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Fidelidade partidária e perda de mandato no Brasil.

Resolução nº 22.610/2007 do Tribunal Superior Eleitoral

Fidelidade partidária e perda de mandato no Brasil. Resolução nº 22.610/2007 do Tribunal Superior Eleitoral

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RESUMO

A importância da pesquisa sobre o tema "Fidelidade Partidária e Perda de Mandato no Brasil – Resolução n.º 22.610/2007 do Tribunal Superior Eleitoral" está em apresentar os pontos relevantes sobre o assunto segundo uma interpretação sistemática do ordenamento jurídico. Pretende-se, no presente ensaio, analisar o procedimento de desfiliação partidária e da perda de mandato eletivo decorrente de ato de infidelidade partidária previsto na Resolução n.º 22.610/2007 do Tribunal Superior Eleitoral de justificação e averiguar o conceito, os fundamentos e a evolução histórica jurisprudencial e legal do instituto da fidelidade partidária. Busca-se expor, também, o procedimento de justificação de desfiliação partidária, bem como o procedimento de perda do mandato eletivo decorrente de ato de infidelidade partidária, observando-se as hipóteses de justa causa, a competência e a legitimidade para julgar e propor, respectivamente, tais procedimentos. Analisa-se, ainda, o poder regulamentar do Tribunal Superior Eleitoral e seus fundamentos. E, por fim, discute-se a constitucionalidade da Resolução.

Palavras-chave: Fidelidade Partidária. Resolução n.º 22.610/2007. Poder Regulamentar do TSE.

SUMÁRIO: 1 INTRODUÇÃO. 2 FIDELIDADE PARTIDÁRIA E SUA EVOLUÇÃO HISTÓRICA. 2.1 Conceito e Importância do Tema. 2.2 Evolução Histórica a Luz da Evolução Legislativa e Jurisprudencial. 3 RESOLUÇÃO N.º 22.610, DE 25 DE OUTUBRO DE 2007. 3.1 Competência.3.2 Legitimidade. 3.3 Hipóteses de Justa Causa . 3.3.1 Incorporação ou fusão de partido. 3.3.2 Criação de novo partido. 3.3.3 Mudança substancial ou desvio reiterado do programa partidário. 3.3.4 Grave discriminação pessoal. 3.4 Instrução. 3.5 Efeitos da Decisão. 3.6 Recurso. 4 ANÁLISE SOB O ASPECTO CONSTITUCIONAL. 4.1 Poder Regulamentar do Tribunal Superior Eleitoral. 4.2 A Constitucionalidade da Resolução n.º 22.610/2007. 5 CONCLUSÃO. REFERÊNCIAS. ANEXO


1 INTRODUÇÃO

A fidelidade partidária consiste na lealdade e no cumprimento das diretrizes e programas do partido político ao qual o mandatário é filiado. Em contraponto, a infidelidade partidária é caracterizada pela falta de cumprimento do dever ou obrigação imposta pela ideologia do partido, inclusive pela desfiliação partidária, muito recorrente entre os mandatários, que assim o fazem, na maioria das vezes, para conseguir vantagens políticas e não por acreditar na ideologia do partido.

Assim, em virtude da situação caótica em que se encontrava o cenário político brasileiro, onde havia freqüentes trocas de partidos entre os parlamentares, ocorrendo, ainda, de vários políticos aderirem a partidos com ideologia contrária ao antes filiado, o instituto da fidelidade partidária ganhou repercussão em 2007, provocando a discussão sobre o papel do Partido Político na eleição e a possibilidade de perda do cargo eletivo em caso de mudança de partido durante o mandato.

O Tribunal Superior Eleitoral, órgão máximo em matéria eleitoral, impulsionado a dar um posicionamento sobre a situação, manifestou-se no sentido de que a troca de partido, ato de infidelidade partidária, acarretaria a perda do mandato eletivo pelo parlamentar em favor do Partido Político, uma vez que o mandato pertence à representação partidária e não ao candidato.

Diante de tal posicionamento, o Tribunal Superior Eleitoral editou a Resolução n.º 22.610/2007, que disciplina o procedimento de justificação de desfiliação partidária e de perda de cargo eletivo decorrente de infidelidade partidária, objeto de estudo do presente trabalho.

Com efeito, no decorrer deste trabalho, procura-se responder aos seguintes questionamentos: o que é fidelidade partidária? Quais seus fundamentos? O Tribunal Superior Eleitoral tem legitimidade para elaborar normas regulamentares? A Resolução n.º 22.610/2007 é constitucional?

Justifica-se o presente trabalho pela necessidade de se analisarem as repercussões da edição da Resolução n.º 22.610/2007 do Tribunal Superior Eleitoral acerca da fidelidade partidária e da perda do mandato eletivo, haja vista tal resolução ter sido um marco na legislação eleitoral brasileira e que viabilizou a discussão sobre a importância da representação política e da garantia da democracia.

Ante os desafios da temática proposta, pretende-se, então, discutir as reflexões empreendidas acerca da fidelidade partidária e da perda do mandato eletivo com base na Resolução n.º 22.610/2007 do Tribunal Superior Eleitoral.

Esta monografia encontra-se organizada em três capítulos, distribuídos na forma explicitada a seguir.

No primeiro capítulo, apresentam-se os conceitos, as finalidades, a importância e a evolução histórica do instituto da fidelidade partidária na legislação e jurisprudência brasileiras.

No segundo capítulo, analisa-se a Resolução n.º 22.610/2007 do Tribunal Superior Eleitoral, apresentando o procedimento de justificação de desfiliação partidária, as hipóteses de justa causa, os legitimados para propor as ações previstas na resolução e a competência para julgar esses procedimentos.

No terceiro segmento, examina-se a constitucionalidade da Resolução n.º 22.610/2007 do Tribunal Superior Eleitoral, bem como a função regulamentadora desse Tribunal.

Ao final, expõem-se as conclusões do estudo, refletindo com os autores pesquisados sobre o panorama recente da fidelidade partidária no cenário político brasileiro.


2 FIDELIDADE PARTIDÁRIA E SUA EVOLUÇÃO HISTÓRICA

Fidelidade partidária, como o próprio nome indica, consiste na lealdade, firmeza, cumprimento à filosofia e aos ideais do partido político ao qual se é filiado. É um instituto, embora enfraquecido no cenário político atual, indispensável à democracia e à observância do sistema eleitoral brasileiro, que se baseia na representatividade dos mandatários, como se verá a seguir.

2.1 Conceito e Importância do Tema

Entende-se por fidelidade, termo originário do latim fidelitas (fidelidade, lealdade), a execução fiel e exata de todos os deveres assumidos ou impostos à pessoa, em decorrência de encargo, contrato, lei ou qualquer outra obrigação.

Nas palavras de Said Farhart, a fidelidade partidária, por sua vez,

Consiste na adesão intelectual do membro do partido – filiado ou representante eleito, no Governo, no Congresso, nas assembléias legislativas estaduais ou nas câmaras municipais – à filosofia do partido, sua concepção de sociedade e dos métodos, caminhos e meios para realizar suas idéias a respeito

O instituto da fidelidade partidária opõe-se, portanto, ao da infidelidade partidária, que consiste na falta de cumprimento do dever ou da obrigação imposta, por meio de atos políticos praticados que vão de encontro às diretrizes e filosofia do partido ao qual é filiado. Porém não se resume a isso, configurando-se também como ato de infidelidade partidária o abandono do partido sem justificativa.

Compreende-se melhor, no entanto, a importância da fidelidade partidária no cenário político após realizada breve análise do sistema eleitoral brasileiro atual, nos termos a seguir.

Adotam-se, no Brasil, dois sistemas eleitorais: o sistema majoritário e o sistema proporcional. O sistema majoritário assegura a vitória ao candidato que tiver mais votos, considerando a maioria absoluta ou relativa, conforme o caso. No sistema proporcional, por sua vez, somam-se os votos válidos atribuídos aos candidatos e aos partidos políticos ou à legenda, assegurando, assim, aos partidos políticos uma representação correspondente à força numérica de cada um.

Observe que, no sistema proporcional, tanto o número de cadeiras a serem preenchidas na Casa Legislativa correspondente, bem como quais candidatos irão assumir os cargos eletivos dependerão diretamente dos votos conseguidos pelo partido político representado pelos candidatos. Ora, o quociente eleitoral se dá pelo número total de votos válidos na eleição pelo número de lugares a serem preenchidos, somente podendo ter representação na Casa correspondente o partido que alcançar esse quociente. Já o quociente partidário resulta do número total de votos conseguidos pelo partido político ou coligação dividido pelo quociente eleitoral, o que resultará na quantidade de lugares ou vagas que determinado partido obterá na eleição.

Ademais, a própria Constituição Federal invocou a fidelidade partidária como requisito indispensável para concorrer a qualquer cargo eletivo, nos termos de seu art. 14, §3º, inciso V: "São condições de elegibilidade, na forma da lei: [...] V – a filiação partidária;". Vê-se, assim, a importância da fidelidade partidária para o fortalecimento dos partidos políticos, garantindo o sistema representativo e a consolidação da democracia.

2.2 Evolução Histórica a Luz da Evolução Legislativa e Jurisprudencial

A discussão acerca do tema ganhou relevo no cenário político brasileiro no início do ano de 2007, em virtude do descontentamento de alguns políticos com as freqüentes trocas de partidos de seus colegas, ocorrendo, inclusive, a filiação a outros Partidos Políticos que possuíam ideais e filosofias opostas aos Partidos ao qual eram filiados anteriormente. Tais situações acabavam por fragilizar os Partidos Políticos, bem como por diminuir suas influências no cenário político brasileiro, causando, assim, desconforto e instabilidade no sistema eleitoral e na democracia.

Como bem destaca Lívia Matias de Souza Silva:

A Constituição da República do Brasil promulgada em 1988 consagra a instauração de um Estado Democrático de Direito, sendo importante ressaltar que um dos pilares do regime democrático é a existência de partidos fortes e ideológicos com um programa de governo bem elaborado, discutido e socialmente conhecido.

Os partidos políticos são instâncias associativas permanentes e estáveis, dotadas de ideologia e programa político próprios, destinadas à arregimentação coletiva, buscando, em último plano, conquistar o controle do poder político, seja pela ocupação de cargos ou influência nas decisões políticas.

[...]

Por tudo isso, acredita-se que a infidelidade partidária é extremamente prejudicial ao fortalecimento da democracia, e que uma modificação do crescente número de mudanças de partidos só se realizará mediante a elaboração de normas que estabeleçam punições mais severas aos representantes infiéis, tais como a perda do mandato para o deputado ou senador que deixar o Partido sob cuja legenda se elegeu, ou que cometer grave violação da disciplina partidária

O Supremo Tribunal Federal, porém, vem debatendo a fidelidade partidária e formando uma opinião sobre o tema há, pelo menos, 17 anos, quando se manifestou sobre a perda de mandatos de suplentes infiéis, no Mandado de Segurança 20.916, de 1989, sob a relatoria do Ministro Carlos Madeira, o qual foi indeferido.

Trata-se de Mandado de Segurança impetrado pelo Partido Trabalhista Brasileiro – PTB contra o ato do Presidente da Mesa da Câmara dos Deputados, que convocou o segundo suplente, Sr. Aristides Cunha Filho, para assumir uma das vagas abertas na representação da Coligação União Liberal Trabalhista, formada pelo Partido Trabalhista Brasileiro – PTB, Partido Liberal – PL e Partido Social Cristão – PSC. Essa ação visava à anulação do ato de posse do Sr. Aristides Cunha Filho como suplente, em virtude de sua desfiliação do Partido Social Cristão – PSC no interstício entre a eleição e a convocação para assumir a vaga na Câmara.

O impetrante fundamentou a ação seguindo o entendimento de que o mandato eletivo não pertence ao candidato e sim ao partido, tendo em vista as vagas serem distribuídas aos partidos ou coligações na proporção dos votos dados sob legenda e ao candidato, conforme visto acima. Assim, seria condição necessária para a convocação do suplente sua filiação ao partido pelo qual foi eleito, e, uma vez não mais filiado ao partido de origem, perderia o direito de assumir a vaga aberta, pois não mais o estaria representando.

Destacam-se, assim, alguns aspectos defendidos pelo impetrante em sua inicial, constantes no relatório da decisão do MS 20.916, de 1989, os quais, como será visto adiante, formaram, mais de 10 anos depois do julgamento dessa ação, as bases do convencimento de juristas que defenderam a possibilidade de perda de mandato eletivo por ato de infidelidade partidária:

Dizem os impetrantes:

"Em conseqüência do desligamento do partido que integrara a Coligação pela qual se classificara na segunda suplência de deputado federal da representação eleita pela mesma, é evidente que o Sr. Aristides Cunha Filho perdeu a condição jurídica que lhe dava a expectativa de ser convocado, na ordem rigorosa da classificação obtida pela votação nominal, para o exercício do mandato quando da ocorrência de qualquer das hipóteses enumeradas no §1º do artigo 56 da Constituição Federal."[...]

E adiante:

"...o suplente não tem o direito absoluto de assumir o exercício do mandato no caso de ocorrer alguma das hipóteses previstas no artigo 56, §1º, da Constituição. A vaga, na verdade, não é sua, mas sim da representação partidária pela qual disputou o pleito. Repita-se: os mandatos eletivos a serem preenchidos em cada Circunscrição Eleitoral são distribuídos aos partidos ou coligação partidária na proporção dos votos dados sob a mesma legenda ou coligação de legendas (CE, art. 108) e a essa distribuição só poderão concorrer os partidos e coligações partidárias que tiverem obtido quociente eleitoral (CE, art. 109, §2º).

Consequentemente, para a convocação de suplente, à época da vacância, faz-se absolutamente necessária a apuração do preenchimento de determinadas condições. Entre essas condições, por óbvio, encontra-se a de continuar filiado ao partido que adquiriu direito ao preenchimento do mandato eletivo. A convocação de quem se desligou de um partido político e se filiou a outro partido, para preencher lugar na representação partidária do primeiro, não tem qualquer lógica, nem se ajusta ao sistema da representação proporcional.

[...]

E às fls. 8, asseverou que:

"A extinção do vínculo partidário para todos os efeitos, sem a previsão legal de exceção de qualquer um desses efeitos, extingue a expectativa de direito de, na qualidade de suplente da respectiva representação partidária, ser convocado para assumir lugar destinado ao partido do qual se desligou ou destinado à coligação partidária integrada pelo partido do qual se desligou"

A Procuradoria-Geral da República, em seu parecer, convalidou o entendimento do impetrante, no sentido de que a filiação a outro partido resulta em perda do mandato eletivo, pois constitui renúncia às prerrogativas decorrentes da filiação, conforme se lê abaixo:

"A filiação a outro partido político, ainda que sem comunicação expressa à agremiação pela qual obteve a suplência ao Juiz Eleitoral (Lei 5.682/71, art. 67), acarreta o cancelamento automático e definitivo do vínculo com este partido e constitui uma modalidade de renúncia tácita a todas as prerrogativas dele decorrentes (como por exemplo cargos de direção do partido) e também a condição de suplente.

[...]

Não há controvérsia, porém, quanto a ser a renúncia, quando ato unilateral não receptício, irrevogável de si mesma, desde a emissão. Por isso, apesar de o 2º Suplente da Coligação ter retornado ao Partido pelo qual se elegeu, certo é que a desvinculação operou-se plenamente, extinguindo todas as vantagens, prerrogativas, direitos, deveres, posições jurídicas, expectativas de direito que o filiado pudesse ter em razão do vínculo partidário ou dependente dele. A nova filiação opera efeitos como se fosse a primeira, nos moldes da qual deve ser realizada. Não tem, portanto, o condão de restabelecer o statu quo ante, pois a isto não se destina, mas apenas a vincular o eleitor ao partido."

A autoridade impetrada, em defesa da convocação, manifestou-se nos seguintes termos:

"A Presidência decidiu convocar o Sr. Aristides Cunha Filho, atendendo aos seguintes fundamentos:

a) rigorosa observância da vontade popular que o alçou à 2ª suplência da coligação; e

b) não constituir, data venia, a mudança de partido motivo para penalizar o filiado a ponto de fazê-lo perder uma suplência conquistada junto ao eleitorado, assim como não se pune o titular (Deputado Federal) que assim procede, segundo se infere no art. 55 da Constituição Federal e do que dispôs a Emenda Constitucional nº 25/85 à Carta Magna de 1967 [...]"

Em voto vencido, o Ministro Relator Carlos Madeira considerou que a desfiliação do Partido pelo qual concorreu às eleições provocava a perda da condição de suplente no momento de seu desligamento, lembrando, inclusive, de um julgado do Supremo Tribunal Federal, que decidiu pela perda da condição de suplente no caso de afastamento do vínculo com o Partido: "A renúncia ao vínculo partidário, (sic) acarreta a perda da condição de suplente de cargo eletivo. Textos legais não violados e dissído indemonstrado."

Nesse mesmo sentido, o Ministro Celso de Mello lembrou, ainda, a existência do duplo vínculo constante na natureza do mandato representativo: o de caráter popular e o de índole partidária.

O mandato decorrente da investidura político-eleitoral constitui a expressão formal tanto de uma representação popular como de uma representação partidária.

Esse novo sentido do mandato representativo conduziu ao fortalecimento da vinculação partidária, cuja realidade não pode ser desconhecida na análise do tema do mandato eletivo.

[...]

O monopólio partidário é tão inquestionável que gera, como natural conseqüência, a nulidade, para todos os efeitos, dos votos dados a candidatos não registrados por Partidos Políticos.

Desse monopólio, resulta a exigência de prévia filiação político-partidária, como requisito ou pressuposto de elegibilidade. Trata-se de condição hoje expressamente alçada pelo plano constitucional.

[...]

Com a extinção do vínculo, o antigo filiado perderá a sua condição de suplente da antiga agremiação partidária e, assim, por não mais preservar a atualidade dessa suplência, demitir-se-á do direito de suceder ao titular do mandato que, por razão qualquer, teve, nele, cessada a sua investidura

A maioria dos membros do Supremo Tribunal Federal, no entanto, entendeu que a infidelidade partidária não acarretava a perda do mandato eletivo, pois, com a vigência da Emenda Constitucional nº 25/85, a hipótese prevista no art. 35, V, da Carta de 1969, que previa a perda do mandato eletivo por prática de atos de infidelidade partidária, foi revogada, enquanto a atual Constituição reputava aos partidos políticos a competência para estabelecer, por meio de seus estatutos, normas de fidelidade partidária.

Em seu voto, esclarece o Ministro Sepúlveda Pertence:

[...] Por isso, não consegui me convencer de que o raciocínio aqui desenvolvido em relação ao suplente possa sobreviver, quando já não sobrevive em relação ao titular do mandato. Tudo seria diferente, na vigência do art. 35, nº V, da Carta de 69, expressa em estabelecer, entre as hipóteses de perda de mandato, a prática de atos de infidelidade partidária, segundo o previsto no parágrafo único do art. 152, o qual, por sua vez, explicitamente enumerava como infidelidade partidária o abandono do partido pelo qual for eleito o titular. Essa regra foi amainada, salvo engano, pela Emenda 11, no caminho da abertura para o pluripartidarismo, que permitiu o abandono do partido pelo mandatário, quando se destinasse à fundação de outro partido. Mas veio afinal a ser revogada, essa hipótese de perda de mandato, sem deixar resíduos, na Emenda Constitucional nº 25/85.

A atual Constituição não cuida de nada parecido, limitando-se a dizer que os Estatutos partidários prescreverão normas de disciplina partidária. Mas, a meu ver, obviamente não poderão chegar a inserir uma hipótese nova de perda de mandato para os seus filiados.

[...]

Lamento, assim, Senhor Presidente, que não possa ceder – como disse – à tentação do fortalecimento do vínculo partidário do mandato pelo qual, acho, passa a construção de uma democracia viável. Mas não tenho como dar esse tratamento severo ao mandatário eventual, ao suplente, quando não posso impô-lo ao titular, malgrado esse espetáculo pouco edificante, a que a Nação assiste nos últimos meses, da dança dos mandatários titulares, destinados a dar segundos ou minutos, na propaganda eleitoral gratuita, a este ou aquele candidato

No ensejo, vale destacar que a Constituição do Império e as Constituições da República de 1891, 1934, 1937 e 1946 não vislumbraram a fidelidade partidária em seus textos. A Constituição Federal de 1967, em seu art. 149, inciso V, é que inovou quanto ao instituto da disciplina partidária, nos termos a seguir: "Art 149 - A organização, o funcionamento e a extinção dos Partidos Políticos serão regulados em lei federal, observados os seguintes princípios: [...] V - disciplina partidária;".

O instituto da fidelidade partidária, porém, somente teve seu reconhecimento constitucional com a Emenda Constitucional nº 1, de 17 de outubro de 1969, que previu, em seu art. 32, inciso V, a perda do mandato eletivo para aqueles que praticarem atos de infidelidade partidária, bem como transformou o art. 149 em art. 152, acrescido de parágrafo único, in verbis:

Art. 32. Perderá o mandato o deputado ou senador:

[...]

V - que praticar atos de infidelidade partidária, segundo o previsto no parágrafo único do artigo 152.

Art. 152 A organização, o funcionamento e a extinção dos partidos políticos serão regulados em lei federal, observados os seguintes princípios:

I - regime representativo e democrático, baseado na pluralidade de partidos e na garantia dos direitos fundamentais do homem;

II - personalidade jurídica, mediante registro dos estatutos;

III - atuação permanente, dentro de programa aprovado pelo Tribunal Superior Eleitoral, e sem vinculação, de qualquer natureza, com a ação de governos, entidades ou partidos estrangeiros;

IV - fiscalização financeira;

V - disciplina partidária;

VI - âmbito nacional, sem prejuízo das funções deliberativas dos diretórios locais;

VII - exigência de cinco por cento do eleitorado que haja votado na última eleição geral para a Câmara dos Deputados, distribuídos, pelo menos, em sete Estados, com o mínimo de sete por cento em cada um dêles; e

VIII - proibição de coligações partidárias.

Parágrafo único. Perderá o mandato no Senado Federal, na Câmara dos Deputados, nas Assembléias Legislativas e nas Câmara Municipais quem, por atitudes ou pelo voto, se opuser às diretrizes legitimamente estabelecidas pelos órgãos de direção partidária ou deixar o partido sob cuja legenda foi eleito. A perda do mandato será decretada pela Justiça Eleitoral, mediante representação do partido, assegurado o direito de ampla defesa. (grifo nosso)

Em 1978, a Emenda Constitucional nº 11 alterou a redação do art. 152 da Constituição Federal de 1967, já modificado pela Emenda Constitucional nº 1, de 17 de outubro de 1969, conforme visto acima, mantendo o instituto da fidelidade partidária, embora permitindo o desligamento do partido pelo qual foi eleito sem resultar na perda do mandato, no caso de desfiliação para a constituição de um novo partido, nos termos abaixo:

Art. 152 A organização e o funcionamento dos partidos políticos, de acordo com o disposto neste artigo, serão regulados em lei federal.

§1º - Na organização dos partidos políticos serão observados os seguintes princípios:

I - regime representativo e democrático, baseado na pluralidade de partidos e na garantia dos direitos humanos fundamentais;

II - personalidade jurídica mediante registro dos estatutos;

III – inesistência de vínculo, de qualquer natureza, com a ação de governos, entidades ou partidos estrangeiros;

IV - âmbito nacional, sem prejuízo das funções deliberativas dos órgãos regionais ou municipais;

§2º - O funcionamento dos partidos políticos deverá atender às seguintes exigências:

I - filiação ao partido de, pelo menos, 10% (dez por cento) de representantes na Câmara dos Deputados e no Senado Federal que tenham, como fundadores, assinado seus atos constitutivos; ou

II - apoio, expresso e votos, de 5% (cinco por cento) do eleitorado, que haja votado na última eleição geral para a Câmara dos Deputados, distribuídos, pelo menos, por nove Estados, com o mínimo de 3% (três por cento) em cada um deles;

III – atuação permanente, dentro do programa aprovado pelo tribunal superior Eleitoral;

IV - fiscalização financeira;

V - disciplina partidária;

§3º - Não terá direito a representação o partido que obtiver votações inferiores aos percentuais fixados no item II do parágrafo anterior, hipótese em que serão consideradas nulas.

§4º - A extinção dos partidos políticos dar-se-á na forma e nos casos estabelecidos em lei.

§5º - Perderá o mandato no senado Federal, na Câmara dos Deputados, nas Assembléias Legislativas e nas Câmara Municipais quem, por atitudes ou pelo voto, se opuser às diretrizes legitimamente estabelecidas pelos órgãos de direção partidária ou deixar o partido sob cuja legenda foi eleito, salvo se para participar, como fundador, da constituição de novo partido.

§6º - A perda do mandato, nos casos previstos no parágrafo anterior, será decretada pela Justiça Eleitoral, mediante representação do partido, assegurado o direito de ampla defesa. (grifos nossos)

Foi, porém, com a Emenda Constitucional nº 25, de 15 de maio de 1985, que a previsão de perda de mandato eletivo, em decorrência de ato de infidelidade partidária, foi retirada do texto constitucional, voltando o instituto da fidelidade partidária a ter status constitucional apenas com a promulgação da atual Constituição Federal, de 5 de outubro de 1988, que dispõe em seu art. 17, §1º, alterado pela Emenda Constitucional nº 52, de 8 de março de 2006, o seguinte:

§1.º É assegurada aos partidos políticos autonomia para definir sua estrutura interna, organização e funcionamento e para adotar os critérios de escolha e o regime de suas coligações eleitorais, sem obrigatoriedade de vinculação entre as candidaturas em âmbito nacional, estadual, distrital ou municipal, devendo seus estatutos estabelecer normas de disciplina e fidelidade partidária.

Observa-se, portanto, que a Constituição de 1988 não previu qualquer sanção em virtude de ato de infidelidade partidária, remetendo a competência para dispor de tal matéria aos próprios partidos políticos. Como conseqüência, via-se a constante troca de partidos, principalmente em ano de eleição, desvirtuando o propósito da representação partidária e do sistema eleitoral brasileiro.

Em meio a esse cenário político caótico, o Partido da Frente Liberal – PFL formulou uma consulta junto ao Tribunal Superior Eleitoral, Consulta nº 1.398, questionando se os partidos e coligações teriam o direito de manter a vaga obtida pelo sistema eleitoral proporcional, no caso de pedido de cancelamento de filiação ou de transferência do candidato eleito por um determinado partido para outra legenda. A questão então abordada gravitava em torno da discussão sobre o mandato eletivo pertencer à representação partidária ou ao próprio candidato eleito.

Com exceção do Ministro Marcelo Ribeiro, os Ministros do Tribunal Superior Eleitoral responderam positivamente à consulta, em 27 de março de 2007, firmando o entendimento de que a desfiliação do partido pelo qual o candidato foi eleito tem por conseqüência a perda do mandato, haja vista este pertencer ao Partido Político e não ao parlamentar.

Diferentemente da decisão tomada pela maioria dos Ministros do Supremo Tribunal Federal, quando do julgamento do Mandado de Segurança n° 20.916, de 1989, que sobrepôs a literalidade da lei à interpretação sistemática do ordenamento jurídico brasileiro, o Tribunal Superior Eleitoral reconheceu a aplicabilidade imediata dos princípios constitucionais à solução de controvérsias concretas e, ainda, a força da representação política no sistema eleitoral brasileiro, posição já adotada em 1989 pela Procuradoria-Geral da República e alguns Ministros do Supremo, que saíram vencidos no referido MS, conforme visto no início deste capítulo.

Destacou, ainda, o Ministro Marco Aurélio de Mello a exigência de filiação partidária como condição de elegibilidade prevista no texto constitucional, em seu art. 14, §3º, inciso V, bem como o teor do art. 26, da Lei n.º 9.096/95, que prevê a perda do cargo ao parlamentar que deixar o partido sob cuja legenda tenha sido eleito, a saber: "Art. 26. Perde automaticamente a função ou cargo que exerça, na respectiva Casa Legislativa, em virtude da proporção partidária, o parlamentar que deixar o partido sob cuja legenda tenha sido eleito.".

Na oportunidade, o Deputado Federal Nilson Mourão, na Consulta n.º 1.407, questionou junto ao TSE se o entendimento aplicado aos eleitos pelo sistema eleitoral proporcional se aplicava também à vaga obtida pelo sistema eleitoral majoritário, obtendo, em 16 de outubro de 2007, de modo unânime, parecer afirmativo. Isto é, o mandato eletivo, seja obtido pelo sistema eleitoral proporcional, seja pelo sistema eleitoral majoritário, pertence ao Partido Político e não ao candidato.

O Supremo Tribunal Federal, em posterior discussão, reformou sua própria jurisprudência, manifestando-se no mesmo sentido do Tribunal Superior Eleitoral. Afirmou, porém, que, não obstante o parlamentar faça cessar o vínculo com o partido de forma voluntária, tem ele o direito de se manter no cargo em situações excepcionais que justifiquem tal atitude, cabendo ao Tribunal Superior Eleitoral, no exercício de sua competência normativa, editar resolução a disciplinar o procedimento de justificação da desfiliação partidária, instaurável perante órgão competente da Justiça Eleitoral, a saber:

EMENTA: CONSTITUCIONAL. ELEITORAL. MANDADO DE SEGURANÇA. FIDELIDADE PARTIDÁRIA. DESFILIAÇÃO. PERDA DE MANDATO. ARTS. 14, § 3º, V E 55, I A VI DA CONSTITUIÇÃO. CONHECIMENTO DO MANDADO DE SEGURANÇA, RESSALVADO ENTENDIMENTO DO RELATOR. SUBSTITUIÇÃO DO DEPUTADO FEDERAL QUE MUDA DE PARTIDO PELO SUPLENTE DA LEGENDA ANTERIOR. ATO DO PRESIDENTE DA CÂMARA QUE NEGOU POSSE AOS SUPLENTES. CONSULTA, AO TRIBUNAL SUPERIOR ELEITORAL, QUE DECIDIU PELA MANUTENÇÃO DAS VAGAS OBTIDAS PELO SISTEMA PROPORCIONAL EM FAVOR DOS PARTIDOS POLÍTICOS E COLIGAÇÕES. ALTERAÇÃO DA JURISPRUDÊNCIA DO SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL. MARCO TEMPORAL A PARTIR DO QUAL A FIDELIDADE PARTIDÁRIA DEVE SER OBSERVADA [27.3.07]. EXCEÇÕES DEFINIDAS E EXAMINADAS PELO TRIBUNAL SUPERIOR ELEITORAL. DESFILIAÇÃO OCORRIDA ANTES DA RESPOSTA À CONSULTA AO TSE. ORDEM DENEGADA. [...] 2. A permanência do parlamentar no partido político pelo qual se elegeu é imprescindível para a manutenção da representatividade partidária do próprio mandato. Daí a alteração da jurisprudência do Tribunal, a fim de que a fidelidade do parlamentar perdure após a posse no cargo eletivo. [...] 4. O abandono de legenda enseja a extinção do mandato do parlamentar, ressalvadas situações específicas, tais como mudanças na ideologia do partido ou perseguições políticas, a serem definidas e apreciadas caso a caso pelo Tribunal Superior Eleitoral [...]

(grifo nosso)

E M E N T A: MANDADO DE SEGURANÇA - QUESTÕES PRELIMINARES REJEITADAS - O MANDADO DE SEGURANÇA COMO PROCESSO DOCUMENTAL E A NOÇÃO DE DIREITO LÍQUIDO E CERTO - NECESSIDADE DE PROVA PRÉ-CONSTITUÍDA - A COMPREENSÃO DO CONCEITO DE AUTORIDADE COATORA, PARA FINS MANDAMENTAIS - RESERVA ESTATUTÁRIA, DIREITO AO PROCESSO E EXERCÍCIO DA JURISDIÇÃO - INOPONIBILIDADE, AO PODER JUDICIÁRIO, DA RESERVA DE ESTATUTO, QUANDO INSTAURADO LITÍGIO CONSTITUCIONAL EM TORNO DE ATOS PARTIDÁRIOS "INTERNA CORPORIS" - COMPETÊNCIA NORMATIVA DO TRIBUNAL SUPERIOR ELEITORAL - O INSTITUTO DA "CONSULTA" NO ÂMBITO DA JUSTIÇA ELEITORAL: NATUREZA E EFEITOS JURÍDICOS - POSSIBILIDADE DE O TRIBUNAL SUPERIOR ELEITORAL, EM RESPOSTA À CONSULTA, NELA EXAMINAR TESE JURÍDICA EM FACE DA CONSTITUIÇÃO DA REPÚBLICA - CONSULTA/TSE N° 1.398/DF - FIDELIDADE PARTIDÁRIA - A ESSENCIALIDADE DOS PARTIDOS POLÍTICOS NO PROCESSO DE PODER - MANDATO ELETIVO - VÍNCULO PARTIDÁRIO E VÍNCULO POPULAR - INFIDELIDADE PARTIDÁRIA - CAUSA GERADORA DO DIREITO DE A AGREMIAÇÃO PARTIDÁRIA PREJUDICADA PRESERVAR A VAGA OBTIDA PELO SISTEMA PROPORCIONAL - HIPÓTESES EXCEPCIONAIS QUE LEGITIMAM O ATO DE DESLIGAMENTO PARTIDÁRIO - POSSIBILIDADE, EM TAIS SITUAÇÕES, DESDE QUE CONFIGURADA A SUA OCORRÊNCIA, DE O PARLAMENTAR, NO ÂMBITO DE PROCEDIMENTO DE JUSTIFICAÇÃO INSTAURADO PERANTE A JUSTIÇA ELEITORAL, MANTER A INTEGRIDADE DO MANDATO LEGISLATIVO - NECESSÁRIA OBSERVÂNCIA, NO PROCEDIMENTO DE JUSTIFICAÇÃO, DO PRINCÍPIO DO "DUE PROCESS OF LAW" (CF, ART. 5º, INCISOS LIV E LV) - APLICAÇÃO ANALÓGICA DOS ARTS. 3º A 7º DA LEI COMPLEMENTAR Nº 64/90 AO REFERIDO PROCEDIMENTO DE JUSTIFICAÇÃO - ADMISSIBILIDADE DE EDIÇÃO, PELO TRIBUNAL SUPERIOR ELEITORAL, DE RESOLUÇÃO QUE REGULAMENTE O PROCEDIMENTO DE JUSTIFICAÇÃO - MARCO INICIAL DA EFICÁCIA DO PRONUNCIAMENTO DESTA SUPREMA CORTE NA MATÉRIA: DATA EM QUE O TRIBUNAL SUPERIOR ELEITORAL APRECIOU A CONSULTA N° 1.398/DF - OBEDIÊNCIA AO POSTULADO DA SEGURANÇA JURÍDICA [...] HIPÓTESES EM QUE SE LEGITIMA, EXCEPCIONALMENTE, O VOLUNTÁRIO DESLIGAMENTO PARTIDÁRIO. - O parlamentar, não obstante faça cessar, por sua própria iniciativa, os vínculos que o uniam ao partido sob cuja legenda foi eleito, tem o direito de preservar o mandato que lhe foi conferido, se e quando ocorrerem situações excepcionais que justifiquem esse voluntário desligamento partidário, como, p. ex., nos casos em que se demonstre "a existência de mudança significativa de orientação programática do partido" ou "em caso de comprovada perseguição política dentro do partido que abandonou" (Min. Cezar Peluso). A INSTAURAÇÃO, PERANTE A JUSTIÇA ELEITORAL, DE PROCEDIMENTO DE JUSTIFICAÇÃO. - O Tribunal Superior Eleitoral, no exercício da competência normativa que lhe é atribuída pelo ordenamento positivo, pode, validamente, editar resolução destinada a disciplinar o procedimento de justificação, instaurável perante órgão competente da Justiça Eleitoral, em ordem a estruturar, de modo formal, as fases rituais desse mesmo procedimento, valendo-se, para tanto, se assim o entender pertinente, e para colmatar a lacuna normativa existente, da "analogia legis", mediante aplicação, no que couber, das normas inscritas nos arts. 3º a 7º da Lei Complementar nº 64/90. - Com esse procedimento de justificação, assegura-se, ao partido político e ao parlamentar que dele se desliga voluntariamente, a possibilidade de demonstrar, com ampla dilação probatória, perante a própria Justiça Eleitoral - e com pleno respeito ao direito de defesa (CF, art. 5º, inciso LV) -, a ocorrência, ou não, de situações excepcionais legitimadoras do desligamento partidário do parlamentar eleito (Consulta TSE nº 1.398/DF), para que se possa, se e quando for o caso, submeter, ao Presidente da Casa legislativa, o requerimento de preservação da vaga obtida nas eleições proporcionais [...]

(grifo nosso)

EMENTA: DIREITO CONSTITUCIONAL E ELEITORAL. MANDADO DE SEGURANÇA IMPETRADO PELO PARTIDO DO SDEMOCRATAS – DEM CONTRA ATO DO PRESIDENTE DA CÂMARA DOS DEPUTADOS. NATUREZA JURÍDICA E EFEITOS DA DECISÃO DO TRIBUNAL SUPERIOR ELEITORAL – TSE NA CONSULTA 1.398/2007. NATUREZA E TITULARIDADE DO MANDATO LEGISLATIVO. OSPARTIDOS POLÍTICOS E OS ELEITOS NO SISTEMA REPRESENTATIVO PROPORCIONAL. FIDELIDADE PARTIDÁRIA. EFEITOS DA DESFILIAÇÃO PARTIDÁRIA PELO ELEITO: PERDA DO DIREITO DE CONTINUAR A EXERCER O MANDATO ELETIVO. DISTINÇÃO ENTRE SANÇÃO POR ILÍCITO E SACRIFÍCIO DO DIREITO POR PRÁTICA LÍCITA E JURIDICAMENTE CONSEQUENTE. IMPERTINÊNCIA DA INOVAÇÃO DO ART. 55 DA CONSTITUIÇÃO DA REPÚBLICA. DIREITO DO IMPETRANTE DE MANTER O NÚMERO DE CADEIRAS OBTIDAS NA CÂMARA DOS DEPUTADOS NAS ELEIÇÕES. DIREITO À AMPLA DEFESA DO PARLAMENTAR QUE SE DESFILE DO PARTIDO POLÍTICO. PRINCÍPIO DA SEGURANÇA JURÍDICA E MODULAÇÃO DOS EFEITOS DA MUDANÇA DE ORIENTAÇÃO JURISPRUDENCIAL: MARCO TEMPORAL FIXADO EM 27.3.2007. MANDADO DE SEGURANÇA CONHECIDO E PARCIALMENTE CONCEDIDO

. (grifo nosso)

Essas decisões permitiram ao Tribunal Superior Eleitoral editar a Resolução n.º 22.610/2007, que disciplina o processo de perda de cargo eletivo, inclusive o de justificação de desfiliação partidária, tema objeto de análise do capítulo seguinte.

3 RESOLUÇÃO N.º 22.610, DE 25 DE OUTUBRO DE 2007

O Tribunal Superior Eleitoral, observando o que decidiu o Supremo Tribunal Federal nos Mandados de Segurança n.ºs 26.602, 26.603 e 26.604, mencionados no capítulo anterior, disciplinou o processo de perda de cargo eletivo, bem como de justificação de desfiliação partidária, através da Resolução n.º 22.610, de 25 de outubro de 2007, analisada a seguir.

3.1 Competência

A competência para processar e julgar pedido de perda de mandato eletivo federal, isto é, quando se tratar de mandatos de Senadores e Deputados Federais, em virtude de desfiliação partidária, é do Tribunal Superior Eleitoral.

Nos demais casos, ou seja, quando se referir a mandatos de Deputados Estaduais, Prefeitos e Vereadores, é competente o Tribunal Regional Eleitoral do respectivo Estado, conforme previsão no art. 2º, da Resolução n.º 22.610, a saber: "Art. 2º - O Tribunal Superior Eleitoral é competente para processar e julgar pedido relativo a mandato federal; nos demais casos, é competente o tribunal eleitoral do respectivo estado".

3.2 Legitimidade

Nos termos da Resolução, deve-se considerar como legitimado para requerer a decretação da perda de mandato em decorrência de desfiliação partidária, primeiramente, o Partido Político ao qual estava filiado o parlamentar.

O partido político tem 30 (trinta) dias, a contar do desligamento do partido, para formular o pedido junto ao órgão competente da Justiça Eleitoral. Caso não o faça nesse interstício, pode o Ministério Público Eleitoral, bem como quem tenha interesse jurídico, nesse caso, o eventual suplente, no prazo de 30 (trinta) dias subseqüentes ao termo do prazo concedido ao partido político, promover o respectivo procedimento. Trata-se de legitimidade concorrente e supletiva.

Observam-se, assim, os termos do caput e §2º, do art. 1º, da Resolução n.º 22.610:

Art. 1º - O partido político interessado pode pedir, perante a Justiça Eleitoral, a decretação da perda de cargo eletivo em decorrência de desfiliação partidária sem justa causa.

[...]

§ 2º - Quando o partido político não formular o pedido dentro de 30 (trinta) dias da desfiliação, pode fazê-lo, em nome próprio, nos 30 (trinta) subseqüentes, quem tenha interesse jurídico ou o Ministério Público eleitoral.

[...]

O ocupante de cargo eletivo que se desfiliou deve figurar no pólo passivo da ação, podendo, ainda, o eventual partido em que esteja inscrito atuar como assistente simples na demanda.

Além do procedimento de decretação de perda de cargo eletivo em decorrência de desfiliação partidária, a Resolução prevê também o procedimento de justificação de abandono de sigla, de natureza meramente declaratória, pois visa apenas à declaração de existência de justa causa. No tópico abaixo, ver-se-á que a Resolução enumerou as hipóteses em que, embora havendo o desligamento, o parlamentar tem o direito de permanecer no cargo eletivo, em virtude de a desfiliação importar em justa causa.

Tal procedimento encontra-se previsto no §3º, do art. 1º, da Resolução: "§ 3º - O mandatário que se desfiliou ou pretenda desfiliar-se pode pedir a declaração da existência de justa causa, fazendo citar o partido, na forma desta Resolução".

3.3 Hipóteses de Justa Causa

A Resolução do Tribunal Superior Eleitoral traz em seu texto quatro hipóteses de justificação para a desfiliação partidária, quais sejam, nos termos do §1º, do art. 1º, da Resolução n.º 22.610/2007, incorporação ou fusão do partido, criação de novo partido, mudança substancial ou desvio reiterado do programa partidário e grave discriminação pessoal. Em ocorrendo qualquer dessas quatro hipóteses, o detentor do cargo eletivo terá o direito de mudar de agremiação sem perder a titularidade do mandato para o partido.

Deve-se notar, porém, que a desfiliação sem justa causa passou a não mais ser permitida somente a partir do dia 27 de março de 2007, para os mandatários eleitos pelo sistema proporcional, e, do dia 16 de outubro de 2007, para os mandatários eleitos pelo sistema eleitoral majoritário, nos termos do art. 13 da Resolução, abaixo transcrito:

Art. 13. Esta Resolução entra e vigor na data de sua publicação, aplicando-se apenas às desfiliações consumadas após 27 (vinte e sete) de março deste ano, quanto a mandatários eleitos pelo sistema proporcional, e, após 16 (dezesseis) de outubro corrente, quanto a eleitos pelo sistema majoritário.

Parágrafo único – Para os casos anteriores, o prazo previsto no art. 1º, §2º, conta-se a partir do início da vigência desta Resolução.

Assim, não há se falar em justa causa ou mesmo de perda de mandato eletivo decorrente de desfiliação partidária antes desses marcos iniciais.

Nesse sentido, o Supremo Tribunal Federal decidiu:

EMENTA: CONSTITUCIONAL. ELEITORAL. MANDADO DE SEGURANÇA. FIDELIDADE PARTIDÁRIA. DESFILIAÇÃO. PERDA DE MANDATO. ARTS. 14, § 3º, V E 55, I A VI DA CONSTITUIÇÃO. CONHECIMENTO DO MANDADO DE SEGURANÇA, RESSALVADO ENTENDIMENTO DO RELATOR. SUBSTITUIÇÃO DO DEPUTADO FEDERAL QUE MUDA DE PARTIDO PELO SUPLENTE DA LEGENDA ANTERIOR. ATO DO PRESIDENTE DA CÂMARA QUE NEGOU POSSE AOS SUPLENTES. CONSULTA, AO TRIBUNAL SUPERIOR ELEITORAL, QUE DECIDIU PELA MANUTENÇÃO DAS VAGAS OBTIDAS PELO SISTEMA PROPORCIONAL EM FAVOR DOS PARTIDOS POLÍTICOS E COLIGAÇÕES. ALTERAÇÃO DA JURISPRUDÊNCIA DO SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL. MARCO TEMPORAL A PARTIR DO QUAL A FIDELIDADE PARTIDÁRIA DEVE SER OBSERVADA [27.3.07]. EXCEÇÕES DEFINIDAS E EXAMINADAS PELO TRIBUNAL SUPERIOR ELEITORAL. DESFILIAÇÃO OCORRIDA ANTES DA RESPOSTA À CONSULTA AO TSE. ORDEM DENEGADA

(grifo nosso)

E M E N T A: MANDADO DE SEGURANÇA - QUESTÕES PRELIMINARES REJEITADAS - O MANDADO DE SEGURANÇA COMO PROCESSO DOCUMENTAL E A NOÇÃO DE DIREITO LÍQUIDO E CERTO - NECESSIDADE DE PROVA PRÉ-CONSTITUÍDA - A COMPREENSÃO DO CONCEITO DE AUTORIDADE COATORA, PARA FINS MANDAMENTAIS - RESERVA ESTATUTÁRIA, DIREITO AO PROCESSO E EXERCÍCIO DA JURISDIÇÃO - INOPONIBILIDADE, AO PODER JUDICIÁRIO, DA RESERVA DE ESTATUTO, QUANDO INSTAURADO LITÍGIO CONSTITUCIONAL EM TORNO DE ATOS PARTIDÁRIOS "INTERNA CORPORIS" - COMPETÊNCIA NORMATIVA DO TRIBUNAL SUPERIOR ELEITORAL - O INSTITUTO DA "CONSULTA" NO ÂMBITO DA JUSTIÇA ELEITORAL: NATUREZA E EFEITOS JURÍDICOS - POSSIBILIDADE DE O TRIBUNAL SUPERIOR ELEITORAL, EM RESPOSTA À CONSULTA, NELA EXAMINAR TESE JURÍDICA EM FACE DA CONSTITUIÇÃO DA REPÚBLICA - CONSULTA/TSE N° 1.398/DF - FIDELIDADE PARTIDÁRIA - A ESSENCIALIDADE DOS PARTIDOS POLÍTICOS NO PROCESSO DE PODER - MANDATO ELETIVO - VÍNCULO PARTIDÁRIO E VÍNCULO POPULAR - INFIDELIDADE PARTIDÁRIA - CAUSA GERADORA DO DIREITO DE A AGREMIAÇÃO PARTIDÁRIA PREJUDICADA PRESERVAR A VAGA OBTIDA PELO SISTEMA PROPORCIONAL - HIPÓTESES EXCEPCIONAIS QUE LEGITIMAM O ATO DE DESLIGAMENTO PARTIDÁRIO - POSSIBILIDADE, EM TAIS SITUAÇÕES, DESDE QUE CONFIGURADA A SUA OCORRÊNCIA, DE O PARLAMENTAR, NO ÂMBITO DE PROCEDIMENTO DE JUSTIFICAÇÃO INSTAURADO PERANTE A JUSTIÇA ELEITORAL, MANTER A INTEGRIDADE DO MANDATO LEGISLATIVO - NECESSÁRIA OBSERVÂNCIA, NO PROCEDIMENTO DE JUSTIFICAÇÃO, DO PRINCÍPIO DO "DUE PROCESS OF LAW" (CF, ART. 5º, INCISOS LIV E LV) - APLICAÇÃO ANALÓGICA DOS ARTS. 3º A 7º DA LEI COMPLEMENTAR Nº 64/90 AO REFERIDO PROCEDIMENTO DE JUSTIFICAÇÃO - ADMISSIBILIDADE DE EDIÇÃO, PELO TRIBUNAL SUPERIOR ELEITORAL, DE RESOLUÇÃO QUE REGULAMENTE O PROCEDIMENTO DE JUSTIFICAÇÃO - MARCO INICIAL DA EFICÁCIA DO PRONUNCIAMENTO DESTA SUPREMA CORTE NA MATÉRIA: DATA EM QUE O TRIBUNAL SUPERIOR ELEITORAL APRECIOU A CONSULTA N° 1.398/DF - OBEDIÊNCIA AO POSTULADO DA SEGURANÇA JURÍDICA - A SUBSISTÊNCIA DOS ATOS ADMINISTRATIVOS E LEGISLATIVOS PRATICADOS PELOS PARLAMENTARES INFIÉIS: CONSEQÜÊNCIA DA APLICAÇÃO DA TEORIA DA INVESTIDURA APARENTE - O PAPEL DO SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL NO EXERCÍCIO DA JURISDIÇÃO CONSTITUCIONAL E A RESPONSABILIDADE POLÍTICO-JURÍDICA QUE LHE INCUMBE NO PROCESSO DE VALORIZAÇÃO DA FORÇA NORMATIVA DA CONSTITUIÇÃO - O MONOPÓLIO DA "ÚLTIMA PALAVRA", PELA SUPREMA CORTE, EM MATÉRIA DE INTERPRETAÇÃO CONSTITUCIONAL - MANDADO DE SEGURANÇA INDEFERIDO. PARTIDOS POLÍTICOS E ESTADO DEMOCRÁTICO DE DIREITO

(grifo nosso)

EMENTA: DIREITO CONSTITUCIONAL E ELEITORAL. MANDADO DE SEGURANÇA IMPETRADO PELO PARTIDO DO SDEMOCRATAS – DEM CONTRA ATO DO PRESIDENTE DA CÂMARA DOS DEPUTADOS. NATUREZA JURÍDICA E EFEITOS DA DECISÃO DO TRIBUNAL SUPERIOR ELEITORAL – TSE NA CONSULTA 1.398/2007. NATUREZA E TITULARIDADE DO MANDATO LEGISLATIVO. OSPARTIDOS POLÍTICOS E OS ELEITOS NO SISTEMA REPRESENTATIVO PROPORCIONAL. FIDELIDADE PARTIDÁRIA. EFEITOS DA DESFILIAÇÃO PARTIDÁRIA PELO ELEITO: PERDA DO DIREITO DE CONTINUAR A EXERCER O MANDATO ELETIVO. DISTINÇÃO ENTRE SANÇÃO POR ILÍCITO E SACRIFÍCIO DO DIREITO POR PRÁTICA LÍCITA E JURIDICAMENTE CONSEQUENTE. IMPERTINÊNCIA DA INOVAÇÃO DO ART. 55 DA CONSTITUIÇÃO DA REPÚBLICA. DIREITO DO IMPETRANTE DE MANTER O NÚMERO DE CADEIRAS OBTIDAS NA CÂMARA DOS DEPUTADOS NAS ELEIÇÕES. DIREITO À AMPLA DEFESA DO PARLAMENTAR QUE SE DESFILE DO PARTIDO POLÍTICO. PRINCÍPIO DA SEGURANÇA JURÍDICA E MODULAÇÃO DOS EFEITOS DA MUDANÇA DE ORIENTAÇÃO JURISPRUDENCIAL: MARCO TEMPORAL FIXADO EM 27.3.2007. MANDADO DE SEGURANÇA CONHECIDO E PARCIALMENTE CONCEDIDO

. (grifo nosso)

Observado esse marco temporal, segue abaixo a análise das quatro hipóteses de justa causa constantes da Resolução n.º 22.610 do TSE.

3.3.1 Incorporação ou fusão de partido

O fenômeno da incorporação ocorre quando um partido ingressa em outro, passa a fazer parte de outro partido, enquanto o fenômeno da fusão ocorre quando há uma associação de dois ou mais partidos para formar um terceiro partido.

Trata-se de situações de caráter objetivo, sendo de fácil constatação e prova.

3.3.2 Criação de novo partido

A criação de novo partido constitui também de hipótese de natureza objetiva. Tal acontecimento, semelhante ao ocorrido no caso de incorporação e fusão, justifica-se pelo fato de se criar novo agrupamento político-partidário.

Segundo Augusto Sampaio Angelim, em análise acerca da prova da justa causa nesses dois primeiros casos citados, destaca que: "Os dois primeiros critérios são objetivos e para certificá-los, basta uma certidão da justiça eleitoral ou mesmo a alegação de que o fato é público e notório"

(grifo nosso).

3.3.3 Mudança substancial ou desvio reiterado do programa partidário

A hipótese de mudança substancial ou desvio reiterado do programa partidário como justa causa da desfiliação se mostra bastante subjetiva, tornando-se, consequentemente, bem mais complexa a sua demonstração.

Nesse caso, faz-se necessária a prova de que a ideologia do partido foi modificada, gerando incompatibilidade com o detentor do mandato eletivo, ou que tenha havido um desvio do programa partidário ou, ainda, que o partido exista apenas formalmente, conforme destaca Carlos Eduardo de Oliveira Lula:

A melhor interpretação é a de que nessa situação também é possível alegar "infidelidade do partido". Ou seja, o partido, apesar de manter suas diretrizes e seu programa, nada faz para cumpri-los. De outro modo: o partido não atua enquanto tal, sendo mera formalidade. Nesta situação, entendo que também estaria configurada a justa causa "mudança substancial ou desvio reiterado do programa partidário"

Ocorre, no entanto, que esses fatos, por seu caráter subjetivo, assim como por constituírem novos conceitos no direito, implicarão em várias interpretações, cabendo ao órgão competente da Justiça Eleitoral o exame no caso concreto do que venha a se enquadrar como mudança substancial ou desvio reiterado do programa partidário.

3.3.4 Grave discriminação pessoal

A grave discriminação pessoal também se apresenta de forma subjetiva, porém sendo mais fácil sua constatação nos casos práticos, uma vez que se trata de violação de direitos e prerrogativas do detentor do mandato eletivo.

Sobre tal hipótese, assinala Carlos Eduardo de Oliveira Lula:

Por fim, a hipótese de grave discriminação pessoal deve referir-se a atos concretos do partido, que violem os direitos e prerrogativas do mandatário, seja na qualidade de filiado, seja enquanto cidadão. Impedir que o mandatário apareça na propaganda partidária, retirar-lhe o cargo de delegado do partido, fazer oposição sistemática à corrente a qual ele se filia, tudo isso são situações que dão ensejo à hipótese de grave discriminação pessoal

Assim como na mudança substancial ou desvio reiterado do programa partidário, os casos de grave discriminação pessoal serão observados no caso concreto pelo órgão competente, ainda que se trate de hipótese de mais fácil delimitação.

3.4 Instrução

O requerente, na petição inicial, deverá juntar a prova documental da desfiliação, assim como expor o fundamento do pedido. Pode, ainda, arrolar testemunhas, até o máximo de três, e requerer, justificadamente, outras provas, inclusive documentos em poder de terceiros ou de repartições públicas.

O mandatário que se desfiliou e o eventual partido em que esteja inscrito serão citados para responder no prazo de cinco dias, a contar do ato da citação. Em caso de revelia, presumir-se-ão verdadeiros os fatos afirmados na inicial, devendo constar do mandado advertência acerca de tal conseqüência.

O requerido, por sua vez, juntará, na resposta, prova documental, podendo arrolar também até três testemunhas, bem como requerer, justificadamente, outras provas, inclusive documentos em poder de terceiros ou de repartições públicas, observando, aqui, a aplicação do princípio da paridade de armas.

Cabe, ainda, ao requerido o ônus da prova quanto à existência de fato impeditivo, modificativo ou extintivo do direito do autor, nos termos do art. 333, II, do Código de Processo Civil, a seguir:

Art. 333. O ônus da prova incumbe:

[...]

II – ao réu, quanto à existência de fato impeditivo, modificativo ou extintivo do direito do autor.

Decorrido o prazo para resposta, o tribunal ouvirá, no prazo de quarenta e oito horas, o representante do Ministério Público, quando este não figure como requerente, e, em seguida, não havendo necessidade de dilação probatória, julgará o pedido.

Caso haja necessidade de realização de provas, o Relator deverá deferi-las, designando a tomada de depoimentos pessoais e inquirição das testemunhas, as quais serão trazidas pela parte que as arrolou, para o 5º (quinto) dia útil subseqüente, em única sessão.

Declarada encerrada a instrução, o Relator intimará as partes e o representante do Ministério Público para apresentarem, no prazo comum de 48 (quarenta e oito) horas, as alegações finais por escrito.

Por fim, o Relator, em caso de julgamento antecipado ou não, preparará voto e pedirá a inclusão do processo na pauta da sessão seguinte, observada a antecedência de 48 (quarenta e oito) horas, sendo facultada a sustentação oral por 15 (quinze) minutos.

O processo em questão será observado pelos Tribunais Regionais Eleitorais e terá preferência, devendo encerrar-se no prazo de 60 (sessenta) dias.

3.5 Efeitos da Decisão

Julgado procedente o pedido de perda de cargo eletivo, o tribunal decretará a perda do cargo, comunicando a decisão ao Presidente do órgão legislativo competente para que emposse o suplente ou o vice, conforme o caso, no prazo de 10 dias.

Ocorre que a Resolução não informou se o suplente interessado seria o pertencente ao mesmo partido do titular ou se seria o suplente da coligação. Diante de tal lacuna, o Tribunal Superior Eleitoral, em decisão monocrática, entendeu que o suplente a ser empossado deve pertencer ao mesmo partido do detentor do cargo eletivo desfiliado, independentemente da ordem de votação na coligação, haja vista a representatividade pertencer ao partido, a saber:

1. Recurso especial. Desfiliação partidária. Res. TSE nº 22.610/2007. 2º suplente. Coligação. Legitimidade ativa. Ausência. Consultas-TSE nº 1482 e 1439. 2. Interesse recursal. Utilidade da decisão para o recorrente. Inexistência. Precedentes. Recurso a que se nega seguimento.

[...]

No entanto, o julgado não assenta que qualquer suplente detenha interesse jurídico, mas sim o respectivo suplente, ou seja, o suplente imediato. E nem poderia ser diferente, pois somente detém interesse jurídico de postular a decretação de perda do mandato aquele que poderá ter sua situação jurídica alterada pela decisão judicial [...].

No caso dos autos, o Requerente, enquanto primeiro suplente da Coligação PL/PSB, não tem legitimidade para figurar no pólo ativo da presente relação jurídico processual, porquanto ausente qualquer interesse jurídico.

Com efeito, o Eg. Tribunal Superior Eleitoral, apreciando a Consulta nº 1439, entendeu que, mesmo no caso de o partido disputar as eleições por meio da coligação, o mandato do candidato eleito pertenceria ao partido, e não à coligação, pois essa teria existência efêmera, limitada ao processo eleitoral. Eis a ementa da referida Consulta:

Consulta. Detentor. Cargo eletivo proporcional. Transferência. Partido integrante da coligação. Mandato. Perda.

[...]

(grifo nosso)

Caso seja julgado improcedente o pedido de perda de cargo eletivo, estar-se-á, por conseqüência, declarando a justificativa para a desfiliação.

No caso de procedimento de justificação de abandono de sigla, em sendo declarada a existência de justa causa, o mandatário poderá desfiliar-se sem que implique em perda do mandato eletivo. Por outro lado, em sendo julgado improcedente o pedido de justificação, em virtude de sua natureza meramente declaratória, não implicará em automática perda do cargo, devendo tal conseqüência ser requisitada pelo interessado.

2.6 Recurso

As decisões interlocutórias proferidas pelo Relator são irrecorríveis, podendo, no entanto, serem revistas no julgamento final, de acordo com previsão do art. 11 da Resolução n.º 22.610/2207, in verbis:

Art. 11. São irrecorríveis as decisões interlocutórias do Relator, as quais poderão ser revistas no julgamento final, de cujo acórdão cabe recurso previsto no art. 121, §4º, da Constituição da República.

Assim dispõe o art. 121, § 4º, da Constituição Federal:

§4.º Das decisões dos Tribunais Regionais Eleitorais somente caberá recurso quando:

I – forem proferidas contra disposição expressa desta Constituição ou de lei;

II – ocorrer divergência na interpretação de lei entre dois ou mais tribunais eleitorais;

III – versarem sobre inelegibilidade ou expedição de diplomas nas eleições federais ou estaduais;

IV – anularem diplomas ou decretarem a perda de mandatos eletivos federais ou estaduais;

V – denegarem habeas corpus, mandado de segurança, habeas data ou mandado de injunção.

Dessa forma, pode-se destacar que das decisões proferidas pelos Tribunais Regionais Eleitorais que versarem sobre inelegibilidade ou expedição de diplomas nas eleições federais ou estaduais (inciso III); que anularem diplomas ou decretarem a perda de mandatos eletivos federais ou estaduais (inciso IV) ou que denegarem habeas corpus, mandado de segurança, habeas data ou mandado de injunção (inciso V) caberá Recurso Ordinário.

Contudo, caberá Recurso Especial das decisões do Tribunal Regional Eleitoral que forem proferidas contra disposição expressa da Constituição Federal ou de lei (inciso I) ou quando ocorrer divergência na interpretação de lei entre dois ou mais tribunais eleitorais (inciso II).


4 ANÁLISE SOB O ASPECTO CONSTITUCIONAL

A expedição da Resolução n.º 22.610/2007 pelo Tribunal Superior Eleitoral, que dispõe sobre o processo de perda de cargo eletivo por infidelidade e de justificação da desfiliação partidária, colocou em pauta, novamente, uma discussão não tão recente acerca dos limites da competência regulamentar desse Tribunal, culminando na apreciação pelo Supremo Tribunal Federal da Ação Direta de Inconstitucionalidade n.º 3.999, conforme será visto adiante.

É importante, no entanto, antes de se discutir a ADIn acima destacada, fazer-se uma análise dessa função regulamentadora da Justiça Eleitoral, a fim de verificar seus fundamentos e sua legitimidade.

4.1 Poder Regulamentar do Tribunal Superior Eleitoral

A Constituição Federal de 1988, em seu art. 84, inciso IV, restringiu ao Presidente da República o poder de expedir normas regulamentadoras, que têm por objetivo facilitar a execução das leis, em regra genéricas, cabendo-lhes a atribuição de descer aos detalhes necessários para o fiel cumprimento destas, explicitando-as ou complementando-as, observando os limites legais e constitucionais.

Alexandre de Moraes, ao falar sobre o poder regulamentar do Chefe do Poder Executivo, ensina que:

o exercício desse poder regulamentar se situa dentro da principiologia constitucional da separação dos poderes, pois, salvo em situações de relevância e urgência, o presidente da República não pode estabelecer normas gerais criadoras de direitos ou obrigações, função do Poder Legislativo, e que este poder regulamentar apenas será exercido quando alguns aspectos da aplicabilidade da lei são conferidos ao Poder Executivo, que deverá evidenciar e explicitar todas as previsões legais, decidindo a melhor forma de executá-la e, eventualmente, inclusive, suprindo suas lacunas de ordem prática ou técnica.

Ao Poder Legislativo, restou limitada a atuação normativa quanto à elaboração de seu regimento interno, à competência dos respectivos órgãos jurisdicionais, à organização de suas secretarias e serviços auxiliares, entre outros.

Entretanto, o parágrafo único do art. 1.º e o inciso IX do art. 23 do Código Eleitoral prevêem o poder regulamentar do Tribunal Superior Eleitoral, uma das peculiaridades da Justiça Eleitoral, a saber:

Art. 1.º Este Código contém normas destinadas a assegurar a organização e o exercício de direitos políticos precipuamente os de votar e ser votado.

Parágrafo único. O Tribunal Superior Eleitoral expedirá instruções para sua fiel execução.

Art. 23. Compete, ainda, privativamente, ao Tribunal Superior:

[...]

IX – expedir as instruções que julgar convenientes à execução deste Código;

A origem do poder normativo da Justiça Eleitoral confunde-se com sua própria existência, pois o primeiro Código Eleitoral (Decreto n.º 21.076, de 14.2.1932), em seu art. 5º, instituiu a Justiça Eleitoral com atribuições contenciosas e administrativas, entre as quais "fixar normas uniformes para a aplicação das leis e regulamentos eleitorais, expedindo instruções que entenda necessárias". Isto é, a Justiça Eleitoral passou a ter a competência para regulamentar as eleições.

Sobre o poder regulamentar do Tribunal Superior Eleitoral, observa Marcos Ramayana:

Diversas competências estão afetas à Justiça Eleitoral: questões de natureza administrativa, v.g., organização administrativa das zonas eleitorais, tais como locais destinados à votação, apuração, funcionários e o próprio alistamento eleitoral de natureza declaratória administrativa; questões atinentes ao poder regulamentar, pois o Poder Legislativo, ao editar as leis em matéria eleitoral, deixa sempre uma substanciosa margem de complementariedade afeta ao poder regulamentar do Tribunal Superior Eleitoral

Logo, embora haja a predominância da sua função jurisdicional, como todo órgão do Poder Judiciário, a Justiça Eleitoral exerce fortemente as funções normativa e administrativa das eleições, com o fim de garantir a lisura do processo eleitoral.

Ocorre que, como visto acima, a Constituição Federal atribuiu somente ao Poder Executivo a competência de editar normas regulamentadoras de leis genéricas, sendo omissa quanto à função regulamentadora da Justiça Eleitoral prevista no Código Eleitoral.

A Constituição Federal dispôs, ainda, em seu art. 121, que a organização e competência dos tribunais, dos juízes de direito e das juntas eleitorais deveriam ser disciplinadas por lei complementar, gerando uma incompatibilidade com o Código Eleitoral vigente.

Porém, embora não haja fundamento constitucional explícito acerca do poder regulamentar do Tribunal Superior Eleitoral, não há também na Constituição Federal nenhuma regra que proíba ou se contraponha a essa função, continuando a Justiça Eleitoral no exercício de tal atribuição.

Ademais, o próprio Tribunal Superior Eleitoral (Acórdão n.º 12.641) já se manifestou no sentido de que o Código Eleitoral, pelo fenômeno da recepção, é, atualmente, lei complementar, não obstante em sua origem ser lei ordinária, pelo menos até que seja editada a lei complementar de que faz referência no art. 121 da Constituição Federal.

A função regulamentadora da Justiça Eleitoral, portanto, é aceita e respeitada, sendo, inclusive, uma das atribuições principais realizadas pelo Tribunal Superior Eleitoral.

Esse poder regulamentar processa-se, formalmente, por meio de resoluções, entendendo-se como tais as decisões, administrativas ou judiciais, que visam dar eficácia legal e social às normas eleitorais, sejam constitucionais, sejam legais, bem como por instruções normativas, que

constituem atos normativos secundários, editados pela instância máxima da Justiça Eleitoral. Na classificação dos regulamentos, podem ser consideradas como regulamentos de execução, atos administrativos normativos, que contêm normas gerais, visando à correta aplicação da lei, cuja função, segundo Clève (2000, p. 297), "é explicitar a norma legal e os aparelhamentos dos meios concretos para a sua execução"

As resoluções podem ter caráter temporário ou permanente, devendo limitar-se a preencher e interpretar as normas eleitorais, por serem atos normativos secundários.

Ressalte-se, ainda, que as resoluções são atos normativos de observação imperativa pela Justiça Eleitoral, conforme preceito expresso no art. 21 do Código Eleitoral, a saber: "Os Tribunais e juízes inferiores devem dar imediato cumprimento às decisões, mandados, instruções e outros atos emanados do Tribunal Superior Eleitoral".

É visível, portanto, a atuação peculiar da Justiça Eleitoral no cenário jurídico e político brasileiro atual, em decorrência dessa ativa ação administrativa, com destaque para a regulamentação do processo eleitoral, por meio da edição de resoluções e instruções com força de lei geral, afastando, assim, a possibilidade de lacuna ou antinomia normativa,

bem como a ocorrência de fato ou circunstância, política ou administrativa, que não possa, de pronto, ser submetida à normatividade eleitoral.

O historiador do processo eleitoral brasileiro Vamireh Chacon (apud LACERDA et alii, 2004, p. 45), adverte que, se nós retirássemos essa competência normativa da Justiça Eleitoral, "poderíamos prejudicar o processo eleitoral, deixando-o entregue à lerdeza, mais que lentidão, do Legislativo. Ela perderia a agilidade"

Logo, pode-se dizer que uma das peculiaridades da Justiça Eleitoral é o seu poder regulamentar, que atribui ao Tribunal Superior Eleitoral a competência para expedir resoluções e instruções normativas, a fim de executar fielmente as leis eleitorais, não apenas para regulamentá-las, mas também para compatibilizá-las com o sistema no qual se inserem.

No entanto, a Resolução n.º 22.610/2007, que regulamentou o processo de perda de mandato eletivo por desfiliação partidária, provocou uma discussão acerca dos limites da função regulamentadora do Tribunal Superior Eleitoral, restando ao Supremo Tribunal Federal a decisão acerca de sua constitucionalidade, pelas questões abordadas a seguir.

4.2 A Constitucionalidade da Resolução n.º 22.610/2007

O Partido Social Cristão – PSC ajuizou a Ação Direta de Inconstitucionalidade, protocolada sob o n.º 3.999-7/Distrito Federal, argüindo a inconstitucionalidade da Resolução n.º 22.610/2007 do Tribunal Superior Eleitoral, que disciplina o procedimento de justificação da desfiliação partidária e a perda do mandato eletivo, com os seguintes argumentos:

a) o art. 2º da Resolução, que determina a competência da Justiça Eleitoral para julgar pedido de perda de mandato eletivo por ato de infidelidade partidária, teria contrariado a reserva de lei complementar para definição das competências de Tribunais, Juízes e Juntas Eleitorais, conforme previsão expressa no art. 121 da Constituição Federal;

b) teria ocorrido usurpação da competência do Legislativo e do Executivo para dispor de matéria eleitoral, uma vez que a Constituição Federal confere à União a competência privativa para legislar sobre direito eleitoral e, por meio de Resolução, em contrariedade à Constituição, o Tribunal Superior Eleitoral criou nova hipótese de perda de cargo eletivo;

c) a Resolução também teria violado a reserva de lei complementar ao estabelecer normas de caráter processual, como a forma da petição inicial e das provas (art. 3º), o prazo para a resposta e as conseqüências da revelia (art. 3º, caput e parágrafo único), os requisitos e direitos da defesa (art. 5º), o julgamento antecipado da lide (art. 6º), a disciplina e o ônus da prova (art. 7º, caput e parágrafo único, art. 8º);

d) o texto da Resolução estaria em desacordo com a orientação do Supremo Tribunal Federal nos precedentes que a inspiraram quanto à atribuição do Ministério Público Eleitoral e do terceiro interessado para postular a perda do cargo eletivo, ante a omissão do Partido Político, pois nova atribuição ao Ministério Público deveria ser apresentada por lei em sentido estrito (arts. 128, §5º e 129, inciso IX, da CF) e, por outro lado, o suplente não estaria autorizado a postular, em nome próprio, a aplicação da sanção que assegura a fidelidade partidária, uma vez que o mandato pertenceria ao Partido Político;

e) por fim, o ato impugnado teria invadido a competência legislativa, violando o princípio da separação dos poderes.

O Supremo Tribunal Federal, por sua vez, manifestou-se, em sua maioria, pela constitucionalidade da Resolução n.º 22.610/2007, tendo por base os fundamentos antes expostos nas decisões dos Mandados de Segurança 26.602, 26.603 e 26.604, já analisados anteriormente, que garantiram o direito constitucional de perda de mandato eletivo por ato de infidelidade partidária, destacando, inclusive, de forma expressa, a competência do Tribunal Superior Eleitoral para editar resoluções a fim de conceder eficácia a sua decisão, conforme disposto abaixo:

E M E N T A: [...] COMPETÊNCIA NORMATIVA DO TRIBUNAL SUPERIOR ELEITORAL [...] ADMISSIBILIDADE DE EDIÇÃO, PELO TRIBUNAL SUPERIOR ELEITORAL, DE RESOLUÇÃO QUE REGULAMENTE O PROCEDIMENTO DE JUSTIFICAÇÃO [...] HIPÓTESES EM QUE SE LEGITIMA, EXCEPCIONALMENTE, O VOLUNTÁRIO DESLIGAMENTO PARTIDÁRIO. [...] A INSTAURAÇÃO, PERANTE A JUSTIÇA ELEITORAL, DE PROCEDIMENTO DE JUSTIFICAÇÃO. - O Tribunal Superior Eleitoral, no exercício da competência normativa que lhe é atribuída pelo ordenamento positivo, pode, validamente, editar resolução destinada a disciplinar o procedimento de justificação, instaurável perante órgão competente da Justiça Eleitoral, em ordem a estruturar, de modo formal, as fases rituais desse mesmo procedimento, valendo-se, para tanto, se assim o entender pertinente, e para colmatar a lacuna normativa existente, da "analogia legis", mediante aplicação, no que couber, das normas inscritas nos arts. 3º a 7º da Lei Complementar nº 64/90. - Com esse procedimento de justificação, assegura-se, ao partido político e ao parlamentar que dele se desliga voluntariamente, a possibilidade de demonstrar, com ampla dilação probatória, perante a própria Justiça Eleitoral - e com pleno respeito ao direito de defesa (CF, art. 5º, inciso LV) -, a ocorrência, ou não, de situações excepcionais legitimadoras do desligamento partidário do parlamentar eleito (Consulta TSE nº 1.398/DF), para que se possa, se e quando for o caso, submeter, ao Presidente da Casa legislativa, o requerimento de preservação da vaga obtida nas eleições proporcionais [...]

Assim, o próprio Supremo, ante a omissão legal acerca de tal procedimento, previu como instrumento para viabilizar a garantia ora reconhecida a resolução, a ser expedida pelo órgão competente da Justiça Eleitoral, sob pena de não ver efetivada sua decisão. Não faria sentido a Suprema Corte reconhecer um direito constitucional sem prever um mecanismo para assegurá-lo.

Nesse sentido, destaca o ministro Joaquim Barbosa, Relator da ADIn n.º 3.999:

Pois bem, ao reconhecer aos partidos políticos o direito de postular o respeito ao princípio da fidelidade partidária perante o Judiciário, decisão na qual, é importante relembrar, eu fiquei vencido, esta Corte, interpretando a Constituição, não lhes negou um meio processual para assegurar concretamente as conseqüências advindas de eventual desrespeito ao princípio então reconhecido. É nesse sentido que leio as palavras lançadas pelo Ministro Celso de Mello, de que compete ao TSE dispor sobre a matéria durante o silêncio – eloqüente, talvez – do Legislativo.

Vale dizer, de pouco adiantaria a Corte reconhecer um dever – fidelidade partidária – e não reconhecer a existência do mecanismo leva a quadro de exceção, que se crê ser temporário. É nesse quadro excepcional, de carência de meio para garantia de um direito constitucional, marcado pela transitoriedade, que interpreto a adequação da resolução impugnada ao art. 21, IX do Código Eleitoral, este interpretado conforme a Constituição. O poder normativo do Tribunal Superior Eleitoral se submete, por óbvio, à Constituição. Por seu turno, o texto constitucional comete ao Legislativo o poder-dever de exercer a representação política que lhe foi outorgada e dispor sobre matéria eleitoral, nela consideradas o alcance e o processo que leva à caracterização da infidelidade partidária. E, neste ponto, ressalvadas as salvaguardas constitucionais, o Legislativo é soberano. A demarcação do âmbito de atividade do Legislativo, contudo, deve ser sensível às situações extraordinárias, marcadas pela necessidade de proteção de um direito que emana da própria Constituição. A atividade normativa do TSE recebe seu amparo da extraordinária circunstância de o Supremo Tribunal Federal ter reconhecido a fidelidade partidária como requisito de permanência em cargo eletivo e a ausência expressa de mecanismo destinado a assegurá-lo

Em seu voto, o ministro Joaquim Barbosa advertiu, ainda, o caráter excepcional e transitório da situação ora imposta, reconhecendo a soberania do Poder Legislativo, embora advertindo a necessidade de proteção de direito constitucional reconhecido pela própria Corte.

Ademais, há entendimento no Supremo Tribunal Federal, na voz do ministro Cezar Peluso, de que o princípio do devido processo legal não decorre tão somente de uma lei, mas de qualquer outra fonte constitucional, a exemplo da coisa julgada material de uma decisão da Suprema Corte, que, no caso ora analisado, foi fonte constitucional para disciplinar o procedimento quanto à perda de mandato eletivo por ato de infidelidade partidária, a saber:

Hoje, sabe-se que, quando o tal princípio constitucional se refere ao devido processo legal - e no artigo 111 da Constituição italiana consta agora a expressão "il glusto processo regolato dalla legge"-, não significa apenas que tal processo, a disciplina ou o perfil de tal processo deva decorrer de uma lei. É que o princípio agasalha, também, a hipótese de que o processo possa decorrer de qualquer outra fonte normativo-constitucional.

É o que parece, com o devido respeito, que se passou, no caso. Por quê? Porque a necessidade da disciplina do procedimento, que foi a razão da edição da resolução ou das resoluções ora impugnadas, advém de outra fonte constitucional, qual seja, a eficácia de coisa julgada material de um acórdão do Supremo Tribunal Federal. Noutras palavras, se esta Corte, em decisão recoberta pela autoridade de coisa julgada material, determina ao Tribunal Superior Eleitoral que, para dar eficácia prática ao objeto da sua decisão, deva disciplinar o modo de concretização do seu comando, a atuação do Tribunal Superior Eleitoral não pode deixar de ser considerada como expressão de um devido processo legal, de fonte constitucional, porque nasce exatamente da eficácia de coisa julgada material que a Constituição lhe garante

Vale destacar, por fim, alguns aspectos do voto do ministro Carlos Britto, que enfatizou a importância de se ver concretizado e garantido o direito constitucional reconhecido pela jurisprudência brasileira de perda do mandato eletivo por ato de infidelidade partidária, fazendo menção às palavras de Celso de Mello em julgados anteriores:

Pois bem, a expedição de ambas as resoluções se fez para cumprir determinação do Supremo Tribunal Federal, em fina sintonia com decisões do Supremo Tribunal Federal em dois mandados de segurança e, no particular, ambas as resoluções louvaram-se em passagens do voto proferido por esse luminar do Direito que é o Ministro Celso de Mello; esse erudito componente da Suprema Corte brasileira que, sem dúvida, se inscreve na lista, no rol, dos melhores, dos maiores Ministros que passaram por esta Casa em todos os tempos.

Disse o Ministro Celso de Mello, lapidarmente:

"O direito vindicado pelos partidos políticos afetados por atos de infidelidade partidária não nasce nem surge da resposta que o TSE deu à Consulta que lhe foi submetida, mas representa emanação direta do próprio texto da Constituição, que a esse mesmo direito confere realidade e dá suporte legitimador, especialmente em face dos fundamentos e dos princípios estruturantes em que se apóia o Estado Democrático de Direito, como a soberania popular, a cidadania e o pluralismo político".

[...] O fato é que o partido, ponte necessária entre o eleito e o candidato, é quem filia o candidato como condição de elegibilidade; aprova o nome do candidato em convenção – até então é um pré-candidato -; inscreve o candidato; registra-o na Justiça Eleitoral (ou o partido ou a coligação); cede ao candidato o seu espaço gratuito de rádio e televisão; financia a campanha do candidato com recursos do fundo partidário e outros recursos; empresta ao candidato o seu aval ideológico, o seu aval ético durante a campanha, porque a ideologia do candidato se conhece pela ideologia do partido. E, depois, o candidato põe o diploma debaixo do braço e arbitrariamente dá as costas ao partido sob cuka bandeira, sob cuja legenda se elegeu?

Aí disse o Ministro Celso de Mello:

"O ato de infidelidade, seja o Partido Político, seja, com maior razão, ao próprio cidadão-eleitor, mais do que um desvio ético-político, representa um inadmissível ultraje ao princípio democrático e ao exercício legítimo do poder, na medida em que migrações inesperadas, nem mesmo motivadas por razões justas, não só surpreendem o próprio corpo eleitoral e as agremiações partidárias de origem – desfalcando-as da representatividade por elas conquistadas nas urnas -, mas culminaram por gerar um arbitrário desequilíbrio de forças do Parlamento, vindo, até, em clara fraude à vontade popular, e em frontal transgressão ao sistema eleitoral proporcional, a asfixiar, em face de súbita redução numérica, o exercício pleno da oposição política".

[...]

Mas, no que nos interessa mais de perto, disse o Ministro:

"Nada impedirá que E. Tribunal Superior Eleitoral, à semelhança do que se registrou em precedente firmado no caso Mira Estrela/SP (RE 197.917-SP) formule e edite resolução destinada a regulamentar o procedimento (materialmente) administrativo de justificação em referência, instaurável perante órgão competente da própria Justiça Eleitoral, em ordem a estruturar, de modo formal, as fases rituais desse mesmo procedimento (...)"

Dessa forma, o Tribunal Superior Eleitoral teve confirmado no Supremo Tribunal Federal seu poder regulamentar e a constitucionalidade da Resolução n.º 22.610/2007, em todos os seus termos, figurando, inclusive, como instrumento hábil e necessário para assegurar o direito constitucional à perda do mandato eletivo em caso de infidelidade partidária.


5 CONCLUSÃO

O instituto da fidelidade partidária, que consiste na adesão à ideologia do partido ao qual é filiado, é indispensável à democracia e tem como fundamento o sistema eleitoral representativo adotado no Brasil.

A Constituição Federal de 1988 determina como condição de elegibilidade a filiação partidária, sendo indispensável para se concorrer a qualquer cargo eletivo a representação do candidato por um partido político. Tal a força da representatividade do partido que o número de candidatos a ocuparem as vagas nas Casas Legislativas e as vagas destinadas a cada partido ou coligação são determinadas pelo total de votos conseguidos pelo candidato e, principalmente, pela legenda do partido.

Ocorre que, sem a previsão legal de punição para aqueles que cometeram ato contra a fidelidade partidária, tornou-se constante a troca de partidos entre os parlamentares, provocando descontentamento dos próprios mandatários, bem como o enfraquecimento do Partido Político no cenário eleitoral brasileiro, e, por conseguinte, da democracia.

Diante de tal situação, o Tribunal Superior Eleitoral se manifestou acerca da configuração da infidelidade partidária em virtude da troca de partido e da conseqüente perda do mandato eletivo, com base no fundamento de que o mandato eletivo pertence ao Partido Político e não ao candidato, e, ainda, editou a Resolução n.º 22.610/2007, disciplinando o procedimento de justificação de desfiliação partidária e da perda do mandato eletivo.

Assim, os mandatários que trocarem de partido perderão o direito a permanecer no cargo eletivo, uma vez que este pertence ao partido pelo qual foi eleito, assumindo, então, o suplente, salvo nos casos de justa causa enumerados na Resolução.

Hoje, a fidelidade partidária está prevista, além do disposto na Resolução n.º 22.610/2007 do Tribunal Superior Eleitoral, somente na Lei n.º 9.096/95 (Lei dos Partidos Políticos), em seu art. 18, que condiciona a participação do candidato ou parlamentar na eleição a estar filiado a pelo menos 1 (um) ano antes da eleição subseqüente, podendo, mesmo para tais fins, ocorrer a perda do mandato eletivo em caso de desfiliação partidária sem justa causa.


REFERÊNCIAS

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LULA, Carlos Eduardo de Oliveira. Direito Eleitoral: comentários às leis nº 9.504/97, nº 9.096/95 e à lei complementar nº. 64/90. São Paulo: Imperium Editora, 2008, p. 193.

RAMAYANA, Marcos. Direito Eleitoral. 8. ed. rev., ampl. e atual. com Comentários à Resolução do TSE 22.610/2007. Rio de Janeiro: Impetus, 2008, p. 88.

SILVA, J. Nepomuceno; PAIVA, Sebastião Renato de. A importância do instituto da fidelidade partidária na reforma política brasileira. Disponível em: <http://www.amb.com.br/portal/docs/artigos/A%20IMPORT%C3%82NCIA%20DO%20INSTITUTO%20DA%20FIDELIDADE%20PARTID%C3%81RIA%20NA%20REFORMA%20POL%C3%8DTICA%20DO%20BRASIL2.doc>. Acesso em: 1 jun. 2009.

SILVA, Lívia Matias de Souza. A infidelidade partidária e seus reflexos negativos sobre a consolidação das instituições políticas democráticas no Brasil. Disponível em: <http://jus.com.br/artigos/7297>. Acesso em: 25 abr. 2009.

JURISPRUDÊNCIA

BRASIL. Tribunal Superior Eleitoral. Respe 28647 / SP. Relator(a): Min. JOAQUIM BENEDITO BARBOSA GOMES. DJ 5/8/2008, pg.8.

______. Supremo Tribunal Federal. ADIn 3.999-7 / DF – DISTRITO FEDERAL. Relator(a): Min. JOAQUIM BARBOSA. Julgamento: 12/11/2008. Órgão Julgador: Tribunal Pleno. DJe nº 71. Divulgação 16/04/2009. Publicação: 17/04/2009. Ementário nº 2356-1.

______. MS 20916 / DF - DISTRITO FEDERAL.

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Relator(a):  Min. CARLOS MADEIRA. Julgamento:  11/10/1989. Órgão Julgador: Tribunal Pleno. DJ 26-03-1993, pp-05002.

______. MS 26602 / DF - DISTRITO FEDERAL.

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Relator(a):  Min. EROS GRAU. Julgamento:  04/10/2007. Órgão Julgador:  Tribunal Pleno. Publicação. DJe-197. DIVULG 16-10-2008. PUBLIC 17-10-2008

______. MS 26603 / DF - DISTRITO FEDERAL.

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Relator(a):  Min. CELSO DE MELLO. Julgamento:  04/10/2007. Órgão Julgador: Tribunal Pleno.

______. RE 99.884, 1ª. Turma, 18.10.83, relator Ministro Oscar Corrêa, DJU 18.11.83.

LEIS

BRASIL. Constituição da República Federativa do Brasil. Brasília, DF, Senado, 1988.

______. Lei nº 4.737, 15 de julho de 1965. Institui o Código Eleitoral.

______. Lei nº 9.096, de 19 de setembro de 1995. Dispõe sobre os partidos políticos, regulamenta os arts. 17 e 14, §3.º, V da Constituição Federal.

______. Resolução n.º 22.610, de 25 de outubro de 2007, do Tribunal Superior Eleitoral.


ANEXO

RESOLUÇÃO Nº 22.610

Relator: Ministro Cezar Peluso.

O TRIBUNAL SUPERIOR ELEITORAL, no uso das atribuições que lhe confere o art. 23, XVIII, do Código Eleitoral, e na observância do que decidiu o Supremo Tribunal Federal nos Mandados de Segurança nº 26.602, 26.603 e 26.604, resolve disciplinar o processo de perda de cargo eletivo, bem como de justificação de desfiliação partidária, nos termos seguintes:

Art. 1º - O partido político interessado pode pedir, perante a Justiça Eleitoral, a decretação da perda de cargo eletivo em decorrência de desfiliação partidária sem justa causa.

§ 1º - Considera-se justa causa:

I) incorporação ou fusão do partido;

II) criação de novo partido;

III) mudança substancial ou desvio reiterado do programa partidário;

IV) grave discriminação pessoal.

§ 2º - Quando o partido político não formular o pedido dentro de 30 (trinta) dias da desfiliação, pode fazê-lo, em nome próprio, nos 30 (trinta) subseqüentes, quem tenha interesse jurídico ou o Ministério Público eleitoral.

§ 3º - O mandatário que se desfiliou ou pretenda desfiliar-se pode pedir a declaração da existência de justa causa, fazendo citar o partido, na forma desta Resolução.

Art. 2º - O Tribunal Superior Eleitoral é competente para processar e julgar pedido relativo a mandato federal; nos demais casos, é competente o tribunal eleitoral do respectivo estado.

Art. 3º - Na inicial, expondo o fundamento do pedido, o requerente juntará prova documental da desfiliação, podendo arrolar testemunhas, até o máximo de 3 (três), e requerer, justificadamente, outras provas, inclusive requisição de documentos em poder de terceiros ou de repartições públicas.

Art. 4º - O mandatário que se desfiliou e o eventual partido em que esteja inscrito serão citados para responder no prazo de 5 (cinco) dias, contados do ato da citação.

Parágrafo único – Do mandado constará expressa advertência de que, em caso de revelia, se presumirão verdadeiros os fatos afirmados na inicial.

Art. 5º - Na resposta, o requerido juntará prova documental, podendo arrolar testemunhas, até o máximo de 3 (três), e requerer, justificadamente, outras provas, inclusive requisição de documentos em poder de terceiros ou de repartições públicas.

Art. 6º - Decorrido o prazo de resposta, o tribunal ouvirá, em 48 (quarenta e oito) horas, o representante do Ministério Público, quando não seja requerente, e, em seguida, julgará o pedido, em não havendo necessidade de dilação probatória.

Art. 7º - Havendo necessidade de provas, deferi-las-á o Relator, designando o 5º (quinto) dia útil subseqüente para, em única assentada, tomar depoimentos pessoais e inquirir testemunhas, as quais serão trazidas pela parte que as arrolou.

Parágrafo único – Declarando encerrada a instrução, o Relator intimará as partes e o representante do Ministério Público, para apresentarem, no prazo comum de 48 (quarenta e oito) horas, alegações finais por escrito.

Art. 8º - Incumbe aos requeridos o ônus da prova de fato extintivo, impeditivo ou modificativo da eficácia do pedido.

Art. 9º - Para o julgamento, antecipado ou não, o Relator preparará voto e pedirá inclusão do processo na pauta da sessão seguinte, observada a antecedência de 48 (quarenta e oito) horas. É facultada a sustentação oral por 15 (quinze) minutos.

Art. 10 - Julgando procedente o pedido, o tribunal decretará a perda do cargo, comunicando a decisão ao presidente do órgão legislativo competente para que emposse, conforme o caso, o suplente ou o vice, no prazo de 10 (dez) dias.

Art. 11 - São irrecorríveis as decisões interlocutórias do Relator, as quais poderão ser revistas no julgamento final, de cujo acórdão cabe o recurso previsto no art. 121, § 4º, da Constituição da República.

Art. 12 - O processo de que trata esta Resolução será observado pelos tribunais regionais eleitorais e terá preferência, devendo encerrar-se no prazo de 60 (sessenta) dias.

Art. 13 - Esta Resolução entra em vigor na data de sua publicação, aplicando-se apenas às desfiliações consumadas após 27 (vinte e sete) de março deste ano, quanto a mandatários eleitos pelo sistema proporcional, e, após 16 (dezesseis) de outubro corrente, quanto a eleitos pelo sistema majoritário.

Parágrafo único – Para os casos anteriores, o prazo previsto no art. 1º, § 2º, conta-se a partir do início de vigência desta Resolução.

Marco Aurélio – Presidente. Cezar Peluso – Relator. Carlos Ayres Britto. José Delgado. Ari Pargendler. Caputo Bastos. Marcelo Ribeiro.

Brasília, 25 de outubro de 2007.

___________________________

* Republicada por determinação do art. 2º da Resolução n.º 22.733, de 11 de março de 2008.


Autor


Informações sobre o texto

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

MELO, Sofia Fernandes Távora de. Fidelidade partidária e perda de mandato no Brasil. Resolução nº 22.610/2007 do Tribunal Superior Eleitoral. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 15, n. 2395, 21 jan. 2010. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/14221. Acesso em: 25 abr. 2024.