Este texto foi publicado no Jus no endereço https://jus.com.br/artigos/14404
Para ver outras publicações como esta, acesse https://jus.com.br

A ilegalidade da exigência de contratação de provedor de acesso à internet para conexão com tecnologia ADSL

A ilegalidade da exigência de contratação de provedor de acesso à internet para conexão com tecnologia ADSL

Publicado em . Elaborado em .

Tal prática vem sendo combatida pelo Ministério Público e órgãos de defesa do consumidor em face da caracterização da chamada "venda casada", condenada pelo Código de Defesa do Consumidor.

Resumo: O presente trabalho pretende demonstrar a prática ilegal exercida pelas empresas prestadoras de serviço de telecomunicação e os provedores de internet correlatos, ante a exigência de contratação destes para que o consumidor possa ter acesso à conexão à internet. Tal prática vem sendo combatida pelo Ministério Público e órgãos de defesa do consumidor em face da caracterização da chamada "venda casada", condenada pelo Código de Defesa do Consumidor. Para tanto, serão expostos julgados recentes sobre a matéria, bem como posicionamentos jurisprudenciais consolidados. Outrossim, demonstrar-se-á a ilegalidade vislumbrada através dos pontos de vista técnico e jurídico. Por fim, pretende-se pôr em debate o aparente conflito principiológico proposto pela matéria, isto é, os princípios da livre iniciativa e da livre concorrência, arguidos pelas fornecedoras, e o princípio da defesa do consumidor.

PALAVRAS-CHAVES: venda casada; ANATEL; livre concorrência; defesa do consumidor; provedor; ADSL.

SUMÁRIO: 1. Introdução; 2. Como ocorre a conexão à internet de tecnologia ADSL? 3. Da ilegalidade na imposição de contratação de provedor de acesso. 3.1. Questão técnica. 3.2. Questão jurídica. 4. Da defesa dos provedores e operadoras de telefonia. 5. Da impropriedade das alegações dos provedores. 6. Conclusão. Referências.


1. INTRODUÇÃO

Emergida na década de 90 no Brasil, a internet tem se mostrado como meio de comunicação de possibilidades infinitas, com a qual pessoas, empresas ou mesmo órgãos públicos vinculam suas atividades e suas vidas, muitas vezes até numa relação de dependência.

Por ser rápida, eficaz e não burocrática, milhões de pessoas conectam-se à internet todos os dias pelas mais variadas razões, seja para entretenimento, negócios ou correspondência.

No embalo destas empresas nasceram os provedores de internet, empresas responsáveis pela autenticação do cliente para com a fornecedora da conexão à internet, bem como serviços de conteúdo não-vinculados à conexão propriamente dita, como endereço de e-mail, acesso a áreas restritas de seu site, entre outros.

Porém, tendo em vista a difusão da proteção ao consumidor, bem como a conscientização da população quanto aos seus direitos emanados pelo Código de Defesa do Consumidor, passou-se a discutir a verdadeira natureza e necessidade da existência dos provedores de internet, pois que cobram por um serviço que não é visivelmente executado e por isso causam celeuma sobre se imprescindíveis ao fornecimento da conexão à internet.

É este diapasão que se pretende abordar, colocando todos os problemas e visões sobre o tema, bem como confrontar opiniões com fito de se chegar a uma solução razoável para esta divergência corroborada pela ausência de amparo legal específico sobre a prestação deste serviço.


2. COMO OCORRE A CONEXÃO À INTERNET DE TECNOLOGIA ADSL?

A tecnologia ADSL (Assymmetric Digital Subscriber Line ou Linha Digital Assimétrica para Assinante) basicamente divide a linha telefônica em três canais de bandas de frequência diferente, sendo um para voz, um para download e um para upload.

Essa tripartição da linha telefônica, chamada também de multiplexação por banda de frequência (TANENBAUM, 2004, cap.2, p.38), permite que os três canais funcionem concomitantemente, porque existe um pequeno aparelho chamado splitter, instalado na linha do usuário, que separa a voz dos dados telefônicos. Essa assimetria permite ainda que as taxas de download e upload sejam diferentes.

A tecnologia ADSL funciona instalando-se um modem específico para esse tipo de conexão na residência ou empresa do usuário e fazendo-o se conectar a um equipamento na central telefônica. Como a linha telefônica é usada unicamente como um meio de comunicação entre o modem do usuário e a central telefônica, não é necessário pagar pulsos telefônicos, pois a conexão ocorre por intermédio do modem e não discando para um número específico, como é feito com o acesso à internet via conexão discada. Isso deixa claro que todo o funcionamento do ADSL não se refere à linha telefônica, pois esta é apenas um "caminho", mas sim ao modem. Quando o modem do usuário estabelece uma conexão com o modem da central telefônica, o sinal vai para um roteador e em seguida para a internet, contudo, neste interstício, a central telefônica envia o sinal para o provedor para que seja realizada a autenticação do usuário.

O sinal citado acima, depois de enviado à central telefônica, é separado e os dados vão para um equipamento DSLAM (Digital Subscriber Line Access Multiplexer - multiplexador de acesso à linha digital do assinante), que contém a mesma espécie de processador de sinais digitais que o modem ADSL. Uma vez que o sinal digital é recuperado em um fluxo de bits, são formados pacotes que são enviados ao ISP (Internet Service Provider — provedor de serviços da internet). O DSLAM imita a velocidade do usuário e une várias linhas ADSL enviando o sinal para uma linha ATM (Asynchronous Transfer Mode) de alta velocidade que está conectada à internet. (TANENBAUM, 2004, cap.2, p.41)

Em outras palavras, a central telefônica suporta certa quantidade de usuários ao mesmo tempo. Cabe ao DSLAN gerenciar todas essas conexões, "agrupá-las" e enviar esse grupo de conexões à linha ATM, como se fosse uma única conexão.

Vejamos a figura ilustrativa:

Como visto nos itens anteriores, para a contratação do serviço de internet de banda larga do tipo ADSL faz-se necessária a contratação de provedor de acesso. Ocorre que, como veremos a seguir, esta imposição é ilegal e abusiva, tendo em vista ser possível que a conexão ocorra sem a utilização daqueles, infringindo por conseguinte a legislação consumerista no moldes do art. 39,I, do CDC.

Em Ação Civil Pública movida pelo Ministério Público Federal do Estado do Rio de Janeiro, subscrita pelo Procurador da República Celso de Albuquerque e Silva contra a Telemar e a Agência Nacional de Telecomunicações (ANATEL), nos autos do processo n° 2002.51.01.019764-9, foram expedidos ofícios a vários provedores de acesso com questionários a serem respondidos por estes com as seguintes perguntas:

a) Quando o usuário utiliza o serviço de acesso banda larga á Internet do VELOX, o tráfego de dados deste usuário circula pela rede interna deste provedor?

b) A conexão ao Backbone Internet dos usuários do VELOX é realizada a partir dos links deste provedor?

c) Qual o valor recebido por parte deste provedor referente à mensalidade paga pelo usuário residencial VELOX, para que este tenha acesso a Internet de alta velocidade – denominado VELOX ?

d) Qual o percentual desse montante, pago pelo consumidor, é repassado, automaticamente, à empresa TELEMAR?

e) Qual o motivo desse repasse?"

Em síntese, responderam os entrevistados, no tocante ao item a que o tráfego de dados não circula pela rede interna daqueles, a não ser no caso do usuário utilizar o serviço de e-mail daquele ou acesse alguma página nele hospedado. Ainda, quanto ao item b, que a conexão ao Backbone internet é realizada a partir dos links da Telemar, sendo inclusive paga uma taxa por este pela utilização da infra-estrutura de rede ADSL e do Backbone IP.

Quanto aos itens c, d e e, verificou-se que do valor cobrado ao consumidor pela prestação de serviço do provedor de acesso, é repassado à Telemar 70% a 81% deste valor, de acordo com a empresa contratada, sendo-o condição para que aqueles utilizem a infraestrutura desta.

Ora, pelas respostas colacionadas pelos provedores de acesso questionados, estas dever-se-iam bastar para que fosse a prestadora de serviço de telecomunicação compelida a promover o acesso à internet sem a imposição de contratação de um provedor de acesso. Mas há mais.

3.2 Questão jurídica.

Para adentrarmos no mérito jurídico da questão, faz-se mister a elucidação sobre a diferença entre serviço de telecomunicação e serviço de valor adicionado, os quais vêm conceituados pelos arts. 60 e 61 da Lei Geral de Telecomunicações, n° 9.472/97, cujo teor segue:

Art. 60. Serviço de telecomunicações é o conjunto de atividades que possibilita a oferta de telecomunicação.

§ 1° Telecomunicação é a transmissão, emissão ou recepção, por fio, radioeletricidade, meios ópticos ou qualquer outro processo eletromagnético, de símbolos, caracteres, sinais, escritos, imagens, sons ou informações de qualquer natureza.

Art. 61. Serviço de valor adicionado é a atividade que acrescenta, a um serviço de telecomunicações que lhe dá suporte e com o qual não se confunde, novas utilidades relacionadas ao acesso, armazenamento, apresentação, movimentação ou recuperação de informações.

§ 1º Serviço de valor adicionado não constitui serviço de telecomunicações, classificando-se seu provedor como usuário do serviço de telecomunicações que lhe dá suporte, com os direitos e deveres inerentes a essa condição.

§ 2° É assegurado aos interessados o uso das redes de serviços de telecomunicações para prestação de serviços de valor adicionado, cabendo à Agência, para assegurar esse direito, regular os condicionamentos, assim como o relacionamento entre aqueles e as prestadoras de serviço de telecomunicações.

Pelo texto legal dos artigos supracitados, depreende-se que serviço de telecomunicação é aquele que possibilita a transmissão, emissão ou recepção de dados de qualquer natureza da prestadora de serviço ao usuário, enquanto o serviço de valor adicionado é, pois, uma atividade típica das empresas provedoras de acesso à internet que acrescenta ao serviço de telecomunicações, prestado pela operadora de telefonia – que lhe dá suporte e com a qual não se confunde –, novas utilidades relativas ao acesso, armazenamento, apresentação, movimentação ou recuperação de informações, como por exemplo, a caixa de e-mails ou a hospedagem de home pages do cliente.

Em sendo a análise econômica do direito a aplicação da teoria econômica na explicação do direito, considerando o constante nos art. 60 e 61 da LGT, é razoável a conclusão de que o legislador tinha a intenção de conceder a uma empresa o direito de promover o canal de conexão à internet, isto é, o serviço de telecomunicação, enquanto concedia a outras empresas a possibilidade de prestar serviços de valor adicionado desde que se constituíssem para esse fim.

Ora, a teoria econômica desses dispositivos rege-se na intenção de evitar que apenas uma empresa realize todos os serviços correlatos à conexão à internet, para evitar um monopólio sobre todo um ramo, o qual pode gerar a concorrência direta entre empresas de determinado serviço. Disto advém a conclusão que a lei permitiu que as empresas de telefonia exercessem exclusivamente o direito a possibilitar a conexão à internet para os consumidores, haja vista serem constituídas para este fim.

Durante a mesma investigação do Ministério Público Federal, nos autos da Ação Civil pública n° 2002.51.01.019764-9, tratada outrora, fora expedido ofício também à ANATEL para prestar esclarecimentos sobre as denúncias que o órgão federal recebeu sobre a incidência de "venda casada", dentre outras que culminaram na ação civil pública mencionada. Em resposta, a ANATEL aduziu, em síntese, que a lei veda o acesso direto à internet, sem o uso de provedor, independentemente de existir a possibilidade técnica, para tanto. Por que as operadoras telefônicas podem somente fornecer a estrutura para a interligação entre provedor e usuário, haja visto que a lei requer que se constitua empresa com o fim exclusivo de fazer essa conexão.

Neste diapasão, afirma a ANATEL que, com fulcro no art. 86 da LGT, a prestadora de serviço de telecomunicação, cujo nome técnico é Provedor de Serviços de Conexão à Internet (PSCI), somente pode disponibilizar o meio físico para que o sinal da conexão possa ser transmitido entre o provedor de acesso, que executa Serviço de Conexão à Internet (SCI), e o cliente.

Ocorre que esta afirmação é descabida e deturpadora da inteligência da norma citada, vejamos:

Art. 86. A concessão somente poderá ser outorgada a empresa constituída segundo as leis brasileiras, com sede e administração no País, criada para explorar exclusivamente os serviços de telecomunicações objeto da concessão. (grifo nosso)

Conectando este dispositivo ao art. 60 da lei, fica claro que a prestadora de serviço de telecomunicação é responsável sim pela conexão à internet do seu link ao usuário, não podendo ser o provedor de internet o responsável pela conexão, uma vez que estas empresas não são constituídas para este fim, como requer o artigo supracitado, mas prestadoras de serviço adicionado com função de operacionalizar "novas utilidades relacionadas ao acesso, armazenamento, apresentação, movimentação ou recuperação de informações". Outrossim, a norma utiliza a expressão "novas utilidades ao acesso", o que implica não estar referindo-se ao acesso propriamente dito.

Em tempo, haja visto o julgamento dos Embargos de Divergência no Recurso Especial nº 456650/PR (DJ 20/03/2006), aquela Corte, embora analisando a matéria visando à definição sobre ocorrência de hipótese de incidência tributária, decidiu no sentido de que o provedor de acesso à internet é serviço de valor adicionado, verbis:

O serviço prestado pelo provedor de acesso à Internet não se caracteriza como serviço de telecomunicação, porque não necessita de autorização, permissão ou concessão da União, conforme determina o artigo 21, XI, da Constituição Federal. Não oferece, tampouco, prestações onerosas de serviços de comunicação (art. 2º, III, da LC n. 87/96), de forma a incidir o ICMS, porque não fornece as condições e meios para que a comunicação ocorra, sendo um simples usuário dos serviços prestados pelas empresas de telecomunicações.

(...)

Conforme pontifica Sacha Calmon, "o serviço prestado pelos provedores de acesso à Internet é um Serviço de Valor Adicionado, não se enquadrando como serviço de comunicação, tampouco serviço de telecomunicação. Este serviço apenas oferece aos provedores de Acesso à Internet o suporte necessário para que o Serviço de Valor Adicionado seja prestado, ou seja, o primeiro é um dos componentes no processo de produção do último." Nessa vereda, o insigne Ministro Peçanha Martins, ao proferir voto-vista no julgamento do recurso especial embargado, sustentou que a provedoria via Internet é serviço de valor adicionado, pois "acrescenta informações através das telecomunicações. A chamada comunicação eletrônica, entre computadores, somente ocorre através das chamadas linhas telefônicas de qualquer natureza, ou seja, a cabo ou via satélite. Sem a via telefônica impossível obter acesso à Internet. Cuida-se, pois, de um serviço adicionado às telecomunicações, como definiu o legislador. O provedor é usuário do serviço de telecomunicações.

A total desnecessidade jurídica de contratação do provedor infere-se do fato de a prestadora de serviço de telecomunicação, com autorização e recomendação da ANATEL, "vender" aos provedores o serviço de acesso à internet, como se pôde verificar no item anterior haja vista o pagamento de taxas de até 81% (oitenta e um por cento) à empresa Telemar para que pudessem usufruir de sua infraestrutura. Logo, se a prestadora de serviço de telecomunicação possui toda a infraestrutura necessária para realizar a conexão, física e tecnológica, bem como lhe é cediço realizar tal serviço, não há sentido em ser imposto ao consumidor que contrate provedor de acesso à internet para o provimento de um serviço que acaba sendo consumido concomitantemente e obrigatoriamente com os serviços adicionais oferecidos pelo provedor, evidenciando assim a chamada "venda casada" a que trata o art. 39, inciso I, do CDC, in verbis:

Art. 39. É vedado ao fornecedor de produtos ou serviços, dentre outras práticas abusivas:

I – condicionar o fornecimento de produto ou de serviço ao fornecimento de outro, produto ou serviço, bem como, sem justa causa, a limites quantitativos.

Da disposição legal depreendem-se ainda duas espécies de "venda casada": a) condicionar a venda de um produto ou serviço a outro; b) venda conjunta em quantidade maior da que o consumidor deseja adquirir. Contudo somente o item "a" é de interesse do nosso estudo.

Para que seja caracterizada conforme o item "a", não bastará somente que um fornecedor exija a aquisição de um produto ou serviço condicionada a aquisição conjunta de outro produto ou serviço, mas que estes sejam usualmente vendidos separadamente. (NUNES, 2005, p.516)

Assim, a venda de serviço com utilidade condicionada à prestação de outro serviço por prestador diverso, sendo incumbência do primeiro realizar o segundo, caracteriza a prática abusiva mediante tentativa de ludibriar o consumidor que acredita contratar dois serviços por não haver a opção de fazê-lo a somente um, quando na verdade isto é perfeitamente possível e exigível. Ferindo o princípio da boa-fé objetiva, constante no art.4°, III, do CDC, o qual consiste em regra de conduta segunda a qual, as partes devem portar-se com lealdade e segundo certos padrões de correção, lisura e honestidade (NOVAIS, 2006, p.105).

A finalidade desta regra proibitiva é enunciada pelo Ministro Luiz Fux, nos termos seguintes:

A denominada ‘venda casada’, sob esse enfoque, tem como ratio essendi da vedação a proibição imposta ao fornecedor de, utilizando de sua superioridade econômica ou técnica, opor-se à liberdade de escolha do consumidor entre os produtos e serviços de qualidade satisfatório e preços competitivos (Voto no REsp. n.º 744.602/RJ).

Ora, se o controle de entrada e saída de usuários (autenticação de autorização de acesso) é atividade exigida pela ANATEL para evitar condutas criminosas, então não constitui um serviço prestado ao consumidor e não pode ser motivo para se exigir que o consumidor, que não deseja serviços adicionados de conteúdo, contrate um provedor tão somente para fiscalizá-lo. Vale ressaltar que os gastos com a atividade de controle dos usuários por exigência estatal deve integrar os custos da empresa (ACP. Sentença. Nº 2003.17089-4. 2ª Vara da Justiça Federal de Goiás).

Corrobora com esta tese a decisão de Agravo julgado pela 4ª Turma do TRF, 3ª Região, como relatora a Desembargadora Federal Alda Bastos:

Sendo independentes os serviços de conexão e os de conteúdo prestados por terceiros, a ausência de contratação destes provedores, ou mesmo a contratação de qualquer outro que não esteja conveniado com a agravante, não pode constituir óbice à continuidade da prestação dos serviços de competência da ré.

Impor a contratação de uma terceira empresa para fornecer serviços adicionais, não essenciais, e nem sempre desejados pelo usuário, em tese, estaria a ferir o Código de Defesa do Consumidor (art. 39,I), pois é direito do consumidor decidir se quer ou não contratar qualquer outro serviço além da conexão já fornecida pela ré.

Reforçado tal entendimento no julgamento de apelação interposta perante o Tribunal de Justiça do Distrito Federal e Territórios, in verbis:

Novamente, conforme bem explicitado pelo douto Julgador a quo, ao contrário do que afirma a ré, o serviço Vírtua prestado pela ré não necessitaria de um provedor para ser executado, pois constitui um serviço de telecomunicação, nos termos do art. 60 da Lei 9.472/97, o qual resulta do conjunto de atividades que possibilita a comunicação.

O provedor de acesso à Internet, no caso, constitui apenas um serviço de valor adicionado, que de acordo com o art. 61 da mencionada Lei, acrescenta ao serviço de telecomunicações novas utilidades.

A disposição exposta no art. 5º da Resolução 190 da ANATEL apenas determina que se uma empresa de telecomunicação de massa por assinatura desejar incrementar seu serviço de telecomunicação deve fazê-lo somente por meio de outra empresa, que no caso é um provedor de acesso à Internet.

Ainda, quanto à mencionada Resolução 190/99, havendo esta regulado as relações de ordem técnica e econômica entre as empresas de serviço de comunicação de massa (SCMa) com as empresas de serviço de valor adicionado (SVA), assim como a Resolução 272/01, que disciplinou as condições de prestação e fruição do Serviço de Comunicação Multimídia (SCM) [01], ambas quedaram-se em demonstrar a imprescindibilidade da contratação do provedor de acesso para a efetivação da conexão à internet. Este foi o entendimento do Desembargador Jaime Ramos em julgamento de Apelação Cível nos autos n°. 2008.076228-3, do Tribunal de Justiça de Santa Catarina:

Dentre os direitos e deveres, tanto da prestadora do serviço de telecomunicação para conexão à internet quanto do usuário (assinante) nenhum deles se refere à obrigatoriedade de contratação de provedor de acesso à internet para que a concessionária de telecomunicação preste o serviço de banda larga (ADSL).

Ademais, a própria Resolução 271/01, em seu art. 59, inciso XV, repugna a "venda casada", ressalvada em questão técnica, a qual já fora desmentida outrora, corroborando para o nosso entendimento, como podemos observar:

Art. 59. O assinante do SCM têm direito, sem prejuízo do disposto na legislação aplicável:

(...)

XV - a não ser obrigado ou induzido a adquirir bens ou equipamentos que não sejam de seu interesse, bem como a não ser compelido a se submeter a qualquer condição, salvo diante de questão de ordem técnica, para recebimento do serviço, nos termos da regulamentação;

Como já demonstrado anteriormente, o consumidor submete-se a uma condição, qual seja a de contratar um provedor para poder usufruir da conexão à internet, a qual não está obrigado por qualquer questão técnica, o que só reforça a ilegalidade patente aqui combatida.


4. DA DEFESA DOS PROVEDORES E OPERADORAS DE TELEFONIA.

Em Ação Civil Pública pioneira sobre o tema aqui exposto, movida pelo Ministério Público Federal de Bauru-SP, subscrito pelo Procurador da República Pedro Antônio de Oliveira Machado contra a Telefônica (Telesp) e a ANATEL, nos autos do processo n° 2002.61.08.004680-9, a Associação Brasileira dos Provedores de Acesso, Serviços e Informações da Rede Internet (ABRANET), interveio no processo na qualidade de assistente, face o seu interesse na resolução da demanda.

Desta feita, foi prolatada sentença condenando a Telefônica a suspender a imposição de contratação de provedores de acesso para que o usuário tivesse acesso ao serviço de internet Speedy, decisão a qual foi recorrida pelas demandadas.

A ABRANET, por seu turno, traz a lume argumento de bastante relevância em defesa dos provedores de acesso à internet. Eduardo Fumes Parajo, presidente da ABRANET afirma que "os provedores estão do lado dos usuários" e que "existe um impeditivo legal para evitar a verticalização e o monopólio deste mercado. O custo da conexão à internet está lá e o setor de provimento de acesso investiu muito neste serviço. Isso deve ser lembrado". Crê ainda o representante da categoria ser um equívoco achar que os preços aos usuários finais seriam reduzidos, já que os custos de serviços de valor agregado prestados pelos provedores - como suporte, conteúdo e e-mail, entre outros - teriam que ser repassados à operadora de telecomunicações.

Em consonância com os argumentos da ABRANET, a ANATEL afirmou nos autos do Agravo de Instrumento n° 2004.01.00.019097-0/GO que a inexigência de contratação de provedores de acesso retira das empresas provedoras de conexão à internet serviço legalmente deferido a elas, causando-lhes prejuízos e desestruturação de suas finanças, afetando a economia e, mais, contribuindo para o aumento do desemprego no país.

Em verdade, aquela associação juntamente com a autarquia federal pugnam para que seja observado o princípio da livre concorrência, corolário da ordem econômica constitucional previsto no art. 170, inciso IV e art. 173, §4°, da Constituição Federal de 1988, o qual costuma ser identificado com a liberdade de atuar nos mercados buscando a conquista de clientela, com a expectativa de sua aplicação levar os preços de bens e serviços, fixados pelo jogo dos agentes em disputa, a níveis razoavelmente baixos, chegando no caso extremo de concorrência perfeita, a se igualarem ao custo marginal do produto. Aponta-se, no entanto, que essa liberdade jurídica de conquista de clientela pelos concorrentes deve somar-se a liberdade dos consumidores de usufruírem de alternativas. (NUSDEO, 2007, p.138)

Não há dúvida de que em sendo considerada a desnecessidade de contratação de provedores de internet para que seja realizada a conexão à internet de banda larga ADSL, muitos provedores decretariam falência, principalmente os pequenos provedores, bem como se extinguiriam os recursos para investimentos em tecnologias para o aperfeiçoamento dos serviços por eles prestados. Inclusive estimularia o monopólio (?) do acesso à internet às operadoras de telecomunicação.

E o aviso foi dado. Após a sentença, do processo de n° 2002.61.08.004680-9, que determinou que a Telefônica suspendesse a imposição de contratação de provedores de acesso aos consumidores do serviço Speedy, em Bauru-SP, a mesma enviou comunicado aos seus clientes fornecendo-lhe login e senha para que tivessem acesso à internet, contudo, alertando que lhes seria cobrada uma taxa de R$ 8,70, entretanto, sem informar se seria uma taxa mensal ou única.

Tratou-se de elevação do preço do serviço sem justa causa, violando desta forma o previsto no art. 39, X, do Código de Defesa do Consumidor. O fato ensejou sanções pela Secretaria Nacional de Direito Econômico (SNDE) e pelo Conselho Administrativo de Defesa Econômica (CADE) já que explícito o aumento abusivo dos lucros da fornecedora, ante a inexistência de custo adicional para que esta disponibilize a conexão à internet aos consumidores.


5. DA IMPROPRIEDADE DAS ALEGAÇÕES DAS FORNECEDORAS.

Ante as alegações retromencionadas, aparentemente a operadora de telecomunicação estaria livre para cobrar o valor que lhe aprouvesse pelo acesso à internet. Errado. Esta é a ideia que os provedores querem que os consumidores creiam.

A ANATEL, no uso de suas atribuições, têm o dever de regular e fiscalizar as atividades das concessionárias de serviços de telecomunicação, inclusive quanto às práticas e preços por elas empregadas.

Vale salientar ainda que o CADE, autarquia federal vinculada ao Ministério da Justiça, detém a competência de órgão de combate às infrações à ordem econômica, tanto preventiva quanto repressivamente. Atuando inclusive sempre que caracterizar-se imposição de preços excessivos ou do aumento injustificado de preços, além de outras circunstâncias econômicas e mercadológicas relevantes, conforme disposição do art. 21, § único, da Lei n° 8884/94.

Ademais, sobre o caput do art. 170 da Constituição da República o Supremo Tribunal Federal já deliberou em Ação Direita de Inconstitucionalidade chegando ao seguinte entendimento, no que se refere ao combate ao abuso do poder econômico:

"Em face da atual Constituição, para conciliar o fundamento da livre iniciativa e do princípio da livre concorrência com os da defesa do consumidor e da redução das desigualdades sociais, em conformidade com os ditames da justiça social, pode o Estado, por via legislativa, regular a política de preços de bens e de serviços, abusivo que é o poder econômico que visa ao aumento arbitrário dos lucros." (ADI-QO 319, Rel. Min. Moreira Alves, DJ 30/04/93).

Não obstante o princípio da livre concorrência e o da livre iniciativa, citados pelo eminente Ministro no julgado acima, figurarem no texto constitucional como princípios norteadores da ordem econômica, deve-se tomar cuidado quando estes por ventura venham a confrontar com o direto à proteção dos consumidores. Demais se do confronto provier prática abusiva contra o consumidor, qual seja, pagar em dubiedade pelo mesmo serviço.

Ensina o insigne José Afonso da Silva [p.792, 2006] que o princípio da livre iniciativa é a liberdade de desenvolvimento da empresa no quadro estabelecido pelo Poder Público, e, portanto, possibilidade de gozar das facilidades e necessidade de se submeter às limitações postas pelo mesmo. No entanto, será ilegítima sua arguição quando exercida com o objetivo de puro lucro e realização pessoal do empresário, afastando assim o fundamento de justiça social mediante a abusividade do poder econômico.

Enquanto que a livre concorrência, constante no art. 170, inciso IV da Carta Magna, visa a repressão à dominação de mercados e consequente eliminação da concorrência, ambos mediante abuso do poder econômico, preconizada no art.173, §4º, do writ.

Os dois princípios se complementam no mesmo objetivo. Visam tutelar o sistema de mercado e, especialmente, proteger a livre concorrência contra a tendência açambarcadora da concentração capitalista.

Entretanto, salienta o mesmo autor que, "na verdade, não existe mais economia de mercado nem livre concorrência, desde que o modo capitalista evoluiu para as formas oligopolistas" [p.793, 2006].

Deve-se ter em mente, primeiramente, que as empresas de telefonia já possuem o monopólio natural dos serviços de telecomunicação, inclusive quanto à prestação do serviço de conexão à internet via ADSL. Isto não quer dizer que não haja concorrência, pois se a concessionária do serviço de telecomunicação vier a cometer abusos no exercício da concessão, poderá a Administração retirá-la da empresa. Assim, esta para manter sua continuidade na prestação do serviço, deve pautar-se no interesse da Administração, bem como investir em seu aprimoramento e desenvolvimento uma vez que é ciente que se ela não o fizer, outras empresas farão com o intuito de obter a concessão.

Deste modo, no que atinge o cerne da questão aqui abordada, não há o menor cabimento na afirmação dos provedores de que sua inexigibilidade causaria o monopólio da prestação de serviço de comunicação pelas telefonias. O que ocorre em verdade é a inviabilidade da concorrência por motivos econômicos e/ou inviabilidade técnica para tanto.

A ausência de concorrência explica a gestão dos preços cobrados pelo serviço das prestadoras de telecomunicação, quando, por exemplo, o serviço Velox, prestado pela Telemar, cobra no Rio de Janeiro-RJ o valor de R$ 79,90 pela velocidade de 1Mbps, e está atualmente oferecendo promoção de R$44,90 para este plano até maio/09, e em Natal-RN o valor de R$ 72,90 pela velocidade de 300Kbps. Enquanto que naquela cidade o Serviço GVT, concorrente, tem plano de 1Mbps por R$ 49,90, na cidade do Natal não possui concorrente à Telemar, a não ser nas demais espécies de conexão à internet: cabo, rádio, satélite, etc.

Quanto à redução dos investimentos na área, ora, os provedores de acesso simplesmente alugam a infra-estrutura das operadoras de telecomunicação, não podendo se falar assim que a concorrência entre aqueles venha a estimular estas a investirem em pesquisa e desenvolvimento de suas operações. Isto é, se há uma preocupação quanto ao monopólio destas prestadoras de serviços de telecomunicação, cabe ao Estado, bem como com o auxílio da ANATEL, promover soluções para que outras empresas possam prestar serviço de telecomunicação para concorrer niveladamente com as preexistentes.


6. CONCLUSÃO

Este artigo teve o intuito de demonstrar e denunciar a prática abusiva de "venda casada" exercida pelas empresas prestadoras de serviço de telecomunicações, ao exigirem dos consumidores que contrataram com elas o serviço de conexão à internet, a contratação de provedor de acesso para que pudessem utilizá-la, bem como ante a inércia da ANATEL permitindo tal prática.

Pode-se, outrossim, verificar a ilegalidade da referida exigência tanto da forma técnica, pois que a transmissão de dados é feita pela estrutura daquelas empresas sem a necessidade de interferência dos provedores de acesso, quanto da forma jurídica; seja através da lei – no caso da Lei Geral de Telecomunicações, que é clara quanto à vinculação dos serviços a serem prestados por cada empresa –, seja através de princípios constitucionais – ante a impropriedade da alegação das fornecedoras de que haveria violação da livre concorrência, o que ficou comprovado, do contrário, não haver qualquer violação ao princípio mencionado; ou até através da utilização da análise econômica do direito para se chegar compreender a inteligência e a vontade da lei.

Assim, a empresa provedora do serviço de conexão à internet não deve coagir, por qualquer meio ou artifício, o consumidor a contratar os serviços de um provedor de mero conteúdo, por caracterizar a repudiada prática de "venda casada" de produtos. Deve ser ressaltado que não se está obrigando a empresa de telecomunicação a prestar nenhum serviço adicionado, mas, tão-somente, o serviço técnico, físico de conexão à rede de computadores, incluindo a disponibilização dos protocolos de internet (I.P.), autenticação e autorização dos usuários. Desse modo, se o consumidor necessitar de algum serviço de valor adicionado, poderá buscar uma empresa provedora, prestadora de serviço de valor adicionado (ACP. Sentença. Nº 2003.17089-4. 2ª Vara da Justiça Federal de Goiás).

É de louvar-se aqui a iniciativa do Ministério Público em afrontar empresas do porte da "Telefônica", em defesa do consumidor, que pouco pode se defender de cláusulas abusivas constantes dos chamados contratos de adesão.

Espera-se que essas investiduras dos parquets não se atenham ao âmbito estadual, mas que em breve possam ser apreciadas pelos tribunais superiores a fim de consolidar, erga omnes, a prática aqui denunciada como vedada em nosso ordenamento jurídico.


REFERÊNCIAS

MARQUES, Cláudia Lima. Contratos no Código de Defesa do Consumidor. São Paulo: Revista dos Tribunais. 4ª ed. 2002.

NOVAIS, Elaine Cardoso de Matos. Serviços Públicos & Relação de Consumo. Curitiba: Juruá, 2006.

NUNES, Rizzatto. Curso de Direito do Consumidor. São Paulo: Saraiva. 2ª ed. 2005.

SILVA, José Afonso da. Curso de Direito Constitucional Positivo. São Paulo: Malheiros. 27ª ed. 2006.

TANENBAUM, Andrew Stuart. Computer Networks. Rio de Janeiro: Campus. 4ª ed. 2004.

MOREIRA, Daniela. IDG NOW!. ABRANET diz que ausência de provedor não vai baratear banda larga. Disponível em: <http://www.saojosedoscampos.com.br/consumidor/index.php?id=20764&cat=39>. Acesso em: 23 jul. 2009.

______. IDG NOW!. ABRANET diz que ausência de provedor não vai baratear banda larga. Disponível em: <http://idgnow.uol.com.br/telecom/2007/08/28/idgnoticia.2007-08-28.7511880983/>. Acesso em: 23 jul. 2009.

NUSDEO, Ana Maria de Oliveira apud CORDEIRO, Rodrigo Aiache. Poder Econômico e livre concorrência: uma análise econômica na Constituição da República Federativa do Brasil de 1988. 2007. p. 138. Dissertação: Universidade Presbiteriana Mackenzie. São Paulo. Disponível em: <http://mx.mackenzie.com.br/tede/tde_busca/arquivo.php?codArquivo=512>.Acesso em 23 jul. 2009.

RONDON, Claudia. Speedy inicia cobrança de "taxa do provedor". Disponível em: <http://info.abril.com.br/aberto/infonews/052008/30052008-16.shl> Acesso em: 22 jul. 2009.


Notas

  1. Conceitua o SCM a Resolução 272/01 em seu artigo 3°, conforme segue: Art. 3º. Serviço fixo de telecomunicações de interesse coletivo, prestado em âmbito nacional e internacional, no regime privado, que possibilita a oferta de capacidade de transmissão, emissão e recepção de informações multimídia, utilizando quaisquer meios, a assinantes dentro de uma área de prestação de serviço.

Autor


Informações sobre o texto

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

ALCOFORADO, Aruanã Barbosa de Morais Arantes. A ilegalidade da exigência de contratação de provedor de acesso à internet para conexão com tecnologia ADSL. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 15, n. 2435, 2 mar. 2010. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/14404. Acesso em: 25 abr. 2024.