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Notas sobre representação política no sistema distrital

Notas sobre representação política no sistema distrital

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I) INTRODUÇÃO/ REPRESENTAÇÃO POLÍTICA

Uma vez definido que na forma de governo democrático o poder emana do povo, sendo exercido em seu nome, percebeu-se modernamente a inviabilidade da desincumbência deste exercício por todos os cidadãos cuja vontade política seja válida na comunidade. Inversamente do que ocorria na clássica Atenas do séc. V a.C., onde as decisões eram tomadas em praça pública pela totalidade dos cidadãos (1), a ampliação do universo eleitoral pela atribuição do direito de voto a várias categorias sociais - independente de sexo, raça, credo ou ocupação - levou à necessidade de aprimoramento dos institutos de democracia representativa, notadamente no que diz respeito à representação dos eleitores pelos eleitos. Estes devem ter em conta, ao se desincumbir do mandato, a necessidade de fazer valer junto às instâncias decisórias do Estado a vontade do grupo ou segmento social onde se assentam suas bases eleitorais, sem perder de vista o visar objetivos que se coadunem com os interesses maiores do país.

O meio pelo qual o eleitor atribui o mandato político a alguém que o representará junto aos órgãos decisórios, é o voto, que se traduz na consagração por ele de um nome posto à sua apreciação. Portanto, através do voto dos eleitores devidamente capacitados a expressar sua vontade política numa determinada eleição, é que se compõem as esferas decisórias e executoras dos programa referentes à gestão daquela determinada comunidade eleitoral (2).


II) SISTEMA ELEITORAL

Ao conjunto de regras e procedimentos utilizados na definição do âmbito do universo eleitoral, bem como na apuração da vontade política manifestada no pleito eleitoral, traduzindo esta vontade em assentos nos diversos órgãos de administração do Estado, se chama sistema eleitoral. Os autores, por motivos de lógica na estruturação da análise dos institutos envolvidos, usam bipartir o alcance da definição, fazendo-a de modo mais ou menos restrito, conforme se refiram a institutos de direito eleitoral político subjetivo - capacidade eleitoral - ou objetivo - apuração e distribuição dos votos pelos candidatos e partidos políticos.

Assim, em sentido lato, o sistema eleitoral compreende as "regras, procedimentos e práticas, com a sua coerência e a sua lógica interna, a que está sujeita a eleição em qualquer país e que, portanto, condiciona (juntamente com elementos de ordem cultural, econômica e política) o exercício do direito de sufrágio" e em sentido estrito, a "forma de expressão da vontade eleitoral, o modo como a vontade dos eleitores de escolher este ou aquele candidato, esta ou aquela lista, se traduz num resultado global final, o modo como a vontade (psicológica) de cada eleitor ou do conjunto dos eleitores é interpretada ou transformada na vontade eleitoral (vontade jurídica que se traduz, nomeadamente, na distribuição dos mandatos ou lugares no Parlamento." (3)

De outra maneira, se pode falar em sistema eleitoral como um conjunto de normas abrangentes que se ocupam do balizamento do âmbito, seja territorial (círculos e distritos), seja com relação a sujeitos passivos e ativos (eleitores, partidos), em que se dará o processo eleitoral, protegendo ainda a liberdade de escolha do eleitor e definindo os procedimentos de cálculo, enquanto que a lei eleitoral propriamente dita vai regular o procedimento de apuração e contagem dos votos e sua conversão em distribuição de mandatos para composição dos diversos órgãos políticos.

DOUGLAS RAE, citado por LIMA Jr., esclarece serem três os principais elementos definidos na lei eleitoral: o papel do eleitor, traduzido no tipo de voto, seja categórico ou ordinal; o distritamento, conforme seja a circunscrição eleitoral uni ou plurinominal, e a fórmula eleitoral a ser utilizada na conversão de votos em mandatos (4).

Portanto, seja em que sentido for utilizada a expressão, do sistema eleitoral constarão sempre normas referentes à conversão da manifestação da vontade do eleitorado em representação política, via cometimento de mandatos, numa determinada circunscrição eleitoral.


III) SISTEMAS ELEITORAIS MAJORITÁRIOS E PROPORCIONAIS

:

Na democracia representativa, o eleitor confere ao eleito um mandato para que este o represente politicamente. Sendo da essência mesma da forma de governo democrática a participação popular, tem-se que o ideal é que todo e qualquer cidadão esteja representado nos órgãos decisórios do governo. Assim, o governo será tanto mais democrático quanto mais se traduzir na sua formação a participação popular: na democracia representativa, através de representantes eleitos. Por isto, o sistema eleitoral passa a ser de alguma maneira condicionante - em maior ou menor grau - da forma de governo adotada, já que a magnitude dos distritos e a fórmula eleitoral influem sobretudo na conformação do sistema partidário.

A moderna democracia representativa se faz efetivamente por meio dos partidos políticos, sendo mesmo impossível, em alguns países, concorrer a cargos eletivos sem prévia filiação partidária (5) . A influência, sobre os partidos políticos, da fórmula adotada no sistema eleitoral, mereceu investigação pormenorizada de vários investigadores, como se verá adiante.

Conforme a comissão do mandato ao representante seja ao mais votado ou mais votados, ou aos partidos (proporcionalmente à votação de cada um deles), diz-se sistema eleitoral majoritário ou proporcional. Conquanto em minucioso trabalho GIUSTI TAVARES tenha identificado e classificado trinta e oito espécies de sistemas eleitorais, utilizando-se, para tanto, como critério principal, da fórmula eleitoral adotada (6), para JORGE MIRANDA o debate principal centra-se no confronto entre o sistema de representação majoritária com sufrágio uninominal e o sistema de representação proporcional (7).

O primeiro é o mais antigo, e seus rudimentos podem ser vistos na necessidade de legitimar a cobrança de tributos: sem representação dos contribuintes junto ao órgão arrecadador, não poderia haver cobrança, o que forçou à convocação junto ao rei de um representante por circunscrição territorial. O princípio da não taxação sem representação legitimou, inclusive, a rebelião das colônias americanas contra a metrópole britânica, já no século XVIII.

Mas costuma-se situar a origem do sistema majoritário em 1254, na composição, pelo rei inglês Henrique III, de verdadeira assembléia de representantes, pela convocação de dois cavaleiros por condado, a fim de discutir acerca do financiamento para a guerra que então se feria na Gasconha. Em 1265 consolidou-se a prática de se convocar dois cavaleiros por condado e dois cidadãos por burgo, como resultado do enfrentamento entre nobreza e burguesia (estes liderados por Simon de Montfort) surgindo daí o parlamento britânico (8).

A função primordial da representação era, então, a integração da população ao governo: a representação não se fazia, assim, de idéias ou segmentos sociais (cujas aspirações, no que diz respeito à taxação tributária, eram, de resto, muito bem definidas) mas essencialmente de habitantes de uma determinada localização territorial.

Foi somente no século XIX, com a ampliação do sufrágio e consequente constatação da diversidade de idéias que coexistiam no interior do renovado corpo eleitoral, fato que levou à organização de partidos políticos que as traduzissem - nos moldes, aliás, como hoje são concebidos - que os princípios da representação passaram a ser encarados não só sob a ótica da sua função governativa, como também na da representação de idéias.

Ainda assim, é sintomático que os debates entre as vantagens e desvantagens dos sistemas extremos de representação - majoritário e proporcional - se façam levando em conta a função governativa (9). A controvérsia referida por LIMA Jr. entre Stuart Mill e Bagehot, que divergiam no tocante às funções do Parlamento (consultiva, para o primeiro, e diretiva, para o segundo) levando-os a defender, cada qual de seu turno, um dos dois modelos extremos de representação (10), é referida ainda hoje por MAROTA, para quem se se assume que a função primordial das eleições é garantir uma sólida base de apoio ao governo, está-se a dar preferência a um sistema majoritário, enquanto que, inversamente, se se assume que o acordo quanto à gestão do governo deve secundar, e não preceder, a eleição (que deverá ser, principalmente, um meio de expressão da vontade dos diversos grupos sociais), se chegará a preferir o sistema proporcional (11).

Tendo sido a Bélgica o primeiro país a adotá-lo (12), o sistema proporcional é chamado, também, "sistema de representação de opiniões" , fundando-se na premissa de que toda e qualquer corrente de opinião existente no corpo do eleitorado pode e deve ser capaz de obter representação política que permita concorrer para a formação da vontade oficial (13). Este sistema surgiu da evolução da moderna democracia de massas e da extensão do sufrágio universal, sendo sua pretensão, no dizer de MAROTA (14), estabelecer a igualdade de votos e outorgar a todos os eleitores o mesmo peso.

 

III. I) Críticas a ambos Sistemas:

As críticas feitas ao sistema majoritário levam em consideração a sua formulação contrária, o sistema proporcional, que é apontado como mais democrático na medida em que gera a possibilidade de representação de todos os segmentos do eleitorado. Neste último sistema, todo voto tem igual valor, e diz-se ser mais adequado ao jogo político nas democracias contemporâneas, onde todas as tendências têm o direito de coexistir. No dizer de BONAVIDES, reconhecendo-se a uma tendência minoritária a possibilidade de se ver representada legitimamente, evita-se a possibilidade de sua clandestinidade e de pressões sobre as casas legislativas, aonde poderiam tentar chegar por outras vias (15).

Seus detratores apregoam que este sistema gera uma maior instabilidade no governo (principalmente no sistema parlamentar), acarretando uma possibilidade maior de animosidade social, por permitir a representação de tendências minoritárias particularmente contestatórias e arrefecendo a confiança do eleitorado no instituto da representação política pelo surgimento de alianças eleitorais esdrúxulas e oportunistas. Por outro lado, o problema maior que apresenta o sistema, a nível prático, é a determinação da quantidade de deputados eleitos e a destinação das sobras resultantes da utilização dos coeficientes eleitorais (16).

Já o sistema majoritário se funda na idéia de que é a vontade da maioria que conta na formação do quadro de representantes: não há lugar para representação de minorias, uma vez que, em cada distrito eleitoral, apenas o mais votado será eleito. Para seus críticos, o sistema majoritário favorece a fabricação de maiorias parlamentares, penaliza os partidos menores em detrimento dos maiores e deixa sem representação parcelas significativas da população. Em seu favor, apontam os analistas a possibilidade de formação de governos estáveis e capazes de tomar decisões rápidas.

É fato que a democracia representativa tomou, neste século, a feição de uma democracia de partidos, sendo estes o meio pelo qual se veiculam idéias e tendências surgidas no seio do corpo eleitoral (17). Por outro lado, as críticas que se fazem a um e outro sistema eleitoral, viu-se acima, fazem-se levando em conta sua influência na dinâmica do jogo partidário. É de se ver, então, a evolução das observações e análises acerca dos efeitos do sitema eleitoral sobre o sistema partidário, e as conclusões a que chegaram quantos se ocuparam de tal estudo.

 

III. I. I) Efeitos do Sistema Eleitoral sobre o Sistema Partidário:

Partindo do referido desencontro de idéias entre STUART MILL e BAGEHOT acerca da representação política, MAURICE DUVERGER inaugurou, há mais de quarenta anos, uma sistemática de análise eleitoral que ao longo do tempo foi continuada e aperfeiçoada por diversos outros investigadores que trataram de testar na prática as suas observações.

Na obra Partidos Políticos, DUVERGER acaba por formular três leis ou tendências básicas, que podem ser expressas da seguinte forma:

a) a representação proporcional tende a um sistema de partidos múltiplos, rígidos, independentes e estáveis;

b) o escrutínio majoritário em dois turnos tende a um sistema de partidos múltiplos, flexíveis, dependentes e relativamente estáveis;

c) o escrutíno majoritário de turno único tende a um sistema dualista, com alternância de grandes partidos independentes (18).

Explicando suas "leis" afirma DUVERGER, com relação à primeira, que o próprio princípio em que se funda a representação proporcional, assegurando a representação de minorias, favorece a fragmentação do corpo social numa multiplicidade de partidos, o que por outro lado desestimula as alianças partidárias. Com relação à segunda, esclarece que os partidos são múltiplos porque cada um deles pode apresentar ao eleitorado seus programas na primeira volta, reagrupando-se, depois, na segunda volta, através de alianças e "desistências". Já com relação à terceira proposição, esclarece, com base na observação dos regimes anglo-saxônicos, que o mecanismo de eleições majoritárias em um turno obriga tendências vizinhas a se agruparem em dois grandes blocos, a fim de assegurar sua sobrevivência eleitoral.

Conquanto tais tendências dificilmente se possam negar, o próprio DUVERGER reconheceu posteriormente que o sistema eleitoral não é o fator determinante na evolução do sistema partidário, mas sim, as "tradições nacionais e as forças sociais" (19), desempenhando mesmo o sistema eleitoral o papel de "um acelerador" ou de "um freio" (20). Inobstante não se possa negar que países que adotam o escrutínio majoritário a um só turno, de fato costumam apresentar um sistema político bipartidário, enquanto que naqueles que adotam a representação proporcional observa-se um pluripartidarismo onde obviamente possam existir partidos mais ou menos fortes, vê-se que os antecedentes históricos de cada um desses países já pareciam apontar para as formulações que hoje se observam.

A propósito, a tendência bipartidária se faz notar na Grã-Bretanha desde o aparecimento de dois grandes grupos que, não sendo partidos políticos na moderna acepção da palavra, disputavam o poder desde meados do século XVII: o grupo realista, representante do feudalismo agrário, e os parlamentares, que representavam os interesses da crescente classe urbana e capitalista. Estes dois grupos deram origem aos atuais partidos Conservador e Liberal, tendo este último sido desbancado no princípio deste século pelo partido Trabalhista, surgido com a ascenção da classe trabalhadora, mas que permanece ainda hoje como "fiel da balança"(21).

Nos Estados Unidos da América, a tendência bipartidária pode ser detectada desde a disputa eleitoral em 1796 entre Adams e Jefferson, sendo que as tendências contrárias divergiam no que dizia respeito à maior ou menor centralização do poder. Em torno das idéias políticas de Hamilton, o grupo federalista defendia a supremacia do poder central, constituindo o atual Partido Republicano. Em torno do pensamento de Jefferson, o grupo republicano, mais tarde republicano e democrático, pugnava pela soberania dos estados membros, constituindo o atual Partido Democrata. Mas divergências no tocante à constituição econômica da nova nação também influenciaram no debate inicial dos atuais partidos, defendendo o primeiro grupo uma política econômica predominantemente industrial, enquanto que o segundo, predominantemente agrícola (22).

Em França, país que passou por várias mudanças no seu sistema eleitoral, a tendência ao pluripartidarismo é anterior à Revolução de 1789, observando-se a existência de diversos clubes e agremiações políticas: o Clube Bretão - que reuniu deputados vindos das províncias para a Constituinte de 1789 e mais tarde originou o grupo dos Jacobinos; e os grupos dos Girondinos e dos Termidorianos. Por ocasião da Constituinte de 1848, registrou-se a atuação dos grupos do Palácio Nacional e do Instituto (republicanos e moderados); o da Rua de Poitiers (monarquistas e católicos), o da rua Castiglione e da rua Piramides (esquerdas) (23).

Em Portugal houve durante a monarquia constitucional organizações denominadas partidos, que no entanto eram instituídas de cima para baixo, e não apresentavam grande definição ideológica. O sistema republicano foi implantado por obra do partido republicano, apoiado principalmente nas pequena e média burguesias urbanas, ao contrário das organizações anteriormente citadas. A Revolução de 1926 reagiu contra a hegemonia deste partido.

No subsequente regime salazarista, todos os partidos políticos foram proscritos, como consequência da concepção político-constitucional de Oliveira Salazar, em que pese a existência de uma "associação cívica" cujo principal papel era o de apresentar candidatos às eleições em todos os níveis, a União Nacional, depois Acção Nacional Popular. Com a revolução de 25 de abril de 1974, os partidos políticos - tanto os que já existiam clandestinamente quanto os recém-constituídos - passaram a funcionar normalmente, e o regime se equilibra entre a alternância no poder dos partidos socialista e social-democrata, às vezes em aliança com o partido popular ou o comunista (24).

No Brasil, onde se deram no Império e na Primeira República períodos de adoção do sistema majoritário, a gênese dos partidos políticos foram os diversos grupos e associações políticas anteriores à independência, organizando-se a vida partidária somente a partir de 1831, quando surgiram os partidos Liberal e Conservador. O partido Republicano só se organizou como tal a partir de 1870.

Instaurado o regime republicano, os partidos passaram a ter organização estadual, que conservaram até o advento do Estado Novo, em 1937, sendo então banidos da vida nacional. Restabelecida a normalidade em 1946, os partidos se desenvolveram normalmente até a Revolução de 1964, quando foi instituído o bipartidarismo. Em 1979 houve um retorno, também por decreto, ao pluripartidarismo, como forma de se fragmentar a oposição, que, surpreendentemente, vinha sendo beneficiada pela polarização (25).

Mesmo depois de minimizadas por DUVERGER a importância que a princípio atribuíra ao sitema eleitoral na formação do sistema partidário, suas idéias sofreram críticas tanto no que diz respeito a conceitos como a metodologia. GIOVANI SARTORI foi particularmente importante na tentativa de elaboração de uma teoria geral da política partidária, introduzindo no estudo duas variáveis importantes: a consideração de sistemas eleitorais fortes e fracos e a consideração de sistemas partidários estruturados e não estruturados. Ele conclui que, sem um sistema partidário organizado, não se passa do bipartidarismo de círculos eleitorais a um bipartidarismo nacional (26).

A codificação dos efeitos políticos da legislação eleitoral deve-se a DOUGLAS W. RAE que, centrando sua investigação no maior ou menor grau de coincidência entre resultados eleitorais e distribuição de cadeiras, faz uma análise do efeito concentração-dispersão do poder político, comparados os dois planos acima referidos. Além da fórmula eleitoral, RAE introduz ainda um novo fator como determinante do grau de proporcionalidade na alocação de cadeiras: a magnitude do distrito, isto é, o número de representantes eleitos por determinada unidade territorial. Em resumo, RAE observou que os grandes partidos levam vantagem sobre os menores em qualquer sistema eleitoral, embora tal fato tenda a se verificar com mais veemência sob fórmulas majoritárias. Observou ainda que o grau de proporcionalidade cresce à medida que aumenta a magnitude dos círculos eleitorais (27).

REIN TAAGEPERA e MATTHEW SHUGART publicaram em 1989 trabalho (28) no qual, contextualizando os possíveis efeitos dos sistemas eleitorais, acabaram por reinterpretar as "leis" de DUVERGER, apontando a ocorrência de dois efeitos políticos em decorrência da lei eleitoral, o mecânico e o psicológico:

a) o efeito mecânico diz respeito à tendência de certas fórmulas eleitorais de atribuir um bônus em cadeiras aos maiores partidos e penalizar os menores, que obtêm representação menor que num sistema de representação proporcional perfeita;

b) pelo subsequente efeito psicológico, que ao contrário do anterior leva ao menos duas eleições para se manifestar, alguns eleitores dos partidos menores, que ficaram sub-representados, podem deixar de votar nele, para não "perderem o voto".

Ambos os efeitos são concentradores: a curto prazo, o partido majoritário é reforçado pela atribuição de cadeiras a mais, tendendo o eleitor dos partidos menores, a médio e longo prazo, a mudar de partido.

Os dois também se ocuparam da questão da magnitude dos distritos, estabelecendo que quanto maior o número de representantes eleitos na circunscrição, menor o efeito concentrador, o que gera menor incidência do efeito psicológico sobre os eleitores e consequentemente a sobrevivência de uma maior pluralidade de partidos (29).

Em 1990, AREND LIJPHART consolidou as elaborações de DUVERGER e RAE, estendendo seu campo de análise a outros países além dos da Europa e Comunidade Britânica de Nações, estudados por estes dois (30). Verificou que os efeitos da fórmula eleitoral e da magnitude dos distritos sobre a proporcionalidade eram mais determinantes do que supusera RAE, e que, por outro lado, seus efeitos sobre o número de partidos eleitorais era "surpreendentemente fraco" (31).

Partindo da conclusão de RAE de que fórmulas proporcionais são mais proporcionalizantes que as majoritárias na distribuição de cadeiras, LIJPHART estabeleceu uma classificação das fórmulas eleitorais, das de maior para as de menor efeito proporcionalizante, a saber: Sainte-Lague, Hare, Sainte-Lague modificada, Quota, Imperiali, STV, d´Hondt, pluralidade e maioria (32).

Em trabalho posterior (33), LIJPHART formula as seguintes conclusões:

a) efeitos psicológico e mecânico sobre o número de partidos: o número de partidos eleitorais pode ser reduzido pelo efeito psicológico, mas a redução do número de partidos parlamentares em relação àqueles deve-se apenas ao efeito mecânico;

b) efeitos psicológico e mecânico sobre maiorias parlamentares fabricadas: o efeito psicológico pode desempenhar um papel menor na fabricação de maiorias parlamentares, enquanto que o mecânico tem papel fundamental;

c) efeitos da desproporcionalidade sobre o número de partidos parlamentares efetivos e sobre a obtenção de maiorias: por meios psicológicos e mecânicos, a desproporcionalidade dos sistemas eleitorais reduz o número de partidos e aumenta a possibilidade da geração de vitórias do partido majoritário.

 

III. I. II) Conclusões:

Todos os autores referidos chegararam, de uma maneira ou de outra, à conclusão de que o sistema eleitoral atua marginalmente na dinâmica do sistema partidário. Se DUVERGER já reconhecia a influência da evolução social na conformação deste último num determinado país, RAE apontava como fator preponderante de sua conformação a distribuição da manifestação de preferências pelos votos do eleitorado. TAAGEPERA e SHUGART mostraram que o efeito redutor do número de partidos é contido também pelo número de questões relevantes que coexistem no organismo social em determinado momento, enquanto que LIJPHART verificou que não há fórmulas eleitorais que possam levar a um maior número de partidos (34).

Portanto, a afirmação de que o sistema proporcional facilita, por si só, a formação de partidos, é falsa: o que acontece é que esse sistema permite a sobrevivência de partidos de todos os tamanhos, posto que todos serão representados na proporção de suas forças. O que cria ou extingue um partido político é, em última análise, o surgimento ou arrefecimento de uma idéia no seio do eleitorado (35).

Assim sendo, as críticas ao sistema majoritário por esta ótica - como de resto também ao sistema proporcional - são de fato pertinentes, mas, pela circunstância apontada, são de contundência relativa. Importa se faça uma análise de outras questões levantadas pelos comentaristas, já agora tendo em foco apenas o sistema majoritário.


IV) SISTEMAS MAJORITÁRIOS UNI OU PLURINOMINAIS E VOTO DISTRITAL

Convém se estabeleça que sistema distrital e voto distrital são coisas distintas. Na definição de SÉRVULO DA CUNHA "o voto é distrital quando o eleitor só pode votar em candidatos do seu distrito. Isto independe do modo como se fará a distribuição dos cargos de deputados: se pelo sistema proporcional, se pelo sistema majoritário. Quando o voto é distrital e a atribuição de cadeiras pelo modo majoritário, o sistema é distrital" (36).

Na prática pode-se dizer que no Brasil, por exemplo, a eleição para deputado federal se faz pelo sistema proporcional (porque as cadeiras são distribuídas proporcionalmente entre os partidos), através do voto distrital (porque para composição da Câmara dos Deputados o eleitor só pode votar em candidatos do seu estado, que funciona, no caso, como distrito eleitoral) (37) .

O sistema seria ainda distrital se um estado que eleja sessenta deputados fosse dividido em sessenta distritos uninominais, ou trinta ou vinte plurinominais, elegendo respectivamente dois ou três deputados, desde que a distribuição de cadeiras fosse feita aos mais votados em cada distrito ou circunscrição eleitoral.

IV. I) Proposta de Modificação do sistema eleitoral em Portugal (Resolução do Conselho de Ministros nº 195/97):

Em Portugal a Resolução do Conselho de Ministros nº 195/97 propunha alterações ao sistema eleitoral como parte da reforma da Lei Eleitoral, dividindo o país em três níveis de círculos eleitorais - o nacional, com sede em Lisboa, os parciais (art. 2º, nº 1) coincidindo, no continente, com as áreas dos distritos administrativos (art. 12, nº 2) e os uninominais em que se dividem estes últimos (art. 13). Grosso modo, duas eram as alterações substanciais no sistema eleitoral vigente cuja introdução se pretendia através da referida proposta de lei, a saber: a reestruturação do mapa dos círculos eleitorais, fundindo alguns e fragmentando outros, e o abandono do sistema de lista fechada, pela atribuição de mandato ao candidato que tivesse obtido maior votação no círculo uninominal: introduzia, portanto, uma componente maioritária, o que a aproximava do sistema alemão (38).

Em que pese a alteração dos sistemas eleitoral e partidário em Portugal já vir sendo preconizada desde a eleição do primeiro Presidente da República oriundo do sistema partidário em 86 e a obtenção da primeira maioria absoluta por um só partido em 87, a proposta foi rejeitada no Parlamento por voto do partido de oposição ao atual governo, o PSD, e mais o CDS/PP e o PCP. Pode ser que a tendência apontada por RAE de compressão da proporcionalidade pela diminuição dos círculos eleitorais, referida no caso português por ANTÔNIO VITORINO (39), somada à baixa tendência à migração do eleitorado português (40), tenha de alguma forma determinado o receio de se fortalecer uma maioria parlamentar socialista atualmente no poder em Portugal, como, aliás, na maioria dos países da União Européia.

IV. III) Críticas ao sistema distrital:

Usaremos a justifcativa constante da referida proposta de Lei do Conselho de Ministros português para expor as demais críticas que, na doutrina, se fazem ao sistema distrital. Dela constava expressamente ter-se pretendido, com a introdução da reforma, "uma maior personalização, aproximação e responsabilização política do eleito perante o eleitor". Fica claro que o legislador português cerrou posição ao lado dos defensores do distritalismo, no que diz respeito à maior interação entre representante e representados.

Vale notar que a doutrina brasileira já se ocupou especialmente do tema tempos atrás, e, mais recentemente, quando da implantação do sistema distrital no país através da Emenda Constitucional nº 22/82, que não chegou a entrar em vigor devido à morte do Presidente Tancredo Neves e a convocação da Assembléia Nacional Constituinte. Mas os debates travados na época culminaram por colocar em evidência os argumentos mais comumente utilizados a favor e contra o sistema:

a) Comentando as pretensas vantagens do distritalismo, ALVES DE SOUZA diz que o "conhecimento mais íntimo" do candidato pelo eleitor (o que pareceu se pretender na Mensagem com peronalização e aproximação) não gera, necessariamente, maior autenticidade de voto. A seu ver, a autenticidade deve decorrer, não só do conhecimento pessoal, mas também da capacidade política e dos programas apresentados pelo candidato. Assinala, mesmo, que a aproximação pelo conhecimento pode trazer uma deturpação, porque leva ao voto no conhecido, no compadre, mais do que no candidato (41) (42).

b) esta aproximação pode se dar ainda do representante eleito ao distrito que o elegeu, e aí se diz do perigo que haveria nesse sistema da diminuição do nível de capacidade dos candidatos, despreparados para enfrentar questões de âmbito nacional (43). Comentando este aspecto, NICOLAU indaga sobre o porquê de a representação territorial dever produzir resultados mais efetivos, numa época em que os eleitores estabelecem com seus representantes uma série de relações de identidade - feminismo, sindicalismo, raça etc (44). Não por outro motivo, em Portugal o art. 11 da Lei nº 14/79 (Lei Eleitoral para a Assembléia da República) estabelece que "os deputados da Assembléia da República representam todo o país, e não o círculo por que são eleitos."

c) quanto à responsabilização política, como regra geral esta só pode existir na medida em que o eleitor pode deixar de eleger no próximo pleito um candidato cuja atuação parlamentar não o tenha agradado - a não ser que haja o instituto do recall, o que não é o caso em Portugal, e, de resto, na maioria dos países ocidentais (45).

d) a adoção dos círculos uninominais é passível de suscitar questões delicadas no que diz respeito à sua demarcação. Na prática, dificuldades deverão surgir ao se ter de desdobrar regiões administrativas, fundindo-as ou dividindo-as (46). Não se pretende, aqui, fazer qualquer menção à prática referida na doutrina como gerrymandering - ao contrário, a demarcação de distritos eleitorais tem geralmente regras rígidas e transparentes - mas do sentimento de afinidade e unidade territorial que mesmo num estado unitário (que não tem entes federados), e territorialmente pequeno – caso de Portugal - visivelmente existe entre os habitantes das diversas regiões do país (47) (48).

e) outra objeção que se faz ao sistema distrital diz respeito à desigualdade que o mesmo introduz com relação à representação política, em si, dos cidadãos. A rigor, o princípio da igualdade não se concretiza a nível eleitoral no sistema majoritário, em que pouco menos da metade do eleitorado pode vir a ser representada por um deputado eleito por pouco mais. A questão aí não se restringe apenas ao fato de uma parcela do eleitorado ficar sem representação, mas sim, a de o próprio sistema gerar uma desigualdade, oriunda da falta de representação. Por exemplo, no caso que ora se comenta, a Resolução do Conselho de Ministros da República Portuguesa deixava claro que os votos desperdiçados nos distritos eram passíveis de serem aproveitados no círculo nacional, desde que, pela fórmula eleitoral adotada (método d´ Hondt), fosse atribuído ao partido ao menos um dos 226 assentos.

IV.IV) Desproporcionalidade entre votos e assentos:

Para se ter uma idéia da desigualdade entre a votação e a atribuição de assentos em alguns sistemas eleitorais de conformação majoritária, vejam-se os dados abaixo, referentes a países que, nos períodos indicados, adotavam sistemas deste tipo:

  1. África do Sul: (os dois maiores partidos)

Partidos

Votos

Assentos

1961

Partido Unido

36,2%

31,4%

Partido Nacional

46,54%

67,4%

1966

Partido Unido

37,1%

23,5%

Partido Nacional

58,6%

75,9%

1970

Partido Unido

37,5%

28,5%

Partido Nacional

54,9%

70,9%

1974

Partido Unido

31,4%

25,7%

Partido Nacional

55,1%

70,2%

2) Estados Unidos da América – Presidenciais (Colégio Eleitoral): (os dois maiores partidos)

Partidos

Votos

Assentos

1960

Democratas

49,7%

56,4%

Republicanos

49,5%

40,8%

1964

Democratas

61,1%

90,3%

Republicanos

38,5%

9,7%

1968

Democratas

42,7%

35,5%

Republicanos

43,4%

55,9%

1972

Democratas

37,5%

3,2%

Republicanos

60,7%

96,7%

1976

Democratas

50,4%

55,2%

Republicanos

48,3%

44,8%

1980

Democratas

41,0%

9,0%

Republicanos

50,7%

91,0%

3)Grã Bretanha: (os três maiores partidos)

Partidos

Votos

Assentos

1964

Conservador

43,4%

48,3%

Trabalhista

44,1%

50,3%

Liberal

11,2%

1,4%

1966

Conservador

41,9%

40,2%

Trabalhista

47,9%

57,6%

Liberal

8,5%

1,9%

1970

Conservador

46,4%

52,4%

Trabalhista

43,0%

45,5%

Liberal

7,5%

0,9%

1974

Conservador

38,2%

46,6%

Trabalhista

37,2%

47,4%

Liberal

19,3%

2,2%

1974

Conservador

35,8%

43,6%

Trabalhista

39,2%

50,2%

Liberal

18,3%

2,1%

1979

Conservador

43,9%

53,4%

Trabalhista

36,9%

42,2%

Liberal

13,8%

1,7%

4) Nova Zelândia: (os três maiores partidos)

Partidos

Votos

Assentos

1960

Nacionalistas

47,6%

57,5%

Trabalhistas

43,5%

42,0%

Social Credit

8,6%

0%

1963

Nacionalistas

47,1%

56,2%

Trabalhistas

43,7%

43,8%

Social Credit

7,9%

0%

1966

Nacionalistas

43,6%

55,0%

Trabalhistas

41,4%

43,8%

Social Credit

14,5%

1,2%

1969

Nacionalistas

45,2%

53,6%

Trabalhistas

44,3%

46,4%

Social Credit

9,2%

0%

1972

Nacionalistas

41,5%

36,8%

Trabalhistas

48,4%

63,2%

Social Credit

6,7%

0%

1975

Nacionalistas

47,4%

60,9%

Trabalhistas

39,7%

35,6%

Social Credit

7,4%

1,2%

1978

Nacionalistas

39,7%

55,4%

Trabalhistas

40,3%

43,5%

Social Credit

16,3%

0,9%

Fonte: NOHLEN, Sistemas Electorales…

Na África do Sul, nos pleitos de 70 e 74 a desproporção entre a votação obtida por cada um dos partidos referidos na tabela e o número de assentos conquistados pelos mesmos é gritante. Da mesma forma na eleição para o Colégio Eleitoral que elege o Presidente da República nos Estados Unidos da América, observam-se desproporções consideráveis nos pleitos de 64 – a favor dos Democratas – e 72 e 80 – a favor dos Republicanos. Na Nova Zelândia, em 66, 69 e 72 a distância entre o número de assentos conquistados respectivamente por Nacionalistas e Trabalhistas guarda também alguma desproporção com relação à votação, enquanto que o sistema que parece se mostrar mais equilibrado, no período estudado, é o britânico.

Acima já se fez referência ao estudo de TAAGEPERA e SHUGART sobre o efeito psicológico da atribuição de assentos aos partidos sobre o eleitorado – a tendência deste de deixar de votar no partido em última análise prejudicado pelo sistema eleitoral. Mas em que medida a desproporção entre a votação obtida pelo partido e a atribuição de cadeiras a este mesmo partido pode afetar a disposição dos seus eleitores não só de continuar a votar num partido "perdedor", mas de continuar a participar do processo eleitoral? Isto é, será que haverá alguma relação entre o sistema eleitoral e o nível de abstenção dos eleitores?

Não foi escopo deste trabalho coletar dados numéricos e manipulá-los. Os únicos dados utilizados são simplesmente demonstrativos de uma realidade efetivamente conhecida – o sistema majoritário introduz distorções na representação do corpo eleitoral no que diz respeito à proporcionalidade desta representação. No entanto, cremos que a investigação experimental do problema apontado pode levar a alguma conclusão de relevo. O que parece é que o efeito psicológico descrito por TAAGEPERA e SHUGART pode se verificar no seio de um eleitorado cujo nível de conscientização política seja bastante elevado, em que o eleitor esteja efetivamente preocupado em participar politicamente. Mas que dizer de sociedades onde o grau de politização seja menor? Ou mesmo de sociedades multiétnicas, no sentido de várias etnias convivendo dentro das mesmas fronteiras nacionais, com predominância social, política, cultural ou mesmo militar de umas sobre as outras, caso de alguns países africanos (49) (50)?


CONCLUSÃO

É fato que o sitema eleitoral se presta basicamente a dois objetivos: providenciar a representação do corpo eleitoral junto aos órgãos decisórios do governo e proporcionar governabilidade. Do exame a que se procedeu das críticas mais significativas ao sistema eleitoral distrital - uninominal majoritário - cremos que a mais contundente se liga à problemática da representação e diz respeito à desigualdade entre eleitores - oriunda da falta de representação de parcela significativa do eleitorado - gerada pelo próprio sistema eleitoral.

Mais uma vez diga-se não ter sido o objetivo deste trabalho a simulação de modelos matemáticos de votação para comprovação dos resultados, tendo-se feito referência ao longo do texto a trabalhos insuspeitos realizados com esta finalidade. O que se fez foi partir dos resultados a que chegaram esses autores, valorando estes resultados no sentido de servirem de base a estas conclusões.

Dessa forma, e considerando a assertiva que abriu o último tópico - a introdução institucional, pelo sistema eleitoral, da desigualdade entre cidadãos-eleitores -, pode-se dizer que esta questão, em termos práticos, é de pouca magnitude nas democracias mais consolidadas, em que as forças sociais encontram-se, via de regra, mais assentes, e as minorias dizem respeito, em sua grande parte, a imigrantes, sem direito a voto. Nestas condições, pode-se assumir que o interesse público - no caso, a governabilidade - se sobreponha ao interesse particular de segmentos minoritários, o que, fundamentos jurídicos à parte, parece ser o que justifica a adoção do sistema.

Já nas democracias cujas instituições estejam em desenvolvimento ou em consolidação, cremos que o critério da maior agilidade decisória e celeridade do processo legislativo deve sucumbir à necessidade de se dar voz a todos os segmentos significativos da população.

O sistema distrital é, neste sentido, menos democrático do que as fórmulas proporcionais, onde o ideal de "um homem, um voto, um valor" está, em maior ou menor grau, mais bem caracterizado. Se a adoção do sistema se impuser por determinantes sociais, ou se decorrer mesmo da evolução histórica das instituições socias e políticas do país, cremos que o ideal é a introdução no sistema de institutos próprios da democracia participativa - o referendo, a iniciativa popular e mesmo a candidatura extra-partidária apresentada por grupos de cidadãos, como é o caso da eleição para o cargo de Presidente da República em Portugal.

Esta necesidade é mais premente nos países em que o sistema democrático encontra-se em desenvolvimento ou em consolidação, onde possível sentimento de sub-representação decorrente da adoção de fórmulas majoritárias - passíveis de serem gerados, repita-se, pela própria dinâmica de funcionamento do sistema - pode vir a se transformar em causa inibidora da formação da cidadania (via menor participação eleitoral), fazendo arrefecer o interesse do cidadão pela coisa pública. Porque se se leva em conta que a falta de interesse, acarretando a falta de participação popular, pode levar à hipertrofia de atribuições em razão da auto-suficiência dos detentores do poder, tem-se que, em casos extremos, o sistema eleitoral poderá vir a ser responsável, ainda que indiretamente, pelo gradual afastamento do regime da forma democrática.


NOTAS

1) Como é sabido, entre os cidadãos da Atenas do séc. V a.C. não se contavam as mulheres, os escravos nem os estrangeiros, ficando de fora das decisões, assim, mais da metade da população total da cidade; detalhes históricos em WELLS, "História Universal", vol. II.

2) Sobre a natureza do mandato cometido ao representante através do voto, conteúdo da representação, o dilema entre representação efetiva e virtual, veja-se LIMA Jr., "Instituições Políticas Democráticas", págs. 56/62.

3) JORGE MIRANDA, "Ciência Política", págs. 203 e ss.

4) LIMA Jr., op. cit., pág. 70.

5) No Brasil é impossível concorrer a qualquer cargo eletivo sem estar filiado a um Partido Político. Em Portugal o mesmo se dá com relação às eleições para a Assembléia da República.

6) GIUSTI TAVARES, "Sistemas Eleitorais nas Democracias Contemporâneas"

7) JORGE MIRANDA, op. cit., pág. 211.

8) ICLÉA HAUER, "O Voto Distrital", págs. 31/32; GIUSTI TAVARES, "Sistemas Eleitorais nas Democracias Contemporâneas", pág. 71.

9) JORGE MIRANDA, conforme citado em (7).

10) LIMA Jr., op. cit., pág. 66; as idéias de STUART MILL em The Representative Government, 1861 (edição brasileira citada na Bibliografia), as de BAGEHOT em The British Constitution, 1869.

11) EMANUELE MAROTA, in "Dicionário de Política", pág. 1176. Prosseguindo seu raciocínio, MAROTA acrescenta que, precisamente por ser apto a representar tendências diversas no seio do eleitorado, o sistema proporcional não se presta a produzir arrancadas para uma integração política que leve a uma maior coesão social.

12) BONAVIDES, pág. 251.

13) O que vai ao encontro da doutrina de STUART MILL, para quem "a influência de todo o ponto de vista de um grande número de pessoas deve se fazer sentir no Legislativo" (Considerações sobre o Governo Representativo, pág. 123). Cabe registrar, no entanto, que a tese da representação de minorias já fora formulada anteriormente por JOSÉ DE ALENCAR, parlamentar e romancista brasileiro, autor, entre outros, de "O Guarani", por meio de artigos publicados no Jornal do Commercio, do Rio de Janeiro. No entanto, somente em 1868 fez imprimir sua obra "Sistema Representativo", em que aparece desenvolvida a idéia de que "o número dos votados deveria ser inferior ao número dos eleitos, na proporção conveniente para garantir uma representação à minoria sem risco da maioria".

14) op. cit., pág. 1175.

15) op. cit., pág. 251.

16) No Brasil a fórmula eleitoral adotada e o problema das sobras está prevista nos arts. 106 a 111 do Código Eleitoral (Lei 4.737/65, alterada pela Lei 7.454/85).

17) Atualmente, já não se pode dizer ser o único. As associações de classe e de interesses, organizações não governamentais, comunidades religiosas e outras também se prestam cada vez mais a expressar tendências e posições de determinados grupos ou segmentos sociais e eleitorais. Acontece que, como já foi referido em outro ponto deste trabalho, em vários países a única forma de fazer com que essas tendências e posições se façam representar nos órgãos governamentais, pela consagração eleitoral, é por via dos partidos políticos legalmente constituídos.

18) "Les Parties Politiques", págs. 247 e 269.

19) "Les Institutions Politiques", pág. 115.

20) op. e loc. cit.

21) para uma ligeira evolução histórica dos partidos políticos na Grã-Bretanha, bem como o papel dos mesmos na atualidade, veja-se JONES, Politics UK, Harvester Wheatsheaf, Hertfordshire, 1994, págs. 238 e ss.

22) para uma apreciação da evolução histórica dos partidos políticos nos EUA veja-se LADD Jr., American Political Parties, Social Changes and Political Response, W.W. Norton & Company, Inc., New York, 1970, págs. 29 e ss.; NICHOLS, The Invention of American Political Parties: a Study of Political Improvisation, The McMillan Company, New York, 1967.

23) para uma apreciação da evolução histórica dos partidos políticos em França, veja-se DUVERGER, Les Parties Politiques, Librairie Armand Colin, Paris, 1976, págs. 2 e ss.

24) para uma apreciação da evolução dos partidos políticos em Portugal, veja-se JORGE MIRANDA, Ciência Política, págs. 277 e ss.; MARCELO REBELO DE SOUZA, Os Partidos Políticos no Direito Constitucional Português, págs. 133 e ss.

25) Sobre a evolução histórica de sistemas e partidos políticos no Brasil veja-se SOARES DE SOUZA, "O Sistema Eleitoral no Império", NICOLAU, "Sistema Eleitoral e Reforma Política", ICLÉA HAUER "O Voto Distrital", THEMISTOCLES CAVALCANTE e Outros, "O Voto Distrital no Brasil", DIAS CORRÊA, "Os Partidos Políticos - Os Sistemas Eleitorais"; para um histórico da evolução dos partidos políticos pós 79, veja-se NICOLAU, "Multipartidarismo e Democracia", AMORIM e Outros, "Partidos e Políticos".

26) Conforme JORGE MIRANDA, op. cit., pág. 214.

27) Para um resumo das conclusões de RAE veja-se LIMA Jr., "Instituições Políticas Democráticas", págs. 73/76.

28) "Seats and Votes: The Effects and Determinants of Electoral Systems".

29) Particularmente sobre este último efeito, com simulação de resultados percentuais, págs. 22/24 (Allocation Rules: Multimember Districts).

30) LIJPHART realizou seu estudo em vinte democracias ocidentais, entre 1945 e 1985.

31) "Political Consequences of Electoral Laws, 1945 - 1985".

32) op. cit., págs. 490/491.

33) "Electoral Systems and Party Sistems".

34) ICLÉA HAUER, op. cit.; LIMA Jr., idem.

35) Para considerações acerca da formação dos partidos políticos no Brasil pós 79, veja-se NICOLAU, "Multipartidarismo e Democracia", págs. 17/28. Enquanto que PMDB e PDS foram reorganizações das siglas partidárias existentes durante o período de governo militar e PTB e PDT tentavam resgatar a ideologia ainda mais antiga do trabalhismo de Getúlio Vargas, o PSDB surgia de uma dissidência do PMDB, o PFL do PDS e o PT aparecia como novidade no cenário político brasileiro, congregando sob suas hostes grupos tão díspares como católicos e marxistas. Em Portugal, veja-se SALGADO DE MATTOS, "O Sistema Político Português e a Comunidade Européia" e também ANTÔNIO VITORINO "A Democracia Representativa".

36) "O que é Voto Distrital".

37) Código Eleitoral, art. 106.

38) O famoso sistema alemão é apelidado no Brasil de distrital misto e serve de paradigma para a maioria das propostas de modificação do sistema eleitoral apresentadas nos últimos anos às casas legislativas brasileiras. Trata-se de uma combinação entre os sistemas proporcional e o majoritário, em que o voto se divide em duas partes, contabilizando-se-os separadamente para a circunscrição (ou distrito) e para a lista. Para a atribuição de assentos, só se leva em consideração os partidos que tenham conseguido mais de 5% dos votos ou uma quantidade determinada de assentos nas circunscrições. Se após a aplicação da fórmula de conversão de votos em assentos (Método d´Hondt) o número de assentos conquistados nas circunscrições por um determinado partido ultrapassar o que lhe corresponde na lista, o partido conserva estes assentos que sobram. Trata-se, portanto, de um sistema proporcional - NOHLEN fala em "sistema de eleição proporcional personalizada" (Sistemas Electorales del Mundo, pág. 521).

39) "A Democracia Representativa"; palavras do autor: "Estas propostas de alteração já formuladas , carecem ainda, contudo, de definições complementares que não são inocentes quanto ao resultado que pretendem alcançar (...) Sem embargo, a conjugação da criação do círculo nacional com a divisão dos círculos de maior dimensão, representa, em potência, uma compressão da proporcionalidade, a qual, sacrificando em certa medida os pequenos partidos, torna mais possível a obtenção de maiorias absolutas monopartidárias com base em limiares de votação mais baixos."

40) referidopor SALGADO DE MATTOS, in op. cit. Tabelas referentes aos dados às págs. 774/776.

41) "Os Sistemas Eleitorais"

42) A esse respeito, interessante referir o caso de um Deputado Federal eleito pelo Estado do Espírito Santo no pleito de 04/10/98 que, sendo diplomata, reside há anos na capital federal e teve grande votação num município de população de origem predominantemente alemã. O deputado "fazia uma avaliação do resultado das eleições em todo o estado quando alguém quis saber como é que ele conseguiu obter 1.248 votos no pequeno município de Santa Maria de Jetibá. No que ele disparou: ´ É que, quando visitei aquele município, fiz discurso em alemão. Nunca pensei que o curso de dois anos que fiz fosse me dar tanta felicidade!´ " (Coluna Praça Oito do Jornal A Gazeta, de Vitória/ES, de 16/10/98).

43) A esse respeito, o Jornal do Brasil de 11/10/98 faz menção a deputados federais eleitos pelo Estado do Rio de Janeiro no pleito de 04/10/98, na matéria "Deputados se Elegem como Vereadores", relatando que "Novatos na bancada federal do Rio não se preocupam com reformas, mas com a defesa de reduto eleitoral na Câmara". A matéria salienta a necessidade de se conciliar, na atuação parlamentar, a defesa dos interesses regionais e nacional, citando o exemplo de um recém-eleito que pretende fazer retornar a fabricação de embarcações da Petrobrás para estaleiros fluminenses, que estão parados, enquanto navios são construídos no esxterior.

44) "Sistema Eleitoral e Reforma Política" pág. 97.

45) Entretanto há que observar que a cassação do mandato do representante por desacordo de suas posições com as da sua base eleitoral é matéria controversa. Como subsídio para debate, refira-se, por exemplo, lição de STUART MILL para quem o eleitor, ao reconhecer a "superioridade mental" do eleito, em matéria de negócios públicos, deve por isso permitir que este aja de acordo com visões diferentes da sua, desde que não estejam envolvidos "os pontos fundamentais de sua crença..." (op. cit. pág. 127).

46) O texto explicativo constante do site na Internet da presidência do Conselho de Ministros de Portugal (http://pcm.gov.pt/lei-eleitoral/folheto) faz menção à delimitação dos círculos, esclarecendo que "consoante o número de eleitores, os círculos correspondem a um município, a um conjunto de freguesias contínuas de um mesmo município, ou a um conjunto de municípios contíguos".

47) Exemplo é o processo de desmembramento do novo município português de Vizela da região administrativa de que fazia parte, que se deu pela Lei nº 63/98.

48) No Brasil, por ocasião dos referidos debates que antecederam a edição da Emenda Constitucional nº 22/82 chegou-se mesmo a especular até que ponto a demarcação de distritos eleitorais que não coincidissem com os limites territoriais de estados e municípios - o que provavelmente seria necessário em virtude da desigualdade verificada na densidade populacional das diversas regiões do país - não atentaria contra o princípio da federação.

49) Interessante é o caso da Nigéria, o país mais populoso da África, em que convivem de 250 a 300 etnias diferentes. A dominação colonial favoreceu os três grupos étnicos majoritários, dos Haussa, dos Yoruba e dos Ibo, ao dividir o país em três regiões; estes grupos acabaram por se identificar com os partidos políticos dominantes em cada uma das regiões. Para ligeira aproximação ao tema veja-se NOHLEN, Sistemas Electorales del Mundo, págs. 261/262.

50) Tendo-se em conta a abstenção como forma de participação política, pode-se referir o caso da Tanzânia, embora não se trate de um sistema multipartidário, mas de partido único. Neste país o nível de abstenção cresceu em seis pontos percentuais entre os pleitos de 65 (primeira eleição competitiva) e 1970. Até que ponto este fato se verificou como forma de oposição ao TANU (Tanganyka National Union) e ao Presidente Julius Nyerere? Cremos que a coleta de dados neste e noutros casos e sua análise sistemática estará ainda por fazer.


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Autor


Informações sobre o texto

O presente trabalho se baseia na monografia "Aspectos da Representação Política no Sistema Distrital", apresentado na cadeira de Ciência Política no mestrado em Ciências Jurídico Criminais na Faculdade de Direito da Universidade de Lisboa.

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

NEVES, Getúlio Marcos Pereira. Notas sobre representação política no sistema distrital. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 4, n. 32, 1 jun. 1999. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/1504. Acesso em: 19 abr. 2024.