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A efetividade do Tratado de Cooperação Amazônica como tratado-quadro de proteção ambiental da fauna e da flora do Brasil

A efetividade do Tratado de Cooperação Amazônica como tratado-quadro de proteção ambiental da fauna e da flora do Brasil

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SUMÁRIO: 1. Introdução – 2. O Tratado de Cooperação Amazônica: Histórico e Antecedentes – 3. Tratado de Cooperação Internacional e a Jurisdificação da Proteção Internacional ao Meio Ambiente – 4. Breves digressões a respeito da definição de fauna e flora – 5. Legislação Brasileira e Proteção Penal do Meio Ambiente – 6. As dificuldades entre a realidade cotidiana e as tentativas de implementação do TCA – 7. Conclusões – 8. Referências


RESUMO

A efetividade de políticas públicas em torno da proteção do meio ambiente pressupõe normas aptas a regulamentá-las ou, pelo menos, fazerem qualquer alusão a instrumentos os quais vinculem um Estado à obrigação de implementá-las. Dada a natureza transfronteiriça do bioma amazônico, o qual incide em vários países latino-americanos, inevitável seria a ratificação, no atual contexto das relações internacionais, de algum documento jurídico por todos os países interessados pela temática. Nessa linha de entendimento, assinou-se o Tratado de Cooperação Amazônica em 1978, com entrada em vigor em 1980, no cerne da emergência da disciplina do Direito Internacional do Meio Ambiente. Passadas mais de duas décadas do início da implementação deste instrumento normativo internacional, procedeu o presente trabalho à identificação das principais conquistas e falhas na busca pela sedimentação de seus dispositivos, com enfoque sobre os delitos consumados em detrimento da fauna e flora brasileira. Nesse sentido, realizou-se pesquisa documental na Procuradoria da República do Amazonas, contabilizando-se as denúncias oferecidas por crimes contra a fauna e flora em bens da União, no período de janeiro a outubro de 2007.

PALAVRAS CHAVE: TRATADO DE COOPERAÇÃO AMAZÔNICA – FAUNA - FLORA


ABSTRACT

The effectiveness of public policies geared toward protecting the environment presupposes standards able to regulate them, or at least make no reference to instruments which bind a state obligation to implement them. Given the transboundary nature of the Amazon biome, which is based in several Latin American countries, the ratification would be inevitable in the current context of international relations in any legal document for all countries concerned by the issue. In this line of understanding, signed the Amazon Cooperation Treaty in 1978, entered into force in 1980, at the heart of the emergence of the discipline of International Law on the Environment. After more than two decades of the beginning of the implementation of this international instrument, conducted this study to identify the main achievements and failures in the quest for consolidation of their devices, focusing on the crimes to the detriment of wild fauna and flora. In this sense, there was documentary research in the Prosecutor''s office of the Amazon, accounting the complaints offered for crimes against fauna and flora of the estate, from January to October 2007.

KEYWORDS: AMAZON COOPERATION TREATY, FAUNA, FLORA


1.INTRODUÇÃO

Na esteira dos entendimentos firmados com o nascedouro do Direito Internacional do Meio Ambiente, emergiram na década de 1970 os primeiros instrumentos normativos internacionais a versar de forma pioneira sobre as questões ambientais, por ocasião da Declaração de Estocolmo de 1972. A ordem global passou, ainda de maneira tímida, a aventar a temática da proteção ao meio ambiente como uma das futuras preocupações da humanidade. Erigiram-se princípios fundamentais do Direito Ambiental, tais como prevenção, precaução, poluidor-pagador, democrático e desenvolvimento sustentável, entre outros.

A Floresta Amazônica, por sua extensão transfronteiriça, requer a cooperação conjunta dos países sob as quais incide o seu território de milhares de quilômetros quadrados no interesse de sua proteção. Os tratados internacionais se revelaram, em um primeiro passo na longa trajetória de desenvolvimento de consciência ambiental, como um instrumento hábil a projetar a questão perante não apenas os Estados diretamente interessados, mas perante a sociedade global. Não obstante a dualidade entre as teorias monista e dualista de regências dos diplomas celebrados pelos aparelhos estatais no exercício de suas soberanias, é inegável a monta e a vinculação fornecida por um tratado, convenção, pacto ou outro de magnitude equivalente, entre os seus respectivos signatários. Infere-se, diante dessa conjuntura, a conveniência e o momento oportuno no qual entrou em vigência o Tratado de Cooperação Amazônica, no ano de 1980, após 3 anos de sua assinatura, com o depósito das adesões necessárias.

A partir desse momento, as conquistas se revelaram incontestes. Após a inclusão de dispositivos os quais aludem ao meio ambiente em diversos tratados, a Constituição Federal de 1988 se tornou a primeira Lei Fundamental da história constituinte brasileira a mencionar expressamente a temática em um capítulo (art. 225 CF/88), consagrando os "direitos de terceira geração".

Resta indubitável a influência do Tratado de Cooperação Amazônica, na sua posição de tratado-quadro, em inúmeros dispositivos de leis brasileiras as quais tratam intrinsecamente da questão ambiental. O presente trabalho se ocupou, após a análise do histórico e antecedentes do TCA, bem assim a definição de fauna, flora e biodiversidade, da análise de dados práticos, a partir dos quais será possível fornecer um quadro da realidade cotidiana.


2. O TRATADO DE COOPERAÇÃO AMAZÔNICA: HISTÓRICO E ANTECEDENTES

Celebrou-se o Tratado de Cooperação Amazônica (TCA) com os seguintes propósitos: reafirmar a soberania dos países que o compõe além de incentivar, institucionalizar e orientar o processo de integração e cooperação regional entre os mesmos. A assinatura teve lugar em Brasília, na data de 10 de julho de 1978, por Bolívia, Brasil, Colômbia, Equador, Guiana, Peru, Suriname e Venezuela, mas só entrou em vigor no dia 3 de agosto de 1980 (trinta dias depois o depósito do instrumento de ratificação venezuelano) [01].

Como referencial para sua área de abrangência, o tratado toma o conceito de bacia Amazônica e áreas cujas características geográficas, ecológicas ou econômicas, se considerem estreitamente vinculadas à mesma (artigo II), explicando assim a inclusão da Guiana e do Suriname, regiões que se enquadram no segundo critério.

Interessante observar a exclusão da Guiana Francesa do Pacto, sob o argumento de se tratar de uma colônia, e por isso não teria soberania para ser defendida no tratado [02].

O tratado prevê a colaboração entre os países membros para a promoção da pesquisa científica e tecnológica, o intercâmbio de informações, a utilização racional dos recursos naturais, a liberdade de navegação nos rios amazônicos, a proteção da navegação e do comércio, a preservação do patrimônio cultural, os cuidados com a saúde, a criação e a operação de centros de pesquisa, o estabelecimento de uma adequada infra-estrutura de transportes e comunicações, bem assim o incremento do turismo e o comércio fronteiriço.

Ademais, a necessidade de proteção além das fronteiras nacionais contempla o fato de ser o meio ambiente um bem jurídico fundamental cujos danos podem ultrapassar os limites político-administrativos de um Estado e, mais precisamente no contexto amazônico, atingir direta ou indiretamente os países vizinhos. [03]

O diploma normativo internacional em apreço se destina à ponderação da sustentabilidade a partir de três dimensões: ambiental, social e econômica, com vistas a um compromisso entre desenvolvimento econômico e proteção ambiental

Com vistas a desenvolver seus objetivos, o diploma normativo sub occullis abre espaço para que seus membros efetuem acordos bilaterais de modo a lhe garantir exeqüibilidade, ou seja, trata-se de um tratado quadro (umbrella agreement).

Luis Barrera explica que:

From the single paragraph to Article I, as well as from other sections of the text (... )it can be inferred that the Threaty hás the characteristics of na ‘umbrella agreement’, not subject to interpretive reservations and not open to new adherence and which requires, for its full implementation, the subscription of specific agreements and understandings, elminating the possibility that its execution affects the existing boundary disputes among the signatories ( 1993, p. 201).

No Tratado de Cooperação Amazônica (TCA), em seu Artigo VII, há previsão expressa de proteção à fauna e flora amazônicas dos países signatários, com ditames na forma de soft law, ou seja, não possui em si sanção contra aqueles que deixarem de praticar o que nele está previsto. Porém, isto não o torna vazio de qualquer significado.

Contudo, esses não são os únicos aspectos que cabem ser analisados no que diz respeito a esta proteção. Tendo em vista que o TCA é um tratado guarda-chuva (umbrella treaty), limita-se descrever as bases jurídicas que permeiam o próprio tratado, assim como os direitos e deveres das partes permitindo que outra regulamentação mais detalhada seja feita a posteriori.

Entre os acordos bilaterais firmados à luz do TCA convém rememorar os seguintes:

a)Plano de Ordenamento e Gerenciamento das Bacias dos Rios San Miguel e Putumayo: envolvendo Equador e Colômbia, o plano engloba uma proposta de ação para o desenvolvimento sustentável da zona fronteiriça, o qual inclui parte do Departamento de Putumayo na Colômbia e a Província de Sucumbíos a Província do Napo no Equador.

b) Plano para o Desenvolvimento Integral da Bacia do Rio Putumayo: consiste em um plano proposto pela Comissão Mista de Cooperação Amazônica a fim de implementar um programa de desenvolvimento sustentável na área de 160.500 km2 coberta.

c)Plano Modelo Colombiano - Brasíleiro para o Desenvolvimento Integrado das Comunidades Vizinhas do Eixo Tabatinga – Apaporis: fruto dos trabalhos da Comissão Mista, visa promover a integração entre os países por meio de acordos econômicos os quais confiram viabilidade ao aumento dos fluxos comerciais de Letícia (Colômbia) e Tabatinga (Brasil).

d)(Programa de Desenvolvimento Integrado para as Comunidades Fronteiriças Peruano - Brasíleiras (Inapari e Assis Brasil): baseado no Tratado de Amizade e Cooperação entre Brasil e Peru em 1979, procura a dinamização do comércio fronteiriço.

e)Programa de Ação Conjunta Brasil Bolívia: elaborado no espírito da Declaração de 1988 entre Brasil e Bolívia sobre a necessidade de dedicar atenção constante à questão ambiental da região amazônica o programa pretende iniciar a execução de planos modelos binacionais de desenvolvimento integrado de comunidades visinhas, no âmbito da Subcomissão de Cooperação Fronteiriça da Comissão Mista Permanente de Coordenação. Para tanto, determinaram o início desses planos nas seguintes microrregiões: Brasiléia - Cobija; Guajaramirím - Guayaramerín; e Costa - Marques - Triângulo San Joaquín, San Ramón e Magdalena, todas na Amazônia.

f)Convênio Complementar ao Acordo de Cooperação Amazônica entre Brasil e Colômbia, Sobre Cooperação no Desenvolvimento dos Recursos Minerais na Área de Fronteira: firmado em 9 de fevereiro de 1988 em Bogotá, este convênio objetiva estimular a cooperação econômica e empresarial, com amplo intercâmbio de informação técnica sobre atividades mineras e recursos geológicos da região de fronteira ou de comum interesse. Permite ainda a realização de levantamentos aerogeofísicos na região limítrofe, e determina que As informações obtidas em trabalhos conjuntos desenvolvidos no âmbito do presente Convênio não serão divulgadas a terceiros sem prévio acordo escrito entre as Parte, mesmo depois do término de sua vigência, com exceção das informações geo1ógica, geofísica e geoquímicas e outras, relativas aos correspondentes territórios, as quais poderão ser divulgadas e utilizada pela respectiva Parte, sem qualquer limitação.

g)Acordo de Cooperação para a Conservação e o Uso Sustentável da Flora e da Fauna Silvestres dos Territórios Amazônicos do Brasil e do Peru: de 25 de agosto de 2003, este acordo reitera o compromisso das partes de cooperar em matéria de conservação da flora e da fauna silvestres e respectivos ecossistemas em seus territórios amazônicos com o propósito de promover a conservação do meio ambiente e o aproveitamento sustentável dos recursos naturais.

h)Convênio entre o Governo da República Federal do Brasil e o Governo da República do Bolívia para a Preservação, Conservação e Fiscalização dos Recursos Naturais nas Áreas de Fronteira: assinado em 1990 esse convênio atesta o compromisso entre Brasil e Bolívia de proibir e a reprimir a caça e a depredação, bem como o comércio interno e externo de espécies da fauna e flora que se encontrem ameaçadas de extinção, inclusive seus subprodutos naturais ou manufaturados e proteger as florestas naturais e a preservar seus recursos, principalmente nas zonas fronteiriças binacionais, realizando estudos coordenados com vistas à aplicação, em seus respectivos países, de planos, programas e projetos que permitam o aproveitamento racional dos recursos naturais. Trazia ainda a proposta da criação de uma Unidade de Conservação Nacional Contígua que acabou não sendo levada a cabo.


3. TRATADO DE COOPERAÇÃO AMAZÔNICA E A JURISDIFICAÇÃO INTERNACIONAL DA PROTEÇÃO AO MEIO AMBIENTE

Convém discorrer brevemente sobre a natureza jurídica do Tratado de Cooperação Amazônica frente ao Direito Internacional do Meio Ambiente, a fim de que se estabeleça um liame interpretativo para as disposições de direito interno a serem adotadas pela República Federativa do Brasil em consonância com esse diploma.

Cristiniana Cavalcanti Freire, Carla Cristina Alves Torquato e José Augusto Fontoura da Costa partem da definição de juridificação para enquadrar as disposições do Tratado de Cooperação Amazônica, entendendo-a como um conjunto particular de características as quais as instituições podem ou não possuir, consideradas a partir de três dimensões: obrigação (um Estado ou outros atores estão limitados por regras ou compromissos ou um conjunto de ambos, com regras e comportamentos sujeitos ao Direito Internacional); precisão (essas normas devem ser isentas de ambiguidades); delegação (terceiros detêm garantias para interpretar e aplicar as regras, solucionar conflitos e, possivelmente, criar novas regras). [04]

Juridificar significaria, portanto, tornar jurídicas disposições meramente políticas. A preservação do meio ambiente, até os idos da década de 1970, consubstanciava meramente um compromisso político desencadeado pela Declaração de Estocolmo de 1972, sem a devida positivação, notadamente no contexto da Floresta Amazônica, detentora da maior sociobiodiversidade do globo terrestre. Nessa esteira, erigiu-se o Tratado de Cooperação Amazônica, com o objetivo de estabelecer obrigações internacionais, mínimas que fossem, aptas a conferir coercibilidade ao contexto de proteção ao bem jurídico ambiental em exame nessa pesquisa.

Ocorre, portanto,uma sobreposição de ambos os sistemas acima aludidos: o jurídico e o político, tendo em vista a natureza fechada de ambos.

Postas estas notas, passa-se à análise do tratado como soft law ou hard law, como acima pretendido.

Define-se uma obrigação internacional soft law como um instrumento quase jurídico, desprovido de força coercitiva e, por conseguinte, de sanções aplicáveis aos Estados- Parte, ou cuja coercibilidade aparenta ser menor do que o enforcement do direito tradicional. Na seara do Direito Internacional, aludem a disposições as quais não se enquadram como normas internacionais em sentido estrito, com caráter inteiramente voluntário e subsidiário e de aprendizagem mútua, de acordo com lições proferidas por Cristiniana Cavalcanti Freire, Carla Cristina Alves Torquato e José Augusto Fontoura da Costa. [05]

O termo hard law, por sua vez, contempla o direito rígido, dentro do qual se reputam inseridas sanções contra as infringências perpetradas. Ressalte-se que a natureza de soft law de uma disposição não lhe retira a juridificação, mesmo que desprovida de sanção.

Diante das definições acima colacionadas, situa-se o Tratado de Cooperação Amazônica, a partir dos três elementos basilares ao direito não-rígido:

a)Obrigação: o tratado possui artigos concisos, mas não coercitivos, com vistas à cooperação entre as partes. Destacam-se a afirmação da soberania e responsabilidade dos Estados-partes contratantes em face da Bacia Amazônica compreendida em seus territórios;

b)Precisão: as intenções do tratado são as de incrementar o emprego racional dos recursos humanos e naturais dos seus respectivos territórios e estimular a realização de estudos e a adoção de medidas conjuntas;

c)Delegação: a efetivação do tratado se dá através do funcionamento articulado com agências e órgãos responsáveis pela coordenação, implementação de programas e projetos de cooperação técnica dos países membros, os quais interagem com as unidades executoras e coordenadoras nacionais.

Dá-se, por conseguinte, uma obrigação fraca, precisão forte e uma delegação moderada.


4. BREVES DIGRESSÕES A RESPEITO DA DEFINIÇÃO DE FAUNA E FLORA

O ambientalista Luís Paulo Sirvinskas define flora como o conjunto de plantas de uma região, de um país ou de um continente. Pondera o autor que a interação constante com outros seres vivos, bem como microorganismos e outros animais acarreta o conceito de ecossistema sustentado. [06]

Érika Mendes de Carvalho profere, outrossim, as seguintes lições:

(...) toda comunidade de seres vivos – vegetais ou animais – interage com o meio circundante, com o qual estabelece um intercâmbio recíproco, contínuo ou não, durante determinado período de tempo, de tal forma que ‘um fluxo de energia produza estruturas bióticas claramente definidas e uma ciclagem de materiais entre as partes vivas e não-vivas’.Esse conjunto de fatores, respectivamente denominados biocenose e biótopo, dão origem a um complexo que recebe o nome de ecossistema sustentado graças às constantes trocas de matéria e energia, responsáveis por seu equilíbrio" (CARVALHO, 1999, p. 17)

A fauna, por sua vez, é o conjunto de animais estabelecidos em determinada região. [07]


5. LEGISLAÇÃO BRASILEIRA E PROTEÇÃO PENAL DO MEIO AMBIENTE

Reputam-se recentes os estudos que procuram verificar os efeitos da penalização de condutas contra o meio ambiente, tendo em exame a tutela penal ambiental, sobretudo em face da relativa incipiência da Lei nº 9.605/98.

Nesse sentido, existe uma complementação em torno da dogmática concernente à definição de bem jurídico e o alcance sobre o meio ambiente: a primeira desenvolve importantes funções de ordem político-criminal que, quando conjugada com a última, demonstra a sua importância para o desenvolvimento da vida humana como um valor essencial de proteção. Há também a necessidade de delimitação do conceito em apreço.

Costa Jr efetua um minucioso estudo crítico e pioneiro sobre o tema, quando, ainda no final da década de 1990, traça as bases da construção do tipo penal ambiental. Enfatiza que essa se tratava da proteção "imediata" dos valores ambientais no momento atual. O citado autor enuncia que, normalmente, o bem tutelado consiste na limpeza e pureza da água, ar e solo, mas que também abrange os elementos concernentes ao equilíbrio natural. Ressalta que não é possível a homogeneização de condutas tipificadas nas diversas legislações ao redor do planeta, pois os comportamentos e as relações de manejo de recursos naturais diferem de acordo com a região.

No que tange especificamente ao bem jurídico tutelado pela norma penal ambiental, o penalista adota a posição de que se destaca a indicação do "fim perseguido", em detrimento do "fato" vetado, de forma a supervalorizar o bem jurídico e produzir uma tensão dialética com o confronto entre "valoração" e "descrição".

Registra-se, por conseguinte, o ímpeto ansioso do legislador em proteger a qualquer preço bens em estado de destruição, em detrimento de uma melhor técnica legislativa ou mesmo das questões culturais e socioambientais peculiares a uma determinada população. [08]

Apesar de não estar diretamente ligado ao objeto central da presente pesquisa, a obra de Minahim revela uma tormentosa questão que, no contexto atual de proteção ambiental na Amazônia, se reputa tormentosa ante à diversidade biológica existente na região: a biopirataria e a necessidade de norma incriminadora da conduta. Assim sendo, apresenta as bases para alinhar o conceito de bem jurídico com a tutela penal ambiental: a própria natureza e a maneira de proporcionar-lhe proteção eficaz constituiriam o cerne de toda a polêmica em volta do papel da intervenção do Direito Penal na sociedade de risco, ante os avanços da biotecnologia. [09]

Minahim e Mascarenhas Prado também discorrem, em trabalho conjunto, que o Direito Penal não pode eximir-se de proteger bens jurídicos transindividuais, como no caso da norma ambiental, a fim de atender aos desafios lançados às ciências, à razão e à ética. [10]

Deve-se também sublinhas ar lições de Jakobs, no sentido de que o Direito Penal representa o "cartão de visitas" da sociedade na qual é inserido, ou seja, erige-se esse ramo da ciência jurídica de acordo com os problemas sociais de relevância. [11]

Nesse sentido, a lição de Pastana remonta à atualidade da tutela criminal do meio ambiente: a política criminal do Estado dirigida à repressão encontra aceitação da opinião pública, porque se justifica com o pensamento de combater condutas típicas as quais lesem o bem jurídico meio ambiente. Enquanto os demais ramos do direito sofrem uma deslegalização e desregulamentação, militariza-se o Direito Penal. [12]

Vânia Marinho ressalta que a tutela do meio ambiente enquanto bem jurídico penal advém de sua especial transcendência e da necessidade de proteção para a própria existência do ser humano em geral e da vida. [13]


6. A DISPARIDADE ENTRE A REALIDADE COTIDIANA E AS TENTATIVAS DE IMPLEMENTAÇÃO DO TCA

Os artigos 29 a 37 da Lei nº 9.605/98 (Lei de Crimes Ambientais) tratam dos crimes contra a fauna. Assim, é crime matar, perseguir, caçar animais da fauna silvestre sem permissão, impedir a procriação destruindo ninho e abrigo natural, vender, exportar, manter em cativeiro, ovos, larvas ou espécimes da fauna, exportar peles e couros sem autorização, introduzir outras espécies no país sem parecer técnico, praticar abuso, maus tratos, ferir, mutilar, degradar cativeiros, viveiros naturais, pescar em períodos em que a pesca é proibida ou mesmo pescar utilizando meios tóxicos, entre outros.

Já os artigos 38 a 53 abordam os crimes contra a flora, dentre os quais estão: destruir florestas de preservação permanente, causar danos às Áreas de Proteção Ambiental, comercializar produtos de origem vegetal sem licença válida, dificultar a regeneração natural de florestas, entre outros.

A cultura científica brasileira carece de dados numéricos acerca dos temas sobre os quais versa. Nesse intuito, o presente trabalho procedeu à tentativa de sanar essa impropriedade existente em muitas pesquisas em que se exclui a possibilidade de realizar um estudo mais apurado em campo. Com a devida autorização dos Procuradores da República oficiantes do 1º, 3º e 4º Ofícios Criminais da Procuradoria da República no Amazonas, amealhou-se o número de denúncias oferecidas em desfavor de autores de crimes ambientais em 2007, no que atine a violações à fauna e flora amazônicas, ocorridas no âmbito deste Estado.

As denúncias contabilizadas, as quais ensejaram a propositura de ação penal pública incondicionada, atinem unicamente a infrações cometidas em detrimento de bens da União. Ao contrário do que se imagina, existem inúmeras Unidades de Conservação criadas, principalmente a partir dos fins da década de 1970, através de sucessivos decretos dos Presidentes da República com mandatos nesse ínterim. Nessa esteira, a prática delituosa se verifica, em grande parte: na Reserva Biológica de Balbina, Parque Nacional do Jaú, Parque Nacional do Pico da Neblina e Estação Ecológica Anavilhanas. Tem-se intensificado também a ocorrência de delitos nas áreas de segurança nacional, ou seja, a faixa de 150 quilômetros a partir da fronteira do Brasil com algum país sul-americano, como Bolívia, Venezuela, Peru e Colômbia.

Surgem as ações penais públicas a partir, na maioria das hipóteses, de autuações do Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e Recursos Naturais Renováveis (IBAMA), encaminhadas ao Ministério Público Federal na forma de representações. Devem constar nos autos de infração elementos aptos a sedimentar a materialidade e indicar a autoria dos crimes em comento, quais sejam: nome do autuado, endereço, número de documentos hábeis a identificá-lo (Carteira de Identidade, Cadastro de Pessoa Física, Título de Eleitor), filiação e outros, bem assim a especificação da infração, o local, a assinatura do autor do fato, do servidor responsável pela fiscalização e das testemunhas. Após esse momento, inicia-se um procedimento administrativo no âmbito do órgão responsável pela verificação in loco da prática delituosa, com o fito de impugnar o documento, se constatada a sua ilegalidade, para que depois se encaminhem as suas cópias ao Parquet Federal.

Cabe também a possibilidade de a Polícia Federal, através de sua Delegacia Especializada em Repressão a Crimes Ambientais, remeter apuratórios policiais ao Ministério Público Federal. Essas investigações são cada vez mais exíguas e, quando relatadas, se posicionam aquém do esperado nas disposições concernentes à autoria e materialidade dos crimes ambientais.

Nesses termos, procede-se à menção dos números relativos à criminalidade ambiental no Amazonas no corrente ano (até 25 de outubro de 2007). No âmbito do Juizado Especial Federal, mais precisamente a 6ª Vara Federal da Subseção Judiciária do Estado do Amazonas, contabilizaram-se 40 convocações de audiências preliminares em delitos de menor potencial ofensivo (a pena máxima cominada é de 2 anos), dentre as quais a maioria cinge ao artigo 50 (14 ações penais cada), da Lei nº 9.605/98, respectivamente: "destruir ou danificar florestas nativas ou plantadas ou vegetação fixadora de dunas, protetora de mangues, objeto de especial preservação". Nesses casos, existe a possibilidade de ser celebrada a transação penal em audiência preliminar. No âmbito da Justiça Federal Comum, totalizaram-se 46 denúncias, sendo a maioria delas (18 ações penais) referentes a crimes tipificados no art. 34, da Lei nº 9.605/98: "pescar em período no qual a pesca seja proibida ou em lugares interditados pelo órgão competente". Na maioria dos delitos em apreço, a pena mínima atine a 1 ano de detenção, motivo pelo qual cabe a suspensão condicional do processo, em um período de prova de 2 anos. Assim sendo, o infrator comparecerá mensalmente ao juízo prolator da sentença para justificar suas atividades.

Uma vez que as penas cominadas a crimes ambientais, em sua maioria, não são de elevada monta e admitem transações penais e suspensão condicional do processo, insta salientar a exigüidade do prazo prescricional para tais condutas (art. 109, Código Penal). Antes de remeterem-se os autos ao Ministério Público Federal, instaura-se um processo administrativo prévio no órgão responsável pela fiscalização ambiental, com a garantia da ampla defesa e do contraditório ao infrator. Inexiste, entretanto, uma duração célere dessa tramitação, a ponto de, quando se instaurar a representação no Parquet, os fatos nela narrados se encontrarem às vésperas de prescrever, obrigando o Agente Ministerial a arquivá-la, em face da inviabilidade de promover ação penal pública.

Ademais, não obstante o fato da demora em remeter os procedimentos ao Órgão Ministerial, em grande parte das situações os autos de infração não delimitam a área onde ocorreu o delito ambiental. Exige-se, dessa forma, uma solicitação de informações ao IBAMA, a fim de questionar se o local do crime alude a bem da União ou outro, para legitimar a competência da Justiça Federal ou Estadual, demorando ainda mais para o oferecimento da denúncia.


7. CONCLUSÕES

Evidenciam-se as possíveis soluções, por conseguinte, diante dessa conjuntura: um maior contingente de agentes responsáveis pela fiscalização ambiental em meio à densidade da mata amazônica, principalmente nas Unidades de Conservação; a boa fundamentação dos autos de infração e a célere duração dos processos em âmbito administrativo.

Impende salientar também a falta de uma regulamentação específica e eficaz para a prática da biopirataria. Necessária se faz a promulgação de uma lei a qual preveja penas mais severas aos infratores, bem assim mantenha em seu bojo gradações de acordo com o contexto econômico-social do apenado. Tem-se aplicado hodiernamente, com inegável insegurança, o art. 29, da Lei nº 9.605/98, para punir os autores desses fatos criminosos. Além de a punição ser exígua, não há competência federal ou estadual jurisprudencialmente firmada, ocasionando uma insegurança jurídica sem fronteiras se considerado esse delito o qual ofende a soberania nacional.

Verifica-se que, apesar da legislação ambiental considerada avançada e ampla, o Brasil ainda peca por não realizar uma efetiva fiscalização. Saliente-se que a mesma se dá na forma de operações pontuais, i. e., o órgão de repressão ambiental escolhe datas específicas para concentrar pequenas equipes em Unidades de Conservação de grandes dimensões. Os números aqui apresentados poderiam ser apresentados com um fator multiplicador muito maior.


8. REFERÊNCIAS

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Notas

  1. Entre os antecedentes do TCA, indica-se a Convenção de Iquitos de 1948 composta por Brasil, Colômbia, Equador, Peru e Venezuela, a qual foi coordenada pela UNESCO (BARRERA, 1993, p. 200).
  2. O professor Guido Soares indica: "none of the contracting parties of the TAC wanted to negotiate with a colonial power. France and Trinidad and Tobago had tried to join de TAC negotiations at na early stage, but they were diplomatically turned down by consensus among the negotiating countries " (SOARES, 1993, p. 212).
  3. SILVA, Solange Teles da et all. Responsabilidade Civil Ambiental nos Países Integrantes do Tratado de Cooperação Amazônica, 2006. p. 7.
  4. Juridificação Internacional: Análise do Tratado de Cooperação Amazônica em Face dos Desafios Ambientais Internacionais, 2006. p. 4.
  5. Ibid., p. 11.
  6. Manual de Direito Ambiental, 2009. p. 423.
  7. Manual de Direito Ambiental, 2009. p. 459.
  8. Direito Penal Ecológico, 1996. p. 60-70.
  9. Direito Penal e Biotecnologia, 2005. p. 48.
  10. Proteção penal dos recursos naturais no âmbito da América do Sul, 2006. p. 4.
  11. Sociedade, norma e pessoa, 2007. p. 7-8.
  12. Cultura do medo: reflexões sobre violência criminal, controle social e cidadania no Brasil, 2003. p. 27.
  13. Tutela Penal da Cobertura Vegetal, 2003. p. 172.

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Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

LINS, Diogo de Oliveira. A efetividade do Tratado de Cooperação Amazônica como tratado-quadro de proteção ambiental da fauna e da flora do Brasil. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 15, n. 2456, 23 mar. 2010. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/14561. Acesso em: 20 abr. 2024.