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Contestação em reintegração de posse por empresa de leasing

Contestação em reintegração de posse por empresa de leasing

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Contestação do réu, em ação de reintegração de posse promovida por empresa de leasing, na qual já havia sido deferida liminar retirando o veículo da posse do arrendante. A peça aponta diversas ilegalidades no contrato de leasing firmado entre as partes, dentre os quais a exigência antecipada do valor residual e a falta de estipulação de taxa de juros, bem como a estipulação indevida de indexação pelo dólar em contrato cujos recursos foram obtidos no Brasil. A petição foi elaborada pela advogada Andrea S. Mendes ([email protected]), de Santos, para a assistência judiciária.

          EXMO. SR. DR. JUIZ DE DIREITO DA 8ª VARA CÍVEL DA COMARCA DE SANTOS.

          Processo n º 2752/98

          F.A.R., nos autos da AÇÃO DE REINTEGRAÇÃO DE POSSE, que lhe move ABN AMRO AREENDAMENTO MERCANTIL S/A, por sua advogada infra-assinada, neste ato nomeada curadora especial, cf. termos do convênio PGE/OAB, com fulcro no art. 9º , II, do Código de Processo Civil, vem, mui respeitosamente, perante V. Exa., apresentar sua CONTESTAÇÃO, pelos fatos e fundamentos que se seguem:


Dos fatos:

          I.- O negócio jurídico de arrendamento mercantil foi formalizado por meio de instrumento padronizado, contrato de adesão lavrado exclusivamente pelo arrendador, ora autor, denominado contrato de arrendamento mercantil n º 76852/98, assinando em branco, em 17 de fevereiro de 1.998, pelo prazo de 36 meses ( doc. de fls. 12 a 13/verso).

          II.- O bem arrendado consistia no veículo nacional, marca Fiat, modelo Uno, cor azul, ano de fabricação/modelo 1998, placas, chassi 9BD146068WS980026, fornecido pela ALPI VEÍCULOS LTDA.

          III.- O valor GLOBAL DO BEM (VGB) foi estipulado em R$13.650,00.

          IV- Foi dada como garantia a Nota Promissória n º 00076852/98, no valor de R$ 13.650,00, protestada.

          V.- O VRG - Valor Residual Garantido constante no contrato foi estipulado no valor de R$ 5.460,00, representando 40% (quarenta por cento) do custo do arrendamento, exigido antecipadamente no ato da contraprestação e mais outra parte diluído mensalmente com as contraprestações.

          VI.- As contraprestações do arrendamento foram fixadas no valor de R$ 361,00 ( trezentos e sessenta e um reais), já embutida nesta o valor a correspondente parcela do VRG (Valor Residual Garantido) diluído mensalmente com as contraprestações, no valor mensal de R$ 56,86 ( cinqüenta e seis reais e oitenta e seis centavos).

          VII.- No momento da contratação, o réu desembolsou, a título de VRG a quantia de R$ 3.413,00 ( três mil quatrocentos e treze reais).

          VIII.- A taxa de juros não foi prevista expressamente no instrumento, visando dificultar ao máximo a possibilidade de conferência sobre a metodologia de cálculos das contraprestações e do VRG.

          IX.- O indexador do contrato foi o dólar americano.

          X.- O réu, leigo na seara jurídica, iniciou o cumprimento da relação contratual em 17.3.98, por acreditar que o negócio jurídico estava em conformidade com a legislação em vigor, realizou o pagamento de 05 contraprestações, no importe de R$ 1.805,05, correspondentes as parcelas mensais mais o VRG diluído, conforme consta na exordial.

          XI.- Ao efetuar o pagamento da 5 ª ( quinta ) parcela, o réu descobriu, por meio de notícias vinculadas na mídia dos abusos praticados contra o consumidor, como os constantes no pacto de arrendamento.

          XII.- O réu duvidoso da legalidade do contrato, na sistemática adotada para a fixação e/ou conexão do valor das contraprestações e do VRG ( valor residual garantido), principalmente no que tange à indexação das parcelas pelo dólar norte americano e dos juros contratuais, à vista da abrupta e repentina elevação desta moeda, atrasou o pagamento das parcelas, tendo o autor apreendido o bem, liminarmente, " in audita altera pars".

          XIII.- Em análise ao contrato de arrendamento mercantil n º 76852/98, denota-se que o autor, ab initio, procedeu de forma ilegal, em flagrante violação à legislação em vigor, no que diz respeito ao arrendamento mercantil.

          XIV -O contrato de adesão firmado pelo réu apresenta cláusulas abusivas, com a conseqüente ilícita majoração do negócio jurídico contratado, consistente em:

          a) exigência antecipada do VRG;

          b) estipulação do dólar norte americano como indexador do contrato;

          c) não estipulação da taxa de juros cobrada;

          d) não restituição do valor pago antecipadamente;

          XV.- O réu contratou com o autor um arrendamento mercantil, jamais podendo conceber, todavia, que esta instituição financeira desnaturaria completamente o instituto do "leasing ", como efetivamente fê-lo, sob sua exclusiva conveniência, transformando-o em algo, que, independente da definição que se possa ter, com absoluta certeza, um arrendamento mercantil não é.


O CONTRATO DE "LEASING":

          I.- Antes de proceder a qualquer articulado quanto aos abusos e ilegalidades praticados pelo autor, importante salientar alguns elementos essenciais do negócio jurídico de Leasing.

          II.- O contrato de arrendamento mercantil consiste num negócio jurídico pelo qual uma pessoa jurídica cede em locação a outrem, pessoa física, um bem móvel ou imóvel, mediante o pagamento de determinado preço, podendo o arrendatário, ao final do prazo contratado optar:

          a. devolução do bem;

          b. renovação da locação;

          c. aquisição do bem.

          A doutrina também se ocupou em definir o instituto, merecendo transcrição:

          " ... É um contrato mediante o qual um pessoa jurídica que deseja utilizar determinado bem ou equipamento, por determinado prazo, o faz por intermédio de uma sociedade de financiamento, que adquire o aludido bem e lhe aluga. Terminado o prazo locativo, passa a optar entre a devolução do bem, a renovação da locação, ou a aquisição pelo preço residual fixado inicialmente ... " ( Tavares Paes, Leasing, p.7- grifo nosso)

          III.- As partes do contrato são o arrendante, necessariamente uma pessoa jurídica que tenha por objetivo a aquisição de bens para arrendamento, e o arrendatário pessoa física ou jurídica, que aceita o objeto do arrendamento, cf. a legislação n º 6.099/74, alterada pela lei 7.132/83.

          IV.- Neste tipo de contrato, primeiramente o objeto do arrendamento é dado em locação visando os locatícios satisfazer o valor fixado para indenizar o uso.

          V.- As prestações que vão sendo cumpridas, consistem no adimplemento do financiamento do preço do bem.

          VI.- Por último, o arrendatário tem a opção de, findo o prazo do contrato, adquirir o bem, abatendo o preço ou parte dele por meio das prestações já quitadas a título de aluguel.

          O artigo 11, da lei 6.099/74, dispõe que:

          " A aquisição pelo arrendatário do bem arrendado, em desacordo com as disposições desta lei, será considerada operação de compra e venda a prazo".

          VII.- O valor das prestações, à título de locação, tem por finalidade, além da indenização do uso, cobrir custos e o lucro do arrendante, conforme lecionado por Arnaldo Rizzardo - Leasing - Arrendamento Mercantil no Direito Brasileiro.


DO CARÁTER DE ADESÃO DO CONTRATO FIRMADO:

          I- Na exordial, o autor alega que as cláusulas foram pactuadas livremente.

          II- No entanto, é incontestável o caráter de adesão do negócio jurídico, formalizado em instrumento padronizado, pronto e já impresso.

          III- O réu não teve a oportunidade de manifestar-se, ou aceitava em bloco as condições impostas, ou, simplesmente, não contratava.

          IV- O comprometimento da vontade nos contratos de adesão não está nos defeitos dos negócios jurídicos em geral, erro, dolo, coação, simulação ou fraude, mas tão somente na impossibilidade de negociação prévia das cláusulas contratuais para efeito de acordo de vontade.

          V- Destarte, o réu aderiu ao contrato, submetendo-se as cláusulas elaboradas, acreditando, contudo, que a autora jamais agiria em desacordo com as condições do negócio, bem como, em violação a Lei e em flagrante desrespeito à ordem pública.


VALOR RESIDUAL GARANTIDO:

          I.- O valor Residual Garantido tem por finalidade assegurar a sociedade o recebimento de um resíduo, sempre que o arrendatário não desejar adquirir o bem arrendado e, na hipótese do resultado da venda do bem, não ser alcançada a cobertura do valor residual ( resolução 980/94 - artigo 9 º, letra " G ", inciso I)

          II.- A opção de compra representa o valor a ser pago pelo arrendatário, quando optar pela aquisição do bem objeto do arrendamento ( artigo 5, alínea " D ", Lei 6099/74).

          III.- A alínea " J" do artigo 9 º, da resolução 980/84, dispõe como opção de compra:

          " Concessão à arrendatária de opção de compra do bem arrendado, devendo ser estabelecido o preço para o seu exercício ou critério utilizável na sua fixação, que pode inclusive ser o valor de mercado"

          Assim, o valor Residual Garantido, consiste numa indenização ao arrendante, devida no caso do arrendatário não exercitar seu direito de opção de compra ( resolução 980, artigo 9 º, letra " g", inciso I)

          IV.- Portanto, tendo o VRG caráter indenizatório, este não se confunde com o conceito de opção de compra, que representa a importância a ser paga pelo arrendatário, por ocasião do término do prazo contratual quando do exercício da opção.

          V.- No caso dos autos, há manifesta desvirtuação da natureza jurídica do contrato de leasing, diante da expressa previsão contratual da cobrança antecipada do Valor Residual Garantido - VRG - como estipulado no quadro VI - dados da operação ( fls. 12)

          *Valor Global do Bem

R$ 13.650,00

          * Valor Residual Garantido Antecipado

          R$ 3.413,00

          * Valor Residual Garantido Parcelado

          R$ 56,86

          * Valor Residual Garantido Final

          R$ 0,00

          VI.- Destarte, o Valor Residual Garantido que, diante da natureza jurídica do leasing, só poderia ser exigido no final do contrato e, na hipótese do réu optar pela aquisição do bem, foi integralmente cobrado de forma antecipada, sendo 40% no ato da assertiva do contrato e 60% juntamente com o valor das contraprestações.

          VII.- Em conseqüência, no término do contrato, quando só então poderia ser exigido o pagamento do Valor Residual Garantido, simplesmente, nada haveria a ser pago a este título, posto que sua integralidade teria sido quitada no início e durante a relação contratual. Tanto é assim que no campo reservado ao pagamento do VRG no vencimento do contrato, consta VRG= R$ 0,00.

          VIII.- No caso, restou totalmente impossibilitado o réu de exercer a tríplice opção prevista na lei e no contrato de:

          A) devolução do bem;

          B) renovação da locação;

          C) compra do bem.

          A aquisição pelo arrendatário de bens arrendados, em desacordo com as disposições da lei 6.099/74, será considerada operação de compra e venda a prestação

          IX.- Assim, o contrato de arrendamento mercantil foi desvirtuado, transformado numa compra e venda a prazo, pois, o que seria uma faculdade do réu, tornou-se uma obrigação de adquirir, necessariamente, o bem, devido ao pagamento antecipado do VRG.

          A jurisprudência entende que:

          EMENTA ´LEASING- AÇÃO DE CONSIGNAÇÃO EM PAGAMENTO E AÇÃO DE REINTEGRAÇÃO DE POSSE

          " O Leasing tem natureza de contrato misto, se transfere a posse do bem mediante o pagamento de contraprestações e outros valores, mais um adicional denominado valor residual. Quando este é pago concomitantemente com as prestações, faz desaparecer o contrato de leasing, passando a se caracterizar como contrato de compra e venda a prestação ( art. 11, par.1, da lei 6.099/74), sendo incabível, no caso, a reintegração de posse. Recurso provido em parte... " ( apelação n º 197028707, j. 06.08.97, Tribunal de alçada do Rio Grande do Sul, 3 ª Câmara Cível, relator juiz Aldo Ayres Torres - FONTE: JUIS- JURISPRUDENCIA INFORMATIZADA SARAIVA - grifo nosso)

          ...

          EMENTA: ARRENDAMENTO MERCANTIL. ANTECIPAÇÃO DO VRG. DESCARACTERIZAÇÃO. JUROS. CAPITALIZAÇÃO E CORREÇÃO MONETÁRIA.

          "... A antecipação do pagamento do valor residual garantido, mesmo em prestações, descaracteriza o contrato de leasing que passa a ter natureza de compra e venda a prazo. Os juros sofre limitação da Lei de Usura, com a capitalização anual, vedada a cumulação de correção monetária com comissão de permanência.

          A descaracterização do contrato de arrendamento mercantil e o depósito das prestações, torna inviável a AÇÃO DE REINTEGRAÇÃO DE POSSE..." ( apelação n º 19.702.5034,j. 12.06.97, Tribunal de Alçada do Rio Grande do Sul, 4 ª Câmara Cível, relator Juiz Ulderico Ceccato - Fonte: JUIS jurisprudência Informatizada - saraiva - grifo nosso)

          O poder Judiciário paulista vem seguindo iterativamente o posicionamento acima perfilhado, como se constata de recentíssima e judiciosa sentença proferida pelo eminente juiz Antônio Jeová dos Santos, titular da 15 ª vara cível da comarca da Capital, pronunciando-se, no particular, nos seguintes termos:

          " ... no que pertine à declaração de ilegalidade da incidência de juros sobre o valor residual, em assim acerca do reconhecimento de que dito VRG será devido somente ao final do contrato assiste inteira razão à autora.

          Se o arrendatário pode optar pela compra e venda do bem objeto do leasing, o momento adequado para o pagamento do valor residual é, por óbvio, o término do contrato. O adiantamento, como fez o autora, chega a desnaturar o contrato de leasing em um de seus requisitos essenciais, que é a possibilidade de a propriedade do bem ser transmitida ao arrendatário, ao final do pagamento das prestações..."

          e arremata o brilhante magistrado:

          "... Ao antecipar o recebimento do valor residual, a ré retira da autora a possibilidade de renovação do contrato, deixando-a apenas com a possibilidade de compra, entrega dos veículos ou perda do que pagou a título residual, em franco e aberto detrimento do patrimônio da autora..." ( íntegra da sentença em anexo, grifo nosso).

          X.- A cobrança antecipada do Valor Residual Garantido por parte do autor, desvirtuou a natureza jurídica do arrendamento mercantil, violando a lei para obter ilícito lucro, transformando a operação em um contrato assemelhado a uma compra e venda a prazo, em franco detrimento do patrimônio do réu.

          XI.- Ocorre que o réu, quando contratou com o autor, fê-lo com o único propósito de valer-se de um arrendamento mercantil, com todas as suas características.

          À vista do exposto, o reconhecimento da ilegalidade aqui denunciada com as conseqüências daí advindas, é providência que se impõe.


DO DÓLAR NORTE AMERICANO COMO INDEXADOR DO CONTRATO:

          I.- O autor, não satisfeito com a antecipação do VRG, estipulou a moeda norte amerciana como indexadora do contrato, ignorando completamente a procedência inteiramente nacional do veículo objeto da contratação.

          II.- A indexação de contratos firmados no Brasil, entre brasileiros, sempre foi vedada, sendo ilegal a cláusula contratual que a estipula no instrumento de fls. 12.

          Além do mais, a disparada do dólar constitui um fator social superveniente, que tornou a obrigação assumida pelo réu exclusivamente onerosa, autorizando a revisão de tal cláusula.

          III.- A ilegalidade denunciada é embasada pelo Decreto-lei n º 857/69, em seu artigo 1 º, prevê:

          ART. 1 º.- a correção, em virtude de disposição legal ou estipulação de negócio jurídico, da expressão monetária de obrigação pecuniária somente poderá ter por base a variação nominal da Obrigação do Tesouro Nacional - OTN ( grifo nosso).

          IV.- Os comandos legais são de clareza ímpar; vedam expressamente a vinculação de moeda estrangeira às obrigações entabuladas no país e o fazem por uma razão nada complexa: a paridade da moeda estrangeira, seja ela qual for, não representa, por óbvio a corrosão da moeda nacional no tempo, essência da correção monetária.

          A este respeito, merece transcrição a posição do eminente desembargador do Tribunal de Justiça do Estado do Rio Grande do Sul, Arnaldo Rizzardo, inequivocamente um dos maiores, senão o maior, expoente atual do estudo do instituto jurídico do leasing no direito brasileiro, em sua obra " arrendamento mercantil no direito brasileiro", assim abordando a questão:

          " ... ao proibir o art. 1 º do decreto lei 857, o pagamento em ouro ou em moeda estrangeira, naturalmente abrange as formas determinantes do preço segundo a variação da moeda de outros países. Estabelecendo-se a paridade cambial, a decorrência será a recusa da vinculação do dinheiro nacional, eis que vetada a aferição das obrigações pelo seu poder aquisitivo. De outro lado, a indexação a um padrão monetário externo representa restrições à plena validade do sistema monetário nacional. Indo mais além, ofende a soberania nacional, porquanto permite que os valores das obrigações sejam estabelecidos por paradigmas de políticas externas. Evidente a ingerência de fatores de outros países em assuntos de competência nacional..." ( autor cit., ob. Cit. , pág. 76, 3 ª edição, Editora revista dos Tribunais, 1997, grifo nosso).

          V.- Diante do insuperável entrave de ordem técnica-legislativa e ávido em liberar as sociedades de arrendamento mercantil para que dirigissem as operações da forma que mais lhes dessem retorno, o Banco Central do Brasil valeu-se, mais uma vez, do caminho mais rápido para " solucionar" o problema: através da utilização de um poder legisferante - passou a extrapolar os limites dos atos administrativos de sua alçada para legitimar a atuação das empresas de arrendamento.

          VI.- Trata-se de edição das indigitadas resoluções.

          Assim, a resolução n º 980/84, atualmente substituída pela 2309/96, prevê a possibilidade de indexação de contratos de arrendamento mercantil com base no dólar americano, artigo 9 º e 23, é manifestamente ilegal.

          VII.- Ora, data vênia máxima, uma Resolução só tem poder para gerar efeitos jurídicos a terceiros se não ferir a legislação pré existente sobre o tema, dado que é hierarquicamente inferior a lei, decretos-lei etc.

          VIII.- Continuando, a indexação de contratos de arrendamento mercantil com base no dólar americano, só é permitida se os recursos destinados à aquisição específica do bem objeto do arrendamento tiverem sido captados do mercado externo.

          Tendo em vista que o veículo, objeto do arrendamento, é de fabricação nacional, firmado o contrato no Brasil, entre Brasileiros, sendo evidente que o bem foi fornecido pela empresa Alpi Veículos Ltda., conforme cláusula VIII, da descrição dos bens arrendados ( fls. 12).

          IX.- É de salientar que o bem foi adquirido pelo autor com recursos nacionais. Esta conclusão por primária, independe de qualquer conhecimento jurídico/financeiro aprofundado.

          A melhor doutrina sobre o tema é firme:

          "... Mas, admitida que seja a validade da variação cambial por força do regramento positivo vigente, somente pode ser adotada a cláusula da variação cambial desde que demonstrada, segura e consistente, a efetiva captação de recursos no mercado internacional..."

          ...

          "... Isto porque, sendo a obrigação contraída dentro do país, cujos implementos arrendados são de fabricação nacional, como o preço pago à arrendadora foi em moeda nacional, e destinada a ter validade no âmbito do direito interno, outro índice de correção monetária não há de existir que os regulados para as operações internas ... " ( Arnaldo Rizzardo, ob., cit., pags. 77 e 78, grifo nosso).

          X.- Em verdade, diante da só identificação do veículo objeto do contrato ora controvertido, já é possível concluir que a arrendadora/autor não fez e jamais fará prova efetiva de que os recursos utilizados na captação do aludido automóvel, foram captados no mercado externo.

          XI.- Todavia, é imprescindível frisar que tal prova, à evidência a cargo do autor, deve demonstrar, incólume de dúvidas, que os recursos destinados no exterior, não bastando às arrendadoras mera apresentação documental genérica.

          A orientação do Superior Tribunal de Justiça há muito vem sendo seguida pelos Tribunais regionais, como comprovam os entendimentos abaixo citados, a saber:

          EMENTA -POSSESSORIA - REINTEGRAÇÃO DE POSSE- ARRENDAMENTO MERCANTIL - EMPRESAS NACIONAIS - AUSENCIA DE COMPROVAÇÃO DE QUE O AJUSTE TENHA NATUREZA DE CONTRATO INTERNACIONAL - IMPOSSIBILIDADE DA PREVISÃO DA CORREÇÃO CAMBIAL - EMBARGOS INFRINGENTES PARCIALMENTE RECEBIDOS ( primeiro Tribunal de Alçada Civil de São Paulo, 5 ª Câmara, rel. Juiz Paulo Bonito, Apel., j.14.06.89, grifo nosso).

          EMENTA - ARRENDAMENTO MERCANTIL. LEASING. DESCARCATERIZAÇÃO. COMPRA E VENDA.

          ".... Havendo a cobrança antecipada do VRG, está configurada a hipótese do art. 11, da resolução 980/84 do BACEN, que regulamenta a Lei 6009/74, caracterizando compra e venda a prestação. IMPOSSIBILIDADE DE USAR A MOEDA ESTRANGEIRA ( DOLAR AMERICANO) COMO ÍNDICE DE CORREÇÃO OFICIAL, para contratos a serem executados no Brasil ... " ( Tribunal de alçada do Rio Grande do Sul), 4 ª Câmara cível, rel. Juiz Carlos Thibau, Apel. J. 13.03.97, grifo nosso).

          XII.- Se assim é, a citada indexação é expressamente vedada.

          Assevera Arnaldo Rizzardo, em sua obra, pag. 77 e 78, que:

          " ... sendo a obrigação contraída dentro do país, cujos implementos arrendados são de fabricação nacional, e destinada a ter validade no âmbito do direito interno, outro índice de correção monetária não há de existir que os regulados para as operações internas... " ( grifo nosso).

          Por todo o exposto, não há qualquer suporte jurídico à estipulação da moeda norte americana como indexador do contrato de arrendamento mercantil firmado entre as partes, sendo de rigor o reconhecimento da ilegalidade desta cláusula contratual, bem como seja utilizado o INPC para acertamento dos valores devidos.


DO ROMPIMENTO DA BASE CONTRATUAL:

          I.- Sem embargo de algumas divergências doutrinárias acerca do alcance do termo " rescisão", no árido tema da Teoria Geral dos Contratos, é certo que se cuida de modalidade de extinção dos contratos pela verificação de culpa de uma das partes.

          Fixada esta premissa, insta consignar que ela se aplica precisamente ao caso dos autos.

          II.- Isto porque, o instrumento contratual, de todo padronizado, foi elaborado exclusivamente pelo autor e imposto ao réu que, assim, só teve a oportunidade de aquiescer a tudo o que nele constava, restando-lhe o conforto de não contratar.

          Forçoso concluir, destarte, que as cláusulas contratuais que estipularam a cobrança antecipada do Valor Residual Garantido e a indexação das contraprestações pelo dólar norte americano, foram criadas exclusivamente pelo autor.

          III.- Ocorre que tais disposições são ilegais, viciando o contrato, no que as concerne, de nulidade absoluta, por ILICITUDE DE SEU OBJETO, a teor do artigo 145, II, do Código Civil, que dispõe:

          Art. 145. É nulo o ato jurídico:

          II.- Quando for ilícito, ou impossível, o seu objeto ( grifo nosso)

          IV.- Ademais, e como já aqui abordado, a exigência antecipada do VRG, desnatura, como de fato desnaturou, o próprio objeto da contratação, qual seja um arrendamento mercantil, o que, por si só, torna inviável a manutenção do vínculo contratual.

          V.- Em verdade, o autor ao exigir antecipadamente o VRG, ROMPEU A BASE CONTRATUAL, fulcrada precisamente na convergência de vontades para firmar um arrendamento mercantil, com todas as suas implicações, e não o negócio jurídico inominado e disforme criado pelo autor, que mais se aproxima de uma compra e venda a prazo, em vista da exigência antecipada do VRG.

          VI.- Note, MM. Juiz, que o réu pagou, apenas a título de Valor Residual Garantido antecipado - VRG - o equivalente a R$ 3.413,00 ( três mil quatrocentos e treze reais) , no ato da contratação e, mais 05 parcelas do Valor Residual Garantido Diluído - VRGd - equivalente a R$ 284,30 ( duzentos e oitenta e quatro reais e trinta centavos); perfazendo um total de R$ 3.697,30 ( três mil seiscentos e noventa e sete reais e trinta centavos).

          VII.- Deve se ressaltar que esse é o valor, se for considerado apenas os valores de face, vez que tais parcelas não foram "corrigidas " pela variação cambial.

          X.- Referida quantia será ainda elevada significativamente, porquanto, nos valores das parcelas houve, ilegalmente, a incidência do dólar americano.

          XI.- Por esta razão e diante da postura rigorosamente inflexível do autor, o réu suspendeu temporariamente o pagamento das contraprestações, acreditando que seria possível resolver o impasse amigavelmente.

          Ledo engano, o autor ajuizou a presente demanda de REINTEGRAÇÃO DE POSSE, com pedido de Liminar, pleiteando ao final a rescisão contratual.

          A liminar foi deferida em 10/11/98, fls. 22, culminando com a reintegração da posse do autor em 13/11/98.

          XII.- Como se infere dos autos, o autor deu causa a rescisão contratual, em decorrência da exigência antecipada do Valor residual garantido e da indexação das parcelas contratuais pelo dólar americano, pelo que o réu vem requer o reconhecimento destas ilegalidades.

          XIII.- Em decorrência de tais práticas pleiteia a rescisão do contrato, firmado pelas partes, por culpa exclusiva do autor, condenando-o à devolução das importâncias pagas a maior.

          XIV.- O autor deverá ser condenado a devolver ao réu os pagamentos a maior efetuados, cuidando-se, no particular, de pedido certo e determinável.

          Todavia, a fim de visualizar a atual situação da equação do contrato, sem, neste primeiro momento, uma maior preocupação com a precisão matemática, infirma o réu:

  • na assinatura do contrato (17.02.98) até a reintegração da posse(13/11/98) decorreram-se pouco mais de 8 meses;
  • Em 17/02/98, na assinatura do pacto foi pago, a título de V.R.G. antecipado, o equivalente a R$ 3.413,00, valor que deverá ser sopesado no cálculo.
  • neste período, venceram-se 09 contraprestações, sendo que 05 foram quitadas regularmente pelo réu;
  • no valor das parcelas mensais era embutido o valor parcelado do VRG, equivalente a R$ 56,86. Portanto, foi pago a título de V.R.G. parcelado o equivalente a R$ 284,30, que deverá ser sopesado .
  • os documentos acostados aos autos demonstram que o réu pagou, no ato da contratação R$ 3.413,00 de VRG antecipado e R$ 1.805,00 de contraprestações acrescidas de VRG diluído, totalizando o importe de R$ 5.218,00;
  • Assim, ainda que desconsideradas as necessárias atualizações, mas lembrando que a expurgação do dólar do contrato também traduzirá significativa redução nos valores pagos, há uma diferença em favor do réu considerável, paga indevidamente.

          XV.- No curso do contrato de arrendamento mercantil, o caráter que prepondera é o de locação, exatamente porque o arrendatário, ora réu, remunera o autor, pelo uso da coisa, dado que proprietário ainda não é.

          XVI.- O autor somente faz jus à remuneração do valor das contraprestações até a data da reintegração da posse, em 13/11/98, quando o veículo ficou à inteira disposição da arrendadora. Entretanto, não faz jus as parcelas atinentes ao V.R.G.

          XVII.- Tudo isso, MM. Juiz, é necessário para que se atinja o objetivo precípuo da rescisão, que é o de retornar as partes " o status quo ante ", sendo certo que tal acertamento, notadamente diante da dificuldade de expurgar das parcelas pagas a " correção" pelo dólar americano, substituindo-o pelo INPC, deverá ser feito em regular liquidação de sentença, por arbitramento.

          XVIII.- Deve ser efetivamente consideradas todas as importâncias pagas e devidas. O réu tem indébito a receber, cujo valor será corretamente fixado por ocasião da necessária liquidação.

          Em suma, tais considerações com a devida vênia, bastam ao acolhimento da pretensão deduzida.


DO PEDIDO:

          Por todo o exposto, restando inexoravelmente demonstrada a viabilidade do decreto de rescisão contratual por culpa exclusiva do autor, porquanto, violou inúmeros dispositivos de ordem pública, afrontando os direitos do consumidor, estabelecidos no Código de Defesa do Consumidor, bem como, ante a gravidade da lesão aos seus direitos e a total irreversibilidade da situação, requer o réu a esse MM. Juízo, seja:

          a. julgada Improcedente a pretensão do autor; vez que desnaturalizado o leasing incabível a reintegração de posse;

          b. à restituição do bem ao réu; porquanto, a par de ter atrasado o pagamento das parcelas, antecipou a quantia de R$ 3.413,00 ( a título de Valor Residual Garantido) e mais R$ 284,30 (a título de Valor Residual Garantido Diluído - 05 parcelas), perfazendo-se um total de R$ 3.697,30 . Suficiente o saldo para a quitação das parcelas em atraso, 04 parcelas, no valor de R$ 1.216,56.

          c. reconhecida e decretada a nulidade da exigência antecipada do Valor Residual Garantido;

          d. seja reconhecida e decretada a nulidade da indexação do contrato pelo dólar norte americano, a ser substituído pelo INPC;

          e. decretada a rescisão do contrato de arrendamento mercantil, objeto da controvérsia, por culpa exclusiva do autor, por afronta aos princípios de ordem pública e a legislação pátria, obtendo lucro desproporcional e exagerado;

          f. condenado o autor a devolver-lhe as importâncias pagas indevidamente (cobrança das parcelas utilizando o dólar americano e incidência da lei de usura), cujo valor será identificado em regular procedimento de liquidação;

          g. seja o autor condenado ao pagamento das verbas de sucumbência de estilo, inclusive honorários advocatícios a serem arbitrados por V. Exa. em 20%.

          h. a sustação e o levantamento do protesto da Nota promissória, emitida pelo réu ao autor, no valor Global do bem, e a retirada do nome do réu do SPC, haja vista, a culpa do autor.

          Após a decretação da rescisão contratual por culpa exclusiva do autor/arrendante, o réu/arrendatário restituirá o bem ao arrendante, a fim de que as partes retornem ao " status quo ante", com a conseqüente repetição do indébito das quantias pagas anteriormente a maior pelo arrendatário.

          Tendo em vista que a lide dispõe de matéria de fato e de direito, a qual não necessita de prova testemunhal, ainda REQUER o julgamento antecipado da lide, com fulcro no artigo 330, I, do CPC.

          Protesta provar o alegado por todos os meios de prova admitidos em direito, sem exceção.

          Termos em que,

          P. deferimento.

          Santos, 05 de outubro de 1.999.

Andrea Silva Mendes
OAB n º 147.965



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Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

MENDES, Andréa Silva. Contestação em reintegração de posse por empresa de leasing. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 5, n. 42, 1 jun. 2000. Disponível em: https://jus.com.br/peticoes/16047. Acesso em: 20 abr. 2024.