal que determina que a PLR é um direito dos trabalhadores, a norma flexibiliza o instituto da remuneração, bem como outros direitos trabalhistas.

Importante notar que a norma aqui debatida não traz qualquer acréscimo legislativo significativo, exceto o fato de autorizar a partir de seu art. 6º, o trabalho em domingos e feriados, flexibilizando importante norma de saúde e segurança no trabalho, proteção esta que possibilitava o descanso e o convívio social dos trabalhadores no comércio.

Ademais, cumpre ressaltar que a norma supracitada foi redigida de uma forma em que os Sindicatos não participariam das negociações, porém as entidades sindicais ajuizaram ação perante o STF alegando inconstitucionalidade do dispositivo, com fulcro no inciso VI do art. 8º da Constituição Federal que determina a obrigatoriedade de participação do Sindicato nas negociações, assegurando assim um assento aos Sindicatos nas mesas de negociação de PLR.

Além disso, o texto constitucional desvincula a PLR da remuneração, e o art. 3º da Lei nº. 10.101/2000 determina que sobre a verba não incidirão nenhum dos encargos trabalhistas.

De acordo com a lei, à PLR, verba remuneratória por excelência, uma vez que é a contrapartida de uma prestação laboral, não se aplica nenhum dos princípios e dispositivos de proteção à remuneração.

Mesmo antes da Constituinte de 1988, a participação nos lucros e resultados era praticada por algumas categorias e até a promulgação da Carta Constitucional de 1988 a jurisprudência pátria concedida natureza salarial à PLR.

Este era o entendimento do Tribunal Superior do Trabalho, consubstanciado através da Súmula 251, senão vejamos:

Súmula Nº. 251 do TST

PARTICIPAÇÃO NOS LUCROS. NATUREZA SALARIAL. (cancelamento mantido) - Res. 121/2003, DJ 19, 20 e 21.11.2003 - Referência art. 7º, XI, CF/1988.

A parcela participação nos lucros da empresa, habitualmente paga, tem natureza salarial, para todos os efeitos legais.

Redação original - Res. 17/1985, DJ 13, 14 e 15.01.1986. [23]

Ocorre que a referida Súmula, editada em 1986, foi cancelada, através da Resolução 33/1994 em maio de 1994. Interessante observar que nesse mesmo ano (1994), no qual as ideias neoliberais e de "modernas" reestruturações produtivas ganhavam vozes poderosas no Brasil, o TST cancelou a Súmula 256 que restringia a intermediação de mão de obra possibilitando assim o avanço da terceirização.

Após esta sumária exposição do histórico da PLR, cumpre-nos agora demonstrar a que interesses se prestam a participação nos lucros e resultados e para isso iremos analisar o caso concreto da categoria de metalúrgicos da região metropolitana de Belo Horizonte.

O salário médio mensal dos trabalhadores representados pelo Sindicato dos Trabalhadores nas Indústrias Metalúrgicas, Mecânicas e de Material Elétrico de Belo Horizonte, Contagem e Região é de R$ 880,00 [24]. Por ano, um trabalhador recebe em média de remuneração, incluindo-se o 13º salário e as férias, o valor de R$ 11.733,00. O Sindicato representa cerca de 60 mil trabalhadores nas cidades de Belo Horizonte, Contagem, Nova Lima, Rio Acima, Raposos, Sarzedo, Ibirité e Ribeirão das Neves [25].

Em um mês, em média, as empresas cujos trabalhadores são representados pelo referido Sindicato profissional, efetuaram, entre outubro de 2007 e outubro de 2008, o pagamento de aproximadamente R$ 52.800.000,00 a título de salário. Anualmente este valor perfaz o montante de R$ 703.980.000,00, incluindo-se para este cômputo o pagamento de férias e 13º salário.

É necessário esclarecer que o referido Sindicato não representa os trabalhadores metalúrgicos de Betim, cidade na qual está instalada uma das maiores montadoras de automóveis do Brasil, além de diversas empresas que compõe sua cadeia produtiva.

Através de negociações coletivas efetuadas pelo Sindicato acima aludido que instituíram programas de PLR foram injetados na economia das cidades representadas pela entidade sindical, através do pagamento dos valores avençados em instrumentos coletivos, em torno de 50 milhões de reais no ano de 2007 [26].

Somente uma das empresas que pertencem à base territorial do Sindicato acima referenciado, a Vallourec & Mannesmann Tubes, no ano de 2007, efetuou o pagamento de 35 milhões a título de PLR. [27]

Verifica-se que o total do montante pago a título de participação nos lucros gerados em todo um ano é inferior ao valor destinado ao pagamento de salários de todos os trabalhadores por um mês.

O PIB (Produto Interno Bruto) de Belo Horizonte no ano de 2005 foi 28.386.694 (em mil reais) e o valor adicionado na indústria em 2005 foi de 3.801.665 (em mil reais). [28]

Por sua vez, o PIB (Produto Interno Bruto) de Contagem no ano de 2005 foi 9.542.361 (em mil reais) e o valor adicionado na indústria em 2005 foi de 2.918.581 (em mil reais). [29]

Somente as cidades de Belo Horizonte e Contagem em 2005 geraram através da indústria de transformação uma riqueza de mais de 6 bilhões, setecentos e vinte milhões de reais. Porém, um pouco mais de 700 milhões de reais foi destinado ao pagamento de remuneração de trabalhadores metalúrgicos nestas cidades e em outras seis cidades cujo PIB não foi analisado pelo presente estudo.

Em torno de 10% do total da riqueza produzida em duas cidades foi destinada ao pagamento da remuneração de trabalhadores metalúrgicos distribuídos em oito cidades e apenas 0,74% desta riqueza foi destinado ao pagamento de PLR.

O autor Cesarino Júnior nos esclarece que sendo quatro os fatores de produção, matéria prima, ferramentas, trabalho e lucro, uma divisão equitativa daria aos trabalhadores 25% dos lucros líquidos, restando 75% para os demais fatores. [30]

Verificamos, no entanto, que o valor destinado ao pagamento de PLR é infinitamente inferior ao valor destinado ao pagamento de salários por apenas um mês. O objetivo primordial da Participação nos Lucros e Resultados é repartir com os trabalhadores um percentual de lucro obtido por todo um ano. Os números acima demonstrados comprovam que este objetivo não é atingido, não sendo alcançado nem mesmo remotamente.

Os patamares a serem observados para divisão do lucro sugeridos pela doutrina não são nem sequer cogitados. Então, aos interesses de quem atende a PLR? Não é dos trabalhadores, conforme demonstrado. E porque hoje os empregadores defendem a PLR?

No presente ano nos deparamos com uma situação no mínimo inusitada. Momentos antes da crise desencadeada pelo capital especulativo norte americano, presenciamos em diversas empresas do ramo metalúrgico, a defesa, pelos proprietários e seus prepostos, do pagamento da PLR aos seus empregados. No entanto, nenhuma delas se dispunha à normatizar o pagamento da parcela sem que fosse instituído metas de produção a serem cumpridas pelos trabalhadores.

Presenciamos inclusive, em uma negociação coletiva para celebração de Convenção Coletiva de Trabalho, ramos empresariais do setor metalúrgico, defenderem a normatização da PLR em instrumento coletivo. Instrumento este destinado à não só uma empresa, mas à todas que compõe o segmento, uma vez que estamos tratando de Convenção e não de Acordo Coletivo.

A justificativa empresarial para esta defesa é simples e óbvia, através da estipulação de metas para pagamento de PLR, o trabalhador produz mais e, em consequência o lucro aumenta. Porém outro fator para a defesa da PLR também é de extrema importância. A divisão de lucros, não importa de que forma, é critério para demonstrar responsabilidade social e obter certificação ISO que hoje tem enorme validade no mercado comercial.

Já verificamos que o lucro, que obtém considerável majoração em decorrência do cumprimento de metas, não é repartido de forma justa com os indivíduos que contribuíram de forma efetiva para sua majoração.

Sobre a parcela paga à título de PLR não incidem encargos trabalhistas, o que torna a mão de obra mais barata uma vez que o montante é remuneratório, uma contraprestação ao trabalho efetuado e que se não há incidência de encargos, obviamente o custo da mão de obra diminui.

Outra questão de suma importância é que não há nenhum dispositivo legal que obrigue as empresas a apresentarem balancete financeiro. E, quando por destreza do negociador estes são apresentados, nunca revelam a situação real econômica da empresa, restando praticamente impossível verificar a forma mais justa de distribuição de riqueza.

A Lei 10.101/2000 em seu art. 2º determina que podem ser critérios para pagamento da PLR metas, índices de resultado, qualidade, entre outros.

Em normas coletivas que instituem Programas de Participação nos Lucros e Resultados são inseridas metas de produção a serem atingidas para o pagamento do montante. Também são inseridas cláusulas que obstam o recebimento caso o trabalhador não compareça ao trabalho.

O trabalhador, já contando com este valor em seu orçamento familiar, passa a trabalhar de forma excessiva para atingir as tais metas, que na quase totalidade das vezes não levam em consideração outras variáveis importantes para a obtenção de lucro como o preço de matéria prima e ferramentas, comportamento do mercado financeiro e consumidor, questões relativas a escoamento da mercadoria e até mesmo o comportamento dos próprios proprietários das empresas.

O que ocorre então é que os riscos do empreendimento são repassados ao trabalhador, violando de forma brutal o princípio da alteridade ou assunção dos riscos pelo empregador, princípio este consagrado pelo art. 2º da CLT.

E o trabalhador que não possui nenhum controle sobre os demais fatores de produção passa a acreditar ingenuamente que para receber a PLR necessita dedicar-se ao trabalho cada vez mais, comprometendo sua saúde e sua convivência social e familiar.

Além disso, o descumprimento de quaisquer metas por um dos colegas de trabalho gera extrema insatisfação nos demais, corroendo os laços sociais entre estes. Já nos deparamos inclusive, em seminários sindicais sobre o tema realizados com trabalhadores que integram comissões negociadoras, discussões acirradas sobre a não observância do cumprimento de metas e de desconfiança entre os trabalhadores.

Alguns trabalhadores chegam a desenvolver stress em níveis acentuados devido o temor de não receber a PLR e nem cogitam que nenhuma empresa está obrigada ao pagamento da parcela, sendo uma opção exclusivamente sua o seu pagamento, afinal sobre ela não repercutem nenhum dos princípios protetivos do salário.

As mobilizações das categorias em prol de aumento real no salário e instituição de melhorias nas condições de trabalho deixaram de existir, pois os trabalhadores se preocupam realmente em cumprir metas de produção para receberem remuneração a título de PLR. Sem a mobilização da categoria resta aos Sindicatos tentar preservar conquistas anteriores pois a inexistência de resistência coletiva desequilibra as negociações face à a superioridade da pressão exercida pelas empresas que, ao contrário dos trabalhadores que podem se restringir somente a paralisação do trabalho, detém o poder sobre a manutenção dos postos de trabalho.

A desigualdade na mesa negociadora pode implicar ainda em flexibilização e desregulamentação de direitos devido a atitudes desesperadas dos Sindicatos enfraquecidos para impedir a demissão dos trabalhadores representados.

Mas qual a saída para frear este artifício neoliberal? Inicialmente se faz de suma importância o esclarecimento aos trabalhadores da real essência da PLR tal como foi estipulada em lei. E para isto é necessária a compreensão dos Sindicatos dos institutos e todos os seus impactos sociológicos, ideológicos e psicológicos.

No campo jurídico destacamos esparsas mas valiosíssimas decisões da Justiça Laboral que entendem que a estipulação de metas implica na declaração de que o valor pago à título de PLR é na verdade prêmio sobre o qual incidem os reflexos trabalhistas.

A partir da compreensão dos Sindicatos da real finalidade da PLR, estes podem utilizar a comissão de negociação prevista na Lei nº. 10.101 para instituir organização no local de trabalho. Embora a organização no local de trabalho não seja garantida por lei no Brasil, as comissões de trabalhadores, sejam da CIPA ou negociadoras, podem cumprir papel de extrema importância na estratégia de fornecer informação aos trabalhadores e organizá-los.

Nossa experiência no Sindicato dos Metalúrgicos de Belo Horizonte e Contagem se mostrou bastante positiva no intuito de esclarecer aos trabalhadores como é efetuada a exploração da força de trabalho, demonstrando de forma didática os conceitos de mais valia, o desenvolvimento dos sindicatos e do Direito do Trabalho e as armadilhas da PLR.

A compreensão dos sindicatos também tem auxiliado na formulação de normas trabalhistas autônomas uma vez que se tem privilegiado a instituição de abono ao invés de PLR. O abono é o meio pelo qual os Sindicatos vêm lenta, porém gradativamente, instituindo a distribuição de riqueza produzida, estipulando valores a serem pagos sobre os quais incidem os reflexos trabalhistas, sem que seja exigido o cumprimento de metas de produção.

No entanto, é necessário ainda buscar a conscientização dos trabalhadores de que a única forma real de distribuição de riquezas é através do aumento significativo da massa salarial com as repercussões jurídicas que lhe são inerentes para enterrar de vez a falsa percepção de que a PLR é um instrumento a favor dos trabalhadores.

Os princípios que norteiam o Direito do Trabalho nunca podem deixar de serem observados tanto no cumprimento das normas quanto na elaboração destas sob pena de transformar este importantíssimo ramo do direito social em mero instrumento de flexibilização e desregulamentação de direitos à favor das políticas neoliberais.

O Estado Brasileiro é um Estado Social de Direito que tem como fundamento a dignidade humana, a valorização do trabalho humano e a função social da propriedade privada. Sendo assim, os seus instrumentos jurídicos devem ser utilizados visando equilibrar as relações sociais a fim de se garantir à todos os cidadãos a igualdade e a liberdade, mas não de maneira meramente formal e sim de forma efetiva.


6. Conclusão

Através da análise da evolução histórica da sociedade capitalista nos foi possível constatar que esta se baseia na exploração da força de trabalho. O Estado Liberal foi constituído como a forma de garantir a proteção à propriedade privada e o desenvolvimento do comércio.

A organização produtiva da Primeira Revolução Industrial buscou a diminuição dos custos da produção para propiciar o aumento dos lucros. A divisão do trabalhou alienou os trabalhadores, forçando-os a vender sua força de trabalho para obter os meios necessários para sua subsistência.

No entanto, a forma de organização fabril gerou uma enorme contradição ao sistema uma vez que reuniu os trabalhadores criando condições para a resistência coletiva.

A difusão dos ideais socialistas ameaçou a supremacia política da burguesia e obrigou os detentores dos meios de produção à fazerem concessões às reivindicações dos trabalhadores para manterem-se no poder. O Direito do Trabalho e o reconhecimento da legitimidade dos Sindicatos são frutos deste movimento.

O sistema capitalista baseia-se na competição entre os detentores do meio de produção. Este fato atrelado às formas de aumento da taxa de lucro que implicam na retração do consumo gera crises cíclicas ao sistema decorrentes de sua própria lógica.

A última grande crise do capitalismo no fim da década de 70 impulsionou o ideário neoliberal e a reestruturação produtiva através da adoção do modelo toyotista. O modelo toyotista é pautado no princípio de desfragmentação das empresas para diminuir os custos e em técnicas que visam desarticular a solidariedade de classe.

A terceirização e as formas de remuneração variáveis incitam os trabalhadores a competirem entre si, quebrando o sentimento de classe e desarticulando as entidades sindicais.

Comprovamos através da análise das experiências de remuneração variável dos trabalhadores do saneamento e das PLR’s conquistadas pelos trabalhadores do ramo metalúrgico da região metropolitana de Belo Horizonte que tais políticas se prestam a atender somente os interesses empresariais.

Não obstante o surgimento do instituto de participação nos lucros ter se embrionado nas ideias marxistas, este foi desvirtuado pelo capital, transformando-se em precioso instrumento para aumento da produção sem diminuição de seu custo e como forma de desmobilização que propicia terreno fértil para flexibilização e desregulamentação dos direitos trabalhistas.

Somente o fortalecimento das entidades sindicais através da formação política dos trabalhadores e da organização destes pode impedir que as técnicas neoliberais logrem êxito e que o Direito do Trabalho deixe de cumprir sua função histórica.

Para isso é necessário a compreensão aprofundada da PLR e de outros mecanismos utilizados pelo capital para que possa ser possível não só a manutenção das conquistas dos trabalhadores, mas também a ampliação destas.

Para nós, a única forma de transformar a PLR em instituto à favor do trabalho é privilegiando a distribuição de renda através do aumento da massa salarial e a através da utilização dos mecanismos da PLR para conscientizar e organizar os trabalhadores e assim fortalecer as entidades sindicais profissionais, instituições sociais de extrema importância na sociedade pós industrial que são responsáveis pela criação e evolução do Direito do Trabalho.


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Notas

  1. Sobre este tema sugerimos pesquisa aprofundada em HUBERMAN, Leo. A história da riqueza do homem. (Trad.: Waltensir Dutra).
  2. Para aprofundamento do tema sugerimos o estudo de DELGADO, Gabriela Neves. Direito fundamental ao trabalho digno.
  3. SILVA, Wanise Cabral. As fases e faces do direito do trabalho. p. 29.
  4. Hobsbaw, Eric J. Era dos extremos: o breve século XX - 1914/1991. (Trad.: Marcos Santarrita).
  5. Sobre este tema sugerimos pesquisa aprofundada em HUBERMAN, Leo. A história da riqueza do homem. (Trad.: Waltensir Dutra).
  6. Sobre este tema consultar Lafargue, Paul. O capital Karl Marx: extratos por Paul Lafargue. (Trad.: Abguar Bastos).
  7. SOBRINHO, Zéu Palmeira. Terceirização e reestruturação produtiva.
  8. Para aprofundamento do tema sugerimos MANDEL, Ernest. A crise do capital: os fatos e sua interpretação marxista.
  9. Sobre o tema sugerimos pesquisa em Hobsbaw, Eric J. Era dos extremos: o breve século XX - 1914/1991 (Trad. Marcos Santarrita.
  10. SINGER, Paul. Para além do neoliberalismo – a saga do capitalismo contemporâneo. São Paulo em Perspectiva. v. 12, n. 2, p. 15, abr./jun. 1998.
  11. CHIARELLI, Carlos Alberto. 2005. O trabalho e o sindicato: evolução e desafios.
  12. Fonte: Sindicato dos Trabalhadores nas Indústrias de Purificação e Distribuição de Água e em Serviços de Esgoto do Estado de Minas Gerias – SINDÁGUA/MG.
  13. VIANA, Márcio Túlio. Terceirização e sindicato: um enfoque para além do jurídico. LTR - Revista legislação do trabalho. Ano 67, n. 7, p. 788, jul. 2003.
  14. MASSONI, Túlio de Oliveira. Representatividade sindical. 2007. p. 27.
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  16. MASSONI, Túlio de Oliveira. Representatividade sindical. 2007.
  17. MASSONI, Túlio de Oliveira. Representatividade sindical. 2007.
  18. LARANJEIRA, Sônia M. G. Há lugar para o sindicalismo na sociedade pós industrial?: aspectos do debate internacional. São Paulo em Perspectiva, v. 12, n. 1, p. 174, jan./mar. 1998.
  19. Carta Encíclica Rerum Novarum, LESSA, Luiz Carlos. Dicionário de doutrina social da igreja: doutrina social da igreja de A a Z. 2004. p. 292.
  20. Carta Encíclica Quadragesimo Anno , LESSA, Luiz Carlos. Dicionário de doutrina social da igreja: doutrina social da igreja de A a Z. 2004. p. 335.
  21. Carta Encíclica Quadragesimo Anno , LESSA, Luiz Carlos. Dicionário de doutrina social da igreja: doutrina social da igreja de A a Z. 2004. p. 339/340.
  22. Carta Encíclica Mater Et Magistra. LESSA, Luiz Carlos. Dicionário de doutrina social da igreja: doutrina social da igreja de A a Z. 2004. p. 392/393.
  23. Fonte: http://www.tst.gov.br/
  24. Fonte: Departamento de Homologações de Rescisão de Contrato de Trabalho/Departamento Jurídico do Sindicato dos Trabalhadores nas Indústrias Metalúrgicas, Mecânicas e de Material Elétrico de Belo Horizonte, Contagem e Região.
  25. Fonte: Coordenação de Política Sindical/Assessoria Política e de Formação do Sindicato dos Trabalhadores nas Indústrias Metalúrgicas, Mecânicas e de Material Elétrico de Belo Horizonte, Contagem e Região.
  26. Fonte: Coordenação de Política Sindical/Assessoria Política e de Formação do Sindicato dos Trabalhadores nas Indústrias Metalúrgicas, Mecânicas e de Material Elétrico de Belo Horizonte, Contagem e Região.
  27. Fonte: Coordenação de Política Sindical/Assessoria Política e de Formação do Sindicato dos Trabalhadores nas Indústrias Metalúrgicas, Mecânicas e de Material Elétrico de Belo Horizonte, Contagem e Região.
  28. Fonte: IBGE, Diretoria de Pesquisas, Coordenação de Contas Nacionais.
  29. Fonte: IBGE, Diretoria de Pesquisas, Coordenação de Contas Nacionais.
  30. CESARINO JÚNIOR, A. F. Direito social.

Autor

  • Maíra Neiva Gomes

    Maíra Neiva Gomes

    Advogada trabalhista. Assessora jurídica do Sindicato dos Trabalhadores nas Indústrias Metalúrgicas, Mecânicas e de Material Elétrico de Belo Horizonte e Contagem. Assessora jurídica da Federação dos Trabalhadores Metalúrgicos de Minas Gerais – FEM-CUT-MG. Especialista em Direito Material e Processual do Trabalho. Aluna em DI do Mestrado em Direito do Trabalho da PUC/MG.

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GOMES, Maíra Neiva. Participação nos lucros e resultados (PLR). Instituto em favor do trabalho ou do capital?. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 15, n. 2389, 15 jan. 2010. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/14190. Acesso em: 19 abr. 2024.