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Mandado de segurança contra desclassificação de candidato em concurso público por "investigação social"

Mandado de segurança contra desclassificação de candidato em concurso público por "investigação social"

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Candidato ao cargo de agente de Polícia Civil do Distrito Federal foi eliminado em concurso público na etapa de "sindicância da vida pregressa e investigação social", em virtude de processo criminal extinto por transação penal (Lei 9099/95). O mandado de segurança impetrado foi acolhido pelo Tribunal de Justiça.

          EXMº. SR. DR. DESEMBARGADOR PRESIDENTE DO CONSELHO ESPECIAL DO EGRÉGIO TRIBUNAL DE JUSTIÇA DO DISTRITO FEDERAL.

ADIMÁRIO BESERRA TOLENTINO, brasileiro, solteiro, servidor público, portador da CI nº. 1.068.056 - SSP/DF, CIC nº. 376.638.011-72, residente e domiciliado na QNN 06 Conj. "F" Casa 43 Ceilândia-DF, fone: 376-4409; por seu advogado, adiante assinado, procuração em apenso (Doc. 01, com escritório no endereço grafado no cabeçalho desta inicial; vem, com o devido respeito, à ínclita presença de V. Exª., com fundamento no artigo 5º., inciso LXIX, da Carta Magna de 1988, bem como na Lei nº. 1.533/51, com suas modificações posteriores, para impetrar o presente

MANDADO DE SEGURANÇA
COM PEDIDO LIMINAR

, autoridade com endereço na SAISO Lote 23 Complexo da Polícia Civil - CPE, Bloco "A", Brasília-DF, e SECRETÁRIO DE SEGURANÇA DO DISTRITO FEDERAL, autoridade com endereço no SAM Conj. "A" Bloco "A" Ed. Sede da Secretaria de Segurança, 4º. Andar, Brasília-DF, consubstanciados no Edital nº. 14-PC-AP/CESPE, de 20 de agosto de 1998, publicado no DODF de 21/08/98, que culminou por ferir direito líquido e certo do Impetrante, consoante será demonstrado a seguir:


I - DOS FATOS

          01. Foi publicado no DOU de 06/01/98 o Edital de Abertura do Concurso Público para o cargo de AGENTE DE POLÍCIA CIVIL(vide edital na íntegra, doc. 03).

          02. O item nº. "10 - SINDICÂNCIA DA VIDA PREGRESSA E INVESTIGAÇÃO SOCIAL" do edital acima descrito fora assim redigido:

"10 - SINDICÂNCIA DA VIDA PREGRESSA E INVESTIGAÇÃO SOCIAL

          10.1. A Sindicância da Vida Pregressa e Investigação Social, de caráter eliminatório e de responsabilidade da Polícia Civil, será realizada a partir das informações constantes do formulário a ser preenchido e assinado pelo candidato convocado para esta fase.

          10.2. Por ocasião da entrega do formulário a que se refere o subitem 10.1. o candidato deverá apresentar os seguintes documentos:

a) cópia autenticada do documento de identidade, com validade em todo território nacional;

b) cópia autenticada do CPF;

c) cópia autenticada do certificado de reservista;

d) cópia autenticada do Título de Eleitor e comprovante de votação da última eleição;

e) cópia autenticada da Carteira de Trabalho ou documento equivalente que comprove o último e o atual emprego;

f) certidões negativas dos distribuidores criminais das Justiças Federal, Militar e dos Estados onde haja residido o candidato nos últimos 2 anos.

          10.3. O candidato que for considerado não habilitado na avaliação de Sindicância da Vida Pregressa e Investigação Social poderá ter vista de seu formulário dentro do prazo de 3 (três) dias úteis, a contar do dia em que for divulgado o resultado dessa avaliação.

          10.4. O resultado da avaliação da Sindicância da Vida Pregressa e Investigação Social será publicado no DODF e no DO."

          03. O Impetrante inscreveu-se regularmente no concurso, cumprindo todas as exigências e requisitos previstos no edital. Prestou todos os exames previstos nos itens 6 (Provas Objetivas), 7 (Exames Biométricos e Avaliação Médica), 8 (Prova Prática de Aptidão Física) e 9 (Exame Psicotécnico), logrando êxito em todas essas etapas, tendo a seguir, sido considerado NÃO-HABILITADO na Sindicância da Vida Pregressa e Investigação Social, previsto no item 10 do Edital do certame, consoante se denota do prefalado Edital nº. 14-PC-AP/CESPE, de 20 de agosto de 1998, publicado nesta última sexta-feira, dia 21/08/98.

          04. Eminentes Julgadores, o referido Edital número 14- PC-AP/CESPE não elucida a motivação da não-habilitação do Impetrante, que culminou na sua exclusão do certame, o que motivou a protocolização pelo mesmo do anexo requerimento solicitando informações a respeito dos motivos de tal medida extrema.

          05. De outra banda, tanto o Edital em referência como a anexa Portaria nº. 12, de 26 de dezembro de 1997, publicada no DODF de 06/01/98, são uníssonos ao informar que a referida Sindicância da Vida Pregressa e Investigação Social estavam a cargo exclusivo da Polícia Civil do Distrito Federal. Daí, portanto, a razão da presença das autoridades impetradas no presente writ.

          06. O CESPE/UnB, por seu turno, em resposta ao mencionado requerimento feito pelo Impetrante, informou que sua exclusão fora motivada por informações prestadas pela própria Polícia Civil do Distrito Federal, pelo fato de constar incidência contra a pessoa do impetrante no art. 180, parágrafo primeiro, do Código Penal. Traz o impetrante aos autos, por sua vez, a cópia do Termo de audiência e da r. sentença proferida nos autos do Processo Penal nº. 1389/96, originada pela compra de boa fé que fizera de um toca-fitas automotivo que era produto de furto.

          07. Com o advento da Lei nº. 9.099/95, e com a garantia de que a aceitação do "benefício" previsto no artigo 76, da mesma lei - garantia essa, inclusive, objeto da r. sentença que homologou o acordo proposto pelo Ministério Público - o impetrante aceitou os termos do referido acordo.

          08. Ora, Eminentes Julgadores, o "benefício" oferecido ao Impetrante, aceito por este apenas para se livrar do incômodo e do estresse de estar respondendo uma ação penal, e não por, como se diz no jargão popular, "ter culpa no cartório", acabou por prejudicá-lo, eis que motivou a sua não-habilitação no certame para o qual se preparara com muito esforço e obtivera êxito dentre milhares de concorrentes.

          09. A douta sentença que extinguiu a punibilidade do impetrante ressalva que o referido fato não constaria de nenhum registro penal, bem como não importaria em reincidência, não constaria de certidão de antecedentes criminais, nem teria efeitos civis, na forma dos §§ 4º. e 6º., do mencionado artigo 76, da Lei nº. 9.099/95.

          10. O Estado não está, agora, lhe resguardando o direito que lhe fora assegurado judicialmente pelo Douto Juízo Criminal da Circunscrição Judiciária de Ceilândia-DF, uma vez que um de seus órgãos - a Polícia Civil do Distrito Federal - o está penalizando civilmente, quando lhe fora assegurado pelo próprio Estado - desta vez pelo Poder Judiciário - que isso não iria ocorrer.


II - DO DIREITO

          11. O ato que excluiu o Impetrante do certame fere de morte o princípio da presunção da inocência, emanado do inciso LVII, do artigo 5º., da Carta Magna de 1988, que prevê:

"Art. 5º. Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade, nos termos seguintes:

. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . .

LVII - ninguém será considerado culpado até o trânsito em julgado de sentença penal condenatória;

. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . "

          12. Como ensina a boa doutrina, ninguém pode ser vítima de qualquer ato discriminatório que tenha por objeto da discriminação o fato de estar a pessoa respondendo a processo penal ainda não concluído, quanto mais no caso do Impetrante, onde lhe fora assegurado que tal discriminação jamais ocorreria. Claro está, então, que o Impetrante tem o pleno direito de continuar a participar do certame ao qual se candidatara e obtivera êxito em todas as demais etapas, com a sua conseqüente matrícula no curso de formação previsto no item 11 do edital do concurso.


III - DOS PRESSUPOSTOS AUTORIZADORES DA LIMINAR

          13. Está cristalinamente demonstrado o "fumus boni ju- ris", em razão da exposição fática e da demonstração do direito do Impetrante, primeiro, pela evidente impossibilidade do seu afastamento do certame em razão da garantia judicial que lhe fora dada pelo Juízo Criminal da Circunscrição Judiciária de Ceilândia-DF, pela previsão e proteção constitucional apontada.

          14. Já o "periculum in mora" reside no fato de tornar-se ineficaz a concessão da segurança somente no final da ação, eis que o próprio item 6, do edital nº. 14-PC-AP/CESPE determina a inscrição no referido curso de formação entre os dias 25 e 27 de agosto de 1998.


IV - DO PEDIDO

          15. DIANTE DE TUDO ISSO, Eminentes Desembargadores, outra alternativa não restou ao Impetrante, senão vir buscar de Vossas Excelências o Remédio Heróico, nos seguintes termos:

a) a concessão da Medida Liminar, "inaudita altera pars", com o fim específico de determinar às Autoridade Coatoras que tornem sem efeito o resultado da Investigação da Vida Pregressa e Investigação Social no que diz respeito à não-habilitação do Impetrante, determinando, por conseguinte, que aceitem a sua matrícula no Curso de Formação Profissional a ser realizado na Academia de Polícia Civil, em igualdade de condições com os demais candidatos, para a final, se obtiver a aprovação no referido curso, ser nomeado, empossado, enfim, sejam praticados todos os atos administrativos pertinentes à espécie.

b) a intimação das Autoridades Impetradas, para que prestem as informações que julgarem pertinentes;

c) Por derradeiro, após a oitiva do sempre zeloso Representante do Ministério Público, e, cumpridas as formalidades legais, seja concedida a segurança, confirmando a liminar deferida.

Dá-se à causa o valor de R$ 100,00 (cem reais).

Nestes Termos.

P. Deferimento.

Brasília-DF, 25 de agosto de 1998.

RONALD W. MIGNONE - OAB/DF 11.328

A seguir, transcreve-se a ementa do acórdão do Tribunal do Justiça:

          ADMINISTRATIVO: CONCURSO PÚBLICO – AGENTE DE POLÍCIA CIVIL – CANDIDATO INABILITADO – TRANSAÇÃO PENAL – EXTINÇÃO DE PUNIBILIDADE – EFEITOS CIVIS AMPLOS – APROVAÇÃO RECONHECIDA – Ordem Concedida. Maioria.

A transação penal realizada sob a égide da Lei 9.099/95 não importará em reincidência, não constará de certidão de antecedentes criminais e nem terá efeitos civis, na forma dos §§ 4.º e 6.º, do art. 76, da Lei 9.099/95.

Não pode a autoridade administrativa inabilitar candidato que realizou transação penal com o MP, homologada pelo Juízo, que extinguiu a sua punibilidade face ao cumprimento dos termos do acordo.

Como o candidato participou até o final do certame, realizando inclusive o curso de Formação Profissional, onde obteve aprovação, deve a ordem ser concedida a fim de que seja o mesmo considerado aprovado no concurso, afastado assim a ilegal inabilitação feita pela autoridade, com fulcro apenas em critérios subjetivos, podendo assim ser nomeado para o cargo de agente de polícia.

Ordem concedida. Maioria.


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Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

Mandado de segurança contra desclassificação de candidato em concurso público por "investigação social". Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 5, n. 40, 1 mar. 2000. Disponível em: https://jus.com.br/peticoes/16127. Acesso em: 19 abr. 2024.