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Improbidade administrativa.

Contratação de servidores sem concurso público

Improbidade administrativa. Contratação de servidores sem concurso público

Publicado em . Elaborado em .

Petição inicial de ação civil pública sobre contratação irregular de servidores públicos sem realização de concurso, a caracterizar improbidade administrativa.

Ministério Público da Paraíba
Promotoria de Justiça Cumulativa de Cajazeiras
Curadoria do Patrimônio Público

          EXCELENTÍSSIMO SENHOR DOUTOR JUIZ DE DIREITO DA PRIMEIRA VARA DA COMARCA DE CAJAZEIRAS-PB.

          O MINISTÉRIO PÚBLICO,(1) (2) no uso de suas atribuições legais, pela Curadoria do Patrimônio Público da Promotoria de Justiça de Cajazeiras-PB, por este Promotor de Justiça que no final subscreve, vem à presença de Vossa Excelência, com supedâneo no art. 129, III, da CF, no art. 60, IV, "d", da LC nº 19/94, no art. 17, da Lei Federal nº 8.429/92, e no art. 5º, da Lei nº 7.347/83, propor AÇÃO CIVIL PÚBLICA DE IMPROBIDADE ADMINISTRATIVA contra JOSÉ NELLO ZERINHO RODRIGUES, Ex-Prefeito do Município de Cajazeiras-PB, brasileiro, casado, empresário, residente e domiciliado na Praça Ana Albuquerque, sem número, Centro, Cajazeiras-PB, MARIA DAS DORES ARNOR, brasileira, casada, do lar, residente e domiciliada no Sítio Belo Monte, Município de Cajazeiras-PB, BERNADETE CRISPIM DE SOUZA, brasileira, casada, operária, residente e domiciliada na Rua Antônio Marcos Feitosa, nº 2.278, Casas Populares, Cajazeiras-PB, e MARIA DE FÁTIMA ABEL LIMA, brasileira casada, comerciante, residente e domiciliada na Rua Aprígio Bezerra, nº 251, Centro, Cajazeiras-PB, pelas razões a seguir aduzidas:


I - DOS FATOS

          A Comissão de Improbidade do Ministério Público do Estado da Paraíba encaminhou a esta Curadoria várias peças de informação, nas quais existiam contratações irregulares de servidores públicos concretizadas pelo Município de Cajazeiras-PB, representado pelo Prefeito da época, no caso, o réu.

          Recebidas essas informações, a Curadoria do Patrimônio Público requisitou cópias dos contratos efetivados entre o Município e ex-servidores públicos do Município de Cajazeiras-PB, no sentido de melhor analisar as imputações que eram dirigidas contra o Ex-Prefeito José Nello Zerinho Rodrigues.

          Verificou-se, logo de saída, que nos anos de 1994 a 1997 havia realmente contratações ilegais realizadas pelo Prefeito de Cajazeiras-PB, que maquilava o ato com um contrato administrativo que nunca era cumprido no que diz respeito ao prazo de vigência, como aconteceu nos casos das servidoras Maria das Dores Arnor, Bernadete Crispim de Souza e Maria de Fátima Abel Lima.

          Maria das Dores Arnor, por exemplo, foi contratada formalmente (documentalmente) no dia 13 de março de 1995, para exercer o cargo de auxiliar de serviços gerais, com prazo de 6 (seis) meses, prorrogável por igual período. Acontece que, na verdade, na prática, entrou no serviço público no dia 21 de março de 1994 e saiu no dia 30 de dezembro de 1997, mais de 3 (três) anos depois.

          Bernadete Crispim de Souza, por sua vez, foi contratada formalmente (documentalmente) no dia 21 de novembro de 1994, para exercer o cargo de regente de ensino, com prazo de 6 (seis) meses, prorrogável por igual período. Acontece que, na verdade, na prática, entrou no serviço público no dia 21 de março de 1994 e saiu no dia 30 de dezembro de 1996, mais de 2 (dois) anos depois.

          E Maria de Fátima Abel Lima, seguindo o mesmo caminho, foi contratada formalmente (documentalmente) no dia 13 de março de 1995, para exercer o cargo de professora, com prazo de 6 (seis) meses, prorrogável por igual período. Acontece que, na verdade, na prática, entrou no serviço público no dia 26 de abril de 1995 e saiu no mês de janeiro de 1997, mais de 1 (um) ano e 6 (seis) meses depois.

          Dois desses contratos foram julgados na Justiça do Trabalho, sendo que os de Maria das Dores Arnor e o de Bernadete Crispim de Souza receberam estes acórdãos:

          SERVIDOR PÚBLICO. CONTRATO DE TRABALHO CELEBRADO EM DESACORDO COM O ART. 37, II, DA CONSTITUIÇÃO FEDERAL – NULIDADE DO ATO.

          São considerados nulos de pleno direito, ensejando apenas o deferimento dos salários retidos no valor pactuado, os contratos de trabalho de servidores públicos celetistas posteriores a 05.10.88, sem a prévia aprovação em certame seletivo, nos moldes do artigo 37, II, da Carta Magna. Entretanto, como na nulidade não se pode restituir a força de trabalho despendida pelo autor, deve ser deferido ao mesmo os salários correspondentes aos dias trabalhados e não pagos. Remessa Necessária e Recurso Voluntário parcialmente providos para restringir a condenação aos salários retidos, na forma pactuada. (Tribunal Regional do Trabalho – 13ª Região, Acórdão nº 48932, Recurso Ordinário nº 4127/98)

          ADMISSÃO APÓS 05.10.88 SEM O REQUISITO DO ART. 37, INC. II, DA CF/88. NULIDADE DO CONTRATO DE TRABALHO. EFEITOS.

          A partir de 05./10/88, a investidura em cargo ou emprego público depende de prévia aprovação em concurso público, nos termos do art. 37, II, da CF/88. A não observância de tal exigência implica na nulidade do contrato de trabalho, sendo devidos apenas os salários retidos, no valor pactuado. Recurso Ordinário a que se dá parcial provimento para restringir a condenação aos salários atrasados. (Tribunal Regional do Trabalho – 13ª Região, Acórdão nº 48943, Recurso Ordinário nº 4323/98)

          O juiz do trabalho, como não poderia deixar de ser, observando que havia flagrante descumprimento a mandamentos constitucionais, resolveu remeter cópias desses processos ao Procurador-Geral de Justiça para que fossem apurados os crimes de responsabilidade e as improbidades administrativas.

          Cópias desta ação e das peças informativas foram encaminhadas ao Coordenador da Promotoria de Justiça de Cajazeiras-PB, para que o Promotor de Justiça ou os Promotores de Justiça Criminais estudem a matéria e adotem as providências legais.

          Sendo assim, o Ministério Público vem pedir a tutela jurisdicional do Estado, configurada lesão ao Patrimônio Público Municipal (art. 5º, XXXV, da CF).


II – DO DIREITO

          As ações do Senhor Prefeito José Nello Zerinho Rodrigues e das rés Maria das Dores Arnor, Bernadete Crispim de Souza e Maria de Fátima Abel Lima feriram a Constituição Federal, no tocante à investidura em cargo ou emprego público, frustrando a licitude de concurso público de provas ou de provas e títulos.

          A CF tinha esta redação:

          Art. 37. A administração pública direta, indireta ou fundacional, de qualquer dos Poderes da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios obedecerá aos princípios de legalidade, impessoalidade, moralidade, publicidade e, também, ao seguinte: II - a investidura em cargo ou emprego público depende de aprovação prévia em concurso público de provas ou de provas e títulos, ressalvadas as nomeações para cargo em comissão declarado em lei de livre nomeação e exoneração;

          Com este inciso:

          IX - a lei estabelecerá os casos de contratação por tempo determinado para atender a necessidade temporária de excepcional interesse público; (Grifo acrescentado).

          Ora, o Prefeito, para burlar o mandamento constitucional, fazia um contrato administrativo, por tempo determinado, para dizer que estava atendendo necessidade de excepcional interesse público, invocando em seu benefício a Lei Municipal nº 1.041/93,(3) (4) todavia, com um fito nesta lei, descobre-se a ilegalidade das contratações supracitadas, porque violados os arts. 10, 11 e 12.

          Eis o texto dos artigos:

          Art. 10. A fim de atender necessidade temporária de excepcional interesse público, poderão ser efetuadas admissões de pessoal por tempo determinado, mediante contrato administrativo padronizado, do qual constarão todos os direitos, vantagens, deveres e obrigações das partes.

          .....................................................

          Parág. 2º. A vinculação contratual extingue-se automaticamente pelo decurso do prazo lançado no contrato respectivo, sem qualquer outra formalidade.

          Art. 11. Consideram-se como de excepcional interesse público as admissões que visem:

          I – Ao atendimento de situações de calamidade pública;

          II – O combate a surtos epidêmicos;

          III – A promoção de campanhas de saúde pública;

          IV – A execução de serviços técnicos, fiscalização, supervisão, manutenção ou gerenciamento de obras e serviços essenciais à população;

          V – O suprimento de docentes em salas de aulas e de pessoal especializado em saúde, nos casos de licença para repouso à gestante, licença para tratamento de saúde, licença por motivo de doença em pessoas da família, licença para tratamento de interesse particular, licença em caráter especial (prêmio), exoneração, demissão, aposentadoria e falecimento.

          VI – A realização de eventos patrocinados pelo município, tais como: feiras, exposições, congressos e similares.

          VII – A execução de serviços técnicos por profissionais de notória especialização nas áreas de pesquisas científica e tecnológica.

          Art. 12. As admissões de que trata este artigo serão feitas, em regra, pelo prazo de até seis (06) meses, podendo ser renovado uma única vez se persistirem as causas motivadoras da celebração do contrato, sem ensejar nenhum vínculo de natureza trabalhista e empregatícia.

          Como se vê nas peças de informação, as contratações das rés pelo Prefeito não se enquadravam nas hipóteses do art. 11, da Lei Municipal nº 1.041/93, mormente porque elas não faziam referência ao tipo de excepcional interesse público a que estavam atendendo. Ademais, ultrapassaram o tempo previsto para sua duração, vigorando um deles por mais de 3 (três) anos.

          Os contratos também não se ajustavam aos termos da Lei Federal nº 8.745/93.

          O Prefeito colocava no serviço público quem ele queria, tudo isso para frustrar a realização de concurso público e espancar brutalmente os princípios da isonomia e da impessoalidade. (5) (6) (7)

          Houve indubitavelmente promoção pessoal do Prefeito, (8) desvio de finalidade(9) e frustração de concurso público, que caracterizaram improbidade administrativa:

          Art. 11. Constitui ato de improbidade administrativa que atenta contra os princípios da administração pública qualquer ação ou omissão que viole os deveres de honestidade, imparcialidade, legalidade e lealdade às instituições, e notadamente:

          I – praticar ato visando fim proibido em lei ou regulamento ou diverso daquele previsto, na regra da competência.

          V – frustrar a licitude de concurso público;

          Essas ilegalidades têm o triste nome de "corrupção" no serviço público, vergonhosamente praticada por diversas autoridades brasileiras, em toda esfera de poder:

          Num primeiro momento, seria oportuno destacar que improbidade administrativa é o designativo técnico para a chamada corrupção administrativa, que, sob diversas formas, promove o desvirtuamento da Administração Pública e afronta os princípios nucleares da ordem jurídica (Estado de Direito, Democrático e Republicano), revelando-se pela obtenção de vantagens patrimoniais indevidas às expensas do erário, pelo exercício nocivo das funções e empregos públicos, pelo "tráfico de influência" nas esferas da Administração Pública e pelo favorecimento de poucos em detrimento dos interesses da sociedade, mediante a concessão de obséquios e privilégios ilícitos. (Paulo Roberto de Souza Leão, Procurador de Justiça, na ação que moveu, quando Promotor de Justiça, contra Baobá Distribuições, Empreendimentos e Participações Ltda., na Capital do Estado do Rio Grande do Norte)

          A Lei 8.429 tem por escopo proteger a administração em seu sentido mais amplo possível; é ela, em seus variados matizes e representações orgânicas e funcionais, quase sempre, o alvo de "corrupção", de favoritismos, de má gestão; enfim, de toda a sorte de malversações e ilícitos. Remarque-se novamente a abrangência do que se entende por "administração". Nota-se claramente que a "ratio legis" volta-se para o controle dos "dinheiros públicos" (bens, direitos, recursos, com ou sem valor econômico) em todo espectro da Federação brasileira e em toda e qualquer categoria de empresas e órgãos públicos, entidades ou empresas particulares relacionadas na lei (v. arts. 1º, parágrafo único e 3º). (Improbidade Administrativa, de Marcelo Figueiredo, Malheiros Editores, 1997, pág. 25)

          O art. 4º, da Lei em comento, determina aos agentes públicos velarem os princípios da Carta Magna:

          Art. 4º. Os agentes públicos de qualquer nível ou hierarquia são obrigados a velar pela estrita observância dos princípios de legalidade, impessoalidade, moralidade e publicidade no trato dos assuntos que lhe são afetos.

          Os réus, pelo que fizeram ilicitamente contra o patrimônio público, estão passíveis, no que couber, das punições do art. 12, III, da Lei de Improbidade Administrativa, além de outras fortes incursões que podem ser engendradas contra eles:

          Art. 12. Independentemente das sanções penais, civis e administrativas, previstas na legislação específica, está o responsável pelo ato de improbidade sujeito às seguintes cominações:

          I - ....................................................................

          II - ...................................................................

          III – na hipótese do art. 11, ressarcimento integral do dano, se houver, perda da função pública, suspensão dos direitos políticos de 3 (três) a 5 (cinco) anos, pagamento de multa civil de até 100 (cem) vezes o valor da remuneração percebida pelo agente e proibição de contratar com o Poder Público ou receber benefícios ou incentivos fiscais ou creditícios, direta ou indiretamente, ainda que por intermédio de pessoa jurídica da qual seja sócio majoritário, pelo prazo de 3 (três) anos.

          As sanções da Lei 8.429/92, segundo o STJ, são independentemente de outras medidas:

          Os atos de improbidade administrativa definidos nos arts. 9, 10 e 11, da Lei nº 8.429/92, acarretam a imposição de sanções previstas no art. 12, do mesmo diploma legal, às quais são aplicadas independentemente das sanções penais, civis e administrativas.

          Tais sanções, embora não tenham natureza penal, revelam-se de suma gravidade, pois importam em perda de bens e de função pública, ou em pagamento de multa e suspensão de direitos políticos, todos aplicados no âmbito de uma ação civil... (REsp. 150329/RS - Relator Ministro VICENTE LEAL - Publ. no DJ de 05/04/1999, PG: 00156)

          O legislador ordinário seguiu fielmente a diretriz constante no mandamento constitucional:

          Art. 37. .....................................................

          § 4º. Os atos de improbidade administrativa importarão a suspensão dos direitos políticos, a perda da função pública, a indisponibilidade de bens e o ressarcimento ao erário, na forma e gradação previstas em lei, sem prejuízo da ação penal cabível.

          De outro lado, se o servidor contratado sem concurso prestou serviços à Administração Pública, o enriquecimento ilícito fica afastado e não há dano ao erário público. Esta é a posição do Superior Tribunal de Justiça e do Conselho Superior do Ministério Público do Estado da Paraíba. Ementas:

          (...) Assim, se não obstante a contratação ilegal de servidor, este efetivamente prestou serviços à Administração, não caracterizam lesão aos cofres públicos os vencimentos que lhe foram pagos. Se assim não fosse, haveria locupletamento da Administração, valendo-se da sua própria torpeza. Nem todo ato administrativo nulo é lesivo aos cofres públicos. (Agravo de Instrumento nº 44.761-5 – RJ – DOU – 7.12.93)

          Contrato irregular de servidor, sem prévia aprovação em concurso público, sob a égide da CLT, pela nulidade de que se reveste, não gera qualquer efeito jurídico, a não ser o pagamento dos salários como contraprestação laboral, dada a ausência de dano ao Erário Público Municipal e de enriquecimento ilícito por quem deu causa. (Sumula nº 1)

          Mas não se pode esquecer de que as contratações sem concurso público, mesmo sem prejuízo ao erário, macularam vários princípios que norteiam a administração pública, devendo o ato ser declarado nulo de pleno direito pelo Poder Judiciário, na pessoa de Vossa Excelência, responsabilizando os infratores.

          Sobre a nulidade, ver os posicionamentos dos mestres administrativistas Fábio Medina Osório (10), Luiz Fabião Gusque (11) e Celso Antônio Bandeira de Mello. (12)

          O desvio de finalidade, a promoção pessoal, a quebra da isonomia e a frustração de concurso público maculam os princípios da administração pública e provoca dano moral, que deve ser ressarcido pelo infrator. Não se pode olvidar que o art. 5º, da Lei nº 8.429/92, fala sobre lesão ao patrimônio público, que é mais abrangente do que lesão ao erário público. Este é espécie do gênero.

          Mais uma lição de Fábio Medina Osório, ao pontificar o dano moral do ente público, (13) (14) precisa ser hodiernamente, com amplitude, conhecida e defendida:

          Ressarcimento do dano abrange, por certo, dano moral, até porque a lei fala, no art. 12, III, em ressarcimento do dano, se houver, nos casos em que a improbidade traduz mera agressão aos princípios. Há quem sustente a viabilidade do ressarcimento do dano moral, sublinhando, todavia, que este estaria bem tutelado pela multa civil, veículo próprio e adequado a esse ressarcimento, submetendo-se aos prazos prescricionais, diferentemente do que ocorre com o dano material, que é imprescritível à luz do art. 37, parágrafo 5º, da Carta Magna.

          Ouso discordar do entendimento de que a multa civil basta para reparar o dano moral. Multa civil é conseqüência jurídica certa da improbidade, sancionamento autônomo que independe da comprovação de dano moral ou material, prevista a toda e qualquer modalidade de ato ímprobo, ao passo que o dano moral à entidade lesada, se houver, deve ser reparado à luz dos critérios que têm orientado os julgadores nessa seara, sem prejuízo da incidência cumulativa com multa civil e, mais ainda, sem submissão ao prazo prescricional, por força expressa do art. 37, parágrafo 5º, da Carta de 1988, aí residindo importância fundamental da norma jurídica comento, dado que permite reparação de dano moral independentemente da multa civil. Aqui, visão sistemática permite tal conclusão, na medida em que a doutrina, de longa data, vem permitindo reparação de dano moral à pessoa jurídica, o que pode ocorrer com gravidade em se tratando de determinados atos de improbidade atentatórios aos princípios da administração pública. (Improbidade Administrativa, Editora SINTESE, 1998, fls. 256 e 257)

          Não se pode tirar da mente que a violação dos princípios administrativos provoca dano moral na pessoa jurídica de direito público e, conseqüentemente, nos indivíduos que são tutelados pelas normas de interesse difuso. (15)


III - DO PEDIDO

          Ante o exposto, o Ministério Público requer de Vossa Excelência o seguinte:

          a) a citação dos réus por oficial de justiça (art. 222, "f", do CPC), nos endereços apontados no frontispício da exordial, para, querendo, no prazo da lei, respondera ação, sob pena do efeito da parte inicial do art. 322, do CPC, caso não se formule contestação;

          b) a citação do Município de Cajazeiras-PB para, na pessoa de quem de direito, integrar a lide na qualidade de litisconsorte passivo necessário (art. 17, § 3º, da Lei nº 8.429/92);

          c) a procedência do pedido, para decretar aos réus, no que couber, a perda da função pública, a suspensão dos direitos políticos de 3 a 5 nos, a proibição de contratar com o Poder Público ou receber benefícios ou incentivos fiscais ou creditícios, direta ou indiretamente, ainda que por intermédio de pessoa jurídica da qual seja sócio majoritário, pelo prazo de 3 anos, o ressarcimento ao Patrimônio Público de Cajazeiras-PB de valor a ser apurado em liquidação de sentença, a título de dano moral, corrigido legalmente, e a fixação de multa civil de até 100 (cem) vezes o valor da remuneração percebida pelo infrator (art. 12 e incisos da Lei nº 8.429/92), declarando-se a nulidade do ato, sem efeitos sucumbenciais. (16)

          Protesta por todos os meios de prova permitidos em direito, especialmente testemunhal, pericial e documental, requerendo, de logo, o depoimento pessoal dos réus.

          Valor da causa: R$ 3.000,00 (três mil reais).

          Cajazeiras, 16 de março de 2000.

ALEXANDRE CÉSAR F. TEIXEIRA
Promotor de Justiça Curador


NOTAS

  1. A Lei Federal nº 8.429/92 inexige que a improbidade administrativa tipificada em seu art. 10º advenha de sentença transitada em julgado, nem tampouco o disposto em seu art. 17, torna obrigatória precedente ação cautelar, impondo-se reconhecer que o Ministério Público detém legitimidade para propor ação pelo rito ordinário de perda da função pública contra prefeito acusado de contratação irregular de servidores. (ROMS. 6208/SP – Relator Ministro ANSELMO SANTIAGO – Publ. no DJ de 15/03/1199, PG: 00287)
  2. A Lei 7.347/85 deu legitimidade ativa ao Ministério Público e às pessoas jurídicas estatais, autárquicas e paraestatais, assim como às associações destinadas à proteção do meio ambiente ou à defesa do consumidor, para proporem a ação civil pública nas condições que especifica (art. 5º). É evidente que o Ministério Público está em melhor posição para o ajuizamento dessa ação, por sua independência institucional e atribuições funcionais. Além disso, está isento de custas e honorários no caso de improcedência da demanda. A prioridade do Ministério Público para a propositura da ação e das medidas cautelares convenientes está implícita na própria Lei, quando estabelece que "qalquer pessoa poderá e o servidor público deverá provocar a iniciativa do Ministério Público, ministrando-lhe informações sobre fatos que constituam objeto da ação civil e indicando-lhe os elementos de convicção" (art. 6º). A mesma Lei determina, ainda, aos Juízes e Tribunais que se, no exercícios de suas funções, "tiveram conhecimento de fatos que possam ensejar a propositura da ação civil, remeterão peças ao Ministério Público para as providências cabíveis" (art. 7º) e finaliza concedendo ao Ministério Público a faculdade de "instaurar, sob sua presidência, inquérito civil, ou requisitar, de qualquer organismo". (RT 740/748)
  3. "Por força da autonomia que lhe foi conferida e nos limites dele, o Município possui a faculdade de gerir os assuntos do seu interesse, de prover os assuntos do seu interesse, de organizar os seus serviços, imprimindo direção própria aos seus negócios. Essa faculdade é colorário da autonomia administrativa, constitucionalmente assegurada pela gestão própria dos assuntos do seu particular interesse. Em decorrência desse princípio constitucional, compete ao Município organizar livremente tais serviços." (AGUIAR, Joaquim Castro de. Competência e Autonomia dos Municípios na Nova Constituição – Rio de Janeiro. Forense, 1993, pág. 111 e seguintes)
  4. "...que a lei ali referida será da entidade controladora, ou seja, será federal, estadual, distrital ou municipal. Não há que ser lei federal com validade para todos as entidades porque não se lhe reserva competência para estabelecer geral e muito menos especial. Além do mais, a autonomia dos entes políticos não se lhe permite." (SILVA, José Afonso da. Curso de Direito Constitucional Positivo – 6ª ed. – Ed. Revista dos Tribunais, 1990, pág. 411 e seguintes)
  5. Art. 5º, da CF. Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade, nos termos seguintes: (...)
  6. Art. 37, da CF. A administração pública direta, indireta ou fundacional, de qualquer dos Poderes da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios obedecerá aos princípios de legalidade, impessoalidade, moralidade, publicidade e, também, ao seguinte: (...)
  7. Em resumo, o concurso público é um instrumento de realização concreta dos princípios constitucionais da isonomia e da impessoalidade. Fique perfeitamente claro que os dispositivos do art. 37 da Constituição Federal se aplicam ao gênero servidores, abrangendo funcionários estatutários e empregados celetistas, inclusive das empresas estatais que exercem atividades econômicas. (DALLARI, Adilson Abreu. Regime constitucional dos servidores públicos, p. 37)
  8. A contratação ilegal de funcionários, assim, traduz ofensa ao interesse público inerente à finalidade do ato, qual seja, proporcionar garantias legais de igualitário acesso ao serviço público a todos os cidadãos. Desrespeitar a exigência do concurso público, qando couber, implica improbidade administrativa, na exata medida em que se pratica um ato desprovido da finalidade intrínseca à forma prevista no sistema jurídico. (OSÓRIO, Fábio Medina. Improbidade Administrativa. Editora SINTESE, pág. 213)
  9. O inciso I qualifica como ato de improbidade administrativa, assim, praticar ato visando fim proibido em lei ou regulamento ou diverso daquele previsto, na regra de competência. Trata-se do princípio da legalidade, segundo o qual o "administrador está, em toda a sua atividade funcional, sujeito aos mandamentos da lei e às exigências do bem comum, e delas não se pode afastar ou desviar, sob pena de praticar ato inválido e expor-se à responsabilidade disciplinar, civil e criminal, conforme o caso", na lição de Hely Lopes Meirelles, na sua obra "Direito Administrativo Brasileiro". Quem pratica, pois, ato administrativo objetivando um fim defeso em lei, ou em regulamento ou mesmo diverso daquele previsto na regra da competência está praticando a improbidade administrativa, está sendo, portanto, ímprobo, afinal, na Administração Pública o agente público somente pode fazer aquilo que lhe é permitido por lei. (MASCARENHAS, Paulo. Improbidade Administrativa e Crime de Responsabilidade de Prefeito, LED Editora de Direito, Ano 1999, págs. 40 e 41)
  10. Eis que a improbidade administrativa, por regra geral, há de produzir nulidade absoluta do ato administrativo, retroagindo os efeitos invalidantes ao nascimento do ato, respeitando-se, evidentemente, os limites do razoável e da boa fé dos administrados, bem assim situações definitivamente constituídas perante terceiros. (OSÓRIO, Fábio Medina. Improbidade Administrativa. Editora SÍNTESE, 2ª edição, pág. 229)
  11. Quando a Administração pratica atos externando atividades onde há flagrante interesse público e por conseqüência a indisponibilidade do mesmo, qualquer vício nos elementos essenciais como competência, forma, motivo, objeto e finalidade, determinarão sempre a nulidade (absoluta ou relativa), com as conseqüências já referidas. (GUASQUE, Luiz Fabião. Direito Público – Temas Polêmicos. Editora FREITAS BASTOS, 1997, págs. 204/205)
  12. 163. São Nulos: a) os atos que a lei assim os declare; b) os atos em que é racionalmente impossível a convalidação, pois se o mesmo conteúdo (é dizer, o mesmo ato) fosse novamente produzido, seria reproduzida a invalidade anterior. Servem de exemplo: os atos de conteúdo (objeto) ilícito; os praticado com desvio de poder; os praticados com falta de motivo vinculado (salvo superviniência dele); os praticados com falta de causa. (MELLO, Celso Antônio Bandeira de. Curso de Direito Administrativo. MALHEIROS EDITORES, 4ª edição, pág. 237)
  13. Súmula 227 do STJ – A pessoa jurídica pode sofrer dano moral.
  14. Lei nº 7.347/85. Art 1º. Regem-se pelas disposições desta lei, sem prejuízo da ação popular, as ações de responsabilidade por danos morais e patrimoniais causados; IV – a qualquer outro interesse difuso ou coletivo.
  15. Na real verdade, a complexidade desses múltiplos interesses não permitem sejam discriminados e identificados na lei. Os interesses difusos não comportam rol exaustivo. A cada momento e em função de novas exigências impostas pela sociedade moderna pós-industrial, evidenciam-se novos valores, pertencentes a todo grupo social, cuja tutela se impõe como necessária. Os interesses difusos, por isso mesmo, são inominados, embora haja alguns, mais evidentes, como os relacionados aos direitos do consumidor ou concernentes ao patrimônio ambiental, histórico, artístico, estético e cultural. (FILHO, José Celso de Mello. Constituição federal anotada. 2ª ed. São Paulo: As raiva, 1996. p. 433-434)
  16. No que respeita ao Ministério Público, porém, não incide tal disciplina. Como parte autora, não terá adiantado qualquer valor correspondente a despesas processuais; assim sendo, o réu nada terá a reembolsar. Por outro lado, tendo em vista que a propositura da ação civil pública constitui função institucionalizada, uma das razões por que dispensa patrocínio por advogado, não cabe também o ônus do pagamento de honorário. (FILHO, José dos Santos Carvalho. Ação Civil Pública. Freitas Bastos Editora, pág. 368)

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Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

Improbidade administrativa. Contratação de servidores sem concurso público. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 5, n. 42, 1 jun. 2000. Disponível em: https://jus.com.br/peticoes/16138. Acesso em: 24 abr. 2024.