Este texto foi publicado no Jus no endereço https://jus.com.br/artigos/1423
Para ver outras publicações como esta, acesse https://jus.com.br

Da inconstitucionalidade da cobrança do adicional ao SEBRAE para as médias e grandes empresas.

Um caso de interpretação conforme a Constituição

Da inconstitucionalidade da cobrança do adicional ao SEBRAE para as médias e grandes empresas. Um caso de interpretação conforme a Constituição

Publicado em .

Este pequeno texto que ora se apresenta tem como escopo demonstrar a inconstitucionalidade da cobrança do adicional ao SEBRAE ou, na pior das hipóteses, e se utilizando de uma possível interpretação conforme a Constituição (HESSE), da inconstitucionalidade da cobrança do adicional ao SEBRAE em relação às médias e grandes empresas.

Para o bom desenrolar do trabalho e para que sejam atingidos os objetivos acima propostos, inicialmente é de curial importância analisarmos a noção de paradigma, retirada da Filosofia da Ciência e com grande aplicação para o Direito Constitucional; a seguir, será analisado o instrumento normativo que criou o referido adicional; posteriormente, deve-se perscrutar qual a natureza jurídica do adicional e os comandos constitucionais referentes à matéria; e, por fim, faz-se necessária uma análise das diversas teorias sobre interpretação constitucional, ressaltando-se a interpretação conforme a Constituição, no intuito de se demonstrar a inconstitucionalidade da exação para as médias e grandes empresas.


1. A NOÇÃO DE PARADIGMA

O conceito de paradigma vem da filosofia da ciência de THOMAS KUHN(1) e, como ensina CARVALHO NETTO(2), este conceito engloba um duplo aspecto. Esclarecedor neste ponto o magistério do grande professor mineiro:

"Tal noção [a de paradigma] apresenta um duplo aspecto. Por um lado, possibilita explicar o desenvolvimento científico como um processo que se verifica mediante rupturas, por meio da tematização e explicitação de aspectos centrais dos grandes esquemas gerais de pré-compreensões e visões de mundo, consubstanciados no pano de fundo naturalizado de silêncio assentado na gramática das práticas sociais, que a um só tempo tornam possível a linguagem, a comunicação, e limitam ou condicionam o nosso agir e a nossa percepção de nós mesmos e do mundo. Por outro, também padece de óbvias simplificações, que só são válidas na medida em que permitem que se apresente essas grades seletivas gerais pressupostas nas visões de mundo prevalentes e tendencialmente hegemônicas em determinadas sociedades por certos períodos de tempo e em contextos determinados."

Aqui, e apenas para introduzirmos rapidamente a aplicação do conceito no direito constitucional, principalmente com vistas aos supostos do adicional ora analisado, reconstruiremos um único e grande paradigma de direito e da organização política para toda a antigüidade e idade média, como contraponto à modernidade que, será, por sua vez, apresentada em três grandes paradigmas: o do Estado de Direito, o do Estado de Bem-Estar Social e o do Estado Democrático de Direito. E essa apresentação se faz necessária pois poderemos entender melhor o paradigma do Estado Democrático de Direito, suposto pela Constituição de 1988, se o contrapusermos com os paradigmas anteriores.

O direito e a organização política pré-modernos encontravam fundamento, em última análise, em um amálgama normativo indiferenciado da religião, moral, direito, tradição e costumes justificados transcendentalmente e que não se discerniam em sua essência. (3) Como assevera CARVALHO NETTO,

"O direito, portanto, apresentava-se como ordenamentos sucessivos, consagradores dos privilégios de cada casta e facção de casta, reciprocamente excludentes, de normas oriundas da barafunda legislativa imemorial, das tradições, dos usos e costumes locais, aplicadas casuisticamente como normas concretas e individuais, e não como um ordenamento jurídico integrado por normas gerais e abstratas válidas para todos." (4)

Por diversas razões que não cabem aqui analisar, o referido paradigma entra em colapso ao longo de pelo menos três séculos. Surge, então, com a criação do Estado Moderno, o primeiro paradigma do Direito Moderno: o paradigma do Estado de Direito ou Liberal.

Este paradigma é marcado pela invenção da Constituição, como instrumento jurídico e político de contenção do poder real e de asseguramento de direitos mínimos aos cidadãos, tidos como livres e iguais. Esses direitos eram essencialmente negativos, no sentido de que impediam o Estado de agir. Eram os direitos de igualdade, liberdade e propriedade. Assim, para este primeiro paradigma todos eram iguais, livre e proprietários (pelo menos, de sua força de trabalho). Eram direitos formais, pois não vislumbravam as diferenças fáticas que existiam na sociedade, já que a idéia da época era que o Estado deveria deixar os cidadãos livres, para que estes buscassem a felicidade através do desenvolvimento das aptidões pessoais. Nesse contexto, o público era uma esfera convencional, já que apenas a boa sociedade poderia participar, e o privado era tudo, a esfera dos egoísmos e da economia livre, não podendo o Estado intervir, pois essa ação era considerada uma afronta à liberdade das pessoas.

A partir de meados do século XIX, o paradigma do Estado de Direito entra em colapso, também por várias razões difíceis de enumerar. Dentre elas, podemos citar o aumento da pobreza, o surgimento de uma classe operária, as críticas marxistas e socialistas e a Revolução Russa de 1917. O conjunto desses fatores pôs fim ao Estado de Direito, surgindo o Estado de Bem-Estar Social.

Agora, toda a concepção jurídica e política se modifica. Criam-se novos direitos (sociais, coletivos e econômicos) que se caracterizam pela intervenção do Estado no domínio econômico, já que agora o Estado deveria assegurar saúde, educação, trabalho à grande massa da população. Viu-se que sob a égide do paradigma anterior criaram-se grandes desigualdades e, sob o novo paradigma tentava-se dar cidadania à massa de excluídos gerada pelo Estado de Direito. Dessa forma, os próprios direitos de primeira geração (igualdade, liberdade, propriedade) sofrem reformulação, pois, para o Estado Social, igualdade deve ser vista em seu aspecto concreto, dando-se mais poder ao lado mais fraco da relação (veja o Direito do Trabalho, por exemplo), a liberdade é a maior incidência de leis sobre o indivíduo, já que o Estado deveria dar saúde, educação, etc., e só poderia agir mediante lei e a propriedade deveria adquirir uma função social. Por outro lado, e como face da mesma moeda, a relação entre público e privado fica profundamente alterada, apresentando-se como meras convenções didáticas que facilitariam o estudo. Isso porque todo direito é público, porque feito nos Parlamentos. É nesse paradigma que nascem as contribuições parafiscais, como instrumentos de atuação do Estado e seus entes no domínio econômico, com o intuito de se diminuir a desigualdade econômica entre as pessoas.

Mas, esse paradigma entra em colapso, em decorrência da crise do petróleo, do surgimento de direitos de terceira geração (direitos difusos), da reivindicação de mais direitos por segmentos sociais marginalizados (pense-se nas mulheres, negros, homossexuais, etc.). Assim, nasce o paradigma do Estado Democrático de Direito, criticando vorazmente o paradigma anterior, que não conseguiu dar cidadania às pessoas, já que, no máximo, criou clientes do Estado. O Estado, ao dar direitos à população, retirou dela o poder de reivindicar mais direitos e de melhor qualidade. Aqui, para esse paradigma o que importa não é tanto a quantidade de direitos, mas a qualidade dos mesmos e a possibilidade dos afetados pela decisão poderem discutir o teor dos direitos que querem ter. Vê-se que a própria noção de público e privado mais uma vez é transformada, pelo fato de que o público não se confunde mais com o estatal, porque muitas vezes o Estado se encontra privatizado e na mão de poucos. O público é muito mais amplo, englobando vários setores da sociedade civil organizada, que devem agir em pé de igualdade com o Estado, no sentido de se atingir o entendimento sobre o futuro desse mesmo Estado. Em decorrência do surgimento dos direitos de terceira geração, que não possuem mais sujeitos ativos e passivos determinados, a estrutura dos outros direitos também resta modificada, pois a partir do Estado Democrático de Direito, todos os direitos devem ser entendidos em seu sentido processual, servindo sempre para se discutir quais direitos devem ser assegurados à população. O direito primordial no Estado Democrático de Direito é o da igualdade de participação nos discursos públicos e a consideração de todos os argumentos dos possíveis afetados pela decisão estatal. Em outras palavras, as decisões estatais só serão legítimas e válidas perante o direito se forem levados em conta os argumentos dos afetados pela decisão e mais, eles têm que participar na criação da própria decisão. Assim, desvela-se a tensão existente entre questões técnicas e políticas, porque como fica fácil de ver toda questão técnica é política e toda questão política é também técnica (um exemplo claro é o caso das usinas de Angra I e II; na época da ditadura, a instalação dessas usinas foi considerada uma questão técnica, da qual o povo não poderia participar; no entanto, é uma questão eminentemente política, pois afeta o país inteiro e o mundo como um todo, pelo fato de que se houver um desastre nuclear na região, no mínimo três grandes Estados da Federação serão intimamente afetados – Rio de Janeiro, São Paulo e Minas Gerais).

Esse é o paradigma suposto e pressuposto pela nossa Constituição de 1988, logo em seu art. 1º ("A República Federativa do Brasil, formada pela união indissolúvel dos Estados e Municípios e do Distrito Federal, constitui-se em Estado Democrático de Direito[...]). E é sob esse paradigma que deveremos entender a problemática do adicional ao SEBRAE.


2. UM BREVE ESCORÇO HISTÓRICO-LEGISLATIVO

O adicional ao SEBRAE foi criado pelas Leis nº. 8.029, de 12 de abril de 1990, e 8.154, de 28 de dezembro do mesmo ano. O primeiro diploma normativo autorizou, em seu artigo 8º, o Poder Executivo a desvincular da Administração Pública o Centro Brasileiro de Apoio à Pequena e Média Empresa – CEBRAE, mediante sua transformação em serviço autônomo. O parágrafo 3º do referido dispositivo, acrescentado pelo último diploma normativo citado, criou um adicional às alíquotas das contribuições sociais relativamente às entidades de que trata o art. 1º do Decreto-Lei nº2.318/86. Vejamos o que diz o artigo 8º supra citado:

"Art. 8º - É o Poder Executivo autorizado a desvincular, da Administração Pública Federal, o Centro Brasileiro de Apoio à Pequena e Média Empresa (CEBRAE), mediante sua transformação em serviço autônomo.

§ 3ºPara atender à execução da política de Apoio às Micro e às Pequenas Empresas, é instituído adicional às alíquotas das contribuições sociais relativamente às entidades de que trata o artigo 1º, do Decreto-Lei nº 2.318, de 30 de dezembro de 1986, de:

a) 0,1% (um décimo por cento) no exercício de 1991;

b) 0,2% (dois décimos por cento) em 1992;

c) 0,3% (três décimos por cento) a partir de 1993."

          O artigo 1º do Decreto-Lei nº 2.318 citado prescreve:

"Art. 1º - Mantida a cobrança, fiscalização, arrecadação e repasse às entidades beneficiárias das contribuições para o Serviço Nacional de Aprendizagem Industrial – SENAI, para o Serviço Nacional de Aprendizagem Comercial – SENAC, para o Serviço Social da Indústria – SESI, e para o Serviço Social do Comércio – SESC, ficam revogados:(...)"

          Seguindo a autorização legalmente atribuída, em 9 de outubro de 1990, o Poder Executivo, através do Decreto nº 99.570, desvinculou da Administração Pública o Centro Brasileiro de Apoio à Pequena e Média Empresa – CEBRAE, transformando-o em um serviço social autônomo – o Serviço Brasileiro de Apoio às Micro e Pequenas Empresas (SEBRAE). Destarte, o Instituto Nacional de Seguridade Social vem exigindo que as empresas enquadradas nos códigos FPAS 507, 515, 566, 574, 612, 647, 663, 671, 698 e 701 recolham a contribuição ao SEBRAE nos percentuais, variáveis de 0,3% a 0,6%. Essa variação se explica porque em alguns desses códigos o adicional incide apenas sobre a contribuição ao SESC ou SESI, enquanto que em outros, ambas as contribuições são exigidas, razão pela qual o adicional incide sobre as mesmas.

Esse é o quadro normativo regulador do adicional ao SEBRAE, mas, como veremos a seguir, as leis que tratam da matéria são inconstitucionais, por terem ferido princípios basilares da Constituição Federal, no que se refere ao Sistema Tributário Nacional. Este é o momento propício para a análise da natureza jurídica do adicional ao SEBRAE, pois esta questão lançará importantes luzes ao tema analisado.


3. A NATUREZA JURÍDICA DO ADICIONAL AO SEBRAE

O adicional de qualquer tributo tem a natureza de um verdadeiro aumento do tributo. É majoração de tributo com nomen juris diverso. Não é outro o ensinamento dos mais consagrados mestres do Direito Tributário.

GERALDO ATALIBA, comentando essa matéria, escreve:

"Penso (se não estiver enganado) que foi Amilcar Falcão que melhor e mais didaticamente escreveu sobre os adicionais, dizendo que são uma forma de aumentar o imposto que já existe. O adicional pode ter por base a mesma base do imposto ou pode ter por base o montante do quantum devido depois de apurado um outro imposto." (5)

          Nessa mesma linha de raciocínio é o ensinamento de LUCIANO DA SILVA AMARO:

"Os chamados adicionais participam da natureza da prestação principal a que se acrescem. Assim, os adicionais de imposto de renda (independentemente de atingirem apenas uma parte dos contribuintes, p. ex., só empresas com lucro acima de determinado montante) têm a mesma natureza do imposto a que se agregam e seguem o mesmo regime jurídico.

O adicional é mais do que um simples acessório. Este segue a sorte do principal. Mas o adicional é mais do que isso; ele integra o valor do principal (de cuja natureza participa)..." (6)

          Desnecessário qualquer outro comentário a respeito do tema, devendo-se, no entanto, mais uma vez ressaltar que os princípios constitucionais que regem o tributo aplicar-se-ão forçosamente em relação ao adicional do tributo, como depreendemos das lições acima citadas.

Vejamos a partir de agora os princípios constitucionais que regulam o tributo em análise (SESI, SENAI, SESC, SENAC) e as razões da inconstitucionalidade da exação do adicional ao SEBRAE.


4. AS CONTRIBUIÇÕES AO SESI, SENAI, SESC E SENAC FORAM
RECEPCIONADAS EXPRESSAMENTE PELA CONSTITUIÇÃO
DE 1988: O ARTIGO 240 DA CARTA MAGNA

Diz a Constituição Federal em seu art. 240, in verbis:

"Art. 240. Ficam ressalvadas do disposto no art. 195 as atuais contribuições compulsórias dos empregadores sobre a folha de salários, destinadas às entidades privadas de serviço social e de formação profissional vinculadas ao sistema sindical."

          Por conseguinte, o art. 195 do Texto Fundamental dispõe:

"Art. 195. A seguridade social será financiada por toda a sociedade, de forma direta e indireta, nos termos da lei, mediante recursos provenientes dos orçamentos da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios, e das seguintes contribuições sociais:

I – do empregador, da empresa e da entidade a ela equiparada na forma da lei, incidente sobre:

a) a folha de salários e demais rendimentos do trabalho pagos ou creditados, a qualquer título, à pessoa física que lhe preste serviço, mesmo sem vínculo empregatício;

b) a receita ou o faturamento;

c) o lucro;"

A norma do art. 240, como bem notou ALESSANDRA DABUL GUIMARÃES(7), refere-se às contribuições compulsórias pagas pelos empregadores sobre a folha de salários, destinadas ao Serviço Nacional da Indústria (SENAI); Serviço Social da Indústria (SESI); Serviço Nacional do Comércio (SENAC) e Serviço Social do Comércio (SESC). E mais, estas contribuições compulsórias não se destinarão ao financiamento da Seguridade Social, embora incidam sobre a folha de salários. Foi uma ressalva expressa do Texto Constitucional para as contribuições mencionadas e, mais ainda, no art. 62 do ADCT, a contribuição ao Senar. Estas são as únicas entidades que não compõem o sistema de seguridade social, que poderão ser custeadas pela arrecadação de contribuição incidente sobre a folha de salários.

Ora, o adicional ao SEBRAE foi criado posteriormente à Constituição não gozando da ressalva feita pela Carta Magna. Destarte, sob o manto de adicional, o que fez o legislador infra-constitucional foi criar uma contribuição parafiscal nova, já que se destina ao SEBRAE para o apoio ao desenvolvimento de micro e pequenas empresas. E mais, é recolhido pelo INSS e posteriormente repassado para o SEBRAE. Assim, de clareza cristalina que o adicional ao SEBRAE apresenta o vício de ser uma contribuição de contribuição, ou em uma terminologia mais correta, é uma contribuição incidente sobre outras contribuições.

Por tudo isso, é o adicional ao SEBRAE inconstitucional, por ser um verdadeiro bis in idem, vedado pelo nosso Sistema Tributário.


5. O ADICIONAL AO SEBRAE É UMA CONTRIBUIÇÃO PARAFISCAL
NOVA: A INCIDÊNCIA DO ART. 149 DA CARTA DA REPÚBLICA

Como vimos de ver, o adicional ao SEBRAE é uma nova contribuição e, como foi instituído posteriormente à Constituição não está agasalhado pelo art. 240 da Carta da República. Assim, só pode ser entendido o adicional ao SEBRAE como uma contribuição social, seja de interesse de categoria econômica (no caso, os micro e pequenos empresários) ou de intervenção no domínio econômico (para o incentivo de criação de micro e pequenas empresas). Qualquer que seja a qualificação dada a esta contribuição, certo é que ela é regida pelo art. 149 do Texto Fundamental, in verbis:

"Art. 149. Compete exclusivamente à União instituir contribuições sociais, de intervenção no domínio econômico e de interesse das categorias profissionais ou econômicas, como instrumento de sua atuação nas respectivas áreas, observado o disposto nos arts. 146, III, e 150, I, e II, e sem prejuízo do previsto no art. 195, § 6º, relativamente às contribuições a que alude o dispositivo."

O art. 146, III, da Constituição Federal dispõe sobre a exigência de lei complementar; o art. 150, I, e II, diz respeito ao princípio da legalidade e proibição de tratamento desigual; por último, o art. 195, § 6º, é a espera nonagesimal requerida para as contribuições da Seguridade Social. Este é o regime jurídico a que se submetem as contribuições parafiscais. Não é outro o sucinto magistério de SACHA CALMON NAVARRO COÊLHO(8):

"Vale dizer, os impostos novos, aí incluídas as contribuições sociais, devem catar submissão aos seguintes pressupostos:

A) criação por lei complementar (instrumento formal);

B) não terem fato gerador e base de cálculo idênticos aos dos impostos discriminados na Constituição (vedação de duplicação de figura impositiva);

C) não serem cumulativos (em sua estrutura técnica); e

D) 20% do produto da arrecadação pertenceriam aos Estados, para fins de seguridade."

          Esse o mesmo entendimento de MISABEL ABREU MACHADO DERZI(9), quando leciona:

          "Não há o que dizer de forma especial com relação às categorias de contribuições para intervenção no domínio econômico, corporativas ou sociais em sentido amplo (tirantes aquelas destinadas ao custeio da Seguridade Social), porque elas, de acordo com a Constituição, em seu art. 149, não sofrem nenhuma exceção no que concerne aos princípios comuns aos demais tributos; submetem-se rigidamente ao princípio da legalidade, ao da irretroatividade das leis tributárias, ao princípio da anterioridade. Não podem ter suas bases de cálculo ou suas alíquotas graduadas por ato do Poder Executivo; e estão, também, submetidas às normas gerais relativas a tributos do art. 146, III."

          Contudo, o adicional ao SEBRAE, ou mais corretamente, a contribuição ao SEBRAE desrespeitou o requisito formal da lei complementar, já que foi criado por meio de lei ordinária. Destarte, inconstitucional também por este motivo.


6. O ADICIONAL AO SEBRAE: UM PROBLEMA DE HERMENÊUTICA CONSTITUCIONAL

Neste ponto, analisaremos o adicional ao SEBRAE sobre o prisma da hermenêutica constitucional, com o intuito de compreendermos se seria possível considerar o adicional ao SEBRAE constitucional. Para o correto entendimento da questão, serão analisadas duas correntes hoje bastante em voga na hermenêutica constitucional: a que considera a Constituição como uma ordem concreta de valores (ALEXY; HESSE; BOCKENFÖRDE) e uma outra que considera a Constituição como um comando deontológico (DWORKIN; HABERMAS; GUNTHER). É no contexto da primeira corrente que surge a idéia de interpretação conforme a Constituição, desenvolvida por KONRAD HESSE, também analisada neste tópico.

          6.1. A CONSTITUIÇÃO COMO UMA ORDEM CONCRETA DE VALORES: A TEORIA DOS DIREITOS FUNDAMENTAIS DE ROBERT ALEXY E A INTERPRETAÇÃO CONFORME A CONSTITUIÇÃO

          No paradigma do Estado Democrático de Direito, a idéia de hermenêutica constitucional sofre profundas modificações. Anteriormente, a interpretação do Direito se assentava em métodos que, segundo os autores, garantiriam a certeza e a segurança do Direito, pois permitiriam ao aplicador chegar a uma única resposta segura. Esses métodos seriam o gramatical, o lógico, o teleológico e o histórico. No entanto, logo se percebeu, com o surgimento dos direitos de 3ª geração, que o ordenamento jurídico é muito mais complexo do que até então pensado. Ele não é um conjunto harmônico de regras, mas um "mar revolto" de regras e princípios que competem entre si para a solução dos casos concretos. E mais, todo caso é um caso difícil, pois para sua solução várias normas conflitam entre si. Assim, com o paradigma do Estado Democrático de Direito, nasce uma idéia do ordenamento como um conjunto de regras e princípios.

Desenvolvendo a idéia de ordenamento como um conjunto de regras e princípios, ALEXY, lança sua Teoria dos Direitos Fundamentais, obra em que vai defender a idéia da Constituição como uma ordem concreta de valores. (10) Assim, é que o autor alemão concebe os princípios como valores e, em caso de choque entre eles, deve-se solucionar o problema através de uma ponderação, escolhendo-se aquele que tem um maior peso. Assim, diz ALEXY:

"Las colisiones de principios deben ser solucionadas de manera totalmente distinta. Cuando dos principios entran en colisión – tal como es el caso cuando según un principio algo está prohibido y, según outro principio, está permitido – uno de los dos principios tiene que ceder ante el outro. Pero, esto no significa declarar inválido al principio desplazado ni que en el principio desplazado haya que introducir una cláusula de excépcion. Más bien lo que sucede es que, bajo ciertas circunstancias uno de los principios precede al outro. Bajo otras circunstancias, la cuestión de la precedencia puede ser solucionada de manera inversa. Esto es lo q ue se quiere decir quando se afirma que en los casos concretos los principios tienen diferente peso y que prima el principio con mayor peso. Los conflictos de reglas se llevan a cabo en la dimensión de la validez; la colisión de principios – como sólo pueden entrar en colisión principios válidos – tiene lugar más allá de la dimensión de la validez, en la dimensión del peso." (11)

O que se tem objetado a ALEXY é que princípios jurídicos são normas e, enquanto tais, não caberiam ponderação, já que esta atividade é típica de comandos axiológicos, enquanto que normas são exclusivamente comandos deontológicos. Assim, HABERMAS, esclarece:

"El que en el caso particular yo deje determinarme en mi acción por normas o por valores, tiene en cada caso por consecuencia una orientación distinta de la acción. La cuestión de qué debo hacer en una situación dada se plantea y se responde de forma distinta en ambos casos. A la luz de normas puede decidirse qué es obligatorio hacer, a la luz de valores puede decidirse cuál es el comportamiento mejor y más recomendable. El problema de aplicación exige, naturalmente, em ambos casos la selección de la acción correcta. Pero "correcta" es, si partimos de un sistema de normas válidas, la acción que es buena para todos por igual; en cambio, en relación com una constelación valorativa valorativa típica de nuestra cultura o de nuestra forma de vida, "correcto" es aquel comportamiento que en conjunto y a largo plazo es bueno para nosotros. En el caso de principios jurídicos o bienes jurídicos esta diferencia se pasa a menudo por alto porque siempre el derecho positivado vale solamente para un determinado ámbito y para un círculo de destinatarios correspondientemente definido. Pero sin perjuicio de esta delimitación fáctica del ámbito de validez, los derechos fundamentales cobran un sentido distinto según que se los entienda en el sentido de Dworkin como principios jurídicos deontológicos, o en el sentido de Alexy como bienes jurídicos optimizables. En tanto que normas regulan una materia en interés de todos por igual; en tanto que valores constituyen, en la configuración que forman com otros valores, un orden simbólico en el que se expresan la identidad y forma de vida de una comunidad jurídica particular. Ciertamente, en el derecho penetran también contenidos teleológicos; pero el derecho definido por un sistema de los derechos domestica, por así decir, los objetivos y orientaciones valorativas del legislador mediante una estricta primacía de los puntos de vista normativos. Quien hace agotarse una Constitución en un orden concreto de valores, desconoce su específico sentido jurídico; pues como normas jurídicas, los derechos fundamentales, al igual que las reglas morales, están formados conforme al modelo de normas obligatorias de acción, y no conforme al modelo de bienes apetecibles." (12)

          O próprio ALEXY visualiza o problema da ponderação de princípios, ao não dar segurança aos afetados pela decisão, deixando na mão do aplicador o arbítrio para decidir qual a melhor solução. Assim:

"Muchas veces se ha objetado en contra del concepto de ponderación que no constituye un método que permita un control racional. Los valores y principios no regulan por sí mismos su aplicación, es decir, la ponderación quedaría sujeta al arbitrio de quien la realiza. Allí donde comienza la ponderación, cesaría el control a través de las normas y el método. Se abriría así el campo para el subjetivismo y decisionismo judiciales. Estas objeciones valen en la medida en que com ellas infiera que la ponderación no es un procedimiento que, en cada caso, conduzca exactamente a un resultado. Pero, no valen en la medida en que de ellas se infiera que la ponderación no es un procedimiento racional o es irracional." (13)

Realmente, devemos concordar com ALEXY ao dizer que não se pode dizer que o método de ponderação seja racional ou irracional. Ele é perfeitamente racional, mas leva a resultados que não se coadunam com o sistema jurídico, já que, como notou o autor, transforma o direito em puro arbítrio ou decisionismo judicial. Isso pelo fato de que cada juiz considera um valor diferente mais importante que outro. Assim, para um, mais importante é a segurança, enquanto que para outro mais importante é a justiça. Além do mais, há um problema de fundo, pois se princípios se realizam mediante ponderação, podemos aplicá-los apenas na medida do possível, em seu grau ótimo. Dessa forma, se as condições sociais e fáticas não possibilitam a aplicação de princípios constitucionais estes não serão aplicados. Em última análise, a Constituição ficaria sempre em suspenso, esperando um amadurecimento social para ser cumprida.

É nesse contexto que surge o método de interpretação conforme a Constituição.

O método de interpretação conforme a Constituição foi criado pelo jurista alemão KONRAD HESSE e, em apertada síntese, significa que o aplicador do Direito deve sempre escolher dentre as interpretações possíveis para uma norma infra-constitucional aquela que seja conforme com a Constituição, ou seja, que esteja de acordo com a Constituição. Assim, se houver duas interpretações possíveis para um diploma normativo, uma constitucional, outra inconstitucional, deve-se privilegiar a primeira, por estar de acordo com a Carta Magna. Esse mecanismo de interpretação tem sido utilizado com freqüência pelo nosso Supremo Tribunal Federal, muito influenciado pelo Tribunal Constitucional Alemão (Bundesverfassungsgericht).

E tudo isso porque a Constituição estabelece princípios fundamentais para o ordenamento jurídico e, se o ordenamento infra-constitucional possibilita uma interpretação constitucionalmente adequada, esta deve ser utilizada. Vejamos o que diz KONRAD HESSE:

" Al cumplir estas tareas fundamentales de formación política de unidad y de orden jurídico, la Constitución se convierte no sólo en el orden jurídico fundamental del Estado, sino también en el de la vida no estatal dentro del territorio de un Estado: es decir, en el orden jurídico fundamental de la comunidad." (14)

          Mais a frente, completa o renomado jurista:

" Y es ella también la que establece el procedimiento con el que se han de superar los conflictos que surjan dentro de la comunidad." (15)

          Contudo, tal método de interpretação deve ser utilizado com cautela, pois, como vimos, pode levar e leva a um entendimento da Constituição como uma ordem concreta de valores, na seara trilhada pelo Tribunal Constitucional Alemão e pelos juristas daquele país (ALEXY, HESSE, BÖCKENFÖRDE), esvaziando-se o conteúdo normativo do Texto Fundamental.

Nesse pano-de-fundo, é que se vislumbra a possibilidade de se considerar a instituição do adicional ao SEBRAE como constitucional, utilizando-se de uma interpretação conforme à Constituição.

Ora, se a Constituição é uma ordem concreta de valores que competem entre si, devendo o juiz realizar uma ponderação através da optimização de princípios para encontrar a solução correta, haveria sempre um valor passível de ser defendido para a instituição de tributos. Destarte, ora seria a dificuldade de caixa, que poderia gerar déficit público e desemprego, ora seria a intervenção no domínio econômico para incentivar a criação de empregos.

No caso em análise, é um valor da nossa Constituição a diminuição das desigualdades sociais e um objetivo da República Federativa do Brasil o fim do desemprego e a consecução da justiça social. Por conseguinte, estaria autorizado o Judiciário, segundo esta corrente, a entender que a legislação do SEBRAE cumpriu os valores expressos na Lex Legum ao instituir adicionais para os mais ricos (empresas que pagam contribuições ao SESC, SENAC, SESI e SENAI) para o benefício dos mais pobres (pequenas e micro empresas). Mas, como percebemos rapidamente, agindo dessa maneira o Judiciário estará inviabilizando o próprio sistema jurídico, pois tudo será possível, porque, em última instância, sempre haverá um valor constitucional condizente com a legislação a ser fulminada de inconstitucional. Em outras palavras, o Direito será confundido com a Moral, havendo uma desmoralização de ambos os sistemas.

E mais, perder-se-á o sentido de normatividade do Direito, uma aquisição histórica custosa, vitória dos cidadãos contra os abusos do poder real. É por isso que a Constituição e seus princípios não podem ser entendidos como valores, mas como normas, comandos deontológicos e, enquanto tais, não admitem ponderação nem comando de optimização, mas sim um trabalho de adequação do princípio correto para o caso. (16)

Mas, utilizemos a teoria questionada, para saber se o adicional ao SEBRAE é devido às médias e grandes empresas.

Aqui, descabe qualquer análise mais sofisticada, para concluirmos pela negativa. Como contribuição parafiscal regida pelo art. 149 da Constituição da República, é inerente a este tipo de tributo a contraprestação aos sujeitos passivos do tributo. Isso porque, segundo a lição do saudoso mestre GERALDO ATALIBA, "é preciso que haja uma correlação lógica entre os beneficiários dos recursos e os contribuintes" (17). Ora, se o SEBRAE foi criado para incentivar as micro e pequenas empresas, logicamente apenas estas serão beneficiadas por sua atuação, descabendo a contribuição para as médias e grandes empresas, por não receberem contra-prestação alguma do referido órgão.

No entanto, como veremos a seguir, não se deve conceber a Constituição como ordem concreta de valores, sob pena de se desmoralizar o ordenamento jurídico, com a perda de sua normatividade intrínseca. É o que será analisado sob a ótica da teoria de DWORKIN.

          6.2. O DIREITO COMO INTEGRIDADE DE RONALD DWORKIN E A INTERPRETAÇÃO CONSTITUCIONAL

          Atualmente, a doutrina de RONALD DWORKIN tem ganhado espaço no estudo dos juristas nacionais, não só pelo esforço de legitimar a atividade jurisdicional, como também pela tentativa de dar coerência à interpretação do Direito. (18)

Para DWORKIN, o ordenamento jurídico é concebido como um conjunto de regras e princípios. A diferença entre eles é que as regras funcionam sob um esquema de tudo ou nada. Assim, duas regras contraditórias não sobrevivem no ordenamento. Já os princípios, são normas que admitem seus contrários. Desta forma, o princípio da publicidade só pode ser entendido se visualizarmos o princípio da privacidade. É no caso concreto que o juiz deverá escolher qual princípio adequado para o caso, não significando que o princípio não escolhido seja revogado; ele apenas não se aplica para o caso. (19)

Assim, para DWORKIN, ao contrário de ALEXY, princípios são normas e não valores, devendo o juiz utilizar um procedimento de adequação e não de ponderação.

No dizer de HABERMAS, apoiando-se em GUNTHER, a atividade jurisdicional é bastante diferente da atividade legislativa. Por esta última, predomina o discurso de justificação, caracterizado pela generalidade, abstração e validez para todos. Mas, como é óbvio, a lei não pode prever todas as situações para sua aplicação. Assim, ela já é aprovada com uma cláusula implícita, segundo a qual só se aplica para os casos concretos que se subsumem à sua descrição hipotética. (20)

A atividade jurisdicional, por outro lado, é caracterizada pelos discursos de aplicação, marcados pela concretude, historicidade e irrepetibilidade. Dessa forma, cada caso é único, irrepetível, porque histórico, exigindo do juiz um juízo de adequação, no sentido de se apurar qual norma é adequada para o caso. E, para isso, é de curial importância que todos os afetados pela decisão possam se pronunciar, dando suas razões e contra-razões, num processo de construção compartilhada da decisão jurídica. (21)

Essa atividade jurisdicional, levando a sério o Direito, no dizer de DWORKIN, como se vê é bastante complexa, com uma reformulação total nas idéias de ordenamento jurídico e interpretação. Para DWORKIN, o ordenamento jurídico deve ser entendido como integridade, pois em um caso concreto, todas as normas do ordenamento conspiram para a solução do caso. Assim, em casos envolvendo Direito Civil, pode ocorrer e ocorre com muita freqüência a resolução do caso por meio de normas constitucionais. Como diz DWORKIN esse fato se explica porque o Direito deve ser entendido como um todo, nem sempre harmônico (ou quase nunca harmônico), devendo o intérprete integrar o ordenamento jurídico. Em outras palavras, o Direito deve ser interpretado de modo a dar integridade às normas. (22)

Explicitando a idéia de integridade em DWORKIN, escreve BARACHO JÚNIOR:

"A integridade é dividida por Dworkin em integridade na legislação e integridade na aplicação. No primeiro caso, aqueles que criam a lei devem mantê-la coerente com seus princípios; no segundo, requer-se que aqueles responsáveis por decidir o sentido da lei busquem coerência com a integridade. Isso explicaria porque os juízes devem conceber o corpo de normas que eles administram como um todo, e não como um cenário de decisões discricionárias no qual eles são livres para fazer ou emendar as normas, uma a uma, com um interesse meramente estratégico." (23)

Através desse conceito de integridade, DWORKIN modifica de forma substancial a idéia de interpretação jurídica e o papel do juiz na aplicação do Direito. Para o norte-americano, a interpretação jurídica seria muito semelhante à interpretação de uma obra de arte ou mesmo de uma obra literária. Em alguns pontos, DWORKIN chega a comparar a interpretação jurídica a um romance, segundo o qual cada momento histórico seria um capítulo do romance maior, cabendo ao juiz dar um nexo lógico aos capítulos. Isso porque como o Direito é visto como integridade, deve também ser encarado como uma cadeia lógica de peças (law in chains). (24) Diz o norte-americano:

"Les affaires juridiques délicates présentent une certaine ressemblance avec cet exercice littéraire. L’analogie est frappante quand des juges doivent trancher des affaires de droit coutumier, c’est-à-dire quand aucun texte de loi n’occupe une place centrale dans le procès et que tout le débat tourne autour des principes juridiques qui sont censés sous-tendre les décisions prises par les juges dans le passé. Dans ce cas, le juge occupe une place analogue à celle d’un écrivain de la chaîne. Il doit se pencher sur les déclarations des juges précédents non pour déterminer quel était leur état d’esprit au moment de ces déclarations, mais pour déterminer ce qui a été réalisé collectivement, de même que chaque écrivain doit former sa propre opinion sur ce qui a déjà été accompli. Le juge pourra toujours consulter des rapports portant sur des nombreuses affaires semblables à celles qu’il doit trancher, et qui ont été résolues par des juges souscrivant à diverses philosophies juridiques et politiques et exerçant à des époques où les procédures et conventions juridiques n’étaient pas non plus les mêmes. Chaque juge doit donc se considérer comme un maillon de la chaîne dont ces innombrables décisions, structures, conventions et pratiques dessinent l’histoire. Sa tâche consiste à perpétuer cette histoire par le biais de ses propres décisions. Il est de son devoir d’interpréter les décisions antérieures car le travail qui lui est confié consiste à faire progresser une entreprise préexistante plutôt que d’inaugurer une voie nouvelle. C’est ainsi qu’il doit déterminer en conscience quels sont les aboutissements des décisions antérieures, quel a été jusqu’à présent le thème ou le propos dominant de la pratique juridique." (25)

          Contudo, a idéia de DWORKIN do direito em cadeia não significa dizer que o juiz apenas pesquisará qual o significado das decisões anteriores. Se o juiz escreve um capítulo da obra maior, é lógico que está vinculado a decisões anteriores, mas também é claro que pode dar uma guinada na história, se as situações fáticas, sociais e jurídicas requiserem. Em outras palavras, mantém o juiz sua criatividade e poder interpretativo, apenas limitado ao paradigma de sua época. É nesse contexto que DWORKIN entende os princípios como normas, comandos deontológicos, passíveis de adequação para a solução dos conflitos.

Assim, na interpretação jurídica não há espaço para ponderação de princípios, pois estes não são valores, e sim normas. O papel do aplicador do Direito é o de, no caso concreto, realizar um juízo de adequação para se saber qual princípio adequado para o caso, a fim de produzir uma decisão justa.

Dessa forma, no caso em exame, se é verdade que os princípios trazem valores, aqueles não podem ser reduzidos a estes, sob pena de se inviabilizar o Direito. É claro que a contribuição do SEBRAE tem como fundamento a intervenção no domínio econômico com o intuito de incentivar as pequenas e micro-empresas, tentando efetivar o valor da diminuição das desigualdades e o fim da pobreza. Mas, o procedimento adotado para a consecução dos valores mencionados foi eivado de inconstitucionalidades, como anteriormente demonstrado, o que inviabiliza a cobrança do referido adicional.


CONCLUSÃO

Por todo o exposto, pode-se concluir:

A idéia de paradigma é hoje central para a teoria do Direito. Cunhado por THOMAS KUHN, significa o conjunto de compreensões e pré-compreensões compartilhado por uma determinada comunidade científica que direciona o agir e o pensar dessa comunidade. Paradigma é uma grade seletiva que forma e conforma o pensamento de determinada comunidade científica em determinado momento histórico. Essa idéia foi passada para a seara jurídica, dividindo-se a história do Direito Constitucional em três grandes paradigmas: o do Estado de Direito, o do Estado de Bem-estar e o do Estado Democrático de Direito.

No primeiro paradigma, os direitos eram apenas formais. Assim, igualdade, liberdade e propriedade existiam na lei, desconsiderando-se as diferenças existentes na prática. O público era a esfera da boa sociedade, sendo mera convenção; o privado era o espaço dos egoísmos, não devendo o Estado intervir no domínio econômico. Em decorrência de vários fatores, esse paradigma entra em crise, sendo substituído pelo paradigma do Estado Social. Surgem novos direitos, requerendo do Estado uma atuação efetiva no domínio econômico. São os direitos de 2ª geração (sociais e coletivos), remodelando os primeiros direitos, que passam a sofrer uma materialização. A diferença entre público e privado passa a ser apenas didática, pois todo Direito é público. Contudo, após a Segunda Guerra, e devido aos excessos do Estado Social, ele passa a ser criticado. A partir da década de 70, surge um novo paradigma: o do Estado Democrático de Direito. Surgem novos direitos, chamados de 3ª geração, ou difusos, porque seus titulares não são mais determinados. Remodelam-se os direitos anteriores, ganhando uma dimensão processual. Agora, o público não significa mais estatal, já que muitas vezes o Estado encontra-se privatizado. O privado também não é mais a esfera dos egoísmos. O que há é um espaço de tensão entre público e privado. É nesse contexto que deve ser analisado o adicional ao SEBRAE.

O adicional ao SEBRAE é inconstitucional porque é uma instituição de contribuição sobre outras contribuições, configurando o bis in idem;

É ainda inconstitucional pela falta de lei complementar para a sua criação, como exigido pelo art. 149 da Constituição Federal;

Em se aceitando a interpretação conforme a Constituição e a idéia de que a Constituição é uma ordem concreta de valores, torna-se o adicional ao SEBRAE constitucional, por buscar atender os valores da diminuição das desigualdades sociais e a superação do desemprego;

Contudo, é inconstitucional a cobrança do adicional ao SEBRAE em relação às médias e grandes empresas, porque estas não recebem do órgão para o qual contribuem a contra-prestação que é ontologicamente inerente a este tipo de tributo.

Por fim, resta ressaltar que a idéia da Constituição como ordem concreta de valores não deve ser aceita, pois desmoraliza o sistema jurídico, ao confundir comandos deontológicos e axiológicos. Assim, o adicional ao SEBRAE deve ser considerado inconstitucional porque desrespeitou princípios constitucionais, normas jurídicas por excelência, que não aceitam um juízo de ponderação, mas de adequação. E, como vimos, a situação de aplicação do caso torna o adicional ao SEBRAE inconstitucional, por ferir os princípios da legalidade e da proibição da bitributação.


NOTAS

  1. KUHN, Thomas S. A Estrutura das Revoluções Científicas.[The Structure of Scientific Revolutions]. Tradução: Beatriz Vianna Boeira e Nelson Boeira. 5ª edição, São Paulo, Editora Perspectiva, 1997, p. 218 a 232.
  2. CARVALHO NETTO, Menelick de. O Requisito Essencial da Imparcialidade para a Decisão Constitucionalmente Adequada de um Caso Concreto no Paradigma Constitucional do Estado Democrático de Direito. In: Revista da Ordem dos Advogados do Brasil. Ano XXIX. Nº 68. Jan./Jun. 1999. P. 78.
  3. CARVALHO NETTO, Menelick. Op.cit. p. 79.
  4. CARVALHO NETTO, Menelick. Op.cit. p. 79.
  5. ATALIBA, Geraldo. In: Revista de Direito Tributário nº 7, RT, São Paulo, p. 224.
  6. AMARO, Luciano da Silva. In: Revista de Direito Tributário nº 35, p. 167.
  7. GUIMARÃES, Alessandra Dabul. Da Inconstitucionalidade da Exigência da Contribuição ao Sebrae. In: Revista Dialética de Direito Tributário. nº 51, dezembro/1999, p. 9.
  8. COÊLHO, Sacha Calmon Navarro. Curso de Direito Tributário Brasileiro. Rio de Janeiro, Editora Forense, 1999, p. 132.
  9. DERZI, Misabel Abreu Machado. In: BALEEIRO, Aliomar. Limitações Constitucionais ao Poder de Tributar. Atualizadora: Mizabel Abreu Machado Derzi. 7ª edição, Rio de Janeiro, Editora Forense, 1997, p. 597.
  10. ALEXY, Robert. Teoria de los Derechos Fundamentales. [Theorie der Grundrecht]. Tradução: Ernesto Garzón Valdés. 1ª reimpressão, Madrid, Centro de Estudios Constitucionales, 1997, 607p.
  11. ALEXY, Robert. Op.cit., p. 89.
  12. HABERMAS, Jürgen. Facticidad y Validez: Sobre el Derecho y el Estado Democrático de Derecho en términos de Teoria del Discurso. [Faktizität und Geltung: Beiträge zur Diskurstheorie des Rechts und des demokratischen Rechtsstaats]. Tradução: Manuel Jiménez Redondo. Madrid, Editorial Trotta, 1998, p. 329.
  13. ALEXY, Robert. Op.cit., p. 157.
  14. HESSE, Konrad. Constitución y Derecho Constitucional. In: BENDA, Ernst et. ali. Manual de Derecho Constitucional [Handbuch des Verfassungsrechts der Bundesrepublik Deutschland]. Tradução: Antonio López Pina. Madrid, Marcial Pons Ediciones Jurídicas y Sociales S.A., 1996, p. 5.
  15. HESSE, Konrad. Op.cit., p. 5.
  16. DWORKIN, Ronald. Los Derechos en Serio. [Taking Rights Seriously]. Tradução: Marta Guastavino. 3ª reimpressão, Barcelona, Ariel Editora, 1997, p. 61 a 208.
  17. ATALIBA, Geraldo. Hipótese de Incidência Tributária, 5ª ed., Malheiros, 1993, p. 179.
  18. Dentre os autores nacionais que mais tem estudado as obras de DWORKIN, destacam-se os professores da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG), MENELICK DE CARVALHO NETTO, MARCELO CATTONI e JOSÉ ALFREDO DE OLIVEIRA BARACHO JÚNIOR. Desse último, vide excelente obra: BARACHO JÚNIOR, José Alfredo de Oliveira. Responsabilidade Civil por Dano ao Meio Ambiente. Belo Horizonte, Editora Del Rey, 2000, 340p.
  19. DWORKIN, Ronald. Op.cit., p. 61 a 208.
  20. HABERMAS, Jürgen. Op.cit., p. 263 a 309.
  21. HABERMAS, Jürgen. Op.cit., p. 263 a 309. No mesmo sentido, veja: CATTONI, Marcelo. Devido Processo Legislativo. Belo Horizonte, Editora Mandamentos, 2000, 165p; FAZZALARI, Elio. Istituzioni di Diritto Processuale. 8ª edição, Padova, CEDAM, 1996, p. 82 a 91.
  22. DWORKIN, Ronald. El Imperio de la Justicia: De la Teoria General del Derecho, de las Decisiones e Interpretaciones de los Jueces y de la Integridad Politica y Legal como Clave de la Teoria y Practica. [Law’s Empire]. Tradução: Claudia Ferrari. 2ª edição, Barcelona, Editorial Gedisa, 1992, 328p.
  23. BARACHO JÚNIOR, José Alfredo de Oliveira. Op.cit., p. 121.
  24. DWORKIN, Ronald. Une Question de Principe. [A Matter of Principle]. Tradução: Aurélie Guillain. 1ª edição, Paris, Presses Universitaires de France, 1996, 504p.
  25. DWORKIN, Ronald. Une Question de Principe. p. 201.

BIBLIOGRAFIA:

ALEXY, Robert. Teoria de los Derechos Fundamentales. [Theorie der Grundrecht]. Tradução: Ernesto Garzón Valdés. 1ª reimpressão, Madrid, Centro de Estudios Constitucionales, 1997, 607p.

AMARO, Luciano da Silva. In: Revista de Direito Tributário nº 35.

ATALIBA, Geraldo. Hipótese de Incidência Tributária. 5ª edição, São Paulo, Malheiros Editores, 182p.

ATALIBA, Geraldo. In: Revista de Direito Tributário nº 7, RT, São Paulo.

BARACHO JÚNIOR, José Alfredo de Oliveira. Responsabilidade Civil por Dano ao Meio Ambiente. Belo Horizonte, Editora Del Rey, 2000, 340p.

CARVALHO NETTO, Menelick de. O Requisito Essencial da Imparcialidade para a Decisão Constitucionalmente Adequada em um Caso Concreto no Paradigma Constitucional do Estado Democrático de Direito. In: Revista da Ordem dos Advogados do Brasil. Ano XXIX, nº 68, jan/jun. 1999, p. 77 a 91.

CATTONI, Marcelo. Devido Processo Legislativo. Belo Horizonte, Editora Mandamentos, 2000, 165p.

COÊLHO, Sacha Calmon Navarro. Curso de Direito Tributário Brasileiro. Rio de Janeiro, Editora Forense, 1999, 801p.

DERZI, Misabel Abreu Machado. In: BALEEIRO, Aliomar. Limitações Constitucionais ao Poder de Tributar. Atualizadora: Mizabel Abreu Machado Derzi. 7ª edição, Rio de Janeiro, Editora Forense, 1997, 859p.

DWORKIN, Ronald. Los Derechos en Serio.[Taking Rights Seriously]. Tradução: Marta Guastavino. 3ª reimpressão, Barcelona, Ariel, 1997, 508p.

DWORKIN, Ronald. El Imperio de la Justicia: De la Teoria General del Derecho, de las Decisiones e Interpretaciones de los Jueces y de la Integridad Política y Legal como Clave de la Teoria y Práctica. [Law’s Empire]. Tradução: Claudia Ferrari. 2ª edição, Barcelona, Gedisa Editorial, 1992, 328p.

DWORKIN, Ronald. Une Question de Principe.[A Matter of Principle]. Tradução: Aurélie Guillain. 1ª edição, Paris, Presses Universitaires de France, 1996, 504p.

FAZZALARI, Elio. Istituzioni di Diritto Processuale. 8ª edição, Padova, CEDAM, 1996, 739p.

GUIMARÃES, Alessandra Dabul. Da Inconstitucionalidade da Exigência da Contribuição ao Sebrae. In: Revista Dialética de Direito Tributário. nº 51, dezembro/1999.

HABERMAS, Jürgen. Facticidad y Validez: Sobre el Derecho y el Estado Democrático de Derecho en términos de Teoria del Discurso. [Faktizität und Geltung: Beiträge zur Diskurstheorie des Rechts und des demokratischen Rechtsstaats]. Tradução: Manuel Jiménez Redondo. Madrid, Editorial Trotta, 1998, 689p.

HESSE, Konrad. Constitución y Derecho Constitucional. In: BENDA, Ernst et. ali. Manual de Derecho Constitucional [Handbuch des Verfassungsrechts der Bundesrepublik Deutschland]. Tradução: Antonio López Pina. Madrid, Marcial Pons Ediciones Jurídicas y Sociales S.A., 1996, p. 1 a 15.

KUHN, Thomas S. A Estrutura das Revoluções Científicas.[The Structure of Scientific Revolutions]. Tradução: Beatriz Vianna Boeira e Nelson Boeira. 5ª edição, São Paulo, Editora Perspectiva, 1997, 257p.


Autor


Informações sobre o texto

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

OMMATI, José Emílio Medauar. Da inconstitucionalidade da cobrança do adicional ao SEBRAE para as médias e grandes empresas. Um caso de interpretação conforme a Constituição. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 5, n. 43, 1 jul. 2000. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/1423. Acesso em: 24 abr. 2024.